efdeportes.com
Métodos de estudo das habilidades táticas (1).
Abordagem comparativa entre jogadores
habilidosos e iniciantes - expert & novice-

   
Faculdade de Educação Física
Universidade de Brasília
(Brasil)
 
 
Alexandre Rezende
rezende@unb.br  
Hiram Valdés
hiramv@terra.com.br
 

 

 

 

 
    O levantamento, visando localizar os artigos empíricos dedicados ao estudo das habilidades táticas nos esportes de invasão, publicados no período de 1990-2000, indica a existência de sete diferentes tipos de delineamentos de pesquisa: 1) abordagem comparativa entre jogadores habilidosos e iniciantes - "expert & novice"; 2) abordagem tomada de decisão ou percepção-ação, associada ou não às técnicas de oclusão espacial ou temporal; 3) inventários de avaliação das habilidades esportivas; 4) estudos sobre a percepção visual; 5) estudos sobre as habilidades perceptivo-motoras; 6) estudos sobre as habilidades cognitivas; 7) abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático;. A presente revisão narrativa se dedica a reflexão sobre as vantagens e insuficiências metodológicas dos estudos que adotam a abordagem comparativa entre "expert & novice" (n=17). Vários pesquisadores consideram o estudo dos jogadores expert como um recurso auxiliar importante para a compreensão de como habilidades esportivas são adquiridas a partir de um treinamento sistemático. As principais críticas metodológicas apontam para a falta de rigor e precisão na definição de conceitos chaves ou de variáveis operacionais e a carência de instrumentos psicológicos de medida para avaliar a especificidade das habilidades esportivas. A conclusão indica a necessidade de se desenvolver modelos teóricos explicativos aplicados diretamente às variáveis psicológicas específicas do esporte; faz recomendações de cuidados especiais a serem tomados com a consistência interna dos dados; e sugere o investimento na realização de estudos experimentais, superando o caráter descritivo das pesquisas em psicologia do esporte.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 65 - Octubre de 2003

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Introdução

    O avanço das ciências aplicadas ao esporte contribuiu para a elaboração de programas de treinamento cada vez mais adaptados às características individuais dos atletas e às exigências próprias de cada modalidade esportiva. Como resultado, observa-se atualmente uma equiparação da performance esportiva em nível internacional, ampliando a importância de se recorrer a abordagens científicas que analisem variáveis até então desprezadas ou manipuladas de forma assistemática ao longo do processo de preparação esportiva, como é o caso, das variáveis psicológicas.

    A psicologia do esporte iniciou uma produção científica regular a partir da década de 50. Durante cerca de 20 anos, o foco de interesse de estudo estava voltado para a análise das variáveis psicoemocionais (ansiedade, concentração, motivação) e traços da personalidade (introversão, criatividade, auto-estima) que interferem diretamente na performance esportiva. Recentemente, na década de 80, os pesquisadores passaram a se dedicar à identificação de variáveis psicológicas específicas do esporte e aos estudos de campo, distanciando-se das análises pautadas em aspectos globais da personalidade, ao mesmo tempo em que se aproximaram das abordagens cognitivistas, numa perspectiva cada vez mais aplicada.

    A fim de subsidiar a preparação de atletas para os esportes coletivos com bola, principalmente aqueles em que há confronto direto entre as equipes e alternância entre as funções ofensivas e defensivas - classificados por Almond (1986) como esportes de invasão -, os pesquisadores dedicados à psicologia do esporte têm se voltado para o estudo dos aspectos perceptivos e cognitivos que interferem no processo de aprendizagem e desenvolvimento das habilidades táticas.

    As habilidades táticas incluem, principalmente, as ações voltadas para o jogar coletivamente, ou seja, a capacidade de tomar decisões sobre o que fazer levando em consideração as circunstâncias do jogo: qual o posição da bola(?) e quais as alternativas de ação tanto dos companheiros como dos adversários(?). O processo de seleção e execução da jogada mais adequada para determinada situação de jogo, confere um destaque especial para as ações de movimentação e posicionamento no campo, realizadas sem a posse da bola, pois indicam com clareza a habilidade do jogador para criar e/ou ocupar os espaços livres, jogando em função do projeto tático viável para equipe naquele momento.

    De acordo com essa perspectiva, as habilidades táticas constituem-se num fenômeno complexo que abrange 1) capacidades perceptivas, relacionadas com a visualização e interpretação das circunstâncias de jogo, com destaque para a distribuição e ocupação do espaço; 2) capacidades cognitivas, relacionadas com a formação de conceitos e as funções da memória que permitam a análise da situação e a tomada de decisão sobre a melhor ação a ser desempenhada e 3) capacidades motoras, relacionadas com o domínio da técnica e a aptidão física para realizar as jogadas de maneira eficiente.

    No levantamento bibliográfico foram identificadas 7 abordagens metodológicas principais: 1) abordagem comparativa entre expert & novice; 2) abordagem tomada de decisão ou percepção-ação, que pode estar associada ou não às técnicas de oclusão temporal ou espacial; no caso da pesquisa se voltar para o estudo de habilidades motoras fechadas, a abordagem passa a ser denominada shot-gun; 3) estudos sobre a percepção visual, compreendendo uma grande diversidade de variáveis: direção focal, visão periférica, varredura visual, dependência e independência de campo; 4) estudos sobre habilidades perceptivo-motoras, mensurando variáveis como: tempo de reação, capacidade de antecipação, rapidez e precisão dos movimentos e a flexibilidade dos processos de atenção; 5) estudos sobre as habilidades cognitivas, recorrendo à análise de dados verbais sobre as percepções e pensamentos dos atletas durante a realização de tarefas; 6) abordagem comparativa entre modelos de ensino técnico e tático; 7) inventários das habilidades esportivas, a maior parte dedicada ao estudo das variáveis que possuem um papel chave no processo de identificação de talentos.

    A versão original desse artigo analisava todas as 7 abordagens metodológicas utilizadas nos estudos sobre as habilidades táticas, porém, em virtude do número excessivo de páginas, optou-se pela sua divisão em quatro artigos, cada qual com um tamanho conveniente para publicação. O detalhamento dos critérios de inclusão dos estudos primários somente estão relatados nesse artigo, que é o primeiro da série. Aos interessados no estudo da tática como um todo, sugere-se a leitura de todos os artigos, mas aqueles que se dedicam a um aspecto em particular da tática, é suficiente ler o artigo correspondente, pois possuem conteúdos independentes dos demais.

    O título dos artigos inicia da mesma maneira, demonstrando a sua correlação e, em seguida, indica o conteúdo específico de cada um. Métodos de estudo das habilidades táticas 1: abordagem comparativa entre jogadores habilidosos e iniciantes - expert & novice; Métodos de estudo das habilidades táticas 2: abordagem tomada de decisão; Métodos de estudo das habilidades táticas 3: inventários das habilidades esportivas; Métodos de estudo das habilidades táticas 4: abordagem comparativa entre os modelos de ensino técnico e tático.

    Sendo assim, o presente estudo se propõe a fazer uma revisão narrativa dos artigos empíricos1 voltados para a análise do processo de aquisição e treinamento das habilidades táticas nos esportes de invasão, publicados nos periódicos especializados em psicologia do esporte, no período de 1990-2000, descrevendo as características metodológicas das pesquisas que adotam a abordagem comparativa entre jogadores habilidosos e iniciantes - expert & novice, delineamento de pesquisa mais utilizado - 17 dos 41 artigos analisados (41,5%). A reflexão crítica sobre a produção científica permite fazer recomendações sobre o planejamento de futuras pesquisas orientadas para o estudo do mesmo tema, ao mesmo tempo em que auxilia na identificação dos grupos de pesquisadores que se dedicam a essa linha de investigação.


Estratégias de busca e critérios de seleção dos estudos primários

    A seleção das referências bibliográficas foi realizada nas três principais bases de dados eletrônicos relacionadas com o tema: ISI Web of Science, PsycINFO e Medline. Visando reunir, de forma organizada, a maior quantidade possível de artigos empíricos indexados foram utilizadas tanto as estratégias de busca otimizada, sugeridas por Dickersin et al (1994) e Castro et al (1999), elaboradas de acordo com as características específicas de cada base de dados, como também, a pesquisa genérica apenas pelas palavras-chaves: (soccer or football), combinadas (and), separadamente, com: expert*, tactic*, skill, percept*, anticipation, cognit*, strateg*, decision mak*, consciou*.

    As referências bibliográficas encontradas foram organizadas por ordem alfabética e numeradas, viabilizando a exclusão dos itens repetidos, ou seja, dos artigos que constavam na relação de mais de uma base de dados. Em seguida, após a leitura dos abstracts, os artigos foram classificados de acordo com a proximidade com o tema em: (a) incluídos, artigos diretamente relacionados com a tática nos esportes de invasão ou em modalidades similares; (b) complementares, artigos indiretamente relacionados com a tática; (c) excluídos, artigos que versavam sobre temas paralelos, não relacionados com a tática, artigos de revisão e artigos referentes a modalidades esportivas onde o conceito de tática é muito diferente do significado que possui nos esportes de invasão (por exemplo: arco e flecha, golfe, ginástica olímpica).

    Todos os artigos correlacionados com pelo menos um dos termos relacionados abaixo foram classificados como incluídos: (a) estratégias cognitivas: tomada de decisão, solução de problemas, seleção e/ou adequação de respostas, conhecimento tático; (b) estratégias perceptivas: habilidades visuais, percepção espacial, acurácia no reconhecimento de situações, variação e interferência contextual, controle perceptivo; (c) estratégias motoras: aprendizagem, aquisição e transferência de habilidades esportivas específicas, excelência na performance, tempo de reação, capacidade de antecipação, tarefas complexas, indicadores de performance, treinamento técnico-tático.

    A Tabela 1 apresenta o resultado final do processo de análise e filtragem dos estudos primários (artigos incluídos), divididos por periódicos e data de publicação, permitindo identificar os periódicos de maior expressão na área, pois concentram grande parte da produção científica sobre a tática nos esportes de invasão.

Tabela 1 - Número de artigos empíricos, relacionados com o estudo das habilidades táticas, localizados através da WS, PsicINFO e Medline, divididos em três períodos de acordo com a data de publicação.

    A revisão abrangeu 41 dos 55 artigos empíricos que atendiam aos critérios de inclusão supracitados. Após a leitura integral, foram identificados 17 artigos que utilizavam a abordagem comparativa entre expert & novice.


Abordagem comparativa entre "expert & novice"

    Os estudos na abordagem comparativa entre "expert & novice" visam determinar as diferenças existentes entre jogadores que se encontram nos extremos do processo de aprendizagem técnico-tática ou nos extremos dos níveis de competição, com o intuito de identificar quais são as habilidades necessárias para que os amadores/iniciantes alcancem um nível de performance equivalente ao apresentado por profissionais/experientes (Aberneth, 1991; Beitel and Kuhlman, 1992; Benguigui and Ripoll, 1998; Goode et al 1998; Lerda et al, 1996; McMorris and Graydon, 1996; McPherson, 1999b; Paull and Glencross, 1997; Pienaar et al, 1998; Ripoll and Latiri, 1997; Smith and Chamberlin, 1992; Tenenbaum et al, 1996; Tenenbaum et al, 1999; Vickers et al, 1999; Werner and Thies, 2000; Williams and Davids, 1998; Williams et al, 1993).

    Paull and Glencross (1997) e Goode et al (1998) consideram os estudos na abordagem comparativa entre "expert & novice" como auxiliares importantes para a compreensão de como habilidades esportivas são adquiridas a partir de um treinamento sistemático, que oportunize a prática intensiva dos fundamentos técnico-táticos e o desenvolvimento de estratégias cognitivas requeridas pelo contexto de jogo. O conhecimento detalhado das etapas que compõem o treinamento auxilia na elaboração de programas de formação e aperfeiçoamento de atletas para alcançar a excelência na performance.

    No binômio amador/profissional, por exemplo, a análise descritiva da performance dos jogadores experts permite caracterizar o perfil do "jogador habilidoso" subsidiando a avaliação diagnóstica de jovens aprendizes e a seleção de atletas considerados "talentosos" por apresentarem, precocemente, habilidades próprias de jogadores com performance destacada.

    Segundo os pesquisadores, as habilidades que caracterizam um jogador expert e indicam que um atleta amador possui potencial para a profissionalização são: (1) a percepção de padrões complexos com rapidez e eficiência (Chase and Simon, 1973 in Tenenbaum et al, 1999; Williams, 2000b); (2) o uso eficiente de recursos cognitivos, geralmente como resultado da automatização das habilidades básicas (Leavitt, 1979 in Tenenbaum et al, 1999); (3) a capacidade de reconhecer informações significativas mais facilmente (Ripoll, 1988 & Starkes, 1987 in Tenenbaum et al, 1999), não se distraindo com informações irrelevantes (Connolly, 1970 & Kay, 1970 in Beitel and Kuhlman, 1992); (4) a capacidade de monitorar suas próprias deficiências ou limitações, como também de avaliar sua própria performance (Proctor and Dutta, 1995 in Tenenbaum et al, 1999); (5) o estabelecimento de relações de contingência entre as diversas situações de jogo possíveis (Connoly, 1970 & Kay, 1970, in Beitel and Kuhlman, 1992), conhecendo as alternativas prováveis de ocorrência (Williams, 2000b); (6) a utilização de estratégias visuais refinadas que ampliam a capacidade de antecipação das ações dos oponentes (Williams, 2000b).

    O estudo de Goode et al (1998), por sua vez, centrado no processo de aquisição de habilidades esportivas, binômio iniciantes/experientes, considera que a transição do jogador iniciante para o nível de habilidade apresentado pelos experientes ocorre em função da correlação entre dois tipos de conhecimentos sobre as situações típicas de jogo. O Conhecimento Declarativo (CD), referente às informações visuais e dicas verbais dirigidas para responder à questão o que fazer(?), e o Conhecimento Processual (CP), relacionado com a experiência prática sobre as regras e padrões referentes ao como fazer(?). Apesar do expert possuir um repertório maior de conhecimentos declarativos, o que o diferencia do iniciante é, principalmente, a versatilidade no domínio do conhecimento processual. Pautada nesses princípios, a pesquisa de Goode et al (1998) se dedica, primeiro, ao estudo das estratégias cognitivas (CP) utilizadas pelos jogadores experts no aprendizado de uma tarefa motora aberta até então desconhecida, para, em seguida, verificar se essas estratégias cognitivas auxiliam iniciantes a aprender a mesma tarefa. O resultado de estudos dessa natureza contribui para a reflexão sobre os métodos de ensino-aprendizagem das habilidades esportivas.

    Vários autores, no entanto, têm apresentado críticas à abordagem comparativa entre "expert & novice", alertando para algumas insuficiências. McMorris (2000) questiona até que ponto a avaliação de atletas de elite, geralmente adultos, pode fornecer subsídios para o estabelecimento de critérios de seleção ou metas de treinamento para atletas adolescentes, afirmando a necessidade de se estudar diretamente as características específicas dos iniciantes em processo de formação. Deve-se considerar que não estão em discussão apenas os aspectos relacionados ao desenvolvimento biopsicossocial - diferenças decorrentes da idade -, mas também o próprio processo de aprendizagem esportiva, onde o resultado final apresenta poucas informações acerca da dinâmica do processo de aprendizagem e treinamento das habilidades técnico-táticas - não é suficiente saber onde se quer chegar quando não se tem clareza sobre como alcançar essa meta. É nesse sentido que Tenenbaum et al (1996) faz referência à existência de lacunas teórico-científicas na explicação do processo de desenvolvimento de habilidades esportivas.

    O estudo de Tenenbaum et al (1999) sobre o tempo de reação e a capacidade de antecipação dos jogadores, faz um alerta para o fato de que um jogador jovem identificado como expert não será, automaticamente, um jogador adulto expert. Essa questão está diretamente relacionada com os critérios utilizados para definir o conceito de expert. Quando a performance considerada habilidosa está baseada na precocidade de determinadas capacidades orgânicas, que incluem valências físicas (força, velocidade, estatura) sujeitas a grandes variações em função de diferenças individuais na velocidade de maturação corporal e psicológica, as vantagens apresentadas tendem a desaparecer na fase adulta, onde todos os jogadores já alcançaram o termo do desenvolvimento dos aspectos maturacionais. Se, por outro lado, o jovem expert apresenta determinadas habilidades psicomotoras, inatas ou sistematicamente aprendidas e treinadas, que contribuem para uma performance destacada em relação aos demais jogadores em qualquer faixa etária, nos aproximamos de um significado mais preciso do conceito de expert.

    Tenenbaum et al (1996), Paull and Glencross (1997) e McPherson (1999b) não se limitam a questionar a validade externa e a aplicação dos resultados, afirmam também que os estudos na abordagem comparativa entre "expert & novice" não apresentam rigor e precisão na definição dos conceitos, estabelecendo uma confusão entre as variáveis: a) nível de habilidade, b) tempo de experiência e c) faixa etária. Os conceitos de habilidoso e experiente, por exemplo, costumam estar sobrepostos, quando deveriam estar separados, mesmo que seja difícil encontrar um atleta jovem e com pouca experiência que possa ser considerado habilidoso. A imprecisão conceitual conduz a utilização de critérios para composição da amostra que comprometem a análise dos resultados, pois não separam fenômenos intercorrentes, impedindo que se afirme, com certeza, que as diferenças na performance devem-se a uma ou outra das variáveis supracitadas.

    A imprecisão conceitual também compromete o aprofundamento científico da questão, na medida que inviabiliza o cruzamento de dados entre estudos que adotam formas distintas de compreensão dos termos expert & novice. O ANEXO 1 mostra as diferenças encontradas na definição dos conceitos de "expert & novice", assim como os sinônimos muitas vezes utilizados.

    O termo expert às vezes é utilizado para se referir a jogadores campeões, que apresentam o mais alto nível de habilidade na modalidade esportiva investigada. Essa tendência, se por um lado revela uma preocupação com a adoção de um modelo confiável de excelência esportiva, por outro, isenta os pesquisadores da responsabilidade de elaborar e aplicar instrumentos de avaliação da performance esportiva e de definição do nível de habilidade do jogador.

    O estudo de Vickers et al (1999), diferente dos demais, demonstra uma preocupação especial em estabelecer critérios objetivos, diretamente relacionados com as variáveis estudadas, que permitissem a classificação dos jogadores de acordo com o nível de habilidade. Na fase inicial da pesquisa, todos os sujeitos que faziam parte da amostra (n=249) forma submetidos a um pré-teste e divididos em três grupos de acordo com a performance obtida (novice, intermediate, advanced).

    Conscientes dessa lacuna, Helsen and Starkes (apud Tenenbaum et al, 1996), sugerem que as pesquisas classifiquem os jogadores em níveis diferenciados de domínio das habilidades esportivas, avaliando, em separado, a influência exercida pelo tempo de treinamento e experiência específica na modalidade. A falta de clareza nos critérios de classificação do nível de habilidade dificulta a diferenciação das características dos jogadores iniciantes (novices), dando uma falsa impressão de que todos partem do mesmo ponto e possuem o mesmo potencial de aprendizagem.

    Essa recomendação metodológica sugere a introdução de elementos próprios de um design experimental, que aumenta a fidedignidade dos estudos. A abordagem comparativa deve, na medida do possível, contrapor grupos homogêneos, ou seja, com tempo de experiência equivalente e da mesma faixa etária, diferindo apenas no nível de habilidade esportiva. Tal procedimento tanto permite afirmar que os resultados refletem diferenças específicas, decorrentes do nível de habilidade, como também realizar uma análise combinada das variáveis, através do cruzamento das diferenças entre os grupos.

    A ampliação dessa confusão conceitual entre os termos expert & novice dá margem, inclusive, a sobreposição de outras abordagens de estudo, como é o caso da comparação entre praticante e não praticantes, que apesar da similaridade, tem objetivos diferentes e está fundamentada em princípios teóricos também divergentes. No caso dos estudos sobre a iniciação esportiva, deve-se considerar que a comparação entre grupos iniciantes e grupos que já se encontram em fase de competição não auxilia em nada na compreensão das variáveis que interferem na iniciação esportiva, conduzindo, tão somente, à dispersão da análise, pois compromete o princípio de verticalidade que fundamenta a pesquisa científica; nesse caso, a melhor abordagem é aquela que permite uma reflexão voltada para as diferenças entre os sujeitos ou entre os métodos de ensino utilizados no processo de iniciação.

    Em outro estudo sobre a natureza da flexibilidade cognitiva e suas relações com a performance esportiva, McPherson (1999a) sugere que a alternativa metodológica mais apropriada para a investigação das características psicológicas de jogadores com alto nível de habilidades (experts) é o estudo de caso, na medida em que permite um estudo aprofundado das múltiplas variáveis que contribuíram para o seu sucesso.

    Outra consideração crítica pertinente com relação à abordagem comparativa entre "expert & novice" refere-se ao seu caráter eminentemente descritivo, que, mesmo podendo ser apontado como uma contingência de fase incipiente em que se encontra a psicologia do esporte, não obsta a necessidade de se conclamar a realização de estudos empíricos, que estabeleçam relações entre possíveis causas e seus respectivos efeitos.


Conclusões

    A revisão dos artigos empíricos dedicados ao estudo das habilidades táticas nos esportes de invasão, publicados no período de 1990-2000, que utilizam a abordagem comparativa entre expert & novice (n=17), aponta, como principal crítica, a falta de rigor e precisão na definição de conceitos chaves (critérios utilizados para definir quem é expert e quem é novice) ou de variáveis operacionais (o que e como medir o nível de habilidades dos jogadores).

    Essa imprecisão terminológica conduz a divergências nos critérios de composição da amostra que comprometem a análise dos resultados, pois não separam fenômenos intercorrentes, redundando na sobreposição das seguintes variáveis: a) nível de habilidade, b) tempo de experiência e c) faixa etária.

    Na aplicação dos resultados obtidos a partir da abordagem comparativa entre "expert & novice", questiona-se até que ponto a avaliação de atletas de elite, geralmente adultos, pode fornecer subsídios para o estabelecimento de critérios de seleção ou metas de treinamento para atletas adolescentes. Recomenda-se o investimento no estudo direto das características específicas dos iniciantes em processo de formação.

    A alternativa metodológica mais apropriada para a investigação das características psicológicas de jogadores de alto nível - experts - é o estudo de caso, na medida em que permite uma análise aprofundada das múltiplas variáveis que contribuíram para o seu sucesso.

    Os pesquisadores devem elaborar delineamentos experimentais com um maior rigor científico, dedicando uma atenção especial à composição das amostras, ao controle das variáveis externas e a outras medidas que garantam a consistência interna dos resultados, pois sempre que os dados coletados entram em conflito com os modelos de explicação teórica, a dúvida sobre a fidedignidade dos dados não permite confrontar a teoria, que termina permanecendo aceitável.

    Os estudos em psicologia do esporte devem cada vez mais desenvolver modelos teóricos explicativos aplicados diretamente às características psicológicas específicas do esporte e de cada modalidade em particular. É importante, também, para o amadurecimento metodológico, a replicação dos estudos já realizados, ampliando o acervo de dados sobre cada tema em questão, assim como, a realização de estudos empíricos de caráter longitudinal, superando o caráter descritivo das pesquisas em psicologia do esporte.

    Paralelamente, deve-se desenvolver instrumentos psicológicos específicos de avaliação multifatorial das habilidades esportivas que permitam monitorar as variáveis diretamente relacionadas com as diversas etapas do processo de aquisição e treinamento das habilidades técnico-táticas.


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Nota de Rodapé

  1. Entende-se por estudo empírico as pesquisas que relatam a coleta e discussão de dados objetivos relacionados com (a) a determinação de efeitos decorrentes da manipulação de variáveis (design experimental), (b) a descrição de fenômenos ou (c) a avaliação de experiências pedagógicas.

ANEXO 1 - Critérios utilizados pelos estudos empíricos, no período de 1990-2000, para classificar os jogadores como "expert" ou "novice"

Aberneth (1991)
Expert
Jogadores que participaram de competições a nível nacional.
Novice
Estudantes universitários sem treinamento esportivo especializado.

Beitel and Huklman (1992)
Experienced
Crianças que participaram em competições esportivas formais, segundo o relato dos pais.
Non-experienced
Crianças sem experiência esportiva anterior, segundo o relato dos pais.

Benguigui and Ripoll (1998)
Expert
Jogadores selecionados dentre os destaques num centro de treinamento esportivo regional.
Novice
Jogadores que praticam esporte de forma ocasional.

Goode et al (1998)
Expert
Jogadores que participaram de equipes escolares e fazem parte da equipe universitária.
Beginner
Jogadores que apenas possuam experiência de jogo nas aulas de Educação Física

Grahan et al (1996)
High skilled
De acordo com a avaliação do técnico diretamente responsável pelo acompanhamento dos jogadores.
Low skilled
De acordo com a avaliação do técnico diretamente responsável pelo acompanhamento dos jogadores.

Lerda et al (1996)
Skilled
Jogadores com experiência esportiva a nível nacional.
Less-skilled
Jogadores com experiência esportiva a nível regional.

Lidor et al (1998)
Skilled
Jogadores que participaram nos últimos 10 anos da 1ª Divisão da Liga Nacional.
Novice
Estudantes de Educação Física, matriculados em turmas de iniciação, com 1h de aula por semana.

McMorris and Graydon (1996)
Experienced
Jogadores que participaram de equipes escolares e fazem parte da equipe universitária.
Inexperienced
Jogadores que tiveram aulas de Educação Física, mas nunca participaram de nenhuma seleção.

McPherson (1999a)
Expert
Jogadores do time universitário que disputa a 1ª Divisão do campeonato nacional.
Beginner
Jogadores das classes de iniciação esportiva, sem nenhuma experiência de competição.

McPherson (1999b)
Expert
Jogadores habilidosos, com experiência em competições formais.
Novice
Jogadores das classes de iniciação esportiva, sem nenhuma experiência de competição.

Paull and Glencross (1997)
Expert
Jogadores que obtiveram aproveitamento técnico excelente na temporada anterior, incluindo 3 profissionais.
Novice
Jogadores das categorias inferiores (até a 4ª divisão), com apenas 3 anos de experiência.

Peinar et al (1998)
Experienced
Jogadores dos três melhores times da liga regional.
Non-experienced
Jogadores que não participam de um treinamento específico e são considerados sem talento para o esporte.

Ripoll and Latiri (1997)
Expert
Jogadores pertencentes à seleção nacional francesa, com experiência internacional.
Novice
Jogadores que praticam esporte apenas ocasionalmente.

Smith and Chamberlin (1992)
Expert
Jogadores, em média, com mais de 12 anos de experiência.
Intermediate
Jogadores, em media, com 3 a 4 anos de experiência.
Novice
Jogadores que participaram de 15 sessões de educação física.

Tenenbaum et al (1996)
Expert
Jogadores profissionais que participam do ranking oficial da ATP
Novice
Jogadores iniciantes com menos de dois anos de experiência de jogo

Tenenbaum et al (1999)
High skilled
De acordo com a avaliação do técnico diretamente responsável pelo acompanhamento dos jogadores.
Low skilled
De acordo com a avaliação do técnico diretamente responsável pelo acompanhamento dos jogadores.

Williams and Davids (1998)
Experienced
Jogadores, em media, com 13,4 anos de experiência esportiva (profissionais e semi-profissionais).
Less-experienced
Jogadores, em média, com 4,1 anos de experiência esportiva recreacional.

Williams et al (1993)
Experienced
Jogadores, em media, com 12,8 anos de experiência (semi-profissionais e de equipes universitárias).
Inexperienced
Jogadores, em média, com 5,4 anos de experiência esportiva recreacional.

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revista digital · Año 9 · N° 65 | Buenos Aires, Octubre 2003  
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