ISSN 1514-3465
Educação Física e LDB: entre a obrigatoriedade
legal e a flexibilização da prática escolar
Physical Education and LDB: Between Legal Obligation and the Flexibility of School Practice
Educación Física y LDB: entre la obligación legal y la flexibilidad de la práctica escolar
Larissa Caroline de Oliveira Prado
*Graduanda em Pedagogia
pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)
onde cursa o 8º semestre
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
**Doutoranda e Mestre em Educação Física
pelo programa de pós-graduação associado
da UEL e Universidade Estadual de Maringá
Licenciada e bacharel em Educação Física
Especializada em Docência no Ensino Superior, Pedagogia e Novas Tecnologias
Professora da rede pública de Londrina-PR
Colaboradora do curso de Educação Física da UEL
(Brasil)
Recepción: 24/03/2025 - Aceptación: 07/07/2025
1ª Revisión: 30/06/2025 - 2ª Revisión: 04/07/2025
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
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Cita sugerida
: Prado, L.C. de O., e Franciosi, A.P. (2025). Educação Física e LDB: entre a obrigatoriedade legal e a flexibilização da prática escolar. Lecturas: Educación Física y Deportes, 30(328), 98-109. https://doi.org/10.46642/efd.v30i328.8193
Resumo
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada em 1961, constitui um marco regulatório essencial para o sistema educacional brasileiro ao refletir transformações sociais, políticas e pedagógicas. Este estudo analisa o desenvolvimento da Educação Física na LDBEN de 1961 a 2024, com ênfase nas consequências e nos desafios relacionados à obrigatoriedade e à facultatividade da disciplina no currículo escolar. A partir de análise documental, foram examinadas diferentes versões da LDBEN e decretos correlatos, a fim de identificar alterações nas políticas educacionais e seus efeitos sobre a área. Inicialmente, a Educação Física foi estabelecida como obrigatória no ensino primário e médio, com o objetivo de promover o desenvolvimento integral dos estudantes. Durante o regime militar, a disciplina assumiu funções de controle social e preparação para o mercado de trabalho. A LDBEN de 1996 e os decretos posteriores reafirmaram sua obrigatoriedade na educação básica, e a reconheceram como um direito formativo. No entanto, a manutenção de dispositivos legais que permitem sua dispensa em determinadas situações, herdados da legislação de 1971, ainda provoca questionamentos sobre sua pertinência diante das demandas atuais. Embora a Educação Física seja valorizada como componente curricular que articula dimensões físicas, culturais, sociais e formativas, permanecem entraves como a fragmentação do conhecimento, a precarização do trabalho docente e a insuficiência estrutural nas escolas. Conclui-se que revisões legislativas são urgentes para fortalecer o papel da Educação Física no contexto educacional contemporâneo, dado que visa assegurar formação ampla, inclusiva e coerente com os princípios da educação do século XXI.
Unitermos:
Educação Física. Legislação educacional. Políticas educacionais.
Abstract
The Law of Guidelines and Bases of National Education (LDBEN), enacted in 1961, represents a key regulatory framework for the Brazilian educational system, reflecting social, political, and pedagogical transformations. This study analyzes the development of Physical Education in the LDBEN from 1961 to 2024, with emphasis on the consequences and challenges related to the mandatory and optional status of the subject in the school curriculum. Based on documentary analysis, different versions of the LDBEN and related decrees were examined to identify changes in educational policies and their effects on the field. Initially, Physical Education was established as mandatory in primary and secondary education, aiming to promote students’ integral development. During the military regime, the subject assumed functions of social control and workforce preparation. The 1996 LDBEN and subsequent decrees reaffirmed its mandatory nature in basic education and recognized it as a formative right. However, the maintenance of legal provisions allowing its exemption in certain cases, inherited from the 1971 legislation, still raises questions about its adequacy in light of current demands. Although Physical Education is valued as a curricular component that integrates physical, cultural, social, and formative dimensions, barriers persist, such as knowledge fragmentation, precarious teaching conditions, and inadequate school infrastructure. It is concluded that legislative revisions are urgently needed to strengthen the role of Physical Education in the contemporary educational context, as it aims to ensure a broad, inclusive, and coherent education aligned with 21st-century principles.
Keywords
: Physical Education. Educational legislation. Educational policies.
Resumen
La Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional (LDBEN), promulgada en 1961, constituye un marco regulatorio esencial para el sistema educativo brasileño, reflejando transformaciones sociales, políticas y pedagógicas. Este estudio analiza el desarrollo de la Educación Física en la LDBEN de 1961 a 2024, con énfasis en consecuencias y desafíos relacionados con la inclusión obligatoria y opcional de la asignatura en el currículo escolar. Se examinaron diferentes versiones de la LDBEN y decretos relacionados para identificar cambios en las políticas educativas y sus efectos en el campo. Inicialmente, la Educación Física se estableció como obligatoria en la educación primaria y secundaria, con el objetivo de promover el desarrollo integral de los estudiantes. Durante el régimen militar, la asignatura asumió funciones de control social y preparación para el mercado laboral. La LDBEN de 1996 y los decretos posteriores reafirmaron su carácter obligatorio y la reconocieron como un derecho formativo. Sin embargo, el mantenimiento de disposiciones legales que permiten su exención en determinadas situaciones, heredadas de la legislación de 1971, aún plantea interrogantes sobre su pertinencia ante las demandas actuales. Si bien la Educación Física se valora como un componente curricular que combina dimensiones físicas, culturales, sociales y formativas, persisten obstáculos como la fragmentación del conocimiento, la precariedad docente y las deficiencias estructurales en escuelas. Se concluye que se necesitan urgentemente revisiones legislativas para fortalecer el papel de la Educación Física, ya que su objetivo es garantizar una formación amplia e inclusiva, coherente con los principios educativos del siglo XXI.
Palabras clave
: Educación Física. Legislación educativa. Políticas educativas.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 30, Núm. 328, Sep. (2025)
Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada inicialmente em 1961 por meio da Lei nº 4.024, constitui um marco regulatório fundamental para a consolidação do sistema educacional brasileiro. Desde então, a LDBEN passou por revisões e atualizações que acompanharam as transformações políticas, sociais, culturais e pedagógicas no país. Essas mudanças refletem ajustes legais e administrativos bem como disputas em torno dos projetos de sociedade e de educação em debate no Brasil (Saviani, 2008; Libâneo, 1994). A legislação educacional, nesse sentido, organiza o sistema de ensino e, expressa concepções de formação humana e do papel da escola na constituição dos sujeitos.
Desde sua primeira versão, a LDBEN tem sido objeto de análise por diversos pesquisadores interessados em compreender os impactos das reformas legais no cotidiano escolar, nas práticas pedagógicas e na valorização de diferentes componentes curriculares, como a Educação Física (Soares et al., 1992; Palma et al., 2008). Na versão de 1961, por exemplo, a Educação Física figura como prática obrigatória nos cursos primário e médio para estudantes até os 18 anos, conforme previsto no Artigo 22. Tal obrigatoriedade expressava, à época, uma vinculação da disciplina com os ideais de saúde, disciplina e civismo, alinhados a um modelo de formação voltado à constituição de corpos produtivos e obedientes.
Com o passar das décadas, e sobretudo com a promulgação da Lei nº 9.394/96 -a nova LDBEN-, a Educação Física passou a ser reconhecida como componente curricular integrante da proposta pedagógica da escola, reafirmando-se como direito dos alunos e não apenas como atividade acessória ou de recreação. A nova legislação abriu espaço para discussões sobre os objetivos educativos da área, ao valorizar suas dimensões culturais, corporais e formativas (Darido, e Rangel, 2005; Betti, 1991). Contudo, a possibilidade de facultatividade da prática para os estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) trouxe contradições importantes: ao mesmo tempo que reconhece a especificidade das trajetórias escolares desses sujeitos, também coloca em risco o direito de acesso pleno às manifestações da cultura corporal. (Beltrão, e Ferreira, 2013)
Embora a importância das práticas interdisciplinares seja amplamente discutida nos cursos de formação de professores (Fazenda, 1998; Pimenta, e Ghedin, 2022; Pimenta, e Anastasiou, 2002; Freire, 1996), ainda existem obstáculos significativos para a implementação efetiva nas escolas, especialmente quando se trata de articular componentes curriculares tradicionalmente marginalizados, como a Educação Física, com projetos pedagógicos integradores. A persistência de uma visão fragmentada do conhecimento, aliada à estrutura curricular disciplinarizada e à precarização das condições de trabalho docente, dificulta avanços mais consistentes nesse sentido.
Diante desse cenário, o objetivo deste trabalho analisar as disposições legais relativas à obrigatoriedade e facultatividade da Educação Física no currículo escolar brasileiro, a partir de uma análise documental da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e de decretos correlatos promulgados entre 1961 e 2024, a fim de identificar alterações normativas e suas implicações para o status curricular da disciplina. Pretende-se, assim, analisar as alterações legislativas sobre a obrigatoriedade e facultatividade da Educação Física no currículo escolar brasileiro, contribuindo para a compreensão de suas implicações normativas no contexto das políticas educacionais e para o entendimento do lugar que a disciplina ocupa nas diferentes versões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Metodologia
Este estudo adotou uma abordagem de análise documental, de natureza qualitativa, para investigar as disposições legais relativas à obrigatoriedade e facultatividade da Educação Física no currículo escolar brasileiro. A análise documental caracteriza-se como método de investigação que permite identificar, examinar e interpretar documentos oficiais e normativos, a fim de compreender seus conteúdos, contextos de produção e implicações. (Cellard, 2008; Bardin, 2011)
Foram selecionados como corpus os documentos legais considerados mais relevantes para a constituição do status curricular da Educação Física no Brasil, o que inclui:
Lei nº 4.024/1961
Decreto-Lei nº 58.130/1966
Lei nº 5.692/1971
Decreto nº 69.450/1971
Lei nº 9.394/1996
Os documentos foram analisados por meio de leitura crítica, sistemática e interpretativa, buscando identificar:
As disposições legais sobre a obrigatoriedade e facultatividade da disciplina;
As alterações normativas ocorridas no período de 1961 a 2024;
As implicações formais dessas mudanças para o status curricular da Educação Física.
A análise foi guiada pelos procedimentos de Cellard (2008), que orientam a descrição do contexto de produção dos documentos, a explicitação de seus objetivos e a análise de conteúdo, e fundamentada na perspectiva da análise documental enquanto recurso metodológico que transcende a mera descrição normativa, permitindo compreender as relações entre as mudanças legais e seus possíveis efeitos nas práticas educativas. (Romanowski, e Ens, 2006)
Resultados e discussão
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), estabelecida pela Lei nº 4.024/1961, delineou a estrutura educacional brasileira com ensino primário de quatro anos e ginásio de quatro anos. O Art. 22 destacou a obrigatoriedade da Educação Física para os cursos primário e médio até os 18 anos, ao apresentar a visão predominante para o desenvolvimento integral dos estudantes. (Mommad, 2020)
Antes do Golpe Cívico-Militar, a Educação Física passou por um processo de esportivização com o Método Desportivo Generalizado, o qual buscou integrar o esporte ao currículo escolar (Mommad, 2020). Essa ênfase na preparação física até os 18 anos estava alinhada à concepção educacional de formar cidadãos aptos para o mercado de trabalho e para uma participação ativa na sociedade. (Castellani Filho, 1998)
Durante o regime ditatorial estabelecido pelo Decreto-Lei nº 58.130/1966, a Educação Física foi regulamentada como obrigatória nos cursos primário e médio, conforme a LDBEN de 1961, que enfatizava seu papel educativo (Brasil, 1966). No entanto, nesse período, a disciplina assumiu uma função que ultrapassava os objetivos pedagógicos, tornando-se um instrumento de controle social e disciplinamento (Castellani Filho, 1998; Saviani, 1976). O regime militar, que se consolidou no Brasil a partir de 1964, utilizou a Educação Física como uma ferramenta para moldar corpos e mentes de acordo com os ideais de ordem, produtividade e obediência, alinhados aos interesses do Estado autoritário.
A Educação Física, durante o período do regime militar no Brasil, foi caracterizada por uma forte associação a valores como disciplina, hierarquia e civismo, o que expressava uma visão instrumental do corpo e do movimento humano. As atividades físicas eram frequentemente utilizadas para promover a conformidade e a submissão, com ênfase em exercícios de formação e competições esportivas que reforçavam a ideologia de competição e meritocracia. Essa abordagem, conforme destacam Nunes, e Miguel (2021), reduzia a Educação Física a um mecanismo de "adestramento", o que a afastava de seu potencial formativo e crítico.
O regime militar buscou vincular a Educação Física a projetos de desenvolvimento nacional, ao relacioná-la com a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho e com a formação de cidadãos considerados "úteis" ao projeto de modernização do país. Essa instrumentalização da disciplina refletia uma visão utilitarista da educação, na qual o corpo era visto como um recurso a ser explorado em prol de objetivos econômicos e políticos. Nesse sentido, a Lei nº 5.692/71 influenciou os currículos escolares, com destaque para a disciplina de Educação Física, que visava aumentar a eficiência produtiva no mundo do trabalho. Saviani (2008) aponta que a pedagogia tecnicista buscou planejar a educação por meio de um modelo de organização racional, dado que minimizou as interferências que pudessem comprometer sua eficiência.
Apesar desse cenário de controle e instrumentalização, a Educação Física também foi palco de resistências e disputas. Professores e estudantes, em diferentes contextos, buscaram ressignificar a prática ao argumentar em favor de uma abordagem mais crítica e humanizadora, que valorizasse a autonomia, a criatividade e a expressão corporal. Essas tentativas, embora muitas vezes limitadas pelo contexto repressivo, evidenciaram a complexidade do papel da Educação Física durante o regime ditatorial. Conforme ressaltam Saviani (2007) e Nunes, e Miguel (2021), a resistência docente desempenhou um papel protagonista na transição democrática, ao questionar a visão reducionista da disciplina e defender seu potencial transformador.
A análise desse período histórico revela como a Educação Física foi mobilizada para servir a interesses políticos e ideológicos, mas também como ela se tornou um campo de lutas em torno de diferentes concepções de corpo, movimento e educação. Essa dualidade entre controle e resistência permanece como um legado importante para a compreensão dos desafios enfrentados pela disciplina ao longo de sua história e na atualidade. No cenário da ditadura militar, a Educação Física foi utilizada como um instrumento ideológico e uma ferramenta para desorganizar e desestabilizar os movimentos estudantis, ao mesmo tempo em que se tornou um espaço de contestação e ressignificação por parte de educadores e alunos comprometidos com uma visão mais democrática e inclusiva da educação.
A promulgação da Lei nº 5.692/1971 reiterou a importância estratégica da Educação Física para o desempenho técnico e físico dos alunos, visto que influenciou tanto a formação militar quanto o ideal de saúde física e mental (Mommad, 2020). O Decreto-Lei nº 69.450/1971 ampliou a obrigatoriedade da disciplina em todos os níveis de ensino, com diretrizes específicas para sua implementação no primário e médio, priorizando atividades recreativas e esportivas. (Brasil, 1971)
Este decreto abordou em seus quatro incisos do artigo 6º as condições que permitiam aos alunos a participação em atividades físicas programadas, conforme a redação a seguir:
Decreto nº 69450, Artigo 6º - "Em qualquer nível de todos os sistemas de ensino, é facultativa a participação nas atividades físicas programadas: a) aos alunos do curso noturno que comprovarem, por meio de carteira profissional ou funcional devidamente assinada, estar empregados em jornada igual ou superior a seis horas; b) aos alunos maiores de 30 anos de idade; c) aos alunos que estiverem prestando serviço militar na tropa; d) aos alunos amparados pelo Decreto-lei 1044 de 21 de outubro de 1969, mediante laudo do médico assistente do estabelecimento". (Castellani Filho, 1997, p. 21)
Segundo Castellani Filho (1997), inicialmente dispensava-se a Educação Física para alunos do período noturno que trabalhavam, posteriormente estendida aos do período diurno. Essa ação refletia a responsabilidade atribuída ao mercado de trabalho, não à escola.
Seis anos depois, duas alíneas foram adicionadas, as quais eximiram alunos de pós-graduação da disciplina, ao reforçar a ideia de sua separação das atividades intelectuais. Mulheres com filhos também foram dispensadas, o que legitima a suposição de que a criação dos filhos era responsabilidade exclusiva das mulheres, enquanto aos homens cabia o sustento do lar.
De acordo com Silva, e Venâncio (2005), a Educação Física era vista como atividade extracurricular e não componente integral do currículo escolar. Durante grande parte das legislações mencionadas, concebia-se a Educação Física predominantemente como um campo voltado exclusivamente para o desenvolvimento físico e motor dos estudantes. Essa abordagem refletia uma visão dualista que separava o intelecto do corpo físico, como se fosse possível dissociar a mente das práticas corporais.
Neste contexto, a ênfase recaía majoritariamente na preparação física dos jovens para promover saúde física, disciplina e controle social, especialmente durante regimes autoritários. A Educação Física foi instrumentalizada para atender objetivos de formação técnica e física alinhados com as necessidades do Estado e da sociedade em diferentes momentos históricos no Brasil.
A promulgação da LDBEN de 1996 representou um marco para a Educação Física escolar ao integrá-la oficialmente como componente curricular da educação básica. A disciplina foi ajustada às diversas faixas etárias e condições dos alunos, sendo facultativa apenas nos cursos noturnos. (Brasil, 1996)
Decretos subsequentes, como o Decreto-Lei nº 10.328/2001 e o Decreto-Lei nº 10.793/2003, modificaram a LDB de 1996 para tornar a Educação Física obrigatória em todos os turnos da educação básica. Essas mudanças visaram garantir a presença da disciplina nos currículos escolares, adaptando-se às necessidades específicas de alunos que trabalham em tempo integral ou em outras situações justificáveis para a flexibilização da obrigatoriedade (Brasil, 2001; Brasil, 2003). O artigo 26, que aborda a Educação Física na LDB de 1996, está descrito como:
§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: (Redação dada pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) I - que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003); II - maior de trinta anos de idade; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003); III - que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003); IV - amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003); V - (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003); VI - que tenha prole. (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003). (Brasil, 2024)
Para além, no ano de 2006 houve a publicação do Decreto nº 5.793/2006 que representou uma tentativa de alinhar os dispositivos legais aos fundamentos pedagógicos contemporâneos, ao enfatizar a importância da Educação Física como promotora do desenvolvimento integral, da inclusão e da cidadania. Apesar disso, não houve revogação efetiva das disposições legais anteriores, o que gerou contradições entre os princípios formativos propostos e os critérios legais vigentes para dispensa da prática.
A legislação atual mantém a possibilidade de dispensa da prática da Educação Física conforme previsto no §3º do Artigo 26 da LDB de 1996, atualizado pela Lei nº 10.793/2003, o que inclui estudantes com jornada de trabalho igual ou superior a seis horas, maiores de trinta anos, em serviço militar, com deficiência ou com prole (Brasil, 2024). A manutenção desses critérios, originados ainda na década de 1970, evidencia certa resistência em revisar práticas legais à luz das demandas educacionais do século XXI.
É questionável como uma legislação de 1971 que condiciona a Educação Física à facultatividade em determinadas circunstâncias ainda subsiste até os dias atuais, após mais de cinco décadas. Este cenário levanta questionamentos sobre a pertinência da legislação vigente frente às necessidades educacionais contemporâneas. Atualmente, a Educação Física vai além da simples execução de atividades físicas, da mecanização de movimentos ou da repetição de técnicas.
A disciplina busca integrar de maneira abrangente a formação dos alunos, ao promover o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos estudantes. A análise documental evidencia que, apesar dos avanços legais e conceituais, persistem lacunas entre a intenção da lei e sua efetividade prática. Ao manter a facultatividade da Educação Física em condições que não dialogam com os pressupostos atuais de inclusão e formação integral, a legislação corre o risco de deslegitimar a própria área.
Portanto, torna-se urgente a necessidade de revisão e atualização desses dispositivos legais, de modo a fortalecer o compromisso da Educação Física com a formação plena dos sujeitos escolares.
Conclusões
A análise documental da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e dos decretos correlatos promulgados entre 1961 e 2024 permitiu identificar as principais alterações legislativas referentes à obrigatoriedade e facultatividade da Educação Física no currículo escolar brasileiro. Verificou-se que, desde sua inclusão como prática obrigatória na LDBEN de 1961, a disciplina passou por transformações significativas em seu status legal, especialmente durante o regime militar, quando foi instrumentalizada para fins de controle social e preparação para o trabalho, até sua consolidação como componente curricular obrigatório na LDBEN de 1996, embora ainda com possibilidades de dispensa em determinados casos.
Esse percurso histórico evidencia que, apesar dos avanços na legislação, persistem contradições entre os dispositivos legais vigentes e os pressupostos atuais de formação integral e inclusiva, uma vez que a manutenção de critérios de dispensa originados na década de 1970 demonstra resistência em revisar práticas legais à luz das demandas educacionais contemporâneas.
Dessa forma, considera-se que o objetivo deste estudo foi alcançado, pois, por meio da análise documental enquanto método qualitativo, foi possível analisar as disposições legais relativas à obrigatoriedade e facultatividade da Educação Física, ao compreender suas implicações normativas no contexto das políticas educacionais brasileiras.
Conclui-se, portanto, que este estudo contribui para elucidar os caminhos legais percorridos pela Educação Física escolar, ao evidenciar a importância de revisões legislativas que fortaleçam seu papel como componente curricular comprometido com o desenvolvimento pleno dos estudantes e com a construção de uma educação verdadeiramente inclusiva, democrática e coerente com os princípios do século XXI.
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 30, Núm. 328, Sep. (2025)