efdeportes.com
Métodos de estudo das habilidades táticas (4):
abordagem comparativa entre modelos
de ensino técnico e tático

Métodos de estudio de las habilidades tácticas (4):
estrategias comparativas entre modelos de enseñanza técnica y táctica

   
* Faculdade de Educação Física
Universidade de Brasília
* Colina - UnB
 
 
Alexandre Rezende*
Hiram Valdés**

hiramv@terra.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A presente revisão narrativa objetiva analisar os artigos científicos em psicologia do esporte, que relatam a coleta e discussão de dados empíricos, publicados no período de 1990-2000, verificando as vantagens e insuficiências das pesquisas que adotam a abordagem comparativa entre os modelos de ensino técnico e tático (n=8). O modelo tático está centrado no próprio jogo, tendo como princípio básico que o jogador aprende a jogar jogando, pois somente assim pode desenvolver uma compreensão de jogo que o capacite para definir o que se deve fazer e qual é o melhor momento para ser feito (quando), enquanto que o modelo técnico está centrado no desenvolvimento progressivo (por partes) de habilidades específicas, que devem ser aprendidos, inicialmente, fora do contexto de jogo, para, depois, serem progressivamente aplicadas às situações reais de jogo. A falta de rigor e precisão na caracterização dos modelos de ensino, principalmente no que se refere à descrição das atividades realizadas no modelo tático e à utilização do jogo como parte do treinamento conduz a divergências que comprometem a análise dos resultados. A inconsistência dos resultados das pesquisas na abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático pode também ser atribuída ao curto período de tempo do tratamento experimental - o mais longo tem a duração de 30 sessões, indicando a necessidade de estudos longitudinais. Paralelamente, deve-se desenvolver instrumentos psicológicos específicos de avaliação multifatorial das habilidades esportivas que permitam monitorar as variáveis diretamente relacionadas com as diversas etapas do processo de aquisição e treinamento das habilidades técnico-táticas.
    Palabras clave: Futebol. Tática. Tomada de decisão. Habilidades preceptúales. Estratégias cognitivas. Modelos de ensino técnico e tático.
 
Resumen
    El presente trabajo pretende analizar los artículos científicos de Psicología del Deporte que relatan la colecta y discusión de datos empíricos, publicados en el período 1900-2000, para verificar las ventajas e insuficiencias de las investigaciones que adoptan la estrategia de comparar modelos de enseñanza técnica y táctica (n=8). El modelo táctico está centrado en el propio juego, teniendo como principio básico que el jugador aprende a jugar jugando y solamente así puede desarrollar una comprensión del juego que lo capacite para definir lo que se debe hacer y cuál es el mejor momento para hacerlo (cuándo). El modelo técnico está centrado en el desarrollo progresivo (por partes) de habilidades específicas que deben ser aprendidos, inicialmente, fuera del contexto de juego para, después, ser progresivamente aplicados a las situaciones reales. La falta de rigor y precisión en la caracterización de los modelos de enseñanza, principalmente en lo que se refiere a la descripción de las actividades realizadas en lo modelo táctico y a la utilización del juego como pare del entrenamiento, conduce a divergencias que comprometen el análisis de los resultados. Las inconsistencias de los resultados de las investigaciones que comparan modelos de enseñanza técnica y táctica pueden también ser atribuidas al corto período de tiempo del tratamiento experimental. -el más largo tiene una duración de 30 sesiones - indicando la necesidad de estudios longitudinales. Paralelamente se deben desarrollar instrumentos psicológicos específicos de evaluación multifactorial de las habilidades deportivas que permitan monitorear las variables directamente relacionadas con las diversas etapas del proceso de adquisición y entrenamiento de las habilidades técnico-tácticas.
    Palabras clave: Fútbol. Táctica. Toma de decisión. Habilidades preceptivas. Estrategias cognitivas. Modelos de enseñanza técnica y táctica.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 75 - Agosto de 2004

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Introdução 1

    A elaboração de um programa de treinamento das habilidades esportivas envolve uma série de questões polêmicas, que incluem desde aspectos gerais, que preocupam pais, médicos e educadores - como, por exemplo: qual é a idade mais adequada para iniciar o treinamento de determinada modalidade? -, como também, questões específicas, constantemente discutidas pelos treinadores, tais como: o que é mais importante para melhorar o nível de habilidades dos jogadores: a repetição ou a variação dos movimentos? Como identificar e corrigir os erros apresentados na execução técnica dos movimentos e na forma de jogar?

    O interesse pelo estudo e a reflexão sobre as estratégias de ensino e/ou treinamento mais adequadas para auxiliar o jogador a melhorar o rendimento esportivo tem cada vez mais conquistado novos pesquisadores, diversificando os enfoques utilizados e as variáveis analisadas. Um dos temas centrais é a discussão acerca da influência do tipo de atividade a ser realizada e do modelo de ensino adotado para direcionar o processo de aquisição das habilidades esportivas.

    De acordo com Greco (1998:16), lamentavelmente a literatura científica "ainda não tem uma proposta convincente em relação a um modelo ideal de treinamento". A limitação de opções teórico-metodológicas compromete a diversificação dos programas de iniciação ao treinamento esportivo e, até mesmo, a eficiência do treinamento de alto nível.

    Greco (1998), apresenta uma revisão sobre a metodologia de treinamento aplicada ao ensino-aprendizagem das habilidades esportivas na qual, citando Dietrich et al (1984), afirma que existem 2 modelos pedagógicos principais: o global-funcional e o analítico-sintético.

    O modelo global-funcional está centrado no próprio jogo e no caráter dinâmico das situações-problema que o caracterizam, tendo como princípio básico que o jogador aprende a jogar jogando. Independente do nível de domínio dos fundamentos técnicos, cada jogador aceita o desafio de utilizar todas as suas habilidades para jogar o melhor possível; nesse sentido, cuidando-se para que os grupos sejam relativamente homogêneos, o jogo se apresenta como a melhor maneira para se estimular a melhoria da performance dos jogadores (Greco,1998).

    As principais vantagens atribuídas ao modelo global-funcional são: a) o alto nível de motivação dos jogadores; b) a interligação, na prática, entre as habilidades técnicas e táticas, e c) a aquisição de experiências concretas de jogo. Por outro lado, critica-se: a) a variabilidade das situações vivenciadas, o que gera dificuldades para o jogador diferenciar o importante do supérfluo; b) a incidência descontrolada de erros, difíceis de serem corrigidos, e c) o favorecimento dos jogadores mais habilidosos (Greco,1998).

    No modelo global-funcional, a intervenção do professor ou está diluída ao longo do processo ou se volta para a organização do ambiente de aprendizagem, adotando-se uma estrutura própria das concepções abertas de ensino, que deslocam o centro do processo educativo da figura do professor sabe tudo para a do aluno sujeito do seu aprender. Como no esporte predomina o interesse pelo alcance de resultados rápidos, mesmo que nem sempre consistentes, conjugado com a preocupação dos treinadores de obter reconhecimento e destaque pelo seu trabalho, o modelo global-funcional é muito pouco utilizado, tendo maior repercussão nos meios escolares, comprometidos com ideais formativos. Seus princípios, no entanto, têm sido resgatados pelos modelos alternativos que estão sendo atualmente criados, evidenciando que não estão em dissonância com uma proposta voltada para a busca de uma excelência nos esportes.

    Exatamente por, na opinião dos treinadores, satisfazer os interesses supracitados (resultados rápidos e prestígio social), o modelo de treinamento tradicionalmente adotado no meio esportivo é o analítico-sintético, de certa forma imposto pela tendência de se espelhar no modelo praticado no esporte de alto nível.

    O modelo analítico-sintético está centrado no desenvolvimento das habilidades técnicas. A partir da análise da performance esportiva dos jogadores considerados experts, constrói-se um modelo ideal das habilidades a serem aprendidas pelos iniciantes. Porém, em função do grau de complexidade e do nível de dificuldade, as habilidades precisam ser divididas em fundamentos técnicos (no futebol, por exemplo, temos: chute, passe, drible), que devem ser aprendidos, inicialmente, fora do contexto de jogo, para, depois, serem progressivamente aplicados às situações reais de jogo. Na medida em que amplia o domínio das habilidades técnicas, os jogadores, em tese, dispõem de melhores recursos para enfrentar as situações-problema de caráter tático presentes no jogo (Greco,1998).

    Tendo em vista justificar o primado da técnica, o modelo analítico-sintético se fundamenta em princípios sobre a organização das atividades, que preconizam um aprendizado que vai: a) do conhecido ao desconhecido; b) das partes (divisão do movimento em unidades funcionais) ao todo; c) do simples para o complexo (aproximação gradativa); d) do fácil ao difícil (diminuição progressiva da ajuda); e) da percepção geral à percepção específica (Greco,1998). A aprendizagem se dá pela repetição, conduzindo ao aperfeiçoamento progressivo e, conseqüentemente, à automatização dos movimentos.

    As principais desvantagens do método de analítico-sintético são; a) a restrição do treinamento a atividades que, apesar de correlacionadas, estão dissociadas do jogo, não satisfaz o desejo de jogar dos jogadores (falta de motivação); b) a padronização dos movimentos estabelece um nível de exigência técnica uniforme, que despreza as diferenças individuais; c) a automatização precoce pode empobrecer o repertório de movimentos e a criatividade; d) a ênfase na perfeição técnica desconsidera as necessidades e características do homem concreto; e) a fragmentação do jogo em exercícios artificiais torna difícil a aplicação das habilidades treinadas no contexto do jogo; f) os exercícios propostos se restringem ao cumprimento de tarefas pré-definidas (sem tomada de decisão), limitando-se a desenvolver habilidades relacionadas ao como fazer (Greco,1998).

    Insatisfeitos com os resultados alcançados pelo modelo analítico-sintético e contrários à hegemonia que conduz ao seu emprego indiscriminado, Bunker and Thorpe propuseram, em 1982, a utilização de um modelo tático de ensino, pautado no desenvolvimento da consciência de jogo e da capacidade de tomada de decisão, por meio da participação em jogos adaptados (mini-games), resgatando os princípios do modelo global-funcional em contraposição ao modelo analítico-sintético. A partir dessa iniciativa surge, segundo Turner and Martinek (1999), uma nova abordagem de pesquisa, dedicada à comparação entre modelos de ensino técnico e tático.

    Na crítica ao modelo analítico-sintético de ensino de habilidades esportivas, afirma-se que, se por um lado a organização das atividades em seqüências pedagógicas, com uma dosagem progressiva do nível de dificuldade da tarefa, favorece a aquisição de habilidades motoras, por outro lado, a aplicação tática dessas habilidades à complexidade das situações de jogo fica menosprezada. O contexto de jogo requer do jogador tanto o refinamento no controle de aspectos perceptivo-motores, como a utilização de componentes cognitivos que categorizem as ações apropriadas, de acordo com a situação de jogo, construindo uma associação entre certas condições e determinadas ações (se-então).

    De acordo com Bunker and Thorpe (1982), a conciliação entre a capacidade de execução técnica (como fazer) e a capacidade de definir o que se deve fazer e qual é o melhor momento para ser feito, depende de um modelo de ensino que desenvolva a compreensão de jogo. O modelo tático de ensino das habilidades esportivas (global-funcional) propõe que o jogador vivencie, precocemente, experiências próximas da realidade de jogo (aprender jogando).

    O presente estudo se propõe a fazer uma revisão dos artigos empíricos2 publicados nos periódicos de psicologia do esporte, no período de 1990-2000, analisando as vantagens e insuficiências metodológicas das pesquisas que adotam a abordagem comparativa entre os modelos técnico e tático de ensino (French et al, 1996a & 1996b; Hastie, 1998; Rink et al, 1996; Sharpe, 1994; Turner and Martinek, 199; Tzetzis et al, 1997; Weeks and Kordus, 1998).


Estratégias de busca dos estudos primários3

    A seleção das referências bibliográficas foi realizada nas três principais bases de dados eletrônicos relacionadas com o tema: ISI Web of Science, PsycINFO e Medline. Foram utilizadas tanto estratégias de busca otimizada, sugeridas por Dickersin (1994) e Castro (1999) - ver Anexos 1, 2 e 3 -, como também, a pesquisa genérica apenas pelas palavras-chaves: (soccer or football), combinadas (and), separadamente, com: expert*, tactic*, skill, percept*, anticipation, cognit*, strateg*, decision mak*, consciou*.


Abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático

    As principais características metodológicas dos estudos na abordagem comparativa entre modelos de ensino estão diretamente relacionadas com as exigências de rigor científico que cercam uma pesquisa experimental de caráter ecológico que envolve um ciclo completo de treinamento. Deve-se registrar, de forma sistemática, os critérios e as recursos empregados para: 1) organizar os grupos (experimental e controle); 2) instruir os professores sobre como devem conduzir o processo ensino-aprendizagem; 3) registrar as atividades desenvolvidas; 4) fazer as adaptações necessárias e 5) avaliar as diferenças comparando o resultado final alcançado pelos grupos.

    Os cuidados com o treinamento dos professores, tendo em vista assegurar o cumprimento das diretrizes pedagógicas próprias a cada modelo de ensino, incluem: 1) o fornecimento de orientações por escrito sobre a correta aplicação de cada modelo de ensino (Tzetzis et al, 1999); 2) a participação em um curso e o posterior treinamento com um grupo piloto para adquirir familiaridade com as características do contexto prático de ensino (Tzetzis et al, 1999; Vickers et al, 1999); 3) a realização de encontros periódicos para prestar esclarecimentos e discutir as atividades, identificando progressos e problemas (Tzetzis et al, 1999; Turner and Martinek, 1999); 4) a seleção de profissionais especializados com experiência comprovada na modalidade estudada - no caso de French et al (1996a e 1996b) os próprios autores coordenaram as atividades dos grupos de pesquisa.

    Alguns autores se preocupam com a eliminação de um possível viés em função da personalidade do professor ou do nível de entrosamento criado entre o professor e a turma. Turner and Martinek (1999), por exemplo, utilizam os mesmos professores para atuar nos dois modelos de ensino, enquanto que French et al (1996b), ao replicarem um estudo anterior (1996a), modificam tanto os instrutores como os sujeitos que compõem a amostra, analisando se tais modificações influenciam nos resultados da pesquisa.

    Independente da preparação criteriosa dos professores, deve-se também utilizar uma série de recursos para monitorar todas as fases de treinamento, fazendo uma análise detalhada das características metodológicas de cada modelo de ensino. Isto inclui, necessariamente, as atividades desenvolvidas pelo grupo controle. Somente tendo acesso a tais informações, pode-se viabilizar a replicação do estudo, como também, garantir a coleta de dados que auxiliem no controle da influência de variáveis externas, na verificação das hipóteses explicativas iniciais e na formulação de outras hipóteses que permitam compreender os resultados obtidos.

    A descrição das sessões de treinamento inclui: o número total, a periodicidade e a duração das sessões; a quantidade, o tipo, a duração e a seqüência das atividades a serem desenvolvidas; a quantidade e o conteúdo das instruções fornecidas pelo técnico; e a análise da forma de utilização do tempo.

    Os procedimentos utilizados para monitorar as sessões de treinamento variam de um estudo para o outro. Turner and Martinek (1999) optaram por acompanhar pessoalmente as sessões, apenas observando, sem qualquer tipo de registro, com o intuito de garantir a fidedignidade no cumprimento das determinações específicas de cada modelo de ensino. No caso de Hastie (1998) - videotape - e de French et al (1996a e 1996b) - audiotape - as sessões foram registradas e posteriormente analisadas. Hastie (1998) utilizou um software, elaborado por Sharpe (1994), para medir a quantidade de tempo despendida pelo instrutor com cada um dos comportamentos-alvo a seguir: organização dos alunos, instruções preparatórias, instruções correntes - durante a aula -, orientações gerais, orientações específicas e interações interpessoais (enquanto observava as aulas, o pesquisador selecionava a função correspondente à atividade realizada e o computador cronometrava, cumulativamente, o tempo dispendido).

    A composição das amostras obedece às normas científicas relacionadas com o tamanho e a distribuição randômica dos sujeitos nos diversos grupos experimentais e no grupo controle, além de apresentarem informações adicionais sobre variáveis sócio-econômicas, raça, sexo e objetivos pessoais. No entanto, os critérios de inclusão costumam fixar limites em relação à faixa etária e à experiência esportiva anterior, que terminam por direcionar as pesquisas unicamente para a análise de crianças inexperientes que se encontram numa fase inicial de aprendizagem deixando de lado a preocupação com a melhora da performance de atletas que já dominem as habilidades esportivas básicas da modalidade estudada.

    A avaliação comparativa dos resultados obtidos em cada modelo de ensino utiliza vários parâmetros, mensurados por instrumentos psicológicos também diversificados. Os parâmetros quantitativos estão relacionados com: 1) o domínio das habilidades técnicas, avaliado por meio de testes motores de agilidade e 2) com o acervo de conhecimentos teóricos sobre a modalidade, incluindo tanto conhecimentos declarativos (o que fazer) como processuais (como fazer), avaliado por meio de testes cognitivos com questões objetivas e/ou dissertativas, onde o jogador deve selecionar a melhor alternativa de ação numa determinada situação de jogo.

    Tanto os testes motores como os cognitivos apresentam o mesmo inconveniente, avaliam as habilidades motoras ou cognitivas em si mesmos, dissociadas do contexto de jogo, não apresentando sensibilidade suficiente para discriminar diferenças significativas existentes entre os jogadores na performance das habilidades esportivas. Enquanto os testes motores favorecem os sujeitos que participam dos grupos submetidos ao modelo de ensino técnico que treina diretamente as habilidades motoras - como é o caso de Vickers et al (1999), que avaliam uma habilidade motora fechada -, os testes cognitivos favorecem sujeitos que apresentam maior capacidade representativa dos problemas existentes no jogo, numa perspectiva conceitual, que não possui, necessariamente, uma influência sobre as questões práticas.

    Os parâmetros qualitativos se distanciam da análise dos aspectos considerados como pré-requisitos (de caráter instrumental), para se dedicarem à avaliação direta da performance no jogo, mediante a utilização de critérios que avaliem concomitantemente os aspectos técnicos e táticos. Tzetzis et al (1997), por exemplo, avaliam 7 fatores considerados chaves para que o jogador alcance um bom desempenho, selecionados de acordo com a bibliografia especializada na modalidade - basquetebol -, enquanto que French et al (1996a e 1996b) avaliam a performance tática segundo 4 categorias: posicionamento em quadra, controle da bola, decisão por determinada jogada e a execução da jogada. A dimensão mais cognitiva dos parâmetros qualitativos está relacionada com a utilização dos conhecimentos adquiridos durante o jogo, que costuma ser avaliada por meio de relatos verbais dos jogadores. Deve-se, no entanto, tomar um cuidado especial com essa análise cognitivista da tática que pode gerar algumas distorções. Quando se verifica, por exemplo, que os jogadores utilizam os conceitos táticos durante o jogo, mas não os relatam nas entrevistas, ou o contrário, que relatam conceitos mas não conseguem executa-los no jogo, verifica-se uma dissociação artificial entre técnica e tática, entre explicar o que fez ou o que deveria fazer e o que efetivamente fez ou é capaz de fazer.

    Tzetzis et al (1997) faz outro alerta com relação à importância da realização de avaliações intermediárias que acompanhem periodicamente a evolução dos jogadores, não se restringindo à avaliação pré e pós-teste.

    A despeito de todo esse controle metodológico, os resultados das pesquisas na abordagem comparativa entre modelos técnico e tático de ensino das habilidades esportivas são inconsistentes. Ora não encontram diferenças significativas, ora apresentam dados contraditórios onde um ou outro modelo é mais efetivo. A inconsistência pode ser atribuída ao curto período de tempo do tratamento experimental (ver Tabela 1) ou à ineficiência dos instrumentos psicológicos de mensuração das variáveis dependentes, que não conseguiram identificar as diferenças qualitativas existentes entre os tratamentos experimentais.

Tabela 2 - Quantidade, freqüência e duração das aulas nos artigos empíricos sobre as habilidades táticas que adotam uma abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático.

    Rink et al (1996) descrevem outro problema metodológico relacionado com a falta de clareza e homogeneidade na caracterização dos modelos de ensino, principalmente no que se refere à definição do modelo tático e à utilização do jogo como parte do treinamento.

    Para Turner and Martinek (1999), por exemplo, o instrutor deve, no modelo tático, questionar os jogadores sobre as dificuldades e os problemas enfrentados durante a aula, estimulando a reflexão sobre as soluções potenciais para cada situação de jogo. As questões são estruturadas de forma que os jogadores possam responder rapidamente, a fim de não comprometer o tempo destinado à prática. A dúvida é se a compreensão do conceito de tática nesse caráter representativo e conceitual verdadeiramente contribui para a melhora da performance, a ponto dos autores ressaltarem que a capacidade de tomada de decisão não pode ser confundida com a habilidade para executar a jogada. Porém, a análise de tais aspectos de forma dissociada não interessa à psicologia do esporte.

    French et al (1996a e 1996b) preocupados em verificar se alguns aspectos das habilidades esportivas podem ser aprendidos sem qualquer tipo de instrução específica, ou seja, somente pela experiência de jogo, optaram por isolar totalmente os modelos de ensino tático e técnico, de forma que os sujeitos de um dos grupos controle não recebiam nenhum tipo de instrução explícita.

    Outras divergências surgem quando se considera a interpretação conferida ao conceito de tática. Se a compreensão se dirige para uma perspectiva geral, que discute princípios sobre o melhor posicionamento do jogador e as estratégias usuais para se ganhar o jogo, o treinamento se destina a preparar os jogadores para assumirem uma posição equivalente a do treinador (que vê o jogo de fora), mas se a compreensão do conceito de tática adota uma acepção individual, vista como a habilidade do jogador escolher a melhor jogada de acordo com as circunstâncias do jogo (associação entre condição-ação), a proposta de treinamento se aproxima mais da visão do jogador e das situações-problema que deve resolver no jogo.

    Os protocolos de avaliação e registro também divergem com relação ao momento adequado para introdução das instruções técnicas específicas. Turner and Martinek (1999), por exemplo, afirmam que as instruções técnicas devem ser fornecidas tão logo os jogadores demonstrem interesse ou necessidade, deixando claro que o modelo tático na verdade trata-se de um modelo misto, que objetiva muito mais contextualizar as habilidades técnicas, resgatando o significado tático de sua utilização durante o jogo, do que investigar como desenvolver a habilidade de jogar.

    Na verdade, a maior parte dessas divergências deve-se ao fato das pesquisas estarem centradas no papel do instrutor, analisando os efeitos de determinados tipos de instruções sobre a performance dos jogadores, não existindo uma proposta alternativa de ensino/treinamento a ser testada.

    French et al (1996b) na discussão dos resultados afirmam que apesar dos grupos com diferentes modelos de ensino apresentarem performance equivalente nos testes aplicados (resultado final), o padrão das respostas emitidas sugere que as habilidades cognitivas e motoras desenvolveram-se de forma diferenciada em cada grupo (processos específicos). Os autores concluem que a utilização do conhecimento tático e de estratégias meta-cognitivas durante o jogo exigem um longo período de treinamento, mas que também dependem, em grande parte, do domínio das habilidades técnicas necessárias para execução correta das jogadas. Deve-se considerar, porém, que as pesquisas sobre a performance esportiva apenas começam a descrever e conceituar os processos cognitivos que subsidiam a capacidade de solução dos problemas de natureza tática presentes no jogo.

    A Aprendizagem Motora4, por outro lado, destaca-se pela análise do efeito sobre a performance técnica de variáveis diretamente relacionadas com o controle da natureza e da quantidade de estímulos, assim como do momento em que tais informações são fornecidas ao jogador. A pesquisa de Weeks and Kordus (1998) sobre a influência exercida por diferentes freqüências de conhecimento da performance sobre a aquisição, retenção e transferência de habilidades motoras fechadas é um exemplo típico dessa abordagem teórica.

    A pesquisa de Tzetzis et al (1997), mesmo tendo um referencial teórico pautado na Aprendizagem Motora, distancia-se de uma abordagem eminentemente técnica, que se preocupa em estudar o efeito isolado de determinados fatores sobre a aprendizagem das habilidades esportivas, dirigindo-se para a análise comparativa entre modelos de ensino, com o intuito de contribuir para redefinição ou criação de modelos instrucionais específicos para cada modalidade esportiva.

    Apesar de restringir-se a comparar variações do modelo técnico tradicional de ensino, que diferem entre si de acordo com o tipo de feedback fornecido pelo técnico para o jogador, o estudo de Tzetzis et al (1997) adota um design experimental que não se restringe a uma análise descritiva, mas avalia os resultados de uma intervenção pedagógica, como também, introduz elementos que se aproximam dos aspectos táticos. Ao contrapor o Conhecimento de Resultados (CR), que reúne informações sobre os resultados da ação como um todo, e o Conhecimento da Performance (CP), que reúne informações específicas sobre a execução técnica dos movimentos, combinando-os de diferentes maneiras para verificar que influência exercem sobre a aprendizagem das habilidades esportivas.

    O estudo de Vickers et al (1999), coerente com o referencial teórico mais próximo da Aprendizagem Motora, utiliza termos diferentes para se referir aos modelos de ensino, caracterizando-os como: modelo comportamental (behavioral training), correspondente ao modelo técnico, e modelo cognitivo (decision training), correspondente ao modelo tático.


Conclusões

    Na abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático a falta de rigor e precisão na descrição das atividades que caracterizam cada um dos modelos de ensino, principalmente no que se refere à definição do modelo tático e à utilização do jogo como parte do treinamento, conduz a divergências que comprometem a análise dos resultados, pois não separam fenômenos intercorrentes, além de inviabilizar o cruzamento de dados entre as pesquisas que adotam a mesma abordagem metodológica.

    Os estudos na abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático normalmente se limitam à análise de crianças na fase inicial do processo de aprendizagem das habilidades esportivas, deixando de lado a preocupação com o aperfeiçoamento da performance de jogadores que já dominem as habilidades esportivas básicas da modalidade estudada. Sugere-se, portanto, que se invista no estudo direto das características específicas dos jogadores nas diferentes fases do processo de formação dos atletas.

    Na abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático das habilidades esportivas, a inconsistência dos resultados das pesquisas pode ser atribuída ao curto período de tempo do tratamento experimental - o mais longo tem a duração de 30 sessões.

    Existe uma lacuna nos estudos sobre o modelo de ensino e a natureza da experiência que são necessários para formação de conceitos utilizados na resolução dos problemas representativos específicos da modalidade.

    Os pesquisadores devem elaborar delineamentos experimentais com um maior rigor científico, dedicando uma atenção especial à composição das amostras, ao controle das variáveis externas e a outras medidas que garantam a consistência interna dos resultados, pois sempre que os dados coletados entram em conflito com os modelos de explicação teórica, a dúvida sobre a fidedignidade dos dados não permite confrontar a teoria, que termina permanecendo aceitável.

    Os estudos em psicologia do esporte devem cada vez mais desenvolver modelos teóricos explicativos aplicados diretamente às características psicológicas específicas do esporte e de cada modalidade em particular. É importante, também, para o amadurecimento metodológico, a replicação dos estudos já realizados, ampliando o acervo de dados sobre cada tema em questão, assim como, a realização de estudos empíricos, superando o caráter descritivo das pesquisas em psicologia do esporte.

    Considerando que a abordagem comparativa entre modelos de ensino: 1) se dedica à análise de todo um ciclo de aprendizagem, evitando a fragmentação do processo; 2) permite o cruzamento de variáveis relacionadas com o papel do treinador e a participação ativa dos jogadores, não se limitando a uma discussão tecnicista; 3) convida para um estudo de caráter longitudinal, incentiva-se que mais e mais estudos sejam realizados dentro dessa abordagem.

    Paralelamente, deve-se desenvolver instrumentos psicológicos específicos de avaliação multifatorial das habilidades esportivas que permitam monitorar as variáveis diretamente relacionadas com as diversas etapas do processo de aquisição e treinamento das habilidades técnico-táticas.


Notas

  1. A versão original desse artigo analisava todas as 7 abordagens metodológicas utilizadas nos estudos sobre as habilidades táticas, porém, em virtude do número excessivo de páginas, optou-se pela sua divisão em quatro artigos, cada qual com um tamanho conveniente para publicação. O detalhamento dos critérios de inclusão dos estudos primários somente estão relatados no primeiro artigo. Aos interessados no estudo da tática como um todo, sugere-se a leitura de todos os artigos, mas aqueles que se dedicam a um aspecto em particular da tática, é suficiente ler o artigo correspondente, pois possuem conteúdos independentes dos demais. O título dos artigos inicia da mesma maneira, demonstrando a sua correlação e, em seguida, indica o conteúdo específico de cada um. Métodos de estudo das habilidades táticas 1: abordagem comparativa entre expert & novice; Métodos de estudo das habilidades táticas 2: abordagem tomada de decisão; Métodos de estudo das habilidades táticas 3: inventários das habilidades esportivas; Métodos de estudo das habilidades táticas 4: abordagem comparativa entre os modelos de ensino técnico e tático.

  2. Entende-se por estudo empírico as pesquisas que relatam a coleta e discussão de dados objetivos relacionados com (a) a determinação de efeitos decorrentes da manipulação de variáveis (design experimental), (b) a descrição de fenômenos ou (c) a avaliação de experiências pedagógicas.

  3. Para obter informações mais detalhadas sobre as estratégias de busca, consulte o artigo intitulado: Métodos de estudo das habilidades táticas 1: abordagem comparativa entre expert & novice.

  4. Variáveis de interesse da Aprendizagem Motora: método do todo ou método das partes; prática em blocos ou prática distribuída; diversidade da prática e tipos de feedback.


Referências bibliográficas

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Anexo 1 - Estratégias de busca otimizada para localização de estudos empíricos sobre as habilidades táticas no ISI Web of Science

#1 - TS=(sport* or game or athlet* or soccer or football or physical education)

#2 - TS=(competit* or skill or abilit* or capacit* or competence or master* or proficien* or performance or specialty or procedure or learn* or instruct* or acquir* or train* or grow* or form* or teach* or educat* or prepar* or condit* or drill or discipline or develop* or increase or evolution or exercise or trial or control or evaluat* or stud* or journal article or result* or random* or empiric* or experiment* or investigat* or sing* or doub* or trebl* or blind* or mask* or casual or prospectiv*)

#3 - TS=(tactic* or strateg* or expert* or specialty or percept* or consciou* or game plan or decision mak*)

#1 and #2 and #3 - Resultado: 137 referências bibliográficas.

Todas as pesquisas utilizaram os seguintes limites: DocType=Article, Abstract of Published Item, Correction, Correction, Addition, Excerpt, Meeting Abstract, Meeting-Abstract, News Item, Note, Reprint; Language=English, Italian, Portuguese, Spanish


Anexo 2 - Estratégias de busca otimizada para localização de estudos empíricos sobre as habilidades táticas no PsycINFO

#1 - (sport)

#2 - ((sport* near tactic) or (game near tactic*) or (athlet* near tactic) or (sport* near strateg*) or (game near strateg*) or (athlet* near strateg*) or (sport* near specialty) or (athlet* near specialty) or (game near plan) or (athlet* near plan) or perpcept* or (sport* near conscioun*) or (game near conscioun*) or decision make))

#3 - (competit* or skill or abilit* or capacit* competence or master* or proficienc* or performance or procedure or learn* or instruct* or acquir* or train* or grow* or form* or teach* or educat* or prepar* or condit* or drill or discipline or develop* or increase or evaluat* or exercise)

#4 - (trail or control* or stud* or journal article or result* or empiric or experiment* or investig* or sing* or doub* or trebl* or blind* or mask* or casual or prospectiv*)

#1 and #2 and #3 and #4 - Resultado: 158 referências bibliográficas

Todas as pesquisas utilizaram os seguintes limites: and (DT=Journal-Article), and ((LA=English) or (LA=Italian) or (LA=Portuguese) or (LA=Spanish)), and (PO=Human), and ((PT=Annual-Report) or (PT=Case-Study) or (PT=Classroom-Material) or (PT=Clinical-Case-Report) or (PT=Clinical-Trial) or (PT=Collected-Works) or (PT=Conference-Proceedings-Symposia) or (PT=Empirical-Study) or (PT=Errata-Retractions) or (PT=Experimental-Replication) or (PT=Followup-Study) or (PT=Journal-Abstract) or (PT=Longitudinal-Study) or (PT=Program-Evaluation) or (PT=Prospective-Study) or (PT=Reprint) or (PT=Selected-Readings)).


Anexo 3 - Estratégia de busca otimizada para localização de estudos empíricos sobre as habilidades táticas no Medline

#1 - sport* or game or athlet* or soccer or football or physical education

#2 - tactic* or strateg* or expert* or specialty or game plan or percept* or decision make or conscioun*

As pesquisas foram realizadas em dois grupos, de acordo com o tipo de publicação:

Clinical Trial - resultado: 123 referências bibliográficas;

Randomized Controlled Trial - resultado: 207 referências bibliográficas;

Todas as pesquisas utilizaram os seguintes limites: LA: English, PO: Human.

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revista digital · Año 10 · N° 75 | Buenos Aires, Agosto 2004  
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