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O guarda-redes de Andebol
Emanuel Casimiro

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 57 - Febrero de 2003

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    O tempo de reacção a que nos referimos é o tempo de reacção complexo, visto que o guarda-redes tem que reagir a diferentes estímulos (todos eles em função da posição da bola e dos adversários). Praticamente todos os movimentos do guarda-redes são sempre o resultado de um estímulo visual - o movimento de remate do jogador e a chegada da bola à baliza.

    Uma constatação puramente teórica refere que os tempos de reacção para um estimulo visual são mais longos do que para os estímulos auditivos ou sensoriais. Durante um jogo de ANDEBOL nem sempre o guarda-redes pode prever a velocidade a que a bola se desloca na direcção da sua baliza, no entanto existem determinados movimentos específicos que podem ser treinados de forma a facilitar o acto da defesa.

    Para os remates que são efectuados perto da linha de 6m a possibilidade do guarda-redes efectuar uma defesa com base na previsão da trajectória e na velocidade da bola é muito reduzida (estimulo visual), os movimentos que o guarda-redes executa são em função da trajectória do jogador e do movimento do seu braço. No que se refere aos remates efectuados a maiores distâncias já é possível a articulação de alguns movimentos de defesa que se baseiam na observação da velocidade e previsão da trajectória da bola.

    Equisoain (2000) refere que para o guarda-redes de ANDEBOL o tempo de reacção pode ser dividido em quatro partes segundo uma perspectiva prática: (i) ver a bola, (ii) ver para onde esta se dirige e que velocidade leva, (iii) necessidade de seleccionar a reacção e como executá-la e (iv) iniciar a execução técnica dessa reacção.

    Numa perspectiva voltada exclusivamente para o treino do tempo de reacção complexo, podemos observar que este é determinado pelos seguintes factores:

  • Precisão -» É a exactidão com a execução de uma acção, ex.: colocar a mão no sitio certo para defender a bola;

  • Sincronização -» Coincidir dois ou mais movimentos de segmentos corporais, ex.: defesa a meia altura com a mão e com o pé;

  • Sequencialização -» Sequência de acções, elas não estão isoladas, ex.: defender a bola e logo lançar o contra-ataque;

  • Antecipação -» Desenvolvimento de condutas antecipatórias que anulem a eficácia de determinadas acções contrárias, ex.: “convidar” o jogador a rematar para uma determinada zona e depois lançar-se para lá.
    Manso e tal (1998).

    É nesta perspectiva que a planificação do treino do guarda-redes deverá incidir. Assim, no treino deveremos propiciar situações onde o estimulo se mantenha na frente do campo visual do guarda-redes, ou poderemos também eliminar esse estímulo e fazer com que o guarda-redes o procure (remates onde o guarda-redes não vê a bola partir e terá que reagir assim que a vê). Deve-se treinar a antecipação ou a sua capacidade de prever as acções que os rematadores vão executar, o guarda-redes deverá ter conhecimento dos tipos de remate. Todas estas situações deverão ser organizadas de forma lógica, i.e. do simples para o complexo e do fácil para o difícil. O que vai determinar a evolução de um estado para outro vai ser a capacidade que o guarda-redes tem de responder aos estímulos que lhe são apresentados.


V. Aspectos Técnico-tácticos do guarda-redes de ANDEBOL

1. Várias escolas internacionais de guarda-redes

    Em toda a bibliografia por nós analisada em relação às escolas internacionais de guarda-redes centram-se em quatro escolas: (i) Russa, (ii) Balcânica, (iii) Alemã, e (iv) Sueca. No entanto, hoje em dia já se começa a falar da existência de apenas três escolas de guarda-redes, a que seria excluída deste item seria a escola Alemã que é considerada como sendo uma mistura das outras três. Porém não nos foi possível encontrar referências bibliográficas que justifiquem tal facto, pelo que por agora passamos a referir o que é válido na bibliografia que dispomos. Seria interessante que no futuro fosse realizada uma pesquisa no sentido de encontrar evidência suficiente para contrapor estas constatações.


1.1 Escola Russa

    Principais características:

  • Guarda-redes muito altos e fortes;

  • Trabalham com a defesa de uma forma estática: o guarda-redes defende o ângulo curto e o defesa o ângulo longo, por isso são muitas vezes agredidos com a bola.

  • O seu treino leva a uma economia de gestos com precisão;

  • Posição base relativamente estreita e estável. Braços arqueados, mãos à altura dos ombros ou em frente ao peito;

  • Na defesa de bolas altas -» Com uma mão, a impulsão é feita com a perna contrária ao lado onde se dirige a bola;

  • Na defesa de bolas a média e baixa altura -» Guarda-redes partem de uma posição fixa e raramente caem;

  • Remates da zona frontal na segunda linha -» Sempre com uma perna fixa;

  • Remates das pontas -» Sempre com uma perna fixa. Num ângulo reduzido encostam-se ao poste ou dão um passo em frente;

  • Valorizam a disciplina e têm uma rigorosa distribuição de tarefas em conjunto com a defesa;

  • Possuem um bom jogo posicional e trabalho de conjunto com a defesa;

  • Pouca flexibilidade na resolução de situações não normalizadas (inesperadas).

1.2 Escola Balcânica

    Principais Características:

  • Desta escola fazem parte os jogadores Jugoslavos, Romenos e Húngaros. Também se podem incluir alguns espanhóis, que adoptaram esta escola, Pinto, (s/d).

  • Embora altos são mais baixos que os Russos, mas mais móveis, mais rápidos e mais explosivos;

  • Posição base -» Muito semelhante à escola russa, as defesas são executadas em equilíbrio. Raramente existe uma queda ou a perda de contacto com o solo. A posição das mãos varia entre a frente do peito e o lado da cara;

  • Na defesa de bolas altas -» A impulsão é feita com a perna do lado contrário ao alvo da bola. Por vezes utilizam a perna do lado da bola na ajuda da impulsão;

  • Na defesa de bolas a média e baixa altura -» Há um salto para a frente e na diagonal, os braços e pernas ficam bem abertos e baixam o centro de gravidade;

  • Remates de segunda linha -» São bastante activos utilizando uma defesa em leque e atacando a bola;

  • A colaboração com a defesa não é rígida;

  • Nunca deixam o contacto com o solo, quase nunca se sentam e dificilmente chegam aos extremos da baliza;

  • Chegam a ser excepcionais em todos os remates executados na segunda linha, mas são muito vulneráveis aos remates de primeira linha pelo que se deve evitar uma defesa do tipo 6:0.

1.3 Escola Alemã

    Principais características:

  • São normalmente muito altos, mas baixam-se com enorme facilidade no sentido de reduzir os ângulos de remate inferiores;

  • Muitas vezes assemelham-se a um guarda-redes de futebol, trabalham muito com as mãos, defendem muitas bolas em voo e não em queda;

  • São muito explosivos e caem muitas vezes no solo;

  • Posição base -» Mais alargada com a colocação das mãos a variar entre a altura dos ombros e das ancas;

  • Na defesa de bolas altas -» Com uma ou com as duas mãos. A impulsão é feita com a perna do lado contrário à direcção da bola. Utilizam da perna do lado da direcção da bola em situações inesperadas ou urgentes;

  • Na defesa de bolas a média e baixa altura -» Com salto para a frente. Os braços e pernas abertas, raramente caem ao chão. Por vezes utilizam as mãos para blocar a bola;

  • Na defesa de remates de segunda linha -» Executam a defesa em leque ou defendem apenas com uma perna;

  • Na defesa dos remates de ponta -» Com ângulos reduzidos e sob a pressão do defensor utilizam o factor surpresa, saem e utilizam o corpo para cobrir o ângulo;

  • Na defesa dos remates de curta distância -» Tentam dirigir o remate para determinado local, convidam o atacante a rematar para um ângulo específico;

  • Colaboram com a defesa, há uma distribuição de tarefas;

  • Os mais experientes variam as suas acções em função do adversário.

1.4 Escola Sueca

    Principais características:

  • São normalmente muito altos e muito flexíveis;

  • Posição base -» Pouco estável com movimentações constantes. Os braços são colocados lateralmente;

  • Defesas com desequilíbrio não evitando a queda;

  • Na defesa dos remates de primeira linha -» Deslocam do corpo para o lado da bola, seguindo-se uma queda para o mesmo lado;

  • Na defesa dos remates de segunda linha -» Aproxima-se do rematador reduzindo o ângulo de remate, executa a defesa lateralmente;

  • Na defesa dos remates de ponta -» Têm uma atitude bastante agressiva, avançam para o rematador e tentam ludibria-lo;

  • São portadores de uma grande flexibilidade e agilidade. Ocupam bem os espaços com movimentos amplos dos braços e do resto do corpo seguidos de queda e recuperações rápidas do equilíbrio;

  • Colaboram de uma forma interactiva com a defesa, cobrem o canto longo enquanto o defesa cobre o canto curto;

  • São excepcionais na defesa dos remates exteriores (primeira linha).


VI. O porquê de uma técnica

    Técnica pode ser definida como uma sequência específica de acções motoras que visam solucionar tarefas exigidas por determinadas situações desportivas Rothig (1983) cit. em Castelo (1998). Neste sentido poderemos dizer que as acções motoras a desempenhar pelo guarda-redes serão sempre em função da defesa da baliza.

    “Podia-se perguntar qual a utilidade de uma técnica para o guarda-redes? Não chegará uma preparação física e um conhecimento de como defender através de treinos de remate? Será rentável o ensino de diversas técnicas de defesa, se o guarda-redes em muitos jogos defende a bola com êxito, por vezes com movimentos pouco convencionais?” (Zeier, 1987; pp. 30).

    Para responder a todas estas questões este o mesmo autor apresenta três motivos necessários para que os guarda-redes adquiram uma técnica:

  1. A aquisição de uma determinada técnica permite reduzir o número de resoluções que o guarda-redes tem que tomar num curto espaço de tempo, assim poderá escolher entre as técnicas que domina a mais adequada à situação o que lhe permite ganhar uma vantagem temporal.

  2. A técnica assumida pelo guarda-redes pode e deve ajustar-se perfeitamente às suas características e qualidades anatómicas individuais.

  3. Só quando dominamos determinados movimentos e em que altura é que os devemos executar é que estes se conseguem automatizar, pois sem uma técnica de movimento não poderá haver uma automatização.

    A aquisição de uma técnica permite uma preparação adequada e efectiva nos movimentos a serem efectuados pelo guarda-redes em jogo. Por outro lado não se deve dar demasiada importância em função de uma só técnica, só uma base de preparação física sólida e um exaltar das capacidades poderão dar vantagens a uma técnica final, Zeier, (1989).

    A preparação física é, assim, um factor que permite o desenvolvimento de todas as outras qualidades e capacidades exigidas podem ser desenvolvidas, Zeier (1989). Por ex.: um guarda-redes pode ser muito forte a nível psicológico, mas se tiver uma preparação física débil pode não dispor, naquele momento, das exigências mínimas para estar na baliza, pois ao não conseguir executar correctamente o seu trabalho (defesa da baliza) pode influenciar negativamente todo o resto da equipa. Olsson, (2001) acrescenta mesmo que hoje em dia já não há lugar para os guarda-redes que defendem por inspiração sem saber o significado daquilo que estão a fazer. Ainda no mesmo contexto Olsson (2000) acrescenta que um bom guarda-redes deverá ter o seu nível mais baixo alto, sendo o guarda-redes tanto melhor quanto menores forem as oscilações no seu rendimento. O mesmo autor deixa ainda uma ideia final no que se refere ao contexto dos bons guarda-redes: “Um bom guarda-redes faz defesas, não é atingido com a bola”(pp. 12).

    Para Olson (2000) o guarda-redes ideal seria aquele que conseguisse o cruzamento entre a escola Sueca e a escola Balcânica. No entanto o mesmo autor acaba por referenciar, mais tarde (2001), que um bom guarda-redes seria feito com uma combinação de todas as técnicas das diferentes escolas.

    Oliveira, (1996) refere que em Portugal os guarda-redes têm características muito próprias, não sendo assim possível inclui-los em nenhuma das diferentes escolas internacionais. Podem-se sim retirar algumas acções que melhor se adaptem às suas características. No seguimento da mesma ideia Pereira, (1997), cit. em Pinto, (s/d), afirma ainda que no treino do guarda-redes o treinador deverá ter como referência as diferentes escolas internacionais, mas nunca deverá impedir o surgimento e desenvolvimento de um estilo individual neste jogador.

    Como já foi referido anteriormente não existe apenas uma técnica de defender mas sim várias. Na formação de um guarda-redes tem que ser o atleta com a ajuda do seu treinador que tem que decidir qual a técnica que deverá passar a utilizar de forma a poder potenciar todas as suas qualidades físicas, técnicas, tácticas e psicológicas. É importante que o guarda-redes tenha uma ideia clara sobre a técnica mais apropriada para si, para isso é necessário que este saiba analisar-se e ter consciência sobre a sua natureza física e psicológica. “A única coisa comum a todas as “escolas” é evitar que a bola entre na baliza” (Olson 2001; pp. 18). O mesmo autor refere ainda que devemos evitar que os guarda-redes se comportem como autênticos robots, i.e. devem evitar ter apenas um ou dois movimentos para cada tipo de remate não dispondo de soluções para outro tipo de remates “inesperados”. “O guarda-redes deve “atacar” todos os remates sem distinção” (Olson, 2001; pp. 19).

    Para Olson, (2001), a atitude, a preparação física, os movimentos e a posição dos braços são factores que se podem considerar comuns a todas as técnicas. Desta ideia surgem várias combinações o que nos leva a concluir que necessitamos de uma base mais ou menos igual para trabalhar as diferentes técnicas.

    Olson, (2000), em jeito de conclusão refere que não é fundamental que um guarda-redes seja muito alto ou tenha uma grande envergadura. O que importa é que estes sejam inteligentes e que tenham uma grande atitude, tudo o resto é trabalho. Quando se atinge uma determinada fase da evolução o treino deve ser orientado no sentido do aperfeiçoamento dos pequenos detalhes de forma a continuar a potenciar as características individuais de cada atleta.


VII. Treino do guarda-redes de ANDEBOL

    Ideia base a ter em conta no treino, na selecção, na preparação, em tudo o que se relaciona com o treino de guarda-redes: “Os guarda-redes PENSAM” (Olson 2000; pp. 2). Está completamente ultrapassada a ideia de que só quem vai para a baliza é porque não percebe nada de ANDEBOL ou porque não sabe jogar em mais posição nenhuma do campo.

    Temos que ter a plena consciência que não se pode formar um bom guarda-redes em apenas um ano ou dois. Para Olson, (2000), a formação deste jogador abrange um período de pelo menos sete anos.

    A posição de guarda-redes é considerado um posto específico com uma maturação tardia em relação às outras posições específicas no ANDEBOL. Os melhores guarda-redes do mundo apenas conseguiram atingir as suas melhores performances a partir dos 26 / 28 anos de idade. É a altura onde estes conseguem melhor captar as informações, compreendê-las e saber que significado lhes devem atribuir. Desta forma Bem-Ismail (2001) acaba por afirmar que a principal arma dos guarda-redes é a experiência.

    A condição física é um factor importante que tem que ser levado em conta na planificação das sessões de treino de um guarda-redes pois esta é a base da técnica. Cada vez mais no ANDEBOL moderno já não há lugar para os guarda-redes que defendem por inspiração apresentando uma condição física débil. Uma boa condição física permite que o guarda-redes possa desenvolver correctamente as técnicas que aprendeu e prevenir as lesões provocadas pelo impacto das bolas ou por outras situações de contacto físico ou queda. Mesmo em situação de jogo permite que o guarda-redes possa rectificar pequenos detalhes na técnica que está a utilizar caso esta não esteja a funcionar.

    Olson (2000), afirma que para um guarda-redes se tornar sensacional tem que ter atitude, trabalho físico e técnica de base aliados a um bom estado físico e a um bom estado psicológico. A componente física engloba: (i) a força, (ii) a potência, (iii) a flexibilidade, (iv) a explosividade e (v) a resistência.

    Nos factores psicológicos são referidos: (i) confiança, (ii) humildade, (iii) concentração e (iv) diversão.


1. Detecção e Selecção

    Nas fases de aprendizagem da técnica o primeiro passo é, sem dúvida, a escolha do jogador certo para esta posição. Qual será este jogador? O que devemos procurar nele? Nenhum autor, até hoje, conseguiu responder por completo a estas perguntas, pois é do conhecimento geral que não existe nenhum atleta que tenha todas as qualidades que procuramos num guarda-redes. As qualidades que referenciamos à alguns capítulos atrás tem muito a ver com o que aqui procuramos, especialmente as qualidades somáticas, pois aquelas são qualidades que servem de base a todas as outras.

    Numa fase inicial todos os autores são de comum acordo que todos os atletas devem experimentar a posição de guarda-redes, embora alguns discordem do período até onde esta metodologia deve ser aplicada. Por ex.: Martini (1980) refere que este período se deve prolongar até aos 14 anos enquanto que Olson (2000) refere que aos 12 anos já se deve começar a pensar numa especialização do guarda-redes.

    Existem algumas qualidades que poderão ser determinantes numa fase precoce para a escolha do guarda-redes. O tempo de reacção, a coragem e uma certa estatura são das mais importantes.

    “Contudo, seria um desperdício de tempo se um jogador a quem faltam as condições prévias necessárias para o posto de guarda-redes se quisesse preparar para isso” (Martini, 1980; pp. 178).

2. Etapas de formação do guarda-redes (Olson 2000)

    O desenvolvimento e a formação desportiva dos atletas é geralmente dividido em etapas de formação por praticamente todos os autores. Olson, (2000), distingue cinco etapas específicas na formação do guarda-redes. O autor refere que na base da divisão apresentada são consideradas como referências as idades físicas e psíquicas dos guarda-redes, não aquelas que nos são apresentadas no bilhete de identidade. As etapas consideradas são:

  1. Estado de orientação (6 - 10 anos);

  2. Os princípios de guarda-redes (10 - 12 anos);

  3. Formação do guarda-redes (12 - 15 anos);

  4. Evolução para o futuro (15 - 19 anos);

  5. Normal ou sensacional (19 anos em diante).


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