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Projetos sociais esportivos: quais os objetivos

de quem oferta e de quem participa?

 

*Aluna do programa de Mestrado em Educação Física da

Universidade Federal do Paraná. Bolsista REUNI

**Doutora em Educação. Professora do Departamento de Educação Física

da Universidade Federal do Paraná

***Bolsista PIBIC/CNPq do programa de Iniciação Científica da Universidade Federal

Licenciando em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná

***Doutor em Educação. Professor do Departamento de Educação Física
da Universidade Federal do Paraná

(Brasil)

Suélen Barboza Eiras*

sueleneiras@hotmail.com

Doralice Lange de Souza**

dora@ufpr.br

Andréa Leal Vialich***

dekawialik@hotmail.com

Fernando Renato Cavichiolli****

cavicca@ufpr.br

 

 

 

Resumo

          Este trabalho, de caráter exploratório, apresenta, através de uma pesquisa realizada em sites e documentos oficiais, os objetivos de quatro projetos desenvolvidos em Curitiba e, através de uma revisão de literatura, apresenta os objetivos de crianças, jovens e responsáveis pelos mesmos para a participação em projetos. Concluímos que a promoção de projetos está ligada a diferentes instituições, direcionados a crianças e adolescentes pobres e, tanto na proposta como na procura, a prática esportiva em projetos sócio-esportivos não é entendida como um fim em si, sendo a mesma percebida como uma forma de desenvolvimento humano e ocupação do tempo livre tanto para os gestores quanto para os participantes e seus responsáveis. Ressaltamos a importância de mais pesquisas que objetivem a análise de projetos sócio-esportivos a partir do que tem sido proposto e procurado pelos seus participantes e seus responsáveis.

          Unitermos: Políticas públicas. Projetos sociais. Esporte

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 138 - Noviembre de 2009

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Introdução

    Em meados do século XIX, o esporte no Brasil apresentava-se “como prática social incipiente, com baixos níveis de conflito e de demandas, ausência de interesses secundários e pequena intervenção por parte do Estado” (LINHALES, 1996, p. 204). Entretanto, com o decorrer do tempo esta realidade foi se transformando. De uma atividade desinteressada, o esporte torna-se uma atividade com sistemas de interesses ampliados, incorporando uma variedade de atores e conflitos (GIOVANNI, 1995; ROJEK, 1995; VEBLEN, 1983) e sendo alvo de interesses cada vez mais amplos, passando de uma atividade com um fim em si mesmo para um instrumento de efetivação de fins externos a ele (LINHALES, 2001).

    Atualmente percebemos que o esporte encontra-se solidamente inserido na sociedade, sendo o mesmo considerado um fenômeno sociocultural e entendido como um direito social. De acordo com o art. 217 da Constituição Federal, “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um” (BRASIL, 1988). Apesar de um dever do Estado, podemos observar que a promoção de práticas desportivas não se dá apenas pelos órgãos públicos.

    Políticas esportivas para crianças e adolescentes tem sido alvo de organismos públicos, privados e de terceiro setor (BRETÃS, 2007; GUEDES et al., 2006; MELO, 2004). Assim, através de diferentes iniciativas, surgem em todo o país incontáveis projetos a fim de promover atividades esportivas no contra-turno escolar de crianças e adolescentes. Tais iniciativas, nomeadas em sua maioria pelo termo “projetos sócio-esportivos”, vêm ganhando destaque na mídia e na sociedade (MELO, 2004; 2005).

    Para uma melhor compreensão de tais iniciativas torna-se necessário investigar tanto o que tem sido proposto, através de documentos e da perspectiva de gestores, professores e voluntários, como o que tem sido buscado, por crianças, adolescentes e responsáveis pelos mesmos.

    Portanto, considerando o aumento de projetos sócio-esportivos, este trabalho, de caráter exploratório, busca apresentar dois lados que envolvem os projetos: o que tem sido proposto e o que tem sido buscado. A fim de apresentar o que tem sido proposto em projetos sócio-esportivos, mapeamos alguns dos objetivos encontrados nas propostas de quatro projetos que são desenvolvidos na cidade de Curitiba, PR. Os dados foram coletados através de uma pesquisa bibliográfica em informações disponíveis nos sites destes projetos. Com o intuito de compreender o que tem sido buscado, realizamos uma pesquisa bibliográfica baseada em estudos que objetivaram compreender os significados para a participação das crianças e adolescentes através da percepção das crianças, adolescentes e responsáveis pelos mesmos. Por fim, apontamos para a necessidade de mais estudos que busquem compreender os significados atribuídos para tais iniciativas tanto através das perspectivas de seus gestores quanto de seus participantes e responsáveis.

projetos sócio-esportivos: o que tem sido proposto?

    Com a crescente participação de jovens na criminalidade e entre outros fatores – crise econômica e fracasso da política educacional – os projetos de educação pelo esporte e/ou pelo trabalho tomam impulso na década de 80 (ZALUAR, 1994). Juntamente a isto, o surgimento e afirmação da idéia de terceiro setor fazem com que o número de projetos sociais cresça em todo o país (MELO, 2007).

    Sem ignorar as diferenças existentes, grande parte dos projetos sociais está voltada às crianças e jovens pobres, classificados algumas vezes como em “situação de risco social” ou em “situação de vulnerabilidade social”, e objetivam ocupar o tempo livre dos mesmos (GONÇALVES, 2003; GUEDES et al., 2006; BRETÂS, 2007; MELO, 2007; THOMASSIM, 2007). Os projetos podem ser exclusivos da área esportiva ou podem também ofertar atividades profissionalizantes e complementares à escolarização formal (GUEDES et al., 2006). Conforme aponta Gonçalves (2003)

    “Afastar os meninos do mundo do crime, tirá-los da rua, livrá-los da violência – estas têm sido as justificativas usadas pelos projetos sociais voltados para os jovens das comunidades pobres. Todos pretendem ocupá-los com atividades educativas, esportivas, culturais e de formação para o trabalho.” (p. 171-172)

    A fim de conhecer a proposta de alguns projetos sócio-esportivos, selecionamos quatro projetos desenvolvidos em Curitiba, PR, sendo um projeto em nível de governo federal; um projeto em nível de governo municipal; e dois projetos de ONG´s ligadas a ex-atletas. Através de uma pesquisa bibliográfica em sites informativos destes projetos, buscamos localizar quais eram as instituições envolvidas, a que público o projeto é destinado e quais os objetivos dos mesmos.

    Vejamos os resultados encontrados:

1.     Programa Segundo Tempo

    Constitui-se em um programa do governo federal e tem como público alvo crianças e adolescentes expostos aos riscos sociais. Seu objetivo geral é o de democratizar o acesso ao esporte educacional de qualidade, como forma de inclusão social, ocupando o tempo ocioso de crianças e adolescentes em situação de risco social. Seus objetivos específicos são o de oferecer práticas esportivas educacionais, estimulando crianças e adolescentes a manter uma interação efetiva que contribua para o seu desenvolvimento integral, bem como oferecer condições adequadas para a prática esportiva educacional de qualidade.

2.     Programa Bola Cheia

    Caracteriza-se como um programa da prefeitura de Curitiba envolvendo as secretarias municipais de Esporte e lazer, Antidrogas, Educação e Defesa social, a Fundação de Ação Social (FAS) e a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB). Concebendo as atividades esportivas como um meio de combater a criminalidade, o programa destina-se para a faixa etária e para os locais de maior risco de uso de drogas e de criminalidade. Busca através das atividades desenvolvidas, oportunizar a convivência social, o aumento da auto-estima e a promoção de valores éticos e de cidadania.

3.     Projeto Gralha Azul

    O projeto faz parte do Programa Educação pelo Esporte que é do Instituto Ayrton Senna. Em parceria com a Universidade Federal do Paraná, o projeto tem como objetivo atender as crianças de baixa renda que moram ao redor da universidade. O esporte é concebido como meio para a educação para a vida, promovendo assim o ensino da convivência em grupo, o conhecimento das capacidades, a tomada de decisão e a busca por soluções dos problemas.

4.     Projeto Esporte em Ação – Núcleo Vila das Torres

    Promovido pelo Instituto Compartilhar e em parceira com a prefeitura de Curitiba, através da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL) e da Fundação de Ação Social (FAS), o projeto tem como público-alvo as crianças e adolescentes que estão inseridos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e que moram na Vila Torres em Curitiba. Oferece a crianças e adolescentes a oportunidade da prática esportiva de diversas modalidades mesclando isso com atividades complementares de apoio escolar, saúde e cidadania.

    Através dos resultados encontrados, percebemos que diversas instituições permeiam a promoção dos projetos e programas sociais. O programa Segundo Tempo, por exemplo, apesar de ser promovido pelo Ministério do Esporte, para sua implementação ele pode ter parceria com outras entidades, sejam elas públicas, privadas ou ONG´s. O Bola Cheia é um programa público envolvendo as mais diversas secretarias municipais da cidade. O projeto Gralha Azul e o Esporte em Ação, pertencentes ambos a ONG´s relacionadas com ex-atletas, desenvolvem suas ações em parcerias com instituições públicas. Percebemos diferentes instituições, diferentes agentes, diferentes saberes e diferentes perspectivas acerca do uso do esporte que envolvem os projetos sócio-esportivos.

    Alguns autores como Melo (2007) acreditam que de um direito garantido pela constituição, o esporte, por meio dos projetos sócio-esportivos, passa a depender de ações governamentais que constantemente estão em mudanças; e de instituições privadas e ONG´s que, em sua maioria, seguem a lógica do risco capitalista, ou seja, por vários motivos os projetos podem simplesmente cessar, seus usuários serem simplesmente descartados e há a necessidade de cumprimento de meta de participante. A idéia do esporte como um direito social passa para a idéia de um serviço que pode ou não ser prestado, como uma mercadoria negociável (MELO, 2007).

    Se na década de 80 os projetos de educação pelo esporte e/ou pelo trabalho eram direcionados a crianças e jovens carentes, objetivando tirá-los das ruas e promover educação por meio do esporte e/ou do trabalho (ZALUAR, 1994), de acordo com Gonçalves (2003), estes objetivos não são tão diferentes na atualidade. A autora afirma que, “tanto os problemas que serviram de justificativas para o desenvolvimento desses programas quanto as soluções criadas para resolvê-los continuam em vigor até hoje” (p. 143). Confirmando esta idéia, todos os projetos aqui analisados têm como objetivo promover mais do que o simples acesso a prática esportiva e são direcionados para uma parcela específica da população: crianças e adolescentes pobres.

    Em relação ao público-alvo, encontramos como ponto comum em todos os projetos o objetivo de atender crianças e jovens de baixa renda ou classificados como em “situação de risco”.1 Melo (2007) afirma haver justificativas conservadoras para a promoção do esporte para crianças e adolescentes pobres. De acordo com este autor “com o avanço da pobreza e maior visibilidade da violência urbana, credita-se ao esporte o papel de redentor da juventude pobre, visto que poderia controlar os impulsos violentos e promover uma sociabilidade civilizada” (MELO, 2007, p. 57). Assim, o esporte teria certo controle sobre a violência e a criminalidade.

    Em relação aos objetivos propostos nos projetos, além da democratização do acesso a prática esportiva, encontramos outros objetivos nos programas e projetos apresentados: inclusão social (Segundo Tempo), ocupação do tempo ocioso (Segundo Tempo), desenvolvimento integral ou humano (Segundo Tempo, Esporte em Ação), convivência social (Bola Cheia, Gralha Azul), aumento da auto-estima (Bola Cheia), promoção de valores (Bola Cheia), promoção da cidadania (Bola Cheia, Esporte em Ação), promoção de saúde (Esporte em Ação), combate a criminalidade (Bola Cheia), educação para vida (Gralha Azul), conhecimento de capacidades (Gralha Azul), tomada de decisão (Gralha Azul), soluções de problemas (Gralha Azul). Portanto, a simples justificativa para o acesso à prática esportiva, que é um direito de todos, não é suficiente para legitimar as iniciativas no meio esportivo. Melo (2004) afirma que há a necessidade de outras justificativas, que não somente a democratização do acesso/permanência, para as políticas públicas.

    Entendendo que as críticas às propostas de projetos e programas esportivos sejam pertinentes e necessárias, devemos tomar o cuidado para não parecermos preconceituosos e intransigentes descartando tais empreendimentos, pois, conforme apontam alguns estudos (ZALUAR, 1994; GONÇALVES, 2003; GUEDES et al., 2006; MENDES et al., 2007; MOLINA, 2007; VARGAS, 2007; MARQUES; KRUG, 2008), a participação em tais empreendimentos é dotada de significados para participantes e responsáveis por participantes. Assim, visto algumas das propostas de projetos sócio-esportivos em Curitiba, buscamos então no próximo tópico analisar alguns estudos sobre os significados da participação nos projetos a partir da perspectiva do chamado “público-alvo”. Um maior entendimento destes significados poderia colaborar para uma análise mais acurada dos impactos de projetos sociais.

projetos sócio-esportivos: o que tem sido buscado?

    Somente alguns estudos foram realizados acerca da participação de crianças e adolescentes em projetos sociais esportivos objetivando entender os significados para a participação de crianças e adolescentes nos projetos. Conforme Thomassim (2006) acompanhando este processo de multiplicação de projetos sociais esportivos, há um crescente interesse de autores da educação física e outras áreas para o estudo de tais projetos. Segundo este mesmo autor, tais estudos tem objetivado analisar os discursos dos gestores e educadores, havendo uma carência de diálogo com o público-alvo.

    Abordamos a seguir alguns estudos ocorridos nas últimas três décadas que foram desenvolvidos até então e que nos ajudarão a entender os significados atribuídos pelas crianças, adolescentes e responsáveis por participantes para a participação em projetos sócio-esportivos.

    Zaluar (1994) investigou três programas educativos governamentais que estavam dirigidos a crianças e jovens nos anos 80. O PRIESP, que depois foi substituído pelo RECRIANÇA, era um programa de iniciação esportiva desenvolvido em várias cidades pela Fundação Roberto Marinho. A autora avaliou o programa que estava acontecendo no Rio de Janeiro e ao perguntar qual a razão para a procura do programa pelas crianças e jovens, ela encontrou as seguintes respostas: “53% das crianças e jovens que procuravam o PRIESP o fizeram por querer aprender um esporte, 28% porque gostavam de esporte, 12% para ocuparem o tempo e 7% deram outras respostas (p. 48, 1994)”.

    Ainda em relação aos alunos do PRIESP entrevistados por Zaluar (1994) o gosto pela prática esportiva foi um tema muito recorrente nas entrevistas. Segundo a autora “80% dos alunos em todos os núcleos pretendiam continuar a prática de esportes no futuro, seja o profissional, seja o amador. Apenas 5% não ligavam o futuro ao esporte, enquanto 13% não sabiam o que fazer com o que estava aprendendo” (p. 65).

    Este anseio de querer aprender mais sobre um esporte e o gosto pelo mesmo também é encontrado em outro programa estudado, o PIM de Curitiba. Segundo Zaluar (1994) 68% dos alunos gostavam ou vieram para o programa porque poderiam aprender desde o esporte até o artesanato e apenas 24% das crianças falaram em brincar.

    Marques e Krug (2008) desenvolveram um estudo que teve como objetivo investigar as contribuições positivas e negativas do Programa Segundo Tempo segundo a perspectiva dos seus discentes. Semelhante ao encontrado por Zaluar (1994), as crianças e adolescentes neste estudo buscavam o programa porque gostariam de aprender sobre um esporte e praticá-lo.

    O sonho de ascensão profissional através do esporte também foi encontrado por Zaluar (1994). Segundo a autora, quanto mais pobre, mais forte era esse sonho. Ao investigar as expectativas de crianças e adolescentes do PRIESP, Zaluar (1994) encontrou que 44% dos alunos desejavam tornarem-se esportistas profissionais. Ao pesquisar as crianças e os jovens participantes de outro projeto social, o PIM que ocorria em Curitiba, este sonho de profissionalização do esporte também é encontrado entre os mesmos.

    Mendes et al. (2007), ao analisar o Programa Segundo Tempo a partir da perspectiva dos pais das crianças e adolescentes participantes do mesmo, também encontra nos pais uma expectativa de ascensão social através do esporte. O esporte, segundo os pais, é uma forma de melhorar a condição de vida do filho participante e também da sua família como um todo.

    O esporte ganhou no senso comum uma imagem de passaporte para a ascensão social (SILVEIRA, 2007). Seja por influência da mídia, onde há uma divulgação de histórias de jogadores famosos que saíram de classes inferiores, seja por influência dos pais ou até mesmo de projetos sociais, algumas crianças pobre e jovens pobres veem no esporte uma possibilidade de escapar do seu destino de operário ou trabalhador.

    Outro ponto encontrado em Zaluar (1994) é o esporte enquanto agente da socialização e de alargamento das redes de sociabilidade. Ao entrevistar os alunos do projeto social PRIESP desenvolvido no Rio de Janeiro é possível encontrar nas falas dos alunos: “’fiz muita amizade aqui’, ‘conheci muita gente boa’” (1994, p. 64).

    Marques e Krug (2008), ao investigar o Programa Segundo Tempo, também encontraram a oportunidade de realizar as atividades em grupo como um fator fundamental para a participação das crianças e adolescentes no programa.

    Rezende (2002) declara que a boa aceitação dos projetos centrados nos esporte entre os jovens é que os projetos são capazes de preencher as necessidades dos jovens, promovendo assim, uma sociabilidade positiva.

    Além de aumentar os vínculos sociais, para as crianças e adolescentes do projeto Esporte Clube Cidadão, o esporte é um meio de descontração, diversão e desenvolvimento pessoal (VARGAS, 2007).

    O esporte é visto tanto para os alunos entrevistados como para as mães entrevistadas por Zaluar (1994) como um formador de comportamentos. Entre os alunos entrevistados surgiram falas como: “o esporte ensina a gente a ser educado, respeitar os mais velhos, não dizer palavrão” (ZALUAR, 1994, p. 79). Já as mães afirmaram que seus filhos ao participar do PRIESP, adquiriram noção de responsabilidade através do esporte (ZALUAR, 1994).

    Da mesma forma, Vargas (2007) ao investigar o projeto Esporte Clube Cidadão encontra nas falas dos responsáveis pelas crianças e adolescentes participantes do projeto a idéia de que o mesmo tem um caráter de formação educacional, de caráter e de proteção das “ruas”.

    Um ponto comum em Zaluar (1994), Mendes et al. (2007) e Marques e Krug (2008) é a ocupação do tempo livre. Em Zaluar (1994), as mães entrevistadas aprovavam a participação dos seus filhos do PRIESP, pois acreditavam que a orientação do professor seria capaz de afastar seus filhos das influências da rua.

    Mendes et al. (2007) também encontra esta preocupação das mães com o afastamento de seus filhos das drogas e dos perigos da rua ao justificar a participação dos filhos no esporte.

    Já para as crianças e jovens, a ida ao PRIESP significava não ficar de bobeira e sem nada para fazer no tempo livre da escola (ZALUAR, 1994). Em Marques e Krug (2008) também podemos encontrar esta idéia da preferência de estar no programa ao invés de ficar em casa para os alunos entrevistados.

    A partir do que foi apresentado até então, a preferência para a participação nos projetos sociais ao invés de ficar em casa por crianças e adolescentes nos aponta que a participação nos mesmos não está voltada apenas para o preenchimento do tempo ocioso. Entre os resultados encontrados podem inferir que as crianças e adolescentes buscam aprender mais sobre o esporte, buscam uma ascensão social através do esporte, gostam da prática esportiva, buscam a convivência social, entre outros. Para os responsáveis, a participação de seus filhos em projetos está relacionada com a formação de caráter e de comportamentos, com a proteção das ruas e das drogas e com o sonho de melhorar de condição de vida.

Considerações finais

    Apesar deste trabalho ser baseado nas análises de outros autores e assim sabendo dos limites do mesmo, acreditamos que os dados levantados suscitam a necessidade de compreender os sentidos de tais projetos para além das intenções de seus gestores e profissionais, privilegiando a apreensão do sentido de tais projetos a partir da perspectiva de seus participantes e responsáveis.

    Com base nos resultados apresentados por nosso estudo, podemos concluir que a promoção dos programas e projetos sociais está ligada as mais diferentes instituições e agentes; e que por mais que os projetos sócio-esportivos sejam diferentes, a grande parte está direcionado a uma camada específica da população – crianças e adolescentes pobres. A implementação de projetos sócio-esportivos não tem como um fim em si promover o acesso a aqueles que de outra forma não teriam, mas sim, através do esporte promover valores e comportamentos.

    Podemos concluir também que, apesar da carência de estudos a fim de entender a percepção dos participantes de projetos sócio-esportivos, encontramos através de nossa pesquisa bibliográfica que a participação nos projetos na perspectiva das crianças e adolescentes está ligada com o desenvolvimento pessoal, o gosto, o sonho de ascender profissionalmente, a ampliação dos vínculos sociais, a diversão. Já na perspectiva dos pais a participação de seus filhos em projetos sócio-esportivos está relacionada com a formação de caráter e de comportamentos, com a proteção das ruas e das drogas e com o sonho de melhorar de condição de vida.

    Por mais críticas que os objetivos, as intenções e o caráter assistencialista que os projetos sócio-esportivos podem receber de autores que estudam a temática, não podemos negar os resultados encontrados que evidenciam que para as crianças, adolescentes e pais a participação nos mesmos tem sido significativa. Não podemos esquecer que os significados dos projetos sócio-esportivos não são resultantes das intenções de seus gestores, mas sim das relações que os envolvem no dia-a-dia. Portanto, a criança e o adolescente a quem o projeto se destina não podem ser entendidos como apenas um destinatário, mas sim participante da construção e da estruturação do mesmo (MARTINS; MELO, 2004).

    Portanto, levando-se em consideração esta proliferação de programas e projetos sociais e entendendo o esporte a partir de uma dimensão heterogênica, acreditamos na importância do desenvolvimento de mais pesquisas que objetivem a análise de tais projetos como um conjunto de relações estabelecidas no dia-a-dia, buscando assim investigar a perspectiva de seus freqüentadores, de seus pais, de seus professores e voluntários, de seus gestores e documentos. Para que ao pensarmos em qualquer intervenção pública no setor esportivo possamos levar em consideração os diferentes e/ou semelhantes significados atribuídos.

Nota

  1. Segundo as diretrizes e orientações do programa Segundo Tempo, risco social se refere a “todas as situações que expõem a vida do ser humano ao perigo constante” (MINISTÈRIO DO ESPORTE, s/d, p. 06). Esta definição proposta pelo programa é tanto quanto superficial, quando não está claro que perigos são esses. Mas de uma forma geral, de acordo com Martines (2009), quando falamos de risco social, estamos nos referindo às crianças e/ou jovens que dispõe de pouco ou não dispõe de “acesso aos serviços de habitação, saúde, alimentação, educação, lazer, etc. e que convive diariamente com a presença das drogas, da violência, da marginalidade e da exploração, seja nas ruas ou em suas próprias casas” (p. 21).

Referências

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