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Manifestação de comportamentos agressivos em praticantes de artes marciais
Emanuelle Gomes da Silva e Hiram M. Valdés Casal

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 5 - N° 25 - Setiembre de 2000

2 / 2


    Este sujeito é também é praticante de tae kwon do. Sua idade é 15 anos. Analisando seus escores, destaca-se a categoria Temperamento, com um percentil 85, em contraste baixos resultados nas categorias Reação e raiva para dentro, ambos apresentam o percentil 5. Apesar do escore de Expressão de raiva apresentar-se maior que o escore de Controle, pode-se afirmar que estas duas características estão dentro da média. Este sujeito apresenta como motivo da prática desta arte marcial a admiração pela atividade, sua filosofia e método de treinamento.

Sujeito 1
Sujeito 2
Sujeito 3
Escore bruto
Percentil
Escore bruto
Percentil
Escore bruto
Percentil
Estado
10
45
12
65
32
99
Traço
15
10
15
10
39
99
Temperamento
4
5
6
45
16
99
Reação
8
30
7
15
16
99
Raiva p/ dentro
19
75
23
90
22
90
Raiva p/ fora
16
20
9
5
28
90
Controle
19
45
28
90
15
15
Expressão
32
80
20
20
51
99

    Todos os sujeito desta categoria são praticantes de kung fu. As idades são 19 anos (sujeito 1), 23 anos (sujeito 3) e 26 anos (sujeito 2).

    Fica ressaltado na análise do teste do sujeito 1 os baixos escores de Traço e Temperamento (respectivamente percentil 10 e 5). Nas categorias raiva para dentro e Expressão encontramos escores elevados, levando à conclusão de que este sujeito não manifesta sua raiva, reprimindo estes sentimentos. Quando perguntada sobre os motivos da prática de atividades físicas são apontados argumentos relacionados à admiração desta atividade, ao desenvolvimento da forma física, aspectos psicológicos e sociais, além de considerar a arte marcial um meio de defesa contra a violência.

    O sujeito 2 altos escores de Raiva para dentro (percentil 90) e Controle (percentil 90), em contraste com escores baixos nas categorias Traço, Reação, Raiva para fora e Expressão, demonstrando que este sujeito experimenta sentimentos de raiva que são controlados e reprimidos. A atividade física é apresentada como um meio de desenvolver aspectos físicos, conhecer novas pessoas e pela admiração da arte marcial praticada.

    Já o sujeito 3 mostrou resultados completamente desviantes da amostra. Seus escores em todas as categorias, exceto Controle, seriam indicadores de uma personalidade extremamente agressiva. Os escores de Traço, Temperamento, Reação, raiva para dentro, Raiva para fora e expressão estão muito acima da média, tanto para sujeitos do sexo feminino quanto para o sexo masculino. É apontada pelo sujeito, no questionário, a necessidade de aprender a controlar as próprias emoções, extravasando sentimentos e buscando o equilíbrio. A arte marcial é apontada como o meio correto para alcançar estes objetivos, além de aspectos relacionados ao desenvolvimento de habilidades físicas (emagrecimento, condicionamento físico). Durante o treinamento, entretanto, apresenta-se controlada, aceitando os comentários e correções feitas por colegas e instrutores.

Sujeito 1
Sujeito 2
Sujeito 3
Sujeito 4
Sujeito 5
Sujeito 6
Esc. Bruto
Percentil
Esc. bruto
Percentil
Esc. bruto
Percentil
Esc. bruto
Percentil
Esc. bruto
Percentil
Esc. bruto
Percentil
Estado
10
50
10
50
10
50
10
50
10
50
26
99
Traço
16
30
25
90
12
5
17
40
19
60
17
40
Temperam
4
10
10
90
4
10
6
50
7
65
6
50
Reação
8
50
10
70
6
20
8
50
9
60
9
60
R. p/ dentro
15
35
18
65
10
5
23
85
19
70
13
20
R. p/ fora
10
15
17
85
8
5
12
35
13
50
16
80
Controle
28
85
13
5
30
90
19
35
17
25
20
40
Expressão
13
10
38
90
4
5
32
80
31
80
25
50

    Este subgrupo representa uma amostra diversificada, considerando que 2 sujeito são praticantes de kung fu (sujeitos 1 e 2), enquanto os outros praticam tae kwon do (o sujeito 4 é professor das turmas de tae kwon do avaliadas, além de competir em diversos campeonatos). As idades variam entre 20 e 25 anos, com média de 21,6 anos.

    O primeiro sujeito demonstra escores baixos ou medianos em praticamente todas as categorias. O resultado alto na categoria Controle pode ser uma evidência da preocupação do sujeito em manter a calma e evitar reações de raiva, mesmo que estas não sejam características de seu comportamento. A arte marcial representa um meio de desenvolvimento físico (elasticidade, controle corporal) e psicológico (relaxamento, expansão da mente).

    O sujeito 2, por sua vez, apresenta elevados escores nos itens relacionados ao Traço, Temperamento, Reação, Raiva para dentro e para Fora e Expressão. Analisando estes dados, juntamente com o baixo escore de Controle apresentado, pode-se afirmar que este indivíduo apresenta comportamentos agressivos e impulsivos. Os sentimentos de raiva podem ser expressos ou reprimidos, mas estão presentes em muitos momentos. A arte marcial é apontada como apenas uma forma de desenvolvimento dos atributos físicos.

    Assim como o sujeito 1, o terceiro indivíduo deste subgrupo apresenta baixos escores nos itens relacionados aos sentimentos de raiva e expressão da mesma. Fica destacado o Controle, percentil 90, indicando a preocupação do indivíduo em não apresentar comportamentos agressivos, mesmo em situações extremas.

    O sujeito 4 apresentou escores medianos, exceto na classe Raiva para dentro e Expressão (percentis 85 e 80, respectivamente). Isto pode indicar a existência de sentimentos de raiva recorrentes, mas permanecem reprimidos. Como foi mencionado este sujeito é instrutor de tae kwon do, e aponta esta arte marcial como uma fonte de realização pessoal, auto conhecimento, estimulando o contato com muitas pessoas.

    O sujeito 5 apresenta escores dentro da média, com destaque para o escore de Expressão, percentil 80. Supõe-se que os sentimentos de raiva sejam reprimidos com maior freqüência que manifestados, já que o escore de Raiva para dentro foi mais destacado que o de raiva para fora.

    Neste teste fica destacado o elevado Estado de raiva durante aplicação. Tem-se alto escore de Raiva para fora (percentil 80) e baixo escore para Raiva para dentro (percentil 20), indicando que em situações envolvendo a raiva o sujeito tem a tendência a expressá-la em comportamentos agressivos.

Sujeito 1
Sujeito 2
Sujeito 3
Sujeito 4
Escore bruto
Percentil
Escore bruto
Percentil
Escore bruto
Percentil
Escore bruto
Percentil
Estado
10
50
10
50
19
95
17
93
Traço
16
30
14
15
18
50
15
20
Temperamento
4
10
5
30
6
50
5
30
Reação
9
60
6
20
11
75
8
50
Raiva p/ dentro
15
35
9
5
15
35
21
80
Raiva p/ fora
14
60
10
15
16
80
12
35
Controle
28
85
28
85
23
55
26
75
Expressão
17
15
7
5
24
45
23
40

    Os sujeitos deste grupo são praticantes de tae kwon do (sujeito 1) e kung fu (sujeitos 2, 3 e 4). As idades destes sujeitos são, respectivamente: 29 anos, 43 anos, 31 anos e 37 anos.

    Os sujeitos desta amostra apresentam um grupo de dados homogêneo no que diz respeito aos escores de Controle e Expressão. Nestas categorias os indivíduos apresentaram grande preocupação com o controle de comportamentos agressivos, evitando a expressão ou repressão dos mesmos.

    Destaca-se o sujeito 2 por seus escores fora da média. Em todas as escalas este indivíduo apresentou escores baixíssimos, excetuando a categoria controle. Seria possível afirmar que fatores como idade, experiência ou tempo de prática da atividade poderiam estar contribuindo para este posicionamento.

    Apenas os sujeitos 2 e 4 responderam ao questionário de motivos, apresentando como justificativas para a prática de uma arte marcial a busca por melhoria da qualidade de vida, desenvolvimento emocional, manutenção de forma física, admiração pela filosofia e meio de defesa (estas últimas apontadas apenas pelo sujeito 4).


4. Discussão dos resultados e conclusões

    Os questionários e inventários possibilitaram a análise de diversas variáveis relacionadas à agressividade e prática de artes marciais.

    Fica evidenciado, pelos dados, que não é possível estabelecer correlação entre a prática de esportes de combate (kung fu e tae kwon do)e elevação dos níveis de agressividade ou expressão de raiva. Como foi observado, os sujeitos da amostra encontram-se dentro dos padrões considerados normais das escalas de expressão de raiva, como estado e como traço.

    A arte marcial é classificada pelos sujeitos como uma forma de desenvolvimento pessoal, levando a uma melhor qualidade de vida. Em nenhum dos depoimentos a prática de artes marciais foi considerada uma forma de expressar a raiva ou meio de atingir alto desempenho em lutas. Pelo contrário, as lutas seriam um modo de conquistar o controle destes sentimentos de raiva, através do domínio do corpo e da mente.

    Características dos treinos, tais como estabelecimento de uma hierarquia (por faixas ou por tempo de prática) ou exigência de disciplina e controle, podem ser um dos fatores que interfiram na forma como os indivíduos aprendem a lidar com a própria raiva e a conter impulsos.

    É necessário ressaltar a influência dos mestres na conduta dos praticantes de artes marciais. Como foi apresentado anteriormente, cada luta marcial apresenta uma filosofia que dá suporte às técnicas e práticas de treinamento. Uma técnica marcial executada sem que se respeite seus princípios e fundamentos torna-se ineficiente. Cabe ao treinador a orientação de seus alunos, conscientizando o indivíduo acerca destes princípios.

    Suay et col (1996), em seu estudo sobre a influência de testosterona sobre a conduta agressiva de judocas, aponta que existe uma relação positiva entre a prática do judô e o aumento de pontuação no questionário de agressividade. Mas diversas seriam as variáveis interferindo neste aumento, dentre elas características do desportista (categoria, histórico pessoal e anos de prática) e idade dos sujeitos. Destaca-se que a competição poderia ser um fator determinante na manifestação de agressividade, tanto em esportes de combate quanto nas demais práticas desportivas.

    A competividade pode ser um dos traços determinantes do comportamento agressivo em práticas desportivas, não somente em combates. Trulson (1986)4 sugere em seus estudos que o aumento de agressividade depende da maneira como são transmitidos os ensinamentos do esporte, observando que os praticantes recebendo uma orientação mais competitiva apresentavam uma conduta mais agressiva que aqueles que eram orientados para o aperfeiçoamento das técnicas.

    A disputa desportiva coloca o sujeito em contato com a possibilidade de perder, ou seja, frustração de seus objetivos (vitória). Neste momento são testadas as habilidades e capacidades que este indivíduo conseguiu desenvolver ao longo de seu treinamento. Da mesma forma como uma pessoa pode apresentar comportamentos positivos, tais como enfrentamento ou disposição, outra pode criar ansiedade, insegurança ou até agressividade.

    As teorias sobre agressividade também apresentam, cada uma a seu modo, a relação entre a expressão de raiva e a frustração. A repressão de um impulso, ou uma resposta punitiva do meio podem desencadear comportamentos de agressão externa, seja como forma de alívio da tensão produzida pela não manifestação da energia ou representando uma parte do histórico de aprendizagem social daquele indivíduo.

    Segundo esta perspectiva, levanta-se a hipótese que não são detectados altos níveis de agressividade nos sujeitos deste estudo porque os objetivos, ou motivos, que os levam à prática de uma arte marcial não estão sendo frustrados. Isto é, estas pessoas não estão buscando violência, ou excelência competitiva, nem estão sendo treinadas para isto. Ao contrário, procuram o desenvolvimento individual (físico, emocional ou social), e este objetivo tem sido alcançado, de acordo com os depoimentos apresentados.

    Não se pode simplificar a determinação do comportamento agressivo a um único fator, como a presença ou não de frustração, contudo este é um aspecto que deve ser enfatizado, principalmente no campo dos esportes. Esta pesquisa possibilitou confirmar que a agressividade não está diretamente ligada às artes marciais, como é divulgado. Esta ligação é mediada pelas características pessoais de seus participantes, suas predisposições ou tendências à agressão, pelo tipo de treinamento e treinador de cada técnica e até pelos motivos que levam o indivíduo a buscar um esporte de combate. Estas conclusões foram esclarecedoras, trazendo, também, novas perspectivas a serem estudadas.


Notas

  1. Em Biaggio, A.M.B. (1975) Psicologia do Desenvolvimento. Editora Vozes: Petrópolis.

  2. Em Rodrigues, A. (1994) Psicologia Social. Editora Vozes: Petrópolis.

  3. Em Biaggio A.M.B. (1975) Psicologia do Desenvolvimento. Editora Vozes: Petrópolis.

  4. Em Suay, F., Salvador, A, González, E. , Sanchis, C., Simóns, V.M. & Montoro, J.B. (1996) Testosterona y evaluación de la conducta agresiva en jovenes judokas. Revista de Psicología del Esporte, 9-10, 79-91.


Bibliografia

  • BIAGGIO, A.M.B. (1975). Psicologia do Desenvolvimento. Editora Vozes: Petrópolis.

  • CARLSON, N. (1991). Physiology of Behavior. Allyn and Bacon: Boston.

  • HUSMAN, B.F. & SILVA, J.M. (1984). Agression in Sport and Theoretical Considerations. Em SILVA, J.M. & WEINBERG, R.S. (edit). Psychological Foundations of Sport. Human Kinetics Publishers: Champaign, Illinois.

  • RODRIGUES, A. (1994). Psicologia Social. Editora Vozes: Petrópolis.

  • SUAY, F., SALVADOR, A., GONZÁLEZ, E., SANCHIS, C., SIMÓN, V.M. & MONTORO, J.B. (1996). Testosterona y Evaluación de la Conducta Agresiva en Jovenes Judokas. Revista de Psicología del Esporte, n. 9-10, pp. 79-91.

  • SPIELBERGER, C.D. & BIAGGIO, A.M.B. (1992). Manual do STAXI. Editora Vetor: São Paulo.


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