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A EDUCAÇÃO FÍSICA NO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA: APONTAMENTOS DO MOMENTO HISTÓRICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Marcelo S. da Silva


O Estado Gaúcho na República Velha
Segundo PESAVENTO

"a oligarquia dos cafeicultores assumia, no final do século passado, uma conotação de burguesia agrária. Em outras palavras, a época de República Velha foi o momento em que se estruturaram no Brasil as bases para a formação do capitalismo" 21 .

Enquanto se estruturavam essas bases, o Rio Grande do Sul, como já nos referimos anteriormente, era um estado de feições positivistas e cunho autoritário, e com a economia de base predominantemente agropecuária.

Quanto às suas características econômicas pode-se dizer que além desse caráter agropecuário, a economia gaúcha mostrava-se voltada ao abastecimento do mercado interno de forma subsidiária, tendo uma inserção de caráter periférico na economia nacional, o que acabou por lhe render o cognome de "celeiro do país".

No aspecto político, o Rio Grande do Sul caracterizou-se por ser o único estado da federação a orientar-se por uma doutrina seguindo um pensamento ideológico determinado - o positivismo. O positivismo atuou durante os governos de Castilho, Borges e Vargas como a ideologia inspiradora da organização administrativa e das diretrizes políticas do Estado 22 .

Justifica-se a assimilação do ideário positivista pelo grupo então no poder, justamente por essa doutrina possuir traços nitidamente autoritários, o que fazia com que se adequasse ao contexto histórico-político do Estado.

Considera-se aqui regime autoritarista o "regime elitista, enquadrado no contexto da 'Política de Cúpulas', na medida em que é restrita a participação da massa e que uma elite dirigente controla o poder" 23 .

Acredita-se que o autoritarismo necessariamente não precisa estar vinculado a alguma ideologia, mas no caso do Rio Grande do Sul o ideário positivista de Comte acabou por ir ao encontro dos novos anseios da sociedade gaúcha, contribuindo para a realização dos mesmos sem com isso ter que quebrar com o status quo vigente.

A economia gaúcha nas últimas décadas do século XIX já apresentava dificuldades devido ao seu arcaísmo, falta de modernização tecnológica e falta de novos empresários desvinculados dos ideais escravocratas. Todavia, a diversificada agropecuária juntamente com a agricultura colonial faziam com que o estado se mantivesse economicamente "estável".

Com relação à agricultura colonial a acumulação do capital gerado pela venda dos produtos acabava por ficar nas mãos dos comerciantes e não dos produtores.

"Intermediário entre a produção e o mercado, o comerciante passou a investir em outros setores de atividades; assim, os elementos enriquecidos às custas da agricultura colonial não só montaram em Porto Alegre casas comerciais de importação e exportação, como aplicaram em navegação a vapor, indústrias, urbanização, barcos, companhias de seguros, etc." 24
.
Apesar disso o Estado, no final do século, não apresentava um quadro muito próspero economicamente. As políticas nacionais em nada atendiam os interesses dos produtores e criadores sulinos e além disso havia ainda outros problemas como por exemplo o transporte caro dos produtos, o que desfavorecia a venda destes.

Devido a imigração ocorrida no século XIX, e ao processo de urbanização e burocratização da máquina estatal ocorreu um inchamento dos níveis médios da população, profissionais liberais, bancários, servidores públicos, comerciantes e professores. Mesmo com o surgimento destes novos grupos de representação social o poder continuava "nas mãos" dos estancieiros da região da campanha. Com o desenrolar do processo de implementação do capitalismo, que já se dava em nível nacional, surgem alguns obstáculos a serem superados para que o mesmo processo ocorresse no Estado, mas graças a pluralidade de interesses reunidos, o então quadro do poder não conseguia atender as exigências de todas as partes, acarretando críticas ao governo como por exemplo de que o Estado era inepto e servil ao governo central.

Toda essa pressão acabou por abalar a credibilidade do governo abrindo caminho para a ascensão do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) ao poder. É este grupo político emergente que se compromete com a modernização econômica, social e política necessária para a evolução do estado e para a realização dos interesses dos grupos que o apoiaram, parte da classe pecuarista dominante, setores médios urbanos e parte do colonato.

É a partir da vitória do PRR que se instaura a República Gaúcha, de inspirações positivistas e de diretrizes políticas progressistas, que acabou "consolidando uma forma autoritária de governo que encontrava raízes no próprio passado histórico local" 25 .

Como pode-se notar esse grupo político emergente no poder caracterizava-se por comprometer-se em promover a modernização do Estado gaúcho, ao mesmo tempo em que buscava a conservação do poder "nas mãos" da mesma classe dominante. Esse caráter progressista-conservador, segundo PESAVENTO "vinha a coincidir com o caráter da filosofia positivista de Comte o que provavelmente foi o motivo de sua aceitação e assimilação pela nova elite emergente" 26 .

No decorrer da República Velha percebe-se claramente a influência do pensamento positivista no governo gaúcho, segundo o qual cabia ao Estado "promover a estabilidade, a ordem, o ajustamento do indivíduo à sociedade, pois assim, se obteria uma sociedade hierarquizada, rígida, marcada pelo autoritarismo" 27 .

Para Comte o Estado deveria ser um mantenedor da ordem, pois estando a sociedade em seu curso natural, isso por si só promoveria o progresso.

No plano econômico o Estado gaúcho caracterizou-se por basear-se na promoção da acumulação, por um lado, intensificando o fortalecimento do capital privado, e por outro, legitimando a exploração e subordinação do trabalhador.

A pecuária até a eclosão da 1ª Guerra Mundial era a fonte de economia dominante no Rio Grande do Sul, sofrendo uma estagnação neste período devido a diversos problemas que apresentava no seu processo de produção extremamente rudimentar. A crise sofrida pela pecuária neste período também se estendeu às charqueadas que além de seus processos arcaicos sofriam com os altos custos dos produtos para sua produção e com o alto valor dos transportes que elevavam o seu preço inviabilizando a concorrência com os produtos do Prata.

As sucessivas crises levaram ao surgimento de novas fontes econômicas que representavam maior lucro no mercado externo. Em "1920, o arroz atingia o terceiro lugar na pauta de exportações do Estado" 28 . Do ponto de vista político a expansão de outros setores da economia proporcionavam ao PRR apoio político para dar continuidade ao seu programa de desenvolvimento global da economia.

Durante a República Velha as lideranças políticas do Estado mantiveram uma posição bastante clara quanto a questão do trabalho; segundo PESAVENTO estas lideranças valiam-se do

"princípio Comtiano de incorporação do trabalhador à sociedade moderna, baseado na relação paternalista fundamental da 'dedicação dos fortes pelos fracos e na veneração dos fracos pelos fortes'. Dentro de uma ordem social pré-estabelecida, com lugares bem definidos, cabe aos 'fortes' proteger paternalisticamente, os 'fracos'. Esta proteção e incorporação do proletariado deve ser feita de modo a não perturbar a ordem existente, suavizando as tensões sociais. Antes que o proletariado amadureça e possa a vir a contestar a ordem vigente, esta ordem deve incorporá-lo e torná-lo adaptado ao esquema" 29 .

Com relação ao ensino neste período nota-se os traços do contexto político e a influência da filosofia Positivista de A. Comte.

Segundo DILL durante a República "a instrução pública estaria diretamente subordinada ao Presidente do Estado, Júlio de Castilhos, e, após, a Borges de Medeiros, ambos positivistas" 30 . Neste momento as diretrizes educacionais apresentavam como suas principais finalidades a "integração do indivíduo a sociedade e a preparação profissional" 31 .

Apesar do interesse no desenvolvimento do ensino esse se deu de forma lenta e com um caráter extremamente liberal. A exemplo disso uma das medidas tomadas pelo governo do Estado foi o incentivo a "liberdade de exercício do magistério para ensinar 'quem quiser e souber e como puder'" 32 . Para DILL nessa liberdade de ensino residia o espírito liberal orientado pelo governo do Estado, que evidenciava um meio de dar acesso às profissões liberais, onde cada um valia pela sua competência.


A Educação Física no Rio Grande do Sul durante a República Velha
A Educação Física no Rio Grande do Sul teve sua difusão e implementação em nível escolar, principalmente a partir de 1890. Segundo PICCOLI "até mais da metade do século XIX esta disciplina não constava dos currículos escolares, com exceção de algumas escolas particulares" 33 .

Para melhor situarmos os acontecimentos da Educação Física durante a República Velha é interessante citar que até 1857 essa disciplina não constava do currículo das escolas públicas gaúchas 34 . Ainda assim na metade do século ela já era mencionada em escolas particulares, institutos de educação primária e secundária, na forma de aulas de natação, esgrima e dança, atividades estas cobradas separadamente dos alunos.

Na escola pública de 1º grau a Educação Física foi citada pela primeira vez em 1857 35 , mas não foi implementada efetivamente na escola. Já em 1869 estabelecia-se em Porto alegre uma escola normal de instrução primária que enfatizava a cultura geral, anexa ao liceu Dom Afonso 36 . Apesar da Educação Física constar no currículo do liceu na forma de disciplina complementar, na escola primária a Educação Física não era nem mencionada. Sua inclusão no currículo só foi feita em 1877 37 .

Em todas estas escolas públicas o horário destinado para as atividades da Educação Física era o horário de recreação dos alunos. Na década de 1870 já percebia-se no discurso das entidades responsáveis pela educação na província uma grande preocupação com o exorbitante número de crianças fora da escola 38 .

Segundo DILL as autoridades compreendiam a impossibilidade de expandir o ensino a todo Estado. Então passam a subvencionar os estabelecimentos particulares. Já a partir de meados do século XIX diversos são os estabelecimentos particulares de ensino no Estado, tendo grande relevância entre eles as escolas e institutos de ordens religiosas.

Por volta de 1877 tentava-se pela primeira vez incluir a Educação Física, na forma de ginástica, esgrima e exercícios militares, no currículo da escola normal sendo esta dirigida exclusivamente para os meninos que cursavam o primeiro ano. Esta proposta foi alvo de severas críticas pelo então presidente da província, Tristão de Alencar de Araripe 39 .

O projeto que incluía a Educação Física na escola normal foi transformado em lei em 8 de março de 1877 e suprimido dois anos depois, em junho de 1879, pelo sucessor de Araripe na presidência da província, o Dr. Felisberto Pereira da Silva 40 .

Em 1882 o parecer de Rui Barbosa sobre a reforma do ensino primário, transformado no projeto de número 244, dava especial atenção a Educação Física. Nele Rui Barbosa pregava as seguintes idéias:


O projeto de Rui Barbosa é um marco na Educação Física nacional, mas a nível de Rio Grande do Sul é difícil afirmar ao certo qual foi sua influência. É a partir de 1890 que a Educação Física começa efetivamente a fazer parte dos currículos das escolas estaduais. Em 1897, segundo o decreto nº 89, o ensino primário, livre, leigo e gratuito ficaria a encargo das escolas elementares estaduais onde o ensino da Ginástica seria ministrada 42 .

Neste período a Educação Física deveria ser praticada diariamente nos intervalos das aulas, além de ser ensinada em pelo menos uma hora por semana fora desses horários. Os meninos deveriam praticar exercícios militares e em aparelhos ginásticos, além dos exercícios graduados de ginástica, das corridas e jogos infantis enquanto as meninas não poderiam praticar os exercícios militares e os exercícios em aparelhos ginásticos. Na primeira década do século XX a Educação Física era disciplina legalmente obrigatória no currículo do curso elementar, destinado a crianças de ambos os sexos a partir dos 7 anos, e no currículo do curso complementar, de caráter prático e profissionalizante. Apesar disso em muitos casos essas aulas não eram ministradas, principalmente por falta de formação adequada dos professores das escolas de 1º grau.

Aos alunos do curso elementar era ministrado a Ginástica, já aos alunos do curso complementar a Ginástica fazia parte da Educação Física que por sua vez era parte de outra disciplina, a Pedagogia, ministrada aos alunos do 3º ano, com carga horária de duas horas semanais.

A partir de 1909 é inserida a ginástica Sueca no sistema educacional gaúcho, aos alunos do curso complementar seria ministrada a ginástica sueca, além da pedagogia onde a Educação Física se encontrava. Para os alunos, do sexo masculino, do curso elementar seriam ministradas a ginástica sueca e evoluções militares 43 .

Já em 1917 o então presidente da província em discurso perante a assembléia dos representantes do Rio Grande do Sul defendia a Educação Física enquanto fonte para o fortalecimento e desenvolvimento do corpo e da mente. Apesar do interesse das autoridades educacionais a Educação Física nessa época era

"ministrada por professores de classe, não possuindo caráter profissional nem científico pelo fato de não existir instituições profissionais que preparassem professores especializados para atuarem nas escolas elementares do Estado" 44 .

Na década de 20 a Educação Física era baseada em padrões estrangeiros, tendo como modelo a Ginástica Sueca e no Rio Grande do Sul também influências da Ginástica Alemã graças a participação de imigrantes deste país como professores de classe em cursos elementares. Estes imigrantes ao chegarem no sul fundaram um clube de ginástica, o Turnverein, em Porto Alegre em 1896 onde era ensinada a Ginástica Alemã 45 .

Em 1923 o presidente da província, Borges de Medeiros salientava que já era o momento de preocupar-se não somente com o número de alunos matriculados nas escolas, mas também com o tipo de ensino ministrado nestas escolas. Borges incentivava a atualização dos conhecimentos da Educação Física a partir das "experiências de povos mais adiantados na matéria" 46 .

A partir de 1927 o governo da província começa a enfatizar a aplicação da Educação Física nas escolas, com o objetivo de desenvolver corporalmente os alunos. Neste ano também é editado o "decreto 3903 que mencionava que os alunos deveriam prestar exame em ginástica, o qual seria feito através de provas práticas" 47 . Já em 1928 surge um programa de ensino dos colégios elementares e grupos escolares do estado, neste documento as atividades ginásticas preconizadas eram as atividades atléticas, a ginástica sueca, a ginástica calistênica, atividades de marcha, ginástica higiênica, exercícios respiratórios e exercícios de ordem.

Percebe-se por este programa que a Educação Física possuía um caráter disciplinador e higiênico, demonstrando uma Educação Física de base anátomo-fisiológica biologizada. Pode-se vislumbrar esta influência no

"programa desenvolvido pelo professor Frederico Guilherme Gaelzer, primeiro inspetor de Educação Física da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado do Rio Grande do Sul, quando este definia como finalidades principais da disciplina desenvolvimento físico-pessoal de cada aluno" 48 .

Ainda segundo GAELZER, apud PICCOLI, "as aulas de Educação Física deveriam abranger atividades como ginástica ortopédica, terapêutica e médica, além de atividades atléticas, folclóricas e até o escotismo" 49 . O professor GAELZER talvez tenha sido o principal responsável pela ampliação do quadro de professores de Educação Física no Rio Grande do Sul e também, segundo PICCOLI, "foram os cursos intensivos organizados por ele que deram o impulso para que a obrigatoriedade da Educação física nas escolas estaduais de 1º grau fosse cumprida" 50 .

GAELZER organizou vários cursos de férias para atualização de professores de Educação Física, o 1º deles em 1929 e o restante deles durante a década de 30 51 . Observando o programa do 3º curso promovido pela Diretoria Geral da Instrução Pública e organizado pelo professor GAELZER podemos perceber o caráter higienista dado à Educação Física na época. Esse caráter não era priorizado somente pelo governo estadual mas também pelo governo federal em discurso feito na Biblioteca Pública de Porto Alegre em 1928 o Inspetor Sanitário Federal enfatizava a "necessidade do brasileiro ser educado dentro dos princípios higiênicos; de ser fortalecido física e psiquicamente; de se tornar operoso e empreendedor" 52 .

Talvez o fato mais importante a nível nacional ocorrido durante a década de 30 para o desenvolvimento da Educação Física, fruto com certeza de toda a movimentação ocorrida no país durante a República Velha, tenha sido a

"criação da Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde através da lei Federal n.º 378 de 13 de janeiro de 1937 e da Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo decreto Federal nº 1212 de 17 de abril de 1939" 53 .

Nota-se que no Rio Grande do Sul a Educação Física sempre esteve na dianteira das transformações nacionais. Já em meados da década de 20 havia uma preocupação em organizar e aplicar melhor os conhecimentos da Educação Física nas escolas, enquanto que a nível nacional somente na década de 30 o governo passou a dedicar uma Diretoria especifica para a Educação Física dentro do Ministério da Educação e Saúde.

No decorrer da República Velha a Educação Física passou progressivamente a ser tratada cada vez com mais preocupação pela camada no poder, devido talvez a sua identificação com as idéias positivistas de eugenização, higienização e ordenação dos indivíduos e da sociedade.


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Año 4. Nº 13. Buenos Aires, Marzo 1999.