ISSN 1514-3465
Garantia da aprendizagem e qualidade da educação: a realidade recente do Brasil
Guarantee of Learning and Quality of Education: The Recent Reality of Brazil
Garantía de aprendizaje y calidad de la educación: la realidad reciente en Brasil
Edimar Francisco Nunes
*edimar_ef@hotmail.com
Danielle Miranda Gasperin
**daniellegasparini77@gmail.com
*Graduado de Licenciado Pleno em Educação Física
pela Universidade Federal do Espírito Santo
Especializado em Nutrição Humana e Saúde
pela Universidade Federal de Lavras
Especialista e Mestre em Docência Universitária
pela Universidade Tecnológica Nacional de Buenos Aires
Doutorando em Educação pela Universidade Estácio de Sá RJ
Atualmente trabalha como Coordenador Pedagógico em Escola Estadual do ES
**Graduado em Pedagogia pela Faculdade Pitágoras de Linhares
Pós Graduada em Educação Infantil /Anos Iniciais do Ensino Fundamental
pela Faculdade Pitágoras de Linhares
Pós Graduada em Educação Especial e Inclusiva pela Unives
Pós Graduada em Neuropsicopedagogia
pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera
Cursou a Pós Graduação Latu Sensu/Especialização
em Educação Especial e Inclusiva no Instituto Federal do ES
Atualmente é Mestranda em Educação pela Universidade Estácio de Sá RJ
(Brasil)
Recepción: 31/05/2024 - Aceptación: 12/04/2025
1ª Revisión: 06/04/2025 - 2ª Revisión: 09/04/2025
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
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Cita sugerida
: Nunes, E.F., e Gasperin, D.M. (2025). Garantia da aprendizagem e qualidade da educação: a realidade recente do Brasil. Lecturas: Educación Física y Deportes, 30(325), 190-201. https://doi.org/10.46642/efd.v30i325.7697
Resumo
O artigo tem como temática a realidade atual do Brasil, no que diz respeito à garantia da aprendizagem e qualidade da educação como meta do Plano Nacional de Educação (PNE) a ser alcançada (meta 7). Delimita-se uma situação problema: Nos últimos anos o que se tem discutido na comunidade acadêmica brasileira sobre uma realidade tão desafiadora? O que existe de publicações sobre garantir aprendizagem de qualidade como meta do PNE a ser alcançada? O presente artigo tem como objetivo analisar as discussões acadêmicas recentes sobre a garantia de aprendizagem e qualidade da educação, conceitos expressos pela meta 7 do PNE, tendo como pano de fundo a realidade atual do Brasil. Do ponto de vista metodológico, além das literaturas usadas na disciplina, foi executada uma busca no portal de periódicos da CAPES de artigos publicados no Brasil que tratam da temática do artigo, usando como recorte temporal o ano de 2020, bem como os seguintes descritores: Garantia da Aprendizagem, Qualidade da Educação e Plano Nacional de Educação. Em virtude do que foi mencionado no presente artigo, é importante considerar a necessidade de avançar nos debates, nas produções e na cobrança de uma postura mais incisiva do poder público, acerca de garantir a educação de qualidade e o aprendizado como direito fundamental e como metas para toda uma nação, principalmente aos que mais necessitam em busca de diminuir desigualdades sociais e educacionais.
Unitermos:
Garantia da aprendizagem. Qualidade da educação. Plano Nacional de Educação. Brasil.
Abstract
The article has as its theme the current reality in Brazil, with regard to the guarantee of learning and quality of education as a goal of the National Education Plan (NEP) to be achieved (goal 7). A problem situation is outlined: In recent years, what has the academic community discussed about such a challenging reality in Brazil? What about publications on ensuring quality learning as a NEP goal to be achieved? This article aims to analyze recent academic discussions on the guarantee of learning and quality of education, concepts expressed by goal 7 of the NEP, against the background of the current reality in Brazil. From a methodological point of view, in addition to the literature used in the discipline, a search was performed on the CAPES journal portal for articles published in Brazil that deal with the subject of the article, using the year 2020 as a time frame, as well as the following descriptors: Learning Guarantee, Education Quality and National Education Plan. Due to what was mentioned in this article, it is important to consider the need to advance in debates, productions and the demand for a more incisive posture by the public authorities, about guaranteeing quality education and learning as a fundamental right and as goals for an entire nation, especially those who need it most in order to reduce social and educational inequalities.
Keywords:
Learning guarantee. Quality of education. National Education Plan. Brazil.
Resumen
El artículo se centra en la realidad actual en Brasil, con respecto a garantizar el aprendizaje y la calidad de la educación como meta del Plan Nacional de Educación (PNE) a alcanzar (meta 7). Se define una situación problema: En los últimos años, ¿qué se ha discutido en la comunidad académica brasileña sobre una realidad tan desafiante? ¿Qué publicaciones existen sobre garantizar el aprendizaje de calidad como meta del PNE a alcanzar? Este artículo tiene como objetivo analizar las discusiones académicas recientes sobre garantizar el aprendizaje y la calidad de la educación, conceptos expresados por la meta 7 del PNE, en el contexto de la realidad actual en Brasil. Desde un punto de vista metodológico, además de la literatura utilizada en la disciplina, se realizó una búsqueda en el portal de revistas CAPES de artículos publicados en Brasil que aborden la temática del artículo, utilizando el año 2020 como marco temporal, así como los siguientes descriptores: Garantía de Aprendizaje, Calidad de la Educación y Plan Nacional de Educación. En vista de lo mencionado en este artículo, es importante considerar la necesidad de avanzar en los debates y la producción, y de exigir una postura más firme del gobierno respecto a garantizar la educación y el aprendizaje de calidad como un derecho fundamental y como una meta para toda la nación, especialmente para los más necesitados, con el fin de reducir las desigualdades sociales y educativas.
Palabras clave:
Garantía del aprendizaje. Calidad de la educación. Plan Nacional de Educación. Brasil.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 30, Núm. 325, Jun. (2025)
Introdução
O estado, em sua condição histórica, continua a ocupar o centro dos debates políticos, divide opiniões e ocupa lugar de destaque em projetos concorrentes de sociedade. Assim sendo violência policial, corrupção, garantia e violação de direitos individuais [dentre eles a educação], promoção de oportunidades universais e garantia de bem-estar social são apenas alguns temas que lhe são diariamente associados. (Bourdieu, 2014)
Lima et al. (2023, p. 353) aborda que: “No Brasil, a educação foi fundamental para o desenvolvimento socioeconômico na primeira década desse milênio, com o aumento do atendimento escolarizável em todas as etapas de ensino, em especial, no Ensino Fundamental”.
No entanto, o Brasil enfrenta desafios históricos para oferecer uma educação gratuita que seja para todos, capaz de promover a permanência dos alunos na escola durante toda a escolarização básica e, que seja de qualidade, ou seja, com a garantia da aprendizagem.
Além disso eventos como uma pandemia viral, e a falta de articulação do governo federal sobre como a educação nacional poderia e deveria responder às novas demandas impostas por ela, as diminuições severas no investimento em educação, destacando a aprovação no Congresso Nacional do que ficou conhecida como a PEC do Teto de Gastos (PEC do Fim do Mundo) que congelaria os investimentos em educação durante 20 anos, bem como mudanças/reformas que não levaram em consideração metas propostas por um Plano Nacional de Educação (PNE) em curso (2014-2024), dentre elas a Nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e principalmente a Reforma do Ensino Médio, ampliaram as desigualdades educacionais e sociais deixando o país ainda mais longe de alcançar as metas vislumbradas.
Em março de 2020 as escolas de todo o Brasil fecharam as portas como tentativa de conter o avanço de uma pandemia ainda pouco conhecida naquele momento, anos depois pouco se discute na esfera governamental sobre os efeitos desse apagão na educação de crianças e jovens, um certo ar de normalidade e tranquilidade incomoda quem dia após dia trabalha com educação em nosso país.
Sem imaginar sequer que uma tragédia de saúde pública estava prestes a acontecer, o país passava por outros tipos de problemas, como discutem Ponce, e Araújo (2019): Na tentativa de atender a interesses econômicos de um sistema financeiro internacional, ocorreram cortes drásticos em investimentos públicos no Brasil a partir do golpe de estado de 2016, além disso, a chamada PEC do Teto de Gastos ou PEC do Fim do Mundo aprovada pelo Congresso Nacional, ao congelar gastos públicos por 20 anos, causou impactos negativos na educação escolar que seguia um caminho de democratização, tornando assim inviável o cumprimento de metas do PNE que estavam diretamente vinculadas à utilização recursos financeiros.
Cabe ressaltar que a Lei Nº 13.005 de 2014 (Brasil, 2014) que aprova o PNE e dá outras providências, traz na meta 7 o seguinte texto: “Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB”. (Brasil, 2014, P. 10)
No campo das políticas públicas em educação, também ocorriam disputas e posicionamentos marcantes, como explicita Giovedi, e Silva (2021) ao tratar de mudanças/reformas na Educação Brasileira, em especial da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017), tudo se agrava ainda mais quando uma concepção homogeneizadora de currículo ganha caráter de lei, pois legitima-se a perseguição de posicionamentos que partem de outros pressupostos e/ou paradigmas que assumem prioridades diferentes daquelas politicamente escolhidas por seus formuladores.
Com base no exposto, a temática do artigo é a realidade atual do Brasil no que diz respeito à garantia da aprendizagem e qualidade da educação como meta (número 7) do PNE (Brasil, 2014). Para tanto, uma situação problema é delineada: Nos últimos anos o que se tem discutido na comunidade acadêmica brasileira sobre uma realidade tão desafiadora? O que existe de publicações sobre garantir aprendizagem de qualidade como meta do PNE a ser alcançada? O presente artigo tem como objetivo analisar as discussões acadêmicas recentes sobre a garantia de aprendizagem e qualidade da educação, conceitos expressos pela meta 7 do PNE (Brasil, 2014), tendo como pano de fundo a realidade atual do Brasil.
Sobre essa perspectiva, cabe ressaltar o que foi abordado por Moreira, e Gonzalez (2014): O campo de estudo das políticas públicas é relativamente recente e originário de democracias consolidadas, por esse motivo diversas são as dificuldades analíticas encontradas pelos pesquisadores em diversas áreas, dentre elas a educação.
Métodos
Do ponto de vista metodológico, o presente artigo utilizou o método científico teórico, se tratando de uma pesquisa descritiva qualitativa.
Foi executada uma busca no portal de periódicos da CAPES, de produções acadêmicas publicadas no Brasil que tratam da temática do artigo, usando como recorte temporal o ano de 2020, parâmetros como terem sido revisados por pares e escritos no idioma Português, bem como os seguintes descritores: Garantia da Aprendizagem, Qualidade da Educação e Plano Nacional de Educação.
Alguns fatores foram levados em consideração para a exclusão de alguns artigos, ou seja, artigos que estavam repetidos ou que o assunto não tinha relação direta com os descritores não foram utilizados, como exemplo é possível destacar o descritor Plano Nacional de Educação, para a pesquisa, o importante era a busca pelo plano estabelecido para o decênio 2014-2024, entretanto, na busca, vários artigos tratavam do plano implementado no decênio 2001-2021, estes não foram aproveitados.
Vale ressaltar que presente o artigo não busca uma revisão sistemática de literatura, o levantamento bibliográfico; busca identificar o que a comunidade acadêmica tem discutido e publicado acerca do tema recentemente.
Resultados
Para isso, na última semana do mês de maio de 2024, foi realizada uma busca no Portal de Periódicos da CAPES, por publicações recentes sobre a temática apresentada. As palavras-chaves/descritores utilizados foram: 1) Garantia da Aprendizagem, 2) Qualidade da Educação, 3) Plano Nacional de Educação. Para todos os descritores citados foram utilizados como filtro as seguintes condições: 1) Recorte temporal entre 2020-2024, 2) Português como idioma, 3) Ser periódico revisado por pares.
No caso do descritor Garantia da Aprendizagem, foi possível encontrar 42 (quarenta e dois) artigos, a partir de uma leitura mais minuciosa tanto dos títulos, quanto dos resumos e em alguns casos da introdução, descartou-se vários que estavam repetidos, sem relação com a temática ou que abordavam a garantia de aprendizagem em uma situação muito específica, como por exemplo aprendizagem em cursos de idiomas estrangeiros, restando, ao fim do processo de refinamento, 8 (oito) artigos.
Quando o descritor utilizado foi Qualidade da Educação encontrou-se 60 (sessenta) artigos, ao realizar uma análise de título, resumo e introdução dos referidos artigos, foi possível descartar obras repetidas, que não tinham relação com o tema, ou mesmo que não tratavam da qualidade da educação básica e sim de outros contextos como por exemplo qualidade na formação de pós-graduação de profissionais da saúde, restando assim 8 (oito) artigos apenas.
Para o descritor Plano Nacional de Educação, foi possível identificar inicialmente 17 (dezessete) artigos, a quantidade de artigos descartados foi menor se comparado com os outros descritores, restando 9 (nove) artigos, os demais artigos não foram considerados também por estarem repetidos ou por tratar de Plano Nacional de Educação que se relaciona com outro momento histórico do país, como o PNE 2001-2010.
Outro ponto importante a ser discutido diz respeito aos artigos que restaram. Sobre Plano Nacional de Educação (PNE), dos 9 (nove) artigos, 2 (dois) se referem a meta 4 (quatro) que trata da educação inclusiva para alunos com deficiência e/ou altas habilidades/superdotação, 4 (quatro) estão ligados a meta 16 (dezesseis) que versa sobre a formação continuada de professores em nível de graduação e pós-graduação, 1 (um) tem relação com a meta 6 (seis) que discorre sobre a educação em tempo integral, mais 1 (um) não aborda meta específica e sim as perspectivas de lazer para os trabalhadores da educação e, apenas 1 (um) artigo está mais diretamente ligado às metas 7 (sete) e 8 (oito) do PNE ao discutir as ações e os impactos do Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa em um município da região nordeste do Rio Grande do Sul, ainda que tendo como pano de fundo os processos formativos e a formação continuada.
Com o descritor Qualidade da Educação, as 8 (oito) pesquisas que permaneceram, trataram de aspectos relevantes e importantes, discutiu-se desde a quantificação da qualidade, desigualdades educacionais a partir do novo ensino médio, impactos da pandemia, relação público/privado e cultura de paz. Já acerca do descritor Garantia da Aprendizagem, os 8 (oito) artigos selecionados abordaram temas essenciais sobre o referido descritor, pelo menos 4 (quatro) artigos trataram de problemáticas relacionadas à pandemia e ao ensino remoto, 3 (três) foram direcionados a discussão sobre currículo e BNCC, e 1 (um) artigo explanou sobre a permanência dos alunos na escola como condição necessária para a garantia da aprendizagem.
É importante relacionar a discreta produção, tomando como base os descritores usados no levantamento bibliográfico, com a necessidade de se estabelecer um inconformismo acerca da realidade atual, trazendo à luz indagações levantadas por Lopes, e Macedo (2011, p. 31): “Quais as consequências da legitimação desses aspectos para o conjunto da sociedade? Ou, posto de outra forma, quais as relações entre o conhecimento oficial e interesses dominantes da sociedade?”. Sacristán (2013, p. 24) pondera ao enfatizar que se trabalha por algo que é valorizado, pois acredita-se que, com a educação é possível melhorar os seres humanos, aumentar o bem-estar e atenuar deficiências sociais, além do mais, pode ser instrumento para uma revolução silenciosa da sociedade com base em um projeto iluminista e emancipador, tal sentido transformador cria uma dinâmica conflituosa, na medida em que se choca com os moldes dominantes da escolaridade.
Com base no exposto, têm-se primeiro uma tríade que contempla a emergência de saúde pública mundial provocada pela pandemia, a redução nos investimentos em educação no Brasil e mudanças/reformas com nova base curricular e novo ensino médio. Além disso, outra tríade que abarca a necessidade de garantia das aprendizagens, de uma busca por melhorias na qualidade da educação e no atingimento de metas de um plano nacional de educação vigente também se faz presente. Como essas nuances estão sendo discutidas tanto no campo acadêmico quanto nas esferas governamentais e, como a nação tem-se movimentado para a superação de desafios recentes que em suma majoraram problemas históricos, tais reflexões representam o que o presente artigo busca promover.
Discussões
Em meio a mudanças recentes no poder executivo federal, sugerindo ajustes tanto nas reformas quanto no aporte de investimentos na educação nacional, e com o anúncio do fim da emergência de saúde pública para a COVID-19 decretado pela OMS em 05 de maio de 2023, expectativas naturalmente são criadas acerca de uma guinada da educação brasileira para um novo momento de democratização e diminuição das desigualdades escolares e sociais, no entanto, apenas esse cenário não basta, se faz necessário discussões e produções acadêmicas críticas sobre o momento pelo qual a educação passou e ainda está passando, via de regra o que se percebe sobretudo nas esferas governamentais, ao contrário do que possa ser esperado, são discussões superficiais sobre temas importantes e debates acirrados sobre assuntos que pouco importam para a superação de problemas educacionais que surgiram ou se intensificaram nos últimos dez anos.
Essa espécie de silêncio e/ou inércia não pode contaminar o universo acadêmico com um certo conformismo, uma falta de vontade em discutir assuntos e, um falso ambiente de que não se tem passado por problemas ou que em grande parte os desafios já foram superados, não se pode esquecer do apagão pelo qual passou a educação brasileira, promovendo o comprometimento de uma geração de estudantes, é preciso se posicionar e focar o debate na garantia e recomposição de aprendizagens, na qualidade da educação, no cumprimento de metas e principalmente na diminuição das desigualdades. Para ratificar o que foi argumentado, é importante citar Ravallec, e Castro (2022, p. 5):
Se não é possível afirmar que a pandemia é responsável pelo traçado da linha Abissal, marca de nossa sociedade, sem dúvidas ela escancara, sem pudor, a desigualdade social e seus efeitos na relação com o conhecimento, podendo aprofundar o fosso entre os que podem e os que não podem ter acesso à escolarização.
É válido o registro de que, enquanto um cenário adverso se desenvolvia, sobretudo a partir de 2016, a maior parte do campo acadêmico-científico e educacional (principalmente na educação pública) pensou em caminhos contra hegemônicos, como cita Ponce e Araújo (2019, p. 1049):
Historicamente, as resistências a governos e propostas discriminatórias e autoritárias não caíram dos céus após tempos difíceis, mas foram forjadas no interior da opressão em momentos que aparentemente não seriam permitidas vivências democratizantes e de busca de justiça.
Cabe então no advento desse tempo de superações ampliar as discussões e pesquisas com o viés crítico, pois como defendem também Ponce, e Araújo (2019, p. 1049):
Não se apagam experiências democráticas por completo da história, elas sobrevivem nas redes públicas de ensino, em grupos, nas memórias dos profissionais que as viveram. Quando acionadas, voltam a pulsar.
Sobre a compreensão dos pressupostos relacionados à qualidade da educação, o processo eleitoral de 2018 foi capaz de levar para a sociedade brasileira um maior obscurantismo, na medida em que, a disputa política foi marcada pela determinação de abundantes expectativas e manifestações públicas sobre a educação nacional, que de maneira até certo ponto inocente, a responsabilizava pelo fracasso na solução de problemas sociais estruturais e, baixo resultado educacional se comparado aos padrões internacionais de qualidade. (Chizzotti, 2020)
Se faz importante, ao tratar da garantia e/ou recomposição de aprendizagens, principalmente no momento atual, delimitar que o conhecimento guarda relação, tanto com o direito do sujeito como com as suas relações com o poder, como explicitam Giovedi, e Silva (2021, p. 303): “O conhecimento, no sentido amplo do termo, é a palavra que melhor expressa a razão de ser da instituição escolar. Não há escola que...não esteja assumindo: qual conhecimento a escola vai valorizar?”.
Ainda em relação ao parágrafo anterior, outro aspecto importante do momento recente trata do processo de mercantilização que ocorre, no âmbito educacional, com o privado definindo o conteúdo da educação, nota-se o poder público assumindo a lógica gerencial bem característica do setor privado, além de se eximir de decidir o conteúdo da educação, repassando essa demanda para as instituições privadas. A propriedade continua pública, mas o direcionamento do conteúdo das políticas educacionais é repassado ao privado, então, se são instituições de propriedade pública, mas com processo decisório ausente, onde tudo é definido previamente e monitorado por uma instituição privada, cabendo aos professores tão somente executar as tarefas, entende-se também como um processo de privatização da educação. (Peroni, Caetano, e Arelaro, 2019)
O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) foi aprovado pela Lei Nº 13.005 em 25 de junho de 2014, publicado na edição extra do Diário Oficial em 26 de junho de 2014, data em que entrou em vigor. Das suas 20 (vinte) metas, 2 (duas) estão diretamente ligadas à garantia da aprendizagem, qualidade da educação básica e diminuição das desigualdades educacionais. A meta 7 (sete) que foca no fomento da qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com vistas a melhoria do fluxo escolar, ou seja, das taxas de aprovação, com redução da reprovação, evasão escolar, bem como da distorção idade/série e, da aprendizagem, sobretudo proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, de modo a atingir médias nacionais pré-determinadas no Índice Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A meta 8 (oito) além de destacar o aumento da escolaridade média de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, se preocupa com a escolarização das populações do campo, com as pessoas das regiões de menor escolaridade, com os 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres e em igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (Brasil, 2014)
Sobre o plano supracitado, Dourado (2014) explicita que um dos objetivos da efetivação da II Conferência Nacional de Educação (CONAE), no ano de 2014, foi de avaliar tanto a tramitação quanto a implementação do PNE dentro de um contexto mais amplo de Sistema Nacional de Educação (SNE). O esforço na construção de um SNE está ligado ao desafio de avaliar e propor um novo PNE como a expressão de uma política de Estado para a área, incluindo o envolvimento e a participação da sociedade na formulação e implementação de políticas e programas, consolidando processos amplos de participação. Portanto, é importante frisar que o PNE 2014-2024 foi fruto de intensa discussão e debates.
Não obstante, Dourado (2020) aborda que o PNE 2014-2024 deveria ter se constituído como efetiva política de Estado para a educação, sendo o epicentro das políticas educativas, pois expressou, desde sua aprovação e promulgação, um planejamento em educação pautado pelo pacto federativo e democrático. Se referindo em especial ao momento pandêmico, destaca que é em circunstâncias graves desse tipo, que se percebe a necessidade de um sólido Sistema Nacional de Educação (SNE) capaz de unificar e coordenar iniciativas, e da retomada de leituras sobre o conteúdo do PNE 2014-2024 pois se proliferam propostas de reformas educacionais regressivas em um momento histórico de retrocesso político no país. Infelizmente não foi isso que ocorreu.
É importante ressaltar que mesmo com metas bem definidas sobre melhoria da qualidade da educação com foco em tentar garantir aprendizagens e diminuir desigualdades educacionais, o que se viu em um cenário recente no Brasil, principalmente no ensino médio, foi o estabelecimento de políticas públicas (mudanças/reformas) que seguiram a contramão das metas, com vistas à ampliação das desigualdades ou, na melhor das hipóteses não alterar em nada o status quo.
Utiliza-se o que foi discutido por Furtado, e Silva (2020), sob justificativas como baixo desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática no IDEB, o fato de um pequeno número de alunos no Brasil que concluem o ensino médio e ingressam no ensino superior (17%), bem como a necessidade de flexibilizar o currículo tomando por base modelos de países com melhor desempenho na avaliação PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, organizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico a OCDE, e avalia três domínios: leitura, matemática e ciências], é estabelecida uma reforma do ensino médio a toque de caixa, fadada ao equívoco, haja vista que, o fracasso ou o sucesso escolar está relacionado a questões referentes à origem social e cultural dos estudantes, sendo necessário não perder de vista as bases sociais do desempenho escolar.
Dessa forma, os argumentos que levaram a Reforma do Ensino Médio não se pautaram por essas premissas, partindo da concepção de que é possível padronizar e controlar o processo de ensino-aprendizagem sem levar em conta contextos sociais/culturais, com isso, esse novo ensino médio além ter como tendência a não modificação do cenário atual de baixo rendimento, ampliará ainda mais as desigualdades sociais e escolares.
Para tanto, as metas estão em vigor até 2024, haja vista que não houve revogação da lei, ocorreu, ainda que de maneira muito recente, mudanças na gestão federal e em consequência disso espera-se que ocorram também mudanças nas políticas públicas voltadas para a educação, seja na esfera dos investimentos, seja no campo das mudanças/reformas. Se faz importante desvelar o que a comunidade acadêmica/científica tem produzido recentemente acerca da temática, e que impactos essa produção pode provocar no entendimento da sociedade civil e dos poderes constituídos.
Conclusões
Em virtude do que foi mencionado no presente artigo, é importante considerar que, várias iniciativas partem das redes municipais e estaduais de educação com o intuito de desenvolver a garantia de aprendizagens, a qualidade da educação e tentar se aproximar das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, além disso, as mudanças atuais no governo federal sinalizam para a tentativa de cumprimento e estabelecimento de novas metas, mesmo com os desafios históricos e recentes pelos quais a educação brasileira tem vivenciado. Com relação às produções científicas nota-se a presença de atores e locais no Brasil com franca discussão e produção sobre a temática.
No entanto, é preciso avançar nos debates, nas produções e na cobrança de uma postura mais incisiva do poder público acerca de garantir a educação de qualidade e o aprendizado como direito fundamental e como metas para toda uma nação, principalmente aos que mais necessitam em busca de diminuir desigualdades sociais e educacionais. Não existe tempo para hesitar, e acreditar que os acontecimentos dos últimos anos não causaram danos profundos na educação nacional, na vida dos alunos e na sociedade como um todo.
Referências
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