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Gênero no cotidiano do recreio de uma escola de educação infantil

Género y recreación en la escuela de educación inicial

Gender in recreation of a school of early childhood education

 

*Professor Adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade

**Graduada em Pedagogia (UESB). Discente do curso

de Especialização em Alfabetização (UESB)

(Brasil)

Benedito Eugênio*

beneditoeugenio@bol.com.br

Geisiely Brito**

geisybrito@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          As relações de gênero na educação das crianças não constitui, na maioria das vezes, uma temática presente no projeto pedagógico e nas práticas cotidianas dos professores. Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa que investigou as relações de gênero no cotidiano de uma escola de educação infantil no município de Vitória da Conquista, BA. Os dados foram construídos por meio de observações, feitas durante o recreio em uma turma de educação infantil. A partir das observações do cotidiano escolar das crianças é possível compreender como se desenvolvem as relações de gênero na educação infantil.

          Unitermos: Educação Infantil. Gênero. Recreio.

 

Abstract

          Gender relations in the education of childhood is not, in most cases, a current theme in the pedagogical project and the daily practices of teachers. This paper presents the results of a study that investigated the relationship of gender in the daily life of a school of early childhood education in the municipality of Vitoria da Conquista, Bahia. Data were constructed through observations made during recess in a preschool class. From the observations of daily school children can understand how to develop gender relations in early childhood education.

          Keywords: Childhood Education. Gender. Recreation.

 

Recepção: 23/11/2015 - Aceitação: 16/01/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 213, Febrero de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Os estudos de gênero são relativamente recentes. Auad (2006) aponta os estudos de Robert Stoller (1964) e Gayle Rubin (1975) como os pioneiros. Durante muitos anos, gênero e sexo se difundiram como sinônimos, estando relacionados com a produção da existência biológica dos seres humanos.

    Segundo Nicholson (2000, p.03):

    em meados dos anos 60 o termo gênero ainda era uso principalmente como referencias a formas femininas e masculinas dentro da relação ao papel da sociedade na distinção da sociedade entre fenômenos codificados em termos de “masculino” e feminino”. As feministas da segunda fase estenderam o significado do termo para com ele se referir também a muitas das diferenças entre mulheres e homens expostos na personalidade e no comportamento.

    De acordo com esta autora, neste período o termo gênero foi introduzido para suplementar o termo sexo e não para substituí-lo. Somente nos fins dos anos 60, quando os movimentos feministas emergiram em proporções mundiais, o conceito de gênero foi elaborado e conceituado como uma construção social das identidades sexuais, se dando através da dinâmica das relações existentes na sociedade. A dicotomia de sexo e gênero foi se tornando ainda mais evidente e passou-se a diferenciar o ser macho ou ser fêmea (determinação anátomo-fisiológica) do ser homem ou ser mulher (construção social).

    Gênero é um constructo social. A sociedade impõe costumes e atribuí aos dois sexos funções diferentes e hierarquizam o gênero, determina papéis que devem ser desenvolvidos pelos homens e vice-versa. No campo da educação esses elementos também estão presentes, conforme apontam Eugênio e Mascarenhas (2013), ao analisarem as relações de gênero em uma creche municipal em Vitoria da Conquista, BA.

    Segundo Carvalho, Costa e Melo (2008, p. 2), “nos seus cenários e rotinas, a construção subjetiva e objetiva de gênero se dá, inicialmente, de forma implícita e silente através da vivência de uma pedagogia organizacional e visual que impõe objetos, lugares, atividades e relações aos meninos e meninas”.

    É comum vermos meninas e meninos convivendo juntamente nas escolas. Entretanto, será que essas escolas mistas são na realidade escolas de liberdade e igualdade onde as crianças podem relacionar-se e expressar-se livremente? Este artigo resulta dos dados construídos durante a realização do projeto de pesquisa Educação e diversidade nas relações escolares, por nós desenvolvido junto a escolas públicas municipais de educação infantil e ensino fundamental de Vitória da Conquista, BA. Os dados aqui apresentados são referentes a uma pesquisa realizada em uma escola de educação infantil do município de Vitória da Conquista, BA, que buscou compreender como se configuram as relações de gênero na educação infantil a partir do espaço do recreio.

Considerações metodológicas da pesquisa

    Esta pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa. O primeiro passo para o percurso da pesquisa foi o levantamento bibliográfico no sentido de compreender os conceitos de infância, gênero e culturas infantis no recreio. O segundo passo foi visitar uma pré-escola durante o período do recreio e observar as crianças de quatro e cinco anos, suas brincadeiras e como as relações de gênero se dão nesse espaço. Com base nessas observações foi elaborado um caderno de campo para realizar todas as anotações.

    A pesquisa com crianças apresenta particularidades. “Temos muito a aprender e conhecer sobre as crianças tratadas no plural, - suas múltiplas infâncias vividas em contextos heterogêneos – e temos muito a debater sobre as orientações teórico-metodológicas, quando se trata de pesquisa com crianças” (Rocha, 2008, p. 44). Pesquisar na educação infantil requer muito mais que uma investigação na simples observação e conclusão dos fatos, mas requer a escuta da criança, requer um conhecimento do modo como as crianças vivem a sua infância e a representam. Assim, consideramos que as crianças são reprodutoras e produtoras de culturas.

    Eis um relato inicial que nos permite compreender como se organizam as lógicas do aprendizado do ofício de aluno a partir das relações de gênero na escola investigada:

    As crianças chegam e, em fila, rezam. Após a oração os alunos seguem para as salas de aula.

    Ao chegar à sala, eu percebo que têm cabides pendurados na parede para que os alunos guardem as bolsas. Então eu coloco minha bolsa no cabide dos meninos (acidentalmente). E uma das alunas chama a minha atenção dizendo que coloquei minha bolsa no lugar errado. Só então eu percebo que tem dois tipos de cabides: um para meninos e outro para as meninas. Então, eu troco minha bolsa de cabide e me sento em uma mesa cercada de meninas.

    A maioria das atividades é feita em grupo e quando são tarefas individuais, por compartilharem da mesma mesa, as crianças dividem suas dúvidas e pedem ajuda dos colegas pra concluir as atividades. Ao terminar a atividade as crianças aos poucos saem para lavar as mãos e voltam para aguardar o lanche.

    O lanche é servido pela escola na sala de aula e as crianças sentam nas cadeiras ao redor das mesas.

    Os alunos pedem permissão ao longo da tarde para utilizarem o banheiro (Escola X, Caderno de campo).

    A idéia inicial da pesquisa era a de que durante a investigação não auxiliaríamos as professoras em seu trabalho em sala de aula. Entretanto, em vários momentos as professoras pediam auxílio para as atividades rotineiras (como a exemplo solicitava ajuda para pegar os materiais, para conduzir os alunos ao recreio e auxiliar no momento das atividades escritas).

    De acordo com Martins Filho (2010, p.09), “em pesquisas com crianças é impossível observar sem participar, a observação é sempre com participação [...] Os pesquisadores tornam-se outro, que observa e é também observado”.

    Essa participação, no caso da nossa pesquisa, contribuiu para um bom relacionamento com as professoras e os alunos. Inicialmente, achávamos que não devíamos participar dos momentos observados, mas concluímos durante o período da pesquisa que esses momentos, quando não em excesso, servem de elo entre professor-pesquisador-aluno. Caso contrário, se essas atividades de auxílio do pesquisador para com as atividades dos professores se tornarem uma prática diária, a qual o pesquisador substitua o professor, elas em certo ponto influenciarão no resultado da pesquisa, pois a posição do pesquisador é investigativa, se ele estiver a todo tempo atuando na sala de aula juntamente com o professor, seu olhar crítico sobre aquele espaço pode ser desfocado. Assim, o pesquisador pode vir a se adaptar ao meio, dessa forma a vivência com aqueles sujeitos investigados pode se tornar rotineira ao ponto do pesquisador não consegui enxergar mais o problema ou não atribuir sentido aos dados. Sabemos que não há como o pesquisador se manter neutro. Mas há uma necessidade do pesquisador saber dosar e saber o limite de até onde pode ir essa sua interação com os sujeitos do campo pesquisado. Por isso a vigilância epistemológica é fundamental.

    Carvalho (2011, p.136) pontua que no cotidiano estruturado da escola:

    não há lugar previsto para o sociólogo, para um adulto - freqüentemente uma adulta - que não é professora, funcionária nem mãe de alunos. Uma adulta que não se responsabiliza pela manutenção da disciplina, não pune – estranham os estudantes. Ao mesmo tempo, uma “colega” que nem sempre se dispõe a substituir a professor ausente, ou a ajudar a imprimir o material da prova – incomodam-se os professores.

    Durante a nossa estadia na Escola X, passamos por situações nos primeiros dias de observação que confirmam o que Carvalho (2011) aponta:

    Uma aluna sentada ao meu lado me perguntou:

    Sabrina: - Quem é você? Você é tia também?

    Pesquisadora: - Não!

    Sabrina: - Você vai estudar com a gente?

    Pesquisadora: - Não, vou só passar um tempo aqui na escola para aprender algumas coisas.

    Sabrina: - E o que é isso que você escreve no caderno? É tarefa? Sua letra é bonita!

    Pesquisadora: - Não, são algumas anotações para eu não esquecer o que acontece aqui na escola.

    Sabrina: - Hum!

    (Caderno de Campo)

    Durante o percurso da pesquisa foram mantidos diálogos participantes com as crianças quando assim eram necessários para a obtenção dos dados.

    Altino José Martins Filho (2009) fez um estudo que investigou o crescente número de pesquisas apresentadas na ANPED com crianças pequenas nas últimas décadas. Segundo o autor, as várias pesquisas em geral registram a importância do olhar a infância como uma fase repleta de características próprias. E, para compreender essa fase, o pesquisador dessa área deve se atentar às falas das crianças. Nesse sentido:

    O estudo das realidades da infância com base na própria criança é um campo de estudos emergente, que precisa adotar um conjunto de orientações metodológicas cujo foco é a recolha da voz das crianças. Assim, além dos recursos técnicos, o pesquisador precisa ter uma postura de constante reflexibilidade investigativa (...), a não projetar o seu olhar sobre as crianças colhendo delas apenas aquilo que é o reflexo dos seus próprios preconceitos e representações. (Sarmento e Pinto, 1997 apud Martins Filho, 2010, p.5).

    As crianças podem e são capazes de falar sobre seus mundos, suas culturas e suas relações sociais. Assim, quando se trata de uma pesquisa investigativa que visa compreender o comportamento, a relação e a cultura infantil, nada mais válido do que escutá-las. Nessa perspectiva, as crianças são “os sujeitos privilegiados para o pesquisador perguntar, observar, conversar, fotografar, filmar e registrar para conhecer os diversos jeitos das crianças viverem a infância” (Martins Filho, 2009).

    Compartilhando desse pensamento, a investigação desta pesquisa se deu através da escuta das crianças da escola de educação infantil. Procuramos compreender, através dos diálogos, como as relações de gênero se fazem presentes no espaço cotidiano da escola. De acordo com as observações, gênero e sexualidade estão presentes em vários discursos e momentos no dia-a-dia dos estudantes, conforme podemos observar nas anotações do caderno de campo a seguir:

    Uma menina se aproxima de mim e diz:

    - Tia, ele quer passar batom!

    - Ele pode passar batom?

    - Não!

    -Porque não?

    A menina apresenta expressão de timidez e não responde.

Apresentando a escola investigada

    O principal critério para a seleção da escola é que fosse de educação infantil. As pesquisas em torno da temática de gênero são sempre peculiares e a dificuldade em se realizar esse tipo de pesquisa nas escolas está na dependência da aceitação da escola, em especial da autorização da direção e do/a professor/a, principalmente a realização das observações em sala de aula. Este foi um fator que inicialmente dificultou a pesquisa. Uma problemática em torno da pesquisa em educação é o fato de o professor não se acostumar com pesquisadores em sala de aula. Eles associam a investigação dos pesquisadores à função dos estagiários ou de alguém que os vigia. Em sala de aula os alunos pesquisadores passam a realizar atividades de responsabilidade dos professores, dessa forma, essas atividades podem interferir no resultado das pesquisas, quando essas não forem pesquisas participativas (que requer a interferência do pesquisador).

    A tentativa de dá início às observações para essa pesquisa em uma das escolas públicas foi frustrada. Registros do caderno de campo podem sancionar essa questão:

    A professora requisitou a minha ajuda para administrar a sala de aula. Ela se ausentou em alguns momentos longos me deixando a sós com a turma. A diretora colocou-me a par da dificuldade que a professora sentiu, ao mediar a turma, com a minha presença em sala de aula. Segundo a diretora da escola, a professora achava que a minha chegada seria para ajudá-la em suas funções diárias, como por exemplo: ajudar as crianças a fazer as tarefas, organizar as atividades que ela trabalharia no dia (como recortá-las, fazer colagem, e o que fosse necessário), e substituí-la em sua ausência. Essa opinião da professora me leva a concluir que as escolas, de educação infantil especificamente, não estão acostumadas com pesquisadores, muitas vezes esses são confundidos com estagiários.

    O fato de o professor confundir o papel do aluno-pesquisador x aluno-estagiário, explica-se na semelhança dos papéis desenvolvidos por esses sujeitos. Ambos vão à escola com intuito de compreender aspectos diversos do ambiente escolar bem como a prática pedagógica. Entretanto, o aluno-pesquisador não tem a intenção de intervir nas atividades do professor, bem como não tem o intuito de atuar ou mediar o desenvolvimento do aluno, exceto quando essa é uma pesquisa participativa. Já o aluno-estagiário, estuda, analisa a prática pedagógica e atua na sala de aula na intenção de adquirir experiência para sua prática pedagógica. São situações diferentes, as quais os professores devem ter conhecimento.

    Sonia Kramer (2002) traz, em seu trabalho intitulado “Autoria e Autorização: Questões Éticas na Pesquisa com Crianças”, uma discussão interessante sobre a dificuldade de se fazer pesquisa com crianças. Anteriormente pontuamos nesse trabalho a importância de pensarmos nas crianças como atores sociais, produtoras e reprodutoras de cultura, entretanto a autora questiona: se consideramos as crianças seres ativos da sociedade e, na pesquisa, a tratamos como sujeitos, por que não podemos revelar a identidade das crianças em nossas pesquisas? Como tornar público sem expor nomes e rostos? Quando dizemos população, incluímos as crianças? Elas tem sido sujeitos da pesquisa?

    Ao levantar esses questionamentos a autora pontua que muitos são os receios por parte dos pesquisadores em tornar público a imagem dessas crianças, no sentido de preservar a própria saúde e bem estar delas, de preservar a integridade desses sujeitos. Os registros de pesquisas com crianças trazem a tona algumas denuncias de violência, maus tratos e descasos que elas sofreram. Nesse sentido, ao tornarmos público essa realidade com a identidade oficial das crianças, estaríamos pondo-as em risco. Mas, nesse caso, o pesquisador deve ficar de mãos atadas? Como não expor uma injustiça? Em seu trabalho ela descreve que em um desses casos o pesquisador levou a denúncia ao conselho tutelar. Mas sempre nos registros das pesquisas as publicações aparecem com nomes fictícios do campo de pesquisa e das crianças.

    É válido considerarmos esse questionamento e continuarmos com a discussão. Se já é difícil o acesso ao campo de pesquisa, no que diz respeito à aceitação dos sujeitos da pesquisa, quem dirá expor o resultado desta.

    Nesse sentido, consideramos que a explicação da recusa dos professores por alunos-pesquisadores pode ser o medo de expor sua prática pedagógica para outras pessoas. Eles não se sentem seguros em expor seu trabalho, pois assim fazendo acham que estão sujeitos a críticas destrutivas, críticas que podem ser divulgadas para sociedade e assim sendo, podem desqualificar o seu trabalho profissional. Seria hipocrisia dizer que, ao aceitar esses alunos pesquisadores, eles não sofreriam esse risco. Entretanto, há uma necessidade de conscientizar os alunos-pesquisadores, bem como os profissionais da área pesquisada, sobre questões de ética para pesquisa.

    Vale ressaltar novamente que, conforme a idéia de Kramer, se estamos estudando os sujeitos na tentativa de contribuir para identificar, investigar problemas daquele determinado campo de pesquisa e dos sujeitos, por que devemos encobrir tais fatos, se a mudança é necessária? Cabe então considerarmos a própria intenção da pesquisa. A mudança daquela realidade não será imediata. Por ventura os resultados das pesquisas podem (ou não) intervir na realidade daquele campo pesquisado, mas se não interferir naquele momento, interferirá na atuação dos próximos profissionais da área, que ao ler a publicação da pesquisa refletirá na sua prática.

    A instituição pesquisada é aqui denominada de Escola X. Os nomes das crianças citados ao longo da pesquisa são todos fictícios. Apesar de compartilharmos dos questionamentos de Kramer acerca do direito de autorização de imagem dos sujeitos, nós ainda não conseguimos alcançar uma forma para tratar os sujeitos da nossa pesquisa da forma que gostaríamos. O primeiro contato com a escola X se deu com a diretora da escola que logo após receber a proposta da pesquisa encaminhou-a até uma das professoras. Esta por fim, esteve prontamente receptiva, cedendo sua sala de aula com vinte e seis alunos para a realização das observações.

    A escola X iniciou suas atividades no ano de 1982. Inicialmente foi tida como curso comunitário de alfabetização e conscientização para atender a crianças carentes. Crianças de cinco e sete anos eram ali alfabetizadas por que lhes faltava acesso às poucas escolas existentes no bairro naquela época. O curso mudou de endereço duas vezes e insatisfeitos com a falta de qualidade do ensino e da estrutura escolar, o presidente da associação do bairro juntamente com um grupo de professores se organizaram e fizeram diversos abaixo-assinados, o que levou o prefeito da época a assinar o documento que permitiria a construção da nova escola.

    No ano de 1990 (ano internacional da alfabetização) o então prefeito municipal anunciou à população do bairro a abertura de uma escola de anos iniciais, constituída de quatro salas de aula, uma sala para professores, uma cozinha, um depósito para merenda e dois banheiros. A escola ficou sobre responsabilidade da Secretaria Municipal da Educação e Cultura.

    Hoje a escola possui oito salas de aula, uma sala multifuncional (em construção), uma biblioteca, dois banheiros, uma sala para direção da escola, uma sala para coordenação, uma sala para professores, uma cozinha, um depósito para merenda, dois pátios pequenos e uma sala para reforço escolar.

    Atualmente a escola atende alunos de 3 a 7 anos de idade, moradores do bairro onde está situada e de mais cinco bairros circunvizinhos. Sob responsabilidade da rede municipal de ensino, a escola funciona na modalidade de ciclos.

    A escola X nos apresentou a seguinte tabela da rotina que ela adapta para alunos de 4 e 5 anos.

Hora

Momento

Tipo de atividades

13h00 às 13h15

Momento da acolhida, para contato individual com a criança e com a família.

Livres com materiais e brinquedos à disposição para que as crianças possam escolher;

13h15 às 13h45

Roda de Conversa: momento para construção do sentimento de grupo, de pertença, de fazer parte de uma trajetória comum.

Conversa informal sobre as experiências de cada um;

13h45 às 14:00h

Lanche: momento de socialização na sala

-Oração

- Orientar as crianças sobre os hábitos alimentares de mastigar, engolir, cortar e saborear os alimentos, etc.

14:00h às 14h15

Momento Psicomotricidade

- Circuitos;

- Brincadeiras;

- Jogos.

14h15 às 15h30

Registros Pedagógicos: momento de registrar os símbolos cognitivos;

- Momento do conteúdo diário;

- Leitura;

- Escrita.

15h30 às 15h45

Refeição: Momento de socialização e de higienização.

-Oração;

- Orientar as crianças sobre os hábitos alimentares de mastigar, engolir, cortar e saborear os alimentos, etc.

- Escovar os dentes;

- Lavar as mãos.

15h30 às 15h45

Refeição: Momento de socialização e de higienização.

-Oração;

- Orientar as crianças sobre os hábitos alimentares de mastigar, engolir, cortar e saborear os alimentos, etc.

- Escovar os dentes;

- Lavar as mãos.

15h45 às 16h15

Momento livre no pátio

Recreação

16h30 às 16h45

Saída: momento de reencontro com a família

- Estimular as crianças a despedir-se das pessoas e lembrá-la de que voltará no dia seguinte.

    A sala de aula na escola X era arejada e limpa, com uma janela para ventilação. A parede era pintada de verde e rosa, tinham desenhos de meninos e meninas em emborrachado espalhados pela sala. Possuía cartazes, um com os nomes dos meninos presentes naquele dia de um lado e o das meninas do outro, outro indicando o ajudante do dia, outro cartaz era um calendário (indicando se o dia estava chovendo ou fazendo sol). Possuía também um varal ao qual ficavam anexadas as atividades feitas durante o período. As cadeiras eram organizadas em grupos separados. Ao todo eram quatro mesas e as cadeiras eram distribuídas entre elas. Possuía um armário para guardar os materiais didáticos e dois cabides presos a parede para guardar as mochilas dos alunos. Um era para guardar as mochilas das meninas e o outro era para guardar as mochilas dos meninos. Os brinquedos (carrinho, bonecas, blocos de madeira, jogo da memória) eram guardados no armário.

O recreio como espaço de pesquisa

    O recreio está presente na vida de todo estudante. No entanto, esse não tem sido um espaço que tem interessado aos pesquisadores. Mesmo quando pesquisam o lúdico, as atividades de lazer, o brincar, a cultura da escola, o recreio acaba se tornando um espaço negligenciado nas análises.

    De acordo com Neuenfeldt (2005) alguns motivos podem explicar porque o recreio acaba passando despercebido no cotidiano escolar, dentre eles: a forte valorização das disciplinas intelectuais, o que leva à compreensão do recreio como um espaço improdutivo; o curto espaço de tempo que a ele se destina. Esses motivos, certamente nos ajudam a compreender que

    Não há muitos trabalhos desenvolvidos com o objetivo de problematizar o recreio escolar, o qual, se comparado com outras temáticas pedagógicas, institucionais ou curriculares da escola, parece ter sido menosprezado. Parece também que esse espaço é entendido como um momento que serve de intervalo para a rotina escolar entre as horas de aulas disciplinares, um período que as crianças não estão sob o controle dos adultos (Wenetz, Sttiger e Meyer, 2005, p.45).

    O levantamento preliminar efetuado para a discussão teórica do tema apontou para a existência dos seguintes trabalhos sobre o recreio: Cruz (2004), Grugeon (1995), Wenetz (2005), Wenetz, Stigger, Meyer (2005), Neuenfeldt (2005), Prodócimo e Recco (2008), Vieira e Souza (2009). Dentre esses trabalhos estão artigos, dissertações, teses e comunicações em eventos.

    A importância de estudar as relações de gênero no recreio deve-se ao fato, segundo Wenetz, Sttiger e Meyer (2005, p.48) de que:

    Neste sentido, o recreio constitui uma instância educativa não intencional e não oficial, espaço no qual meninas e meninos aprendem sobre feminilidade e masculinidade. Um momento no qual os limites entre o fora-dentro da escola se misturam articulando significados atribuídos ao corpo e ao gênero, construindo modos de ser e configurando uma ocupação de espaços e brincadeiras diferenciadas.

    No próximo tópico é discutido como ocorrem as relações de gênero no cotidiano da escola investigada.

Educação infantil e relações de gênero

    Os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil (Brasil, 2006) apontam que a criança é um dos principais usuários do ambiente educacional e se constitui como requisito essencial para a formulação dos espaços destinados a educação infantil alcançando o desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social da criança, sendo este um ambiente que garanta o conforto térmico, visual, acústico, olfativo e de qualidade sanitária dos ambientes.

    Nesse sentido, a Instituição de Educação Infantil deve propor espaços aos quais as crianças sintam-se aptas a se expressarem fisicamente, intelectualmente e psicologicamente. Deve ser um espaço de liberdade de expressão.

    Esses argumentos nos levaram a analisar a escola de acordo com os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura. Inicialmente, notamos que a escola possuía uma estrutura física favorável de acordo com os Parâmetros. A Escola X possuía dois pátios, cujos espaços eram deliberados para a hora do recreio das crianças. Não havia divisão dos brinquedos no pátio de acordo com os gêneros, os brinquedos eram todos coloridos e de livre acesso.

    A infra-estrutura da escola não propiciava a diferença entre os gêneros. Entretanto, a forma como os profissionais da área de educação (incluindo professoras, diretora, merendeiras, monitoras e etc.) lidavam com meninos e meninas é que contribuía para a divergência entre os gêneros. As observações nos levaram à conclusão de que os meninos são considerados mais agitados, agressivos e podem brincar na areia, podem bater no colega de brincadeira e gritar com as meninas. São atitudes consideradas normais vindas de um menino. Já as meninas são consideradas mais delicadas, ingênuas, elas não podem gritar, não podem falar palavrão, e jamais podem brincar de bater e correr como os meninos. São comportamentos e atitudes mal vistas se decorridas das meninas. Essas e outras divisões de atitudes, tarefas e comportamentos (feitas imperceptivelmente pelos profissionais da escola) é que tornaram evidente a construção das relações de gênero na escola. Para melhor compreensão desse aspecto, citamos abaixo algumas observações retiradas do caderno de campo:

    Uma garota coloca uma de suas pulseiras no colega e brinca com ele dizendo: “– É mulherzinha, é mulherzinhaa...” A professora chama a atenção dos alunos e pede para a garota guardar a pulseira.

    Nessa citação podemos observar que a menina utiliza o termo “mulherzinha” para zombar o colega. Nesse aspecto, ela considera o fato de que algumas coisas, como a exemplo o de usar pulseiras, correspondem apenas às mulheres.

    Os meninos brincam de correr e de “trenzinho”. As meninas brincam de casinha. Durante a brincadeira uma menina cuida da outra, como se estivesse arrumando-a, penteando os cabelos dela com os dedos.

    Quase ao findar do recreio uma das alunas me diz: “– Tia, ela me xingou de homem!”

    No parque, três meninas brincavam juntas de fazer bolo com a areia presente no chão do parque. Quando, dois meninos se aproximaram e elas automaticamente afastaram os meninos e se direcionaram a mim e falaram: “– Ó tia, os meninos aqui ó! A gente não quer menino aqui não, a gente ainda não terminou de brincar!” Os meninos se afastaram e foram brincar com outros meninos.

    Um menino senta-se no brinquedo gira-gira e não permite que os outros meninos aproximem-se. Ele permite que as meninas sentam-se, mas somente ele manuseia o volante que direciona o brinquedo para um lado e para o outro. Quando uma das meninas tenta controlar o volante ele bate na menina e a expulsa do brinquedo.

    Nas situações acima, observamos as relações de gênero como a construção de papéis dicotomizados. São esses papéis que vão determinar como homens e mulheres se vêem e se relacionam. Além disso, evidenciamos também o gênero como tradução de um sistema cultural, pois há uma perspectiva dicotômica no tratamento com as crianças. Com isso, defendemos que as diferenças não devem ser negadas, no entanto, não podemos transformá-las em desigualdades, hierarquizando homens e mulheres. Por isso gênero deve ser utilizado sempre de forma relacional.

    Evidenciamos, portanto, que é no processo educativo desenvolvido principalmente na escola e na família que os padrões de comportamento, regras sociais, valores, costumes, estereótipos são transmitidos às crianças. Evidentemente que não estamos negligenciando outras instituições como a mídia e a religião.

    Dentre os padrões culturais transmitidos por meio da cultura da escola estão as relações de gênero. Gênero pode ser compreendido como uma construção social. Segundo Louro (2001, p.55), “para que se compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade, importa observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos”.

Considerações finais

    As relações de gênero são relações de oposição (Carvalho, 2008, p.01). Nesse sentido, há papéis diferentes a serem desenvolvidos pelos gêneros (masculino x feminino). Essa relação de gênero, suas funções e definições na sociedade são construídas e reproduzidas socialmente. Estes são estereótipos que necessitam ser reavaliados. A escola como parte da sociedade, exerce o papel de reprodução desses conceitos, mas é através dela que esses conceitos podem ser trabalhados de forma a educar as crianças para uma sociedade de respeito à diversidade. Nesse aspecto, a escola deve proporcionar possibilidades as quais permitam que as crianças desempenham papéis relacionados tanto ao homem, quanto a mulher.

    A escola atual prepara o aluno principalmente para a vida social, esse espaço, portanto, não deve ser um espaço em que a desigualdade, seja ela de gênero, racial ou socioeconômica, prevaleça. Erradicar essas desigualdades é uma tarefa difícil, visto que a escola é reprodutora do sistema social, mas não impossível. Preparar as crianças para lidar com as diferenças é um bom começo.

    Ensinar as crianças e adolescentes nas escolas a lidar com certas situações e acima de tudo a respeitar o conceito e a opinião do outro é muito importante para um desenvolvimento sociocultural, dessa forma, fazendo com que esse sujeito social cresça aprendendo que o respeito mútuo, a liberdade de expressão e os valores morais tem que fazer parte da vida de um cidadão que busca uma sociedade mais justa e igualitária para todos e todas.

Bibliografia

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 213 | Buenos Aires, Febrero de 2016
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