Lecturas: Educación Física y Deportes
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O ESPORTE, O LAZER E A EDUCAÇÃO FÍSICA
COMO OBJETO DE ESTUDO DA HISTÓRIA

Leopoldo Gil Dulcio Vaz


No que se refere à história da educação brasileira, foram localizadas duas tendências:

"...sendo uma em que o objeto em exame determina a periodização e, portanto, a postulação de diferentes marcos históricos; e outra em que, independentemente do objeto e da ótica a partir da Qual ele é tomado, as periodizações são dadas pelos marcos consagrados na chamada referência "política" - Colônia, Império, Primeira República, Período de Vargas, República Populista e o Pós-64". (WARDE, 1984, citada por PILLATI, 1994, p. 394)

A questão que irá responder ao questionamento central destes trabalhos, sem dúvidas encontra-se na resposta à pergunta: qual o objeto de estudo da Educação Física brasileira ? Ou, neste trabalho, qual o objeto de estudo da História da Educação Física brasileira ?

GENOVEZ (1998) pergunta por que o esporte, como objeto da História, não tem conquistado o espaço que lhe corresponde nem mesmo em simpósios de historiadores, já que tem sido estudado por renomados pesquisadores de nível internacional - como MORGAN, ROGEK, HOBSBAWM, e o sociólogo DUNNING. Para explicar tal ostracismo, volta ao início do século, quando a historiografia brasileira se desenvolvia com bases rankianas. Orientada para as abordagens clássicas (década de 30) e influenciadas por abordagens acadêmicas e sociológicas (década de 60), com trabalhos orientados para o negro e a escravidão e, nos últimos anos, para a História social da família, do trabalho, do Brasil colonial e da escravidão e, durante a década de 70, voltaram-se para o "movimento operário" e a "revolução", além das pesquisas de temas sócio-econômicos, matéria que despertava enorme interesse naquele momento. Neste contexto, os poucos trabalhos com uma perspectiva histórica do esporte nasciam envoltos, em primeiro lugar, por influência da História tradicional, positivista e, em segundo lugar, por ser considerado assunto secundário em meio a temas como revolução, classe trabalhadora, marxismo e tantos outros".(GENOVEZ, 1998)

Pelas dificuldades inerentes à historiografia brasileira e, principalmente, pela afinidade desta com a sociologia, é que se pode compreender o menosprezo da História com o esporte. GENOVEZ (1998) serve-se de DUNNING (1985, p. 17) para afirmar que a percepção da tendência que orienta o pensamento reducionista e dualista ocidental, o esporte é entendido como coisa vulgar, uma atividade de lazer orientado para o prazer, que compreende ao corpo mais que à mente, e sem valor econômico. Como conseqüência disto, o esporte não é considerado como um fenômeno que se vincule com problemas sociológicos de significado equivalente aos que habitualmente estão associados com os temas "sérios" da vida econômica e política:

"Sem valor econômico e considerado vulgar, os historiadores, tal como os sociólogos, insistem em perceber o esporte como um objeto de estudo incapaz de mostrar as mais tênues representações das relações sociais que, fora da lógica esportiva, parecem excludentes, como a competição e a cooperação ou o conflito e a solidariedade. É justamente, por abrir esta possibilidade de análise que podemos pensar o esporte como um objeto da História social ou da História cultural." ( GENOVEZ, 1998)

Ainda segundo essa autora, HOBSBAWN (1988, p. 245) nos abre para que se estude o esporte como um instrumento, como tantos outros, utilizado para inculcar valores e normas de comportamento através da repetição: "... Desta maneira, o esporte pode ser um indício, um indicador, das relações humanas e das ações que as legitima, podendo, em alguns casos, colocar-se como suporte da coesão grupal". Pergunta, então:

"Porém, em que podem concretamente contribuir a História social e a História cultural ? Por que o esporte seria, por excelência, o objeto destas duas áreas da história ? Mais que respostas acabadas, o que intentaremos situar são os elementos para futuras discussões. Exatamente, por ser um objeto todavia recente para a História, muitos debates serão necessários para esclarecer cada vez mais as possibilidades metodológicas." (GENOVEZ, 1998)

Serve-se de FEBVRE (1989), para expor algumas dessas possibilidades metodológicas, referindo-se à História social entendida pelos Annales - nascida para contrapor-se à História factual, centrada em heróis e batalhas - priorizava os fenômenos coletivos e as tendências a longo prazo. A partir da década de 60, a História social se apresentou mais próxima da antropologia, privilegiando as abordagens socioculturais sobre os enfoques socioeconômicos. Além da questão social e de conduta, há também outro aspecto que é o simbólico. Segundo a autora, uma área de investigação pouco explorada pela História cultural, preocupada com a sexualidade e a moralidade cotidiana do período colonial do século XIX, ou também com a mentalidade e a cultura escrava. Sem dúvida, o interesse pelo informal, como festas, crenças, etc., abre para o historiador espaços para o estudo do lazer ou do esporte. Gestos, cores, emblemas ou artifícios que rodeiam as práticas esportivas podem ser objetos de estudo da História cultural.

O movimento dos Annales, segundo SILVA (1995), é caracterizado pela substituição da História-narração pela História-problema; pelo entendimento de que a História é uma ciência em construção, que não é apenas política; e que a história não se constrói sozinha e, por isso, necessita de intercâmbios e debates com outras ciências sociais. Com essa nova concepção, há uma ampliação dos limites da História; da noção de fontes; há uma construção da temporalidades múltiplas e a relação passado-presente torna-se mais estreita, reafirmando as responsabilidades do historiador.

MELO (1997, 1997b), discute se haveria diferenças significativas entre Educação Física e Esporte para que suas histórias sejam estudadas separadamente. Ou ambos objetos deveriam ser estudados em uma única abordagem ? Coloca que tais discussões não foram precedidas entre os estudiosos brasileiros, que invariavelmente preferem utilizar o termo História da Educação Física e do Esporte. Internacionalmente, porém, tem sido uma questão que merece uma atenção especial.

PARK (1992) trabalha com o termo História do Esporte, considerando as práticas esportivas, incluindo a educação física e outras manifestações da cultura corporal. Em principio considera "História do Esporte" uma categoria/expressão que inclui, como mínimo, lutas atléticas, atividades de recreação, e Educação Física (p. 96).

Na Grã-Bretanha, a discussão parece orientar-se num sentido diferente, com os historiadores britânicos, em sua grande maioria criticado a ausência de um maior rigor na definição de que pode ou não ser considerado como esporte. Melo situa-se com esta última postura, compreendendo que Educação Física e Esporte são objetos diversos que vão requerer caminhos metodológicos e preocupações teóricas diferenciadas; seus compromissos e sua construção têm sentidos distintos.

Para diversos autores, (PILATTI, 1996; MELO, 1995, 1997, 1997b; GENOVEZ, 1998) o Esporte encontra uma maior abertura na História que a Educação Física, não por ser considerada a última menos importante, senão "por ser entendida como um campo específico de conhecimento, talvez mais técnico. Sem dúvidas, é inegável que seu estudo, também, apresenta questões pertinentes" (GENOVEZ, 1998).

Ao analisar os estudos da educação física brasileira MELO (1994, 1995, 1997, 1997b), os situa em três momentos distintos: uma primeira fase, marcada pelo caráter embrionário do desenvolvimento dos estudos, onde predominam os livros importados orientados para os aspectos históricos da ginástica; a segunda, marcada pelo início de uma produção e uma preocupação maior nos estudos históricos tanto nos aspectos qualitativos como nos quantitativos, ainda que apresentado semelhanças com a fase anterior, já aparece certos desenvolvimentos com o uso documental; e a terceira, marcada pela busca do redimensionamento das características dos estudos históricos ainda que busquem ressaltar os aspectos ideológicos da educação física, se apresentam metodologicamente confusos em relação à História. As obras relacionadas com estas três fases apontam para uma bibliografia na qual poucos são os autores que possuem uma formação em História:

  1. primeira fase, chamada de embrionária, baseia-se na utilização de livros importados e marcados por um caráter documental-factual desprovido de análise crítica mais desveladora da realidade. Esta fase vai até o final dos anos 30;
  2. segunda fase, marcada por uma produção mais efetiva com os estudos históricos, tendo no professor Inezil Penna Marinho seu maior expoente, dominando a área dos anos 40 até meados dos anos 80. Os autores dessa fase continuam a se limitar ao levantamento de dados e fato;
  3. terceira fase, iniciada na década de 80, onde estudiosos retomam uma produção mais efetiva e impregnados pelo marxismo ou de forma mais críticas de interpretação passam a proceder reestudo e a interpretação da História da Educação Física brasileira a partir da emergência atual dos fatos e de uma concepção crítico-dialética. (MELO, 1995):
"... Independentemente das diferenças entre os trabalhos em suas respetivas fase, o compromisso de todos os investigadores que abordaram a História da Educação Física esteve vinculado à necessidade de entender diretamente a Educação Física e/ou justificar algumas questões e modificações. No que se refere à História dos Esportes, desde o século passado e no início deste século podemos identificar estudos, normalmente desenvolvidos fora dos circuitos acadêmicos tradicionais. Tais estudos foram repetidamente escritos por antigos praticantes e/ou apaixonados por determinados esportes, muitas vezes jornalistas especializados que acompanhavam o desenvolvimento dessas modalidades ... Na obra dos autores vinculados à História da Educação Física, principalmente aos da Segunda fase, os aspectos históricos dos esportes já se diferenciavam dos ligados à educação física...". (MELO, 1997b, p. 6)

Um reflexo da confusão conceitual no que se refere ao estudo da História dos dois objetos, é que no Brasil a História do Esporte não tem tido um espaço tão significativo, como na Inglaterra, onde estes estudos têm uma preocupação diferente dos estudos de História da Educação Física. Sua preocupação básica não é, nem foi, entender o esporte em si, mas simplesmente recompilar informações sobre os esportes. "Hoje é, fundamentalmente, utilizar o esporte como objeto relevante para entender a sociedade" (MELO, 1997b).

A história do esporte é uma história relativamente autônoma que mesmo estando articulado com os grandes acontecimentos da história econômica e política, tem seu próprio tempo, suas próprias leis e evoluções, suas próprias crises, em suma, sua cronologia específica (BORDIEU, citado por MEZZADRI, 1994, p. 8).

Já FERREIRA NETO (1996), divide a história da pesquisa na História da Educação Física do Brasil em dois momentos: de 1930 a 1980 e de 1980 até hoje e identifica três concepções de história que lhe serve de orientação:

  1. História Episódica, que marca o primeiro momento (1930 a 1980), que privilegia os seguintes pontes de interesse: a política, a narrativa dos acontecimentos, a "visão de cima"; é escrita conforme um modelo explicativo linear e pretende ser objetiva (p. 95);
  2. Concepção Marxista da História - que marca o segundo momento (1980 até hoje) e convive não pacificamente com a Nova História -. Essa concepção - caracterizada por Ferreira Neto a partir de Sierra Bravo -, possui enfoque totalizador do objeto de investigação, não separando seus elementos; estudo de objeto de pesquisa em suas formas mais acabadas e aspectos dominantes, começando pelo seu elemento mais simples; não se detêm nas aparências sensíveis, mas busca as essências subjacentes; enfoca a realidade em sua gênese e movimento histórico; busca conhecer e compreender a realidade como práxis; observar a unidade entre teoria e prática e considera as idéias como expressão das relações sociais e estas como expressão do modo de produção e das forças produtivas (p. 95);
  3. História Nova: se interessa por toda atividade humana (tudo tem história); analisa as estruturas; oferece uma "visão de baixo"; amplia as possibilidades de uso de fontes, inclusive orais e visuais, na recuperação da história; o modelo explicativo admite mediações multidirecionais na explicação do objeto e considera irreal a objetividade absoluta (p. 95-96).

FREITAS JÚNIOR (1995), ao proceder a analise dos trabalhos apresentados no I Encontro de História da Educação Física e dos Esportes (1994), constata que a partir da década de 70 a Educação Física passa a ser refletida com mais cuidado, havendo um crescente interesse pelos estudos históricos. Dividindo os grupos de trabalhos apresentados e utilizando de um mecanismo denominado técnica de estatística de agrupamento, encontrando três modelos teóricos, de acordo com a bibliografia central desses trabalhos. Assim, o primeiro modelo é composto por trabalhos clássicos, onde acredita-se que o desenvolvimento da história é um processo evolutivo, que parte de uma simplicidade eriginária (sic) e vai pouco a pouco se complicando:

"Buscando na construção mecanicista da teoria do Reflexo, associado ao pensamento positivista que pressupõe uma relação cognitiva, onde não existe nenhuma interdependência entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Nesta concepção denominada résgatae o objetivo do conhecimento atua sobre o aparelho perceptivo do sujeito que é um agente passivo, contemplativo e receptivo; o produto deste processo é o conhecimento, cuja gênese está em relação com a ação mecânica sobre o sujeito, que descreve o objeto". (FREITAS JÚNIOR, 1995, p. 355)

Para o autor, esse modelo é clássico, e estão aí inseridos Inezil Penna Marinho, Jair Jordão e A. R. Accioly, que até a década de 60 foram as principais fontes geradoras da produção bibliográfica brasileira no âmbito da Educação Física. O segundo modelo é composto por trabalhos atuais de características sócio-econômicas, onde o conhecimento e o comprometimento do historiador estão sempre condicionados socialmente, neste modelo teórica história passa a existir enquanto produto da atividade do historiador (sujeito) que conhece, sobre o passado (objeto do conhecimento).

"A história Rerum-gestarum que é escrita por este modelo, tem na busca de um molde ideal(izado), que pode estar no passado, o seu eixo norteador. Ao escrever esta história devemos adequá-la aos novos tempos, o que de certa forma poderá possibilitar algumas transformações necessárias e pertinentes para a Educação Física atual". (FREITAS JÚNIOR, 1995, p. 355-356)

Os autores que se servem desse modelo foram buscar na educação suporte para os seus trabalhos, onde o referencial passou a ser e evolução das idéias pedagógicas no Brasil. Destacam-se Lino Castellani Filho e Paulo Ghiraldelli Júnior. O terceiro modelo é caracterizado pela ênfase dada ao corpo, através da interpretação ativista da teoria do reflexo, onde neste modelo não há preponderância de um dos elementos da relação cognitiva, como no primeiro modelo que é objeto e no segundo o sujeito.

Em suas "considerações para a história do lazer no Brasil", GEBARA (1997) afirma que as civilizações antigas não tinham um nome para o lazer no sentido que o entendemos hoje, sendo que o jogo e o brinquedo se constituem em fatos tão ou mais antigos do que o homem, baseado em uma afirmação de Huizinga de que "o jogo é fato mais antigo que a cultura", pois os animais brincam antes mesmo de os homens os ensinarem a tanto. Identifica, segundo Gilles Provost, duas vertentes que explicam a gênese e a formação do lazer moderno: a primeira, e a mais conhecida, consiste em buscar no passado os fatores históricos, sociais econômicos, entre outros que produziram, de alguma maneira, o lazer nas diferentes sociedades; a segunda tendência a retratar a formação do lazer busca verificar o momento histórico, particularmente no ocidente, em que uma concepção ideológica estruturada se manifestou com relação ao lazer. Tal fenômeno se articularia então a três movimentos históricos:

  1. à ideologia do lazer racional na Inglaterra a partir de meados do século passado;
  2. ao pensamento social americano do início deste século;
  3. às concepções do movimento trabalhista, tendo em vista a redução da jornada de trabalho ocorrida entre o final do século passado e meados deste século.

seguinte F


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Año 4. Nº 14. Buenos Aires, Junio 1999