efdeportes.com
Alteração dos motivos para a
prática desportiva das crianças e jovens

   
I.P.G. - Escola Superior de Educação
Dep. Ciências do Desporto e Educação Física
Guarda
 
 
Luís Filipe Cid
luis.cid@ipg.pt
(Portugal)
 

 

 

 

 
Resumo
    Nos últimos anos numerosos estudos tem procurado descobrir os motivos que levam os jovens à prática desportiva, constituindo esta área um dos grandes temas da Psicologia Desportiva que maior produção científica tem originado (Serpa, 1991). O crescente envolvimento dos indivíduos de todas as idades e sexos na prática desportiva é notório, facto que torna necessário e útil conhecer as razões pelas quais escolhem determinadas actividades. O papel da motivação é determinante na análise dos motivos que levam o sujeito a agir e o porquê dos prepectuar pelo tempo (Brito, 1994). Com o objectivo de saber quais as razões mais e menos importantes que conduzem à prática de actividade física e se estas se alteram ao longo do percurso escolar, foi realizado um estudo envolvendo 110 estudantes do ensino secundário, do sexo masculino e com idades compreendidas entre os 15 e 20 anos. Para tal, foi utilizado como instrumento de trabalho o QMAD, desenvolvido por Gill, Gross e Huddleston (1983) e adaptado para a língua portuguesa por Frias e Serpa (1990).
    Unitermos: Motivação. Motivos. Psicologia do desporto.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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“A motivação é um dos processos de pensamento
mais frequentemente estudados e úteis
que intervêm na aprendizagem dos alunos”

(Lee e Solmon, 1992 cit. por Carreiro da Costa, 1998: 7)

    Ao longo dos últimos 20 anos, numerosos estudos têm procurado descobrir os motivos que levam os jovens à prática desportiva, constituindo esta área um dos grandes temas da Psicologia que maior produção cientifica tem originado (Frias e Serpa, 1991). O crescente envolvimento dos indivíduos de todas as idades e todos os sexos na prática desportiva é notório, facto que torna necessário “conhecer as razões pelas quais seleccionam determinadas actividades, nelas persistem e se lhes entregam com uma data intensidade” (Serpa, 1991: 101), sendo a motivação o campo no domínio da Psicologia que estuda tais razões, em especial a Psicologia do Desporto.

    Nesta perspectiva, segundo Woolfolk e Nicolich (1984, citado por Costa et al, 1998), a motivação debruça-se sobre 3 questões fundamentais: saber o que leva um sujeito a iniciar determinada actividade, a razão porque se focaliza em determinado objectivo e a causa pela qual persiste em realizar esse objectivo. Na posse destes conhecimentos, é possível ao educador (professor e/ou treinador) organizar e orientar melhor o seu trabalho, promovendo um clima motivacional positivo, proporcionando situações do agrado daqueles a quem se dirige, favorecendo um processo ensino-aprendizagem mais eficaz. Como diz Frias e Serpa (1991: 169), “apenas depois de conhecer os porquês é possível que o professor seja eficaz e consequente nos comos”. Não basta ter um conhecimento sobre os factores que influenciam a motivação dos jovens, é preciso saber o que fazer com eles, utilizando-os da melhor forma.


Apresentação do problema

    Todo o conhecimento científico assenta na base do porquê? Desde que o homem é homem a sua insaciável vontade de saber as causas e as razões de algo permitiram a evolução da espécie humana (Sobral, 1993). Aqui assenta o pilar base da motivação “a insistência em caminhar em direcção a um objectivo” (Singer, 1977: 47).

    Desde que a psicologia entrou no mundo do desporto, estudando o comportamento do individuo em situações de actividade física, que a motivação assumiu um enfoque preponderante na explicação do sucesso ou insucesso dos sujeitos (Alves, 1996). O grande papel do estudo da motivação deriva da necessidade em explicar e analisar os motivos que conduzem a determinadas acções, porque é que variam e porque é que se perpetuam ou não (Brito, 1994). Constata-se, segundo Cratty (1984), que as razões pelas quais os indivíduos participam em actividades físicas podem variar, assumindo assim um carácter dinâmico. Outro autor (Horn, 1992), refere ainda que os motivos não são imutáveis, podendo alterarem-se com o tempo, com novas experiências vividas, com determinados acontecimentos, com o contexto sócio-cultural e outros factores diversos. No entanto, não quer isto dizer que não exista um tronco comum de razões pelas quais os jovens se dediquem à prática desportiva (Serpa, 1991; Fonseca, 1995 e Alves, 1996).

    Assim sendo, no seguimento do que foi dito parece-nos legitimo levantar as seguintes questões, que dão propósito à situação problemática deste trabalho:

  • Será que os motivos para a prática desportiva se alteram em função do ano de escolaridade?

  • Quais são os motivos mais importantes que levam os jovens à prática de actividade física e desportiva neste período escolar?

  • E os menos importantes?

    A partir daqui tentaremos obter algumas respostas para os nossos anseios. No entanto, na área da psicologia aplicada ao desporto, assim como em outras áreas da ciência, é impossível ter resposta para todas as perguntas (Biddle, 1993, citado por Dias, 1995). Não podemos esquecer que a motivação é considerada como uma área pluridimensional, onde é difícil encontrar uma teoria geral que apresente uma explicação completa (Brito, 1994).


Breve revisão da literatura

    No senso comum existe a ideia de que para motivar alguém “basta ter uma cenoura na mão e um pau na outra” (Alves et al, 1996: 37) - a chamada estratégia do burro, baseada no castigo e na recompensa em função dos comportamentos atingidos. Outra imagem da motivação é aquela que se obtém através dos discursos electrizantes e convincentes, onde há uma “transmissão quase mágica do entusiasmo” (Idem Ibidem) que transforma um derrotado num campeão em fracção de segundos - a chamada estratégia banha da cobra.

    Apesar deste tipo de intervenções poderem funcionar em casos muito pontuais, não podem ser consideradas como regra num sistema que deve ser fundamentado nas leis do comportamento e devidamente organizado e planeado (Alves et al, 1996). Por isso, a motivação envolve algo mais do que um simples encorajamento (com prémios e discursos) ou uma punição de castigo com trabalho físico extra durante o treino (Alderman, 1978, citado por Serpa, 1991).


Conceitos de Motivação

    Etimologicamente, o termo motivação, significa “acção de pôr em movimento” e parece ter origem nas palavras latinas motu (movimento) e movere (mover), o que lhe confere uma ideia de movimento para ir que um local para outro (Alves et al, 1996).

    Nesta perspectiva e de uma forma ampla e simplista, a motivação pode ser entendida como algo que inicia, mantém e torna mais ou menos intensa a actividade dos indivíduos (Carron, 1980, Cratty, 1984, Wittrock, 1986, Fontaine, 1988, Serpa, 1990, Lee e Solmon, 1992, todos citados por Carreiro da Costa et al, 1998).

    Segundo Alves et al (1996: 38), a motivação pode ser compreendida pelo conjunto de variáveis que determinam a “razão pela qual os sujeitos escolheram aquele desporto como prática desportiva, porque se mantém nesta actividade ao longo do tempo e porque desenvolvem um determinado nível de empenhamento”.

    A motivação aparece assim ligada ao comportamento do sujeito, sendo considerada como uma causa determinante e condicionante do seu grau de eficácia. Os estudos realizados nesta área (Carron, 1980 e Cratty, 1984, citados por Serpa, 1991), realçam o facto da motivação ser determinada por factores pessoais e situacionais, quer a nível consciente, quer a nível inconsciente, estando dependentes das necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais de cada sujeito, bem como das suas experiências passadas ou recentes.

    Podemos então concluir que existem duas dimensões envolvidas no processo de motivação (Alves et al, 1996; Weinberg e Gould, 1995, citados por Cruz, 1996; Cratty, 1984, Rodrigues, 1985, Martens, 1987, ambos citados por Carreiro da Costa, 1998): a direcção - relacionada com a escolha da actividade através da qual o sujeito visa atingir determinados objectivos; a intensidade - diz respeito ao maior ou menor esforço empregue nessa actividade por parte do sujeito, com vista à realização dos objectivos estipulados. Halliwell (1981, citado por Cruz, 1996); Singer (1984, citado por Cruz, 1996) e Brito (1994) prevêem ainda outra dimensão neste processo: a persistência - relacionada com a continuidade ou não na actividade escolhida.

    Assim sendo, podemos definir a motivação como um processo que leva o sujeito a iniciar uma actividade, a orientá-la em função de objectivos pessoais com um determinado grau de empenho, a prossegui-la e a terminá-la.


Tipos e Teorias da Motivação

    Existe, na literatura, um enorme consenso sobre as “fontes de motivação” (Brito, 1994: 26; Cruz, 1996: 306; Costa, 1998: 8), classificadas frequentemente em intrínsecas e extrínsecas (Cratty, 1984; Gill, 1986; Horn, 1992; Serpa, 1991; Fonseca, 1995; Alves et al, 1996).

    As motivações intrínsecas, mais duradouras e persistentes (Bruner, 1966 e Thomas e Tennant, 1980, citados por Carreiro da Costa et al, 1998), estão relacionadas com a própria prática e com os sentimentos que ela provoca nos sujeitos. São os motivos internos ao sujeito (o prazer, a alegria da realização, satisfação da aprendizagem, etc.), que promovem o desenvolvimento de outros tipos de necessidades, tais como a competência e a autonomia humana (Alves et al, 1996). Ao contrário, as motivações extrínsecas estão relacionadas com as recompensas que a prática pode proporcionar (prémios, prestígio, classificações, etc.) (Cruz, 1996).

    Segundo Singer (1984, citado por Serpa, 1991), os motivos intrínsecos não existem sem os extrínsecos, sendo os primeiros condição necessária dos segundos. Por outras palavras, os motivos intrínsecos determinam os extrínsecos e estes, por seu turno, regulam os primeiros, ou seja, se não existir um motivo extrínseco, o sujeito pode não se sentir motivado para determinada acção ou actividade, uma vez que não se sente totalmente satisfeito, mesmo se tiver uma elevada motivação intrínseca. Este facto assume uma maior relevância em crianças e jovens. Talvez por isto, Alderman (1983) e Brito (1994), consideraram um terceiro tipo de motivação - a intermédia, que representa uma área intermédia entre o desejo interior e a afirmação exterior (necessidade de filiação e participação no grupo).

    Os estudos realizados na área da motivação procuram criar bases teóricas sólidas no sentido de compreender e explicar os motivos e as características das pessoas que participam no desporto e na actividade física em geral, bem como identificar os factores psicológicos que lhes estão subjacentes. No entanto, como refere Roberts (1995), a história das teorias da motivação tem sido a constante procura da teoria certa, que explique de forma inequívoca o complexo processo que é a motivação.

    Neste breve apontamento bibliográfico apenas iremos abordar de forma sucinta aquelas que mais são referenciadas na literatura (Roberts, 1995; Fonseca, 1995; Weinberg e Gould, 1995, citados por Cruz, 1996; Alves et al, 1996): a teoria da realização das necessidades e a teoria da atribuição.

    A primeira teoria referida foi, segundo Cruz (1996), uma das primeiras teorias psicológicas da motivação, desenvolvida por McClelland (1961) e Atkinson (1974). É uma teoria interaccional, que não só tem em linha de conta os factores pessoais (motivação para o sucesso; motivação para evitar o fracasso), mas também os factores situacionais (probabilidade de sucesso; valores de incentivo para o sucesso) como forma de predicção do comportamento em contextos de realização. Recentemente, Weinberg e Gould (1995) adaptaram esta teoria a contextos desportivos (fig. 1), passando a comportar cinco componentes: os factores da personalidade, os factores situacionais, as tendências resultantes, as reacções emocionais e os comportamentos de realização.


Figura 1 - Teoria da realização das necessidades (Adaptado de Weinberg e Gould, 1995 in Cruz, 1996)

    Como se pode observar, de acordo com a teoria apresentada, os sujeitos com elevados níveis de realização ou rendimento seleccionam tarefas e actividades desafiadoras, ao passo que os sujeitos com baixos níveis de realização e rendimento evitam tarefas e actividades desafiadoras, arriscando menos (Cruz, 1996).

    A segunda teoria atrás referida, segundo Alves et al (1996), Fonseca (1996) e Costa (1998), caracteriza-se pelo modo como os sujeitos explicam para si mesmos as causas de determinados resultados que obtêm nas actividades a que se dedicam. A teoria das atribuições causais (fig. 2), assume assim, que a maneira como os indivíduos “percepcionam e explicam os seus resultados apresenta uma relação com os seus comportamentos futuros” (Fonseca, 1996: 337, citando Thomas, Missoum e Rivolier, 1987), podendo mesmo influenciar a sua motivação (Roberts, 1986 citado por Fonseca, 1996).

    Segundo o mesmo autor (Idem Ibidem), a versão original desta teoria, que foi desenvolvida por Heider (1944, 1958) e popularizada nos contextos desportivos por Weiner (1979), tem por base que todas as causas indicadas pelos sujeitos para as suas acções ou resultados, podem ser classificados e analisados em três dimensões: locus de causalidade (se a causa é interna ou externa ao sujeito), a estabilidade (se as causas se mantém ao longo do tempo ou variam) e a controlabilidade (se a causa é influenciada pela acção do sujeito ou de outras pessoas).


Figura 2 - Modelo atribuicional de Weiner (1979, in Fonseca, 1996)

    Como se pode contactar, de acordo com a teoria das atribuições, as causas que os sujeitos geralmente indicam como tendo estado na origem dos seus resultados tem a ver, essencialmente, com a habilidade, o esforço, os adversários e a sorte (Alves et al, 1996).


Motivos para a Prática Desportiva - Estudos com Crianças e Jovens

    Dos muitos estudos realizados sobre esta temática, é de realçar aqueles que procuram os motivos pelos quais os jovens se dedicam à prática regular de actividade física. Quando se escolhe uma determinada modalidade não o fazemos de forma aleatória, uma vez que por detrás dessa escolha está algo ou alguém, que conscientemente ou inconscientemente nos obriga a escolher. O interesse ou simples curiosidade por uma actividade física está normalmente associado à ocupação dos tempos livres ou associado à saúde e bem-estar físico, psíquico e social, respondendo assim às nossas necessidades individuais e sociais (Pereira, 1997).

    No entanto, essas necessidades não são sentidas da mesma forma por todos os indivíduos, sendo por isso variáveis de acordo com vários factores: idade, sexo, contexto, momento, moda, sociais, económicos, culturais e outros (Cratty, 1983; Horn, 1992; Carvalho, 1994, cit. Pereira, 1997). Mas, de um modo geral, os jovens revelam motivos semelhantes no envolvimento na prática de actividade física (Serpa, 1991). Assim sendo, passamos a apresentar (quadro 1) os resultados de alguns estudos realizados com jovens no âmbito das motivações para a prática desportiva.


Quadro 1 - Resumo de alguns estudos realizados em Portugal com jovens sobre a
motivação para a prática desportiva (Adaptado de Pereira, 1997)

    Como se pode observar existe um tronco comum (Serpa, 1991 e Fonseca, 1995) de razões que determinam o envolvimento na prática desportiva por parte dos jovens, não apenas nos motivos mais importantes, mas também nos menos importantes.


Material e Métodos

Caracterização da amostra

    A amostra sobre a qual este trabalho incidiu era inicialmente composta por 125 sujeitos do sexo masculino, estudantes do 10º ao 12º ano de escolaridade. No entanto, e depois de ser realizada uma análise exploratória inicial dos dados, constatou-se que 12 deles omitiram algumas respostas em relação ao questionário aplicado (Q.M.A.D.), sendo por isso retirados da amostra e considerados como casos omissos. Posteriormente, e após uma nova análise exploratória dos dados, com o objectivo de determinar a sua normalidade e eliminar os valores exagerados, verificou-se a existência de outliers (3) em relação à idade dos sujeitos do 10º e 12º ano, que afectavam a normalidade dos dados, pelo que optámos por eliminá-los, uma vez que a idade pode ser um factor influenciador dos motivos para a prática desportiva (Cratty, 1983; Horn, 1992; Carvalho, 1994, citado por Pereira, 1997; Brito, 1994).

    Assim sendo, a nossa amostra passou a ser composta por 110 sujeitos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 15 e 20 anos (média de 16,53±1,19 anos), todos estudantes do 10º ao 12º ano de escolaridade.


Caracterização do instrumento

    O instrumento de trabalho utilizado foi o P.M.Q. - Participation Motivation Questionnaire, desenvolvido por Gill, Gross e Huddleston (1983), traduzido e adaptado para a língua portuguesa por Serpa e Frias (1990), passando a ser chamado por Q.M.A.D. - Questionário de Motivação para as Actividades Desportivas.

    Segundo Serpa (1991), Alves et al (1996) e Cruz (1996), este questionário é constituído por 30 itens, correspondendo cada um deles a uma razão/motivo para a participação em actividades desportivas, sendo a sua importância indicada pelos sujeitos numa escala de 1 a 5 valores (1=Nada Importante; 2=Pouco Importante; 3=Importante; 4=Muito Importante; 5=Totalmente Importante).


Procedimentos estatísticos

    Para além da análise exploratória inicial, por forma a detectar omissões e valores extremos que colocassem em causa a normalidade dos dados, foi utilizada a estatística descritiva, através da utilização de médias e desvios-padrão, para determinar qual a importância dos motivos para a prática desportiva.


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