Lecturas: Educación Física y Deportes
Revista Digital
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O ESPORTE, O LAZER E A EDUCAÇÃO FÍSICA
COMO OBJETO DE ESTUDO DA HISTÓRIA

Leopoldo Gil Dulcio Vaz (Brasil)
leopoldo@cefet-ma.br

Mestre em Ciência da Informação. CEFET-MA

O presente estudo constitui-se do segundo capítulo de minha tese intitulada "Manifestações do lúdico e do movimento no Maranhão: Colônia e Império", onde se procura resgatar e registrar as manifestações culturais de caráter recreativo e esportivo que se vinculem às raízes etno-culturais do Maranhão, nos períodos da Colônia e do Império.

Ao se reconstruir a História do Esporte, do Lazer e da Educação Física no Maranhão, se buscou construir, ao mesmo tempo, uma metodologia de pesquisa historiográfica, em que, articulando-se o trabalho de investigação e o trabalho de resgate, utilizando-se de fontes primárias - cronistas de época, relatos de viajantes, jornais, bandos, documentos oficiais -, procurou-se recuperar e organizar essas fontes, reagrupando-as e as tornando pertinentes, para constituírem um conjunto através do qual a memória coletiva passe a ser valorizada, instituindo-se em patrimônio cultural.

O primeiro grande impasse surge quando se pergunta o que se entende por esporte, lazer, e educação física, dada a abrangência dos termos ? Deve-se entender como esporte apenas as atividades lúdicas praticadas sob a orientação da ciência e da técnica ? Apesar do costume vigente de tratar o esporte, o jogo e o brinquedo como três categorias distintas de atividades, não restam dúvidas de que se pode unificá-las sob o manto da criação cultural, embora reflitam valores culturais diversificados (HUIZINGA, 1980; SILVA, 1987; SANTIN, 1996; DAMASCENO, 1997).

Ao levantarem-se questões sobre valores culturais e da identidade cultural, verifica-se que somos um povo mesclado pelas mais diversas influências raciais, cujos traços são refletidos nas mais variadas formas de expressão artística:

"Neste aspecto, é importante relembrar que os jesuítas foram os primeiros a transformar os hábitos culturais dos nossos índios, obrigando-os, pelo processo de catequese, a aprenderem os hinos e os sermões da Igreja Católica e, justamente com isso, os falsos preceitos de pecado e moral. "Assim como os índios, nossos irmãos escravos, vindos da África, sofrendo sob as garras da opressão dos senhores de engenho, tiveram de fazer seus cultos e brincadeiras às escondidas, sob a ameaça dos chicotes. Em suma, a cultura ibérica, através dos portugueses, infiltrou-se e aculturou-se na nossa realidade, clima e vegetação. "Sobre a questão da perda dos valores culturais, é importante deixar claro que a nossa atitude passiva de receptores de outras culturas é histórico, pois até hoje guardamos o peso dessa herança advinda da colônia que parece ainda não ter passado...". (SILVA, 1987, p. 20-21).

A perda da identidade cultural traz como conseqüência a minimização da criatividade popular, tornando, assim, a sociedade imitativa e caricaturista de valores culturais estrangeiros (SILVA, 1987).

Assumir a história como condutora da reflexão é antes de mais nada tomar partido, é assumir as questões do esporte, do lazer e da educação física como compromisso social e, nesse sentido, "a compreensão da realidade é fundamental para sua transformação". Os quase quinhentos anos de existência da sociedade brasileira não foram suficientes para criar uma consciência do passado, se comparada à outras sociedades, particularmente à européia ocidental. A contribuição que a história pode trazer para a explicação da realidade em que vivemos "faz com que o historiador parta do presente para o passado, sabendo-se situado no futuro do passado que estuda" (NUNES, 1996, p. 19).

Ao se discutir questões relacionadas à diferentes metodologias empregadas na escrita da história da educação física e dos esportes, percebe-se que, embora existam tentativas de superação das formas tradicionais da escrita da história, esta ainda permanece ligada à escola positivista, baseada nas histórias dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos (PILATTI, 1996; CERRI, 1977).

O paradigma tradicional diz respeito essencialmente à política, na valorização dos acontecimentos, dos fatos, dos vencedores, das pessoas que fizeram isso ou aquilo. Para se fazer história a partir desta concepção basta juntar um número suficiente de fatos bem documentados, dos quais nasce espontaneamente a ciência da história. A reflexão teórica, em particular a filosófica, é inútil e até prejudicial, porque introduz na ciência positiva um elemento de especulação. A história passou a ser vista como reconstrução do acontecido (PILATTI, 1996; CERRI, 1997).

Diversos autores (PILATTI, 1996; CARDOSO e BRIGNOLI, 1983; CARDOSO e VAINFAS, 1997) consideram a história como o produto da reconstrução, da busca de provas de comprovação, da apresentação e verificação de hipóteses. Ao se referir ao lugar que a teoria ocupa na investigação histórica, PILATTI (1996) serve-se de Ribeiro para analisar se a História da Educação Física no Brasil possui objeto e método próprios:

"... há pelo menos três enfoques: um, mais antigo, situado na História política de afirmação tradicionalista; outro, localizado na Pedagogia, mais especificamente na pedagogia histórico-crítica; e, finalmente, um que terceiro se encontra na insatisfação com as respostas dadas pelos dois primeiros, mas que ainda não definiu seu referencial teórico". (PILATTI, 1996, p. 85).



"... conhecer a história da Educação Física e desenvolver com esses dados a consciência histórica dos professores de E.F. (como competência que se apoia nas operações mentais: perceber, interpretar e orientar) pode colaborar na análise e compreensão de nosso habitus profissional (como sentido prático que dirige nossas ações). A investigação em História e a circulação da informação histórica pode ser parte do processo de construção e desenvolvimento da consciência histórica dos professores de E.F. como perspectiva para interpretar a conjuntura e o estrutural na E.F. escolar de hoje". (AISENSTEIN, 1996)

Para AISENSTEIN (1996), a historia serve para reconstruir a gênese de um objeto cultural (aquele que estamos tentando conhecer, ou a atividade em que nos desempenhamos), com o objetivo de compreende-lo em seu contexto macro de produção, a partir das variáveis que confluíram na sua construção, dos atores que intervieram, do tipo de práticas que realizaram, etc.

Ao se analisar o momento atual da historiografia brasileira sobre a educação física e o esporte, alguns autores (VERENGUER, 1994; CAVALCANTI, 1994; GEBARA, 1994, 1998) consideram esse último como objeto de estudos da história, separado da educação física, pois compreendem que a educação física e o esporte são objetos diferenciados que vão demandar caminhos metodológicos e preocupações teóricas diferenciadas, daí considerar-se o esporte como objeto da Histórica separado da Educação Física (MELO, 1995, 1997, 1997b; GENOVEZ, 1998).

Qualquer tentativa de reconstruir os caminhos pelas quais passou a Educação Física no Brasil se reveste de dificuldades, dada a amplitude do termo. Estudar e analisar a História da Educação Física no Brasil é tarefa que requer cuidados especiais visto que, sob a denominação Educação Física encontram-se um grande leque de atividades motoras com objetivos e/ou funções bem variadas, pois é possível o termo designando atividades motoras do cotidiano. "Confundir estas atividades com a Educação Física ou com práticas esportivas é comum entre os leigos" (VERENGUER, 1994, p. 204).

Com o que concorda CAVALCANTI (1994) quando afirma que a História da Educação Física no Brasil confunde-se com a história das atividades físicas e esportivas. A questão da definição do objeto de estudo é fundamental para a definição da história, pois o que se constata é uma pluralidade de histórias. Assim, a soma dessas histórias (História das Atividades Físicas, História dos Esportes, História da Dança, etc.) é o que se convencionou chamar-se de História da Educação Física. Inspirado em SAVIANI (1994), o autor afirma que a produção do conhecimento historiográfico (historiografia) da Educação Física brasileira é quase sempre marcada pela não clareza do seu objeto de estudo e, "...de uma História que venha contemplar em sua unidade e a totalidade as questões relativas a um determinado objeto de estudo" (CAVALCANTI, 1994, p. 62). Ao analisar a historiografia da Educação Física no Brasil, constata que:

" ... em períodos anteriores à década de 80, revelam trabalhos (...) que se caracterizaram pela forma hegemônica e acrítica , os quais limitavam-se aos relatos dos fatos passados, destacando os grandes fatos, marcos cronológicos e/ou vultos políticos. Nesse sentido a História caracterizava-se como uma história factual. "A História da Educação Física no Brasil, até então, desenvolveu-se tendo como referência a política, na qual os fatos políticos irão marcar o perfil predominante dos trabalhos produzidos nessa época." (p. 60-61).

A História da Educação Física no Brasil esta estruturada em função da periodização dos grandes acontecimentos políticos de cada época. Dentre os autores (historiadores) da Educação Física desse período, destaca-se a figura de Inezil Pena MARINHO (s.d., 197[?], 1979, 1980, 1981, 1984), que emprega a seguinte periodização: Brasil Colônia (1500-1822), Brasil Império (1822-1889), Brasil República (1899-1979).

GEBARA (1992), tratando da periodização na história da Educação Física/Ciências do Esporte no Brasil, considera que o recurso à periodização induz a um duplo equívoco, com os acontecimentos políticos que delimitam tanto a Colônia quanto o Império não tem qualquer relação com a delimitação do objeto em análise - Educação Física. Por outro lado, e mais grave, a Educação Física passa a ser vista a partir de relações exteriores a ela mesma, pois "tal postura induz a uma postura metodológica bastante limitada e limitadora, e o objeto se descaracteriza, perdendo sua especificidade própria." (p. 32). Gebara periodiza a Educação Física em função do Esporte, instaurando duas balizas temporais (PILLATI, 1995), ao sugerir que a gênese da Educação Física no Brasil corresponde ao início do século XX, com a introdução dos esportes modernos. A outra, ao indicar que esse processo de escolarização da Educação Física no Brasil, "processo que, de forma bastante marcante, acabou por configurá-la no País, perduraria até os anos 60, quando um conjunto de fatos indicaria a configuração de um novo patamar no desenvolvimento histórico da Educação Física" (GEBARA, 1992, p. 22).

Com o que concorda PILLATI (1994, 1995), quando afirma que os marcos divisórios utilizados para delimitar períodos são externos à própria Educação Física/Ciências do Esporte, o que acaba por determinar diversas periodizações distintas, pois a adequada periodização se dá em função da pertinência do objeto de estudo à área. Assim, os marcos divisórios devem ser da Educação Física/Ciências do Esporte. Destaca a proposta de GEBARA (1992), onde é encontrada uma periodização (implícita) com o objeto pertinente à área, evitando-se o reducionismo da idéia de Educação Física à Educação Física Escolar, visível quando o objeto é deslocado para a área da educação.

PILLATI (1994, 1995) ensina que existem periodizações explícitas e implícitas. Normalmente quando a periodização é explicitada pelo autor, a discussão considera um longo período cronológico. Já na periodização implícita duas formas distintas são possíveis, uma onde o estudo abrange uma determinada faixa temporal e outra onde a distribuição interna da matéria proporciona a periodização.

Já o ensino da História da Educação Física e dos Esportes, nos cursos de Educação Física, se limitam à apresentação dos chamados "conteúdos clássicos", aparecendo uma série de nomes e fatos considerados como relevantes, enclausurados no interior de períodos consagrados tradicionalmente e importados da História Geral (Grécia antiga, Roma, Idade Média, ...), "...a partir de uma ausente, confusa e não consciente compreensão historiográfica" (MELO, 1997b).

Nos Estados Unidos, o estudo da História da Educação Física e do Esporte se encontra bastante avançado, mas os professores de Educação Física que desempenham a docência de disciplinas vinculadas à esta sub-área de estudo "não demonstram ter conhecimentos metodológicos adequados" (PARK, 1992, citado por MELO, 1997b).

Tanto CAVALCANTI (1994) quanto PILLATI (1995), chamam-nos a atenção para um período que parece estar se tornando um marco histórico na Educação Física brasileira, considerando-se aquilo que alguns autores (OLIVEIRA, 1983, 1984, 1985; GHIRALDELLI JUNIOR, 1990, 1991; BRACHT, 1992, 1992b, 1995; GOELLNER, 1992; TAFFAREL e ESCOBAR 1994) denominam "salto qualitativo" ocorrido nessa área do conhecimento. A partir da década de 80 firma-se na Educação Física uma corrente influenciada pela discussão que era levada a efeito no âmbito mais geral da pedagogia no Brasil. Começa a refletir o papel social da Educação Física, contextualizando-a no sistema educacional. Essa transformação qualitativa ocorre não somente em relação à prática, mas também quanto aos pressupostos teóricos, dialéticamente produzidos e responsáveis pela superação dessa mesma prática.

Assim, GHIRALDELLI JUNIOR (1991), com sua proposta de aprofundar as discussões que estavam ocorrendo nessa área do conhecimento, ao apresentar uma classificação das tendências e correntes da Educação Física brasileira, recorreu à seguinte periodização: Educação Física Higienista (até 1930); Educação Física Militarista (1930-1945); Educação Física Pedagogicista (1945-1964); Educação Física Competitiva (pós-64) e, finalmente, Educação Física Popular.

Ao discutir o problema da periodização da história da Educação Física/Ciências do Esporte brasileira, PILLATI (1994, 1995) afirma que nos trabalhos de investigação da história ou de teor histórico, as questões são normalmente tratadas a partir de divisões do todo específico em diferentes sucessões temporais, ou seja, todo processo histórico é periodizado.

Periodizar tem por objetivo descobrir a estrutura interna de uma determinada época histórica, ou seja, dar significado à passagem do tempo, identificando e ordenando seqüências cronológicas (Almeida, 1988, citado por Pillati, 1994, p. 391-392). O grande problema, para não se falsificar a matéria histórica, é especificar onde deverão ser feitos esses cortes. Apresenta, então, dois princípios de periodização, um mais geral, o diacrônico produzido ao longo do tempo, o qual reúne num só conjunto todas as totalidades concretas da produção, cada uma com seus momentos e desenvolvimentos, e outro, mais específico, o sincrônico onde o momento presente é privilegiado de forma a objetivar a situação atual:

"No princípio diacrônico a realidade é percebida como totalidade presente, constituindo um universo de significados, colocado e mais ou menos estático. "Neste princípio (sincrônico) o fenômenos são estudados/trabalhados sobre um pano de fundo fixo ou entendidos como um ambiente externo." (Notas de pé de página, Pillati, 1994, p. 392,393)

É nas questões mais gerais que o princípio da periodização deve ser buscado, e no que se refere ao ensino de história tradicionalmente ministrado em nossas escolas, essa divisão se apresenta como História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, correspondente às Idades Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, encontrando-se também divisões por especialidades - História Social, por exemplo.

Na construção do conhecimento histórico da Educação brasileira, os trabalhos aparecidos a partir dos anos 80 se destacam pela problematização de questões relativas à Educação Física, "... contextualizando os diversos momentos da sua história e, em cada um desses momentos a Educação Física parece ter cumprido um determinado papel na Educação e na Sociedade brasileira" (CAVALCANTI, 1994, p. 69). Esse autor crê que, só será possível a concretização de uma História da Educação Física brasileira com a vinculação da Educação Física à educação:

"... ao se escrever uma História (unificada) da Educação Física brasileira em seu conjunto, isto é, como totalidade, cremos vir a ser necessário a explicitação da concepção de Homem e de Educação e, ter em conta, o caráter concreto do conhecimento histórico-educacional que se configura em um movimento que parte do todo caótico (síncrese) e atinge, através da abstração (análise), o todo concreto (síntese). "Se a Educação Física, até hoje, não respondeu efetivamente acerca do seu papel no Quadro da educação, provavelmente, deve-se ao fato de ter tentado fazê-lo equivocadamente. O que queremos dizer é que, ao se tentar escrever a História da Educação Física, Quase sempre, acaba-se por escrever a História do Esporte na Escola, isto é, acaba-se privilegiando a questão do esporte em detrimento à questão da educação." (CAVALCANTI, 1994, p. 70).

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Año 4. Nº 14. Buenos Aires, Junio 1999