Judô: princípios para uma educação integral à luz dos 

fundamentos histórico-filosóficos da cultura japonesa

Judo: Principles for an Integral Education in Light of the 

Historical-Philosophical Foundations of Japanese Culture

Judo: principios para una educación integral a la luz de los 

fundamentos histórico-filosóficos de la cultura japonesa

 

José Edson Rodrigues Ferreira

docentefal@hotmail.com

 

Graduação Licenciatura Plena em Educação Física

Universidade Federal de Alagoas - UFAL Pós graduação

Educação Física Escolar - Universidade Gama Filho

Pós graduação em Desporto Escolar - Universidade Nacional de Brasília

Pós graduação em Fundamentos Sócio-culturais

da Educação Física, Esporte e Lazer - Universidade Gama Filho

Mestrado em Pedagogia do Esporte

Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción

Docente da disciplina Teoria e prática dos esportes de luta, no Curso

de Educação Física da Faculdade Estácio de Alagoas

Faixa Preta 6º Dan de Judô

(Brasil)

 

Recepção: 06/06/2018 - Aceitação: 11/01/2020

1ª Revisão: 09/12/2019 - 2ª Revisão: 10/01/2020

 

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Resumo

    Este artigo fundamentado em pesquisa e relatos publicados em trabalhos bibliográficos dá uma amostragem sobre a importância dos estudos históricos e filosóficos do judô, enquanto prática esportiva, servindo como fundamento na aquisição dos conhecimentos prático e teórico. Elaborado na perspectiva de contribuir, também, como instrumento motivador para os estudos da prevalência na integração Oriente e Ocidente de uma forma harmônica nas ações pedagógicas para o ensino do Judô. Assim, este artigo tem como objetivo geral difundir com os professores de judô a importância de aprofundarmos nossas pesquisas para inteirarmos sobre a relevância dos dados históricos, filosóficos e pedagógicos da criação do judô. Natureza da pesquisa: uma pesquisa teórica, do tipo bibliográfica, com abordagem qualitativa. Delimitação do estudo: leitura de 35 obras, sendo 28 livros,5 artigos e 2dissertações de mestrado, as quais referentes à educação, filosofia e judô. Método:buscou realizar um diálogo entre as exposições de ideias dos autores em suas obras aqui pesquisadas. Resultados: há a prevalência de ensinamentos voltados à formação dos indivíduos fundamentados nos valores (morais, sociais e espirituais) e que as práticas corporais, aqui representadas pelos esportes, devem ser caracterizadas por uma educação integral (dimensão física, moral e intelectual). Conclusão: existe uma necessidade de nós professores de Judô aprofundarmos sobre as questões históricas da criação do Judô para não cairmos no erro de impor mudanças na nossa cultura com práticas advindas de outras culturas étnicas, mas sim, agregarmos valores e harmonizarmos as sabedorias de diferentes povos.

    Unitermos: Educação. Filosofia. Cultura. Judô.

 

Abstract

    This article based on research and reports published in bibliographic works gives a sampling about the importance of historical and philosophical studies of Judo, as sports practice, serving as a basis in the acquisition of practical and theoretical knowledge. Elaborated from the perspective of contributing, also, as a motivating tool for the studies of prevalence in East and West integration in a harmonic way in pedagogical actions for judo teaching. Thus, this article has as its general objective spread with Judo teachers the importance of deepening our research to find about the relevance of historical, philosophical and educational data of creation of judo. Nature of research: a theoretical research, bibliographic type, with qualitative approach. Delimitation of the study: we read 35 works, 28 books, 5 articles and 2 master’s thesis, which refer to the education, philosophy, and judo. Method: sought to hold a dialogue between the exhibitions of authors' ideas in their works researched here. Results: the prevalence of teachings aimed at the training of individuals based on values (moral, spiritual and social) and bodily practices, here represented by sports, must be characterized by an integral education (physical, moral and intellectual dimension). Conclusion: there is a need to go deeper on the historical issues of creation of judo so we do not fall into the mistake of imposing changes in our culture with practices coming from other ethnic cultures, but yes, you add values and harmonize the wisdom of different peoples.

    Keywords: Education. Philosophy. Culture. Judo.

 

Resumen

    Este artículo basado en investigaciones e informes publicados en obras bibliográficas brinda una muestra sobre la importancia de los estudios históricos y filosóficos del judo, como práctica deportiva, sirviendo como base en la adquisición de conocimientos prácticos y teóricos. Elaborado desde la perspectiva de contribuir, también, como una herramienta motivadora para los estudios que promuevan la integración de Oriente y Occidente de manera armónica en acciones pedagógicas para la enseñanza del judo. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo general difundir entre los profesores de judo la importancia de profundizar en nuestra investigación sobre la relevancia de los datos históricos, filosóficos y educativos de la creación del judo. Tipo de la investigación: una investigación teórica, tipo bibliográfica, con enfoque cualitativo. Delimitación del estudio: lectura de 35 obras, 28 libros, 5 artículos y 2 tesis de maestría, que se refieren a filosofía, educación y judo. Método: se intentó mantener un diálogo entre las exposiciones de las ideas de los autores en sus trabajos investigados aquí. Resultados: la prevalencia de las enseñanzas dirigidas a la formación de personas basada en valores (morales, espirituales y sociales) y las prácticas corporales, aquí representadas por deportes, deben caracterizarse como un educación integral (dimensión física, moral e intelectual). Conclusión: hay que profundizar en los temas históricos de la creación del judo para que no caigamos en el error de imponer cambios en nuestra cultura con prácticas provenientes de otras culturas étnicas, pero sí, agregar valores y armonizar la sabiduría de pueblos diferentes.

    Palabras clave: Educación. Filosofía. Cultura. Judo.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 261, Feb. (2020)


 

“Ya que estás en este mundo, tienes que vivir de la forma más valiosa posible.”

Jigoro Kano (2016, p. 19)

 

Introdução

 

    As últimas duas décadas do século XX e as duas primeiras décadas do século XXI têm sinalizado uma efervescente onda de crescimento de ações típicas do mundo capitalista, no qual, na maioria das vezes, as pessoas buscam levar vantagens sobre as demais fazendo prevalecer o individualismo. Onde a arrogância e ganância sobressaem perante a justiça e a honestidade, pois, ser ético deixa de ser uma norma padrão para uma forma de vida pouco utilizada (Sugai, 2000). Assim, o que vemos é o “devo levar vantagem”, “ele que se vire e faça o dele”, “primeiro eu, os outros que se virem” _ o individualismo soterrando o fazer coletivo.

 

    Nas práticas esportivas o fair play perde lugar para a força do “profissionalismo exacerbado” onde os “incentivos financeiros/materiais” têm destaques perante os atletas competidores (Landry et al., 1994 citado por Valente, 1997 p. 27). O pódio é para os “melhores” quando apoiados pelas grandes marcas. A prática esportiva competitiva, parece, deixar de ser uma festa de congraçamento, encontro entre comunidades/povos (Guttmann, 1984 citado por Valente, 1994, p. 27) para ser o espetáculo exibicionista do individualismo, da exaltação de si mesmo. (Carvalho, 1988)

 

    A volta dos Jogos Olímpicos estruturados pelo Barão Pierre de Coubertin teve como foco o encontro e a união de representantes das civilizações continentais nos estádios e praças esportivas [in “Olympism and Sport for All” (Müller, 1988 citado por Valente, 1994 pp. 61-62)], mas com o decorrer dos tempos as coisas vêm se transformando e tomando outros rumos. Os estádios parecem estar se tornando Coliseus, as praças esportivas virando Arenas.

 

    O Movimento Olímpico fez com que as práticas esportivas se tornassem ferramentas para auxiliar na formação dos jovens educandos nas instituições de ensino na Europa no final do Século XIX e início do Século XX. Práticas esportivas começaram a florescer e surgir em vários países, dentre elas recebe destaque o futebol, a natação, o baseball, as ginásticas, etc.

 

    Mas, para Valente (1997),

    O humanismo calcado no idealismo positivista que Pierre de Coubertin apregoava pelos quatro cantos do mundo, enquanto proposta do Movimento Olímpico e em torno da valorização do homem, através do esporte foi sendo mesclado por outros “jogos de valores” e significados do mundo capital sombreando uma realidade até então sonhada por aquele aristocrata. (p. 27).

    E, para Dunning (2003),

    Acredita-se que durante os últimos 200 anos, nas sociedades industriais, o esporte tenha influenciado cada vez mais na forja da identidade dos homens, com a entrada de mulheres nesta área, antes exclusiva para os homens, o esporte tem se convertido em um meio onde batalhas por identidade e pelo papel dos sexos são combatidas. (p. 15, tradução nossa)1.

    Embora a aristocracia alemã, segundo Elias (1986 apud Dunning, 2003 p. 94), nos idos de 1810, achasse que o “esporte não fosse próprio dos cavalheiros”, contraditoriamente Ali Mazrui (1976, p. 411, citado por Dunning, 2003 p. 91) esclarece que “as primeiras leis que adotaram voluntariamente homens de toda cultura e condição foram as leis do esporte”. Assim, para Dunning (2003, p. 81) “[...] o desenvolvimento dos esportes modernos é um exemplo de processo civilizador [...]”.

 

    Nesta perspectiva das práticas esportivas, numa cultura diferente a da europeia, no Japão, em 1822, um jovem educador, Jigoro Kano, acreditava que a Educação Física e a prática esportiva não deveriam ser realizadas só pelo enfoque da cultura física, mas como um dos meios para guiar corretamente os alunos, como também a construção do seu caráter (Maekawa & Hasegawa, 1966).

 

    Segundo Deliberador (1996, citado por Ferreira, 2009), Kano dava duas conotações para o Judô: a primeira, apresentada com um sentido mais estreito, superado, voltado para os aspectos formais da preparação militar, para a defesa pessoal, buscando o desenvolvimento harmonioso dos grupos musculares, recebendo um enfoque da cultura física; e a segunda, abrange um sentido mais amplo, o da cultura moral, da melhoria de vida diária, ou seja, um “meio de usar o corpo e espírito eficazmente” que ele considerava como “o princípio de humanidade”, pois

    Na medida em que foi percebendo que o jiu-jítsu era uma luta marcial com a finalidade de lesionar o oponente e provocar muitas contusões, e Jigoro Kano então questionou: como uma atividade física organizada para trazer benefício ao ser humano, pode provocar um alto nível de lesões, podendo levar até à morte?

    E foi na busca de alternativas para eliminar a possibilidade de contusões que Jigoro Kano criou o Judô. E, aproveitando os valores positivos do jiu-jítsu, foi possível criar uma nova forma de vida, introduzindo valores de qualidade, como respeito e a preservação do oponente, o desenvolvimento total do participante, enfim, foi possível a introdução do prazer no desenvolvimento de uma luta. E foi assim que o Judô passou a se preocupar não apenas com o físico, mas com os componentes de ordem filosófica, cultural e psicológica e também política, pois ele objetivou reunir pessoas interessadas no desenvolvimento humano. (pp. 19-20).

 

    As tradições culturais do Japão Feudal foram preservadas quando da criação do Judô, pois Jigoro Kano utiliza de alguns princípios filosóficos contidos no Código de Honra que era seguido pelos samurais, para fundamentar a prática do Judô Kodokan e, na concepção de Mesquita (2014), o Judô ficou definido “como um princípio de vida em que a aplicação dos combates esportivos era apenas uma das muitas possibilidades para seus estudos, além de propiciar aos seus alunos a possibilidade e superar suas próprias limitações” (p. 54).

 

    Em um dos textos escritos por Kano (2008), consta a seguinte declaração:

    Eu gostaria que as pessoas que praticam o Judô honrassem o espírito samurai. Para fazer isso, primeiro você deve desenvolver bons hábitos diários. Esses bons hábitos incluem a simplicidade e a moderação; ao pensar em você, sempre tenha os outros e toda a sociedade em mente. Você não deve causar dificuldades aos outros pelo próprio bem, e, sempre que puder, deve tentar beneficiar as outras pessoas ao mesmo tempo em que se beneficia. Em outras palavras, você deve se aprimorar e contribuir para a sociedade, que é o propósito maior do estudo do Judô. (p.108)

    A partir do exposto, fica aqui esclarecido que a intenção da elaboração dessa produção acadêmica é mostrar aos professores de Judô sobre a importância de um maior aprofundamento nas pesquisas para que tenham como relevância dos dados históricos, filosóficos e pedagógicos dessa prática esportiva tão difundida no contexto educacional escolar.Assim, o questionamento é: os professores na sua formação acadêmica recebem as devidas informações/conhecimentos sobre as origens das práticas esportivas, principalmente sobre as lutas de origem asiática? Há a prevalência da integração Oriente e Ocidente de forma harmônica nas ações pedagógicas para o ensino dos fundamentos do Judô? Assim, a intenção norteadora deste estudo é a efetividade de estudos na dimensão teórica e prática, por parte dos professores que trabalham com a modalidade esportiva Judô, sobre as questões das diferenças culturais do povo oriental em relação aos ocidentais. Que a fundamentação histórica, filosófica e pedagógica do Judô seja abordada como os seus devidos valores. Na compreensão de Trujillo Ferrari (1982), a busca por pesquisas do tipo teórica traz benefícios e melhoras para o próprio conhecimento.

 

    O que está sendo colocado aqui é a atribuição e autodescrição de como é visto e vivenciado o Judô. Não é só a autoridade da 1ª pessoa (eu) quando é exposto o tema, mas da compreensão sobre as falas de outras pessoas (pesquisadores) sobre o Judô como elemento formador da personalidade naqueles que o pratica (Wittgenstein, 1988). Sabemos que a expressão “eu vejo” é uma forma de auto atribuir e autodescrever aquilo que está à observação, mas, também, ter como respaldo as declarações e afirmações apresentadas pelos pesquisadores, aos quais foram recorridas, em suas publicações. Para Donaldson Davidson (2003), “o significado e o conhecimento dependem da experiência e a experiência, em último caso, depende da sensação” (p. 205).

 

    A metodologia utilizada para a realização deste artigo foi a de um estudo teórico, no qual recorreu-se as obras que abordam sobre a criação do Judô Kodokan, a cultura japonesa, as influências políticas do Ocidente sobre o Oriente e, as questões relacionadas à filosofia ocidental e o pensamento de vida do povo oriental. Assim, fica este trabalho caracterizado como uma pesquisa teórica, do tipo bibliográfica, com abordagem qualitativa (Trujillo Ferrari, 1982; Minayo, 1994; Thomas, Nelson & Silverman, 2008). As obras marcantes para elaboração deste artigo abordam sobre: Educação [Spencer (1860), Jaeger (2011)]; Filosofia [Parmênides (apud Heidegger, 2009), Kant (apud Heidegger, 2009), Heidegger (2009; 2015)]; Judô [Kano (2008; 2016), Santos (2015), Draeger (2007), dentre outros autores citados no corpo do texto], perfazendo um total de 34 obras, sendo: 27 livros,5 artigos e 2 dissertações de mestrado.

 

O Judô através de uma subjetividade e intersubjetividade da ação-percepção-ação

 

    Pelo fato de nós, os pesquisadores,praticarmos Judô há mais de quatro décadas e a partir das nossas atitudes profissionais fundamentadas em crenças e desejos, frutos de uma percepção e conhecimento relacionado ao Judô calcado nos fundamentos de que o ensino do Judô deve estar voltado aos princípios propostos por Jigoro Kano (suavidade, mínimo esforço e máximo de eficácia e amizade e prosperidade mútua) para levar o aprendiz a uma educação integral (dimensão física, mental e moral) aqui são expostas convicções objetivas, subjetivas e intersubjetivas dos benefícios das práticas do Judô.

 

    Elias (1978 apud Dunning, 2003) recorre a dois termos em latim, o Homines aperti e o Homo clausus. O primeiro refere-se ao indivíduo aberto as experiências do eu, que vive o contexto de pluralidade e de interdependências do começo ao final de sua vida; já o segundo termo está relacionado ao indivíduo fechado, distanciado e não vivenciado nas experiências do Ser. E aqui, um parêntese será aberto para citar Kano, o criador do Judô, que tinha uma visão ampla para o termo educação, pois abrangia as dimensões física, mental e moral. À esta visão abrangente (aperti) ele chamava de educação integral.

 

    Eisenberg (1990 citado por Dunning, 2003) cita que uma das características mais importantes do esporte moderno é sua capacidade para aportar e institucionalizar um nexo de sociabilidade. Autores como Elias, Dunning, Guttmann, Brailsford, Hargreaves, Lovisolo, dentre outros, publicaram sobre o fenômeno esportivo no contexto sociológico e histórico das civilizações ocidentais. E, no contexto oriental, mais precisamente no Japão e China, há referências de outros autores (Barreira & Massimi, 2002, 2003; Lowry, 2006; Severino, 1988; Draeger, 2007c), sobre a agregação dos estudos das doutrinas religiosas e do pensamento oriental no cotidiano das práticas esportivas de origem guerreiras, ou seja, as lutas ou práticas esportivas de combate corporal no processo educativo dos indivíduos.

 

    Princípios do Confucionismo, do Taoísmo, do Zen-Budismo e do Xintoísmo dão suporte aos praticantes para os mesmos manterem em harmonia/equilíbrio o seu estado físico e mental em consonância com a natureza – equilíbrio de energias opostas, o respeito para com o outro, a lealdade, o cuidado com os mais velhos e os mais novos, seguir as normas predeterminadas. Enfim, a vida fundamentada nos princípios sociais da cotidianidade regidos por dualidades.

 

    Fundamentado em Barreira & Massimi (2002), fica o parágrafo anterior resumido em dois preceitos necessários aos praticantes dos esportes de combate de origem oriental, principalmente os oriundos do Japão – a moralidade e a atitude mental. Estes autores abordam sobre a importância do aperfeiçoamento da personalidade do praticante, na qual serve como alicerce às concepções morais, espirituais e psicológicas nas práticas e preceitos do Confucionismo, do Xintoismo e do Zen-Budismo.

 

    Em 1882, o professor Jigoro Kano inspirado na mudança da cultura tradicional japonesa em absorver a cultura ocidental, prevalecendo a europeia, estruturou o Judô Kodokan na perspectiva da formação dos jovens baseada na educação integral, pois os indivíduos deveriam estar abertos às novidades do mundo moderno. A integração Oriente e Ocidente deveria ser instituída. Corpo, mente e espírito deveriam estar em harmonia e, para isso ocorrer, deveriam ser trabalhados. Assim, a prática do Judô Kodokan, de acordo com a sua perspectiva filosófica, atingiria a este objetivo. (Brian, 2011; Kano, 2008)

 

    Quanto à questão educativa do Judô, professor Kano teve como maior referência a obra de Herbert Spencer intitulada Educação: intelectual, moral e física publicada em 1860, tendo como princípio a sociologia. Spencer abordava que o progresso da civilização se deve a vários fatores, dentre eles a linguística, o intelecto, a estética moral e o consenso.

 

    Para Spencer (1860), a moralidade é um dos princípios essenciais para a vivência humana, pois as ações são estabelecidas pelas regras da conduta física, intelectual, moral e religiosa. Tais dimensões são evidenciadas nos relacionamentos sociais cotidianos onde o fator “justiça” deve ser priorizado, facilitando os avanços sociais. O fator justiça deve ser evidenciado de forma mútua para efetivar o crescimento dos pares, grupos sociais e, consequentemente, da sociedade como um todo. As ações com características de mutualidade devem ser evidenciadas, sem interesse ou finalidade egoísta, pois assim, ocorrendo os benefícios serão para todos.

 

    Fundamentado, também, nos ensinamentos pedagógicos e da moralidade do filósofo Herbert Spencer, Jigoro Kano estruturou o Judô Kodokan numa perspectiva de educação integral, na qual as dimensões física, moral e intelectual serviram como pilares, pois para Herbert Spencer “deve ensinar as crianças a ser indivíduos que contribuem para o bem da sociedade” (Brian, 2011, p. 204). Assim, o processo educativo que deve ser alcançado através da prática do Judô é o da aprendizagem por meio da interação social, através das ações corporais, dos gestos, atitudes e comportamentos adquiridos e aprendidos por meio da comparação, especulação, experimentação e teorização, ou seja, através da ação-percepção-ação.

 

    Retomando à questão da dimensão moral, há um destaque sobre a percepção do judoca quando realiza um ato correto e/ou um ato não correto, quando percebe que suas ações estão calcadas em valores morais, éticos e sociais. Tais percepções demonstram a sua maturidade e habilidade para o bom relacionamento com os demais. Pois, um dos princípios para a prática do Judô é a boa relação “eu-outro”, propagada por Jigoro Kano como o princípio do Jita Kyo’ei (自他共栄),e evidenciada no pensamento oriental (as doutrinas do taoísmo e do zen-budismo) como uma harmonia (Sugai, 2000; Barreira & Massimi, 2003). Portanto, a prática do Judô sendo realizada em um ambiente no qual prevalece o respeito mútuo e a gentileza só trará benefícios e proporcionará uma estética à atividade física gerando, assim, um benefício a saúde mental e social dos praticantes.

 

A prática do judô com características de educação integral

 

    O Judô (柔道) foi estruturado como prática de luta em 1882, pelo professor japonês Jigoro Kano (治五郎嘉納), com uma finalidade de incrementar os objetivos educacionais do Japão que, naquela época, passava por uma reestruturação política e cultural devido a abertura da nação às relações internacionais, pois o país vivia no isolamento político e econômico (Santos, 2015; Draeger, 2007a, 2007b). E mais, estava saindo de uma crise social e política devido a mudança ocorrida quando da extinção do sistema feudal do bakufu (幕府), o governo militar regido por um General (shōgun, 将軍) para o restabelecimento do Imperialismo, onde o Imperador volta a ter o pleno domínio da nação. Esse novo ocorrido de 1868 é denominado Restauração Meiji (Meiji Ishin, 明治維新). (Carvalho, 2007; Santos, 2015)

 

    Após a Restauração, mais precisamente em 1873, surge um movimento liderado pela sociedade intelectual japonesa denominado Meirokusha (明六社), que tinha como objetivo promover uma maior cultura civilizatória e esclarecimento na sociedade a partir da vivência da cultura ocidental. O movimento foi composto por mais de 30 intelectuais (Nishima Shigeki, Fukuzawa Yukichi, Kato Hiroyuki, Mitsukuri Kinsho, Mitsukuri Shuhei, Nakamura Masanao, Nishi Amane, Tsuda Manichi, Sugi Koji...) e foi liderado por Mori Arinori. (Santos, 2015; Revolvy, 2016)

 

    É bom que fique esclarecido que antes da Restauração Meiji já existia uma preocupação com o isolacionismo do Japão com os demais países, é tanto que o Shogun Tokugawa, em 1862, enviou à Holanda os intelectuais Nishi Amane e Tsuda Manichi para estudar na University of Leyden os conceitos ocidentais de economia, ciência política e legislação constitucional fundamentados na filosofia do positivismo de Auguste Comte, no utilitarismo de Jeremy Bentham e Stuart Mill e, no empirismo de John Locke. (Santos, 2015)

 

    Nessa fase de transição cultural e política Jigoro Kano, filho de uma família pertencente a aristocracia japonesa e tendo recebido uma formação educacional influenciada nos costumes europeus, pois seus professores eram franceses, alemães e ingleses, conclui a formação superior na Universidade Imperial de Tóquio em Literatura e Ciências Políticas e Econômicas. Kano cria a prática do Judô Kodokan (柔道講道館) após pesquisas sobre os estilos tradicionais de jujutsu (柔術) (Brian, 2000; 2011). Seu avô foi sacerdote de um templo xintoísta, o pai de descendência samuraica e alto funcionário da marinha imperial e, sua mãe de família tradicional na política do Japão, proporcionaram uma educação elitizada seguindo os padrões da cultura ocidental. (Brian, 2011)

 

A dimensão moral na formação de um praticante de Judô

 

    Na pós-modernidade, influenciada pelo capitalismo e pelo materialismo, os seres sociais vivem de forma ansiosa e apressada, superficial e fragmentada o seu cotidiano de acordo com a cultura passada pelas mídias. Pecar e perdoar: Deus e o homem na história, obra de Karnal (2015), consta a expressão “tempus fugit” (p. 119) para afirmar que os indivíduos, de acordo com Max Weber, estão em um desencantamento do mundo, buscando, assim, resoluções e vivencias desconectadas e individualizadas. Nessa obra há uma citação de Frederick Douglass (abolicionista e estadista afro-americano) – o indivíduo busca viver no modo “self made man” (p. 119), onde tudo eu posso e resolvo, parece ser a forma correta de viver. É aí, parece, que mora o perigo, pois tal afastamento leva ao não aprendizado e a não-ação do pedir desculpas, perdoar, saber ouvir, arrepender-se, saudar, etc. (Karnal, 2015)

 

    Já no âmbito e na cultura das artes marciais japonesas, práticas de respeito e de convivência social são realizadas através do cuidado com o ambiente preservando a higiene e a manutenção da paz, zelo com o material utilizado, uso adequado da etiqueta/rito do rei-(礼法) – saudação ajoelhada (坐礼, za-rei) ou em pé (立礼, ritsu-rei), se curvando para uma outra pessoa. Tal gesto de simplicidade e respeito mostra a compreensão e o agradecimento pela ação e relação como o outro. Para Souza (2010),

    As saudações e as reverências, ou seja, o ato de inclinar-se de frente para a pessoa sem nenhum contato físico são os elementos que mais caracterizam as tradições orientais. Existem duas maneiras básicas de saudação: o Ritsu-Rei e o Za-Rei (em seiza – sentado). Ambas sempre devem ser realizadas com a melhor postura e o máximo respeito. Além disso, elas devem ser feitas da forma mais natural possível, sem tensão muscular, porém com convicção e firmeza. (p. 166)

    Na prática judoística mestre Kano preservou a saudação ajoelhada – za-rei (坐礼, advinda do za-zen (坐禅), o sentar ao modo zen-budista) para a realização do cumprimento inicial e final e, para o mokusō (黙想) – meditação ou introspecção das ações realizadas antes, durante e após os treinamentos práticos no dojô. Através de uma não-ação (無為, wúwéi – termo muito utilizado no budismo e taoísmo) realiza-se reflexões sobre as ações. Santos (2015) quando aborda que Kano instituiu as práticas das posturas do za-rei (坐礼) e do mokusō (黙想) não tinha como finalidade a dimensão religiosa da cultura budista.

 

    Aristóteles considerava a religião (Teologia) como uma ciência dos primeiros princípios, a última e a mais alta meta de todo estudo filosófico do Ser. Na obra “Paidéia: a formação do homem grego”, Jaerger (2011) cita que a areté (ἀρετή, termo grego que designa excelência) visava a excelência do homem e, para isso, o mesmo teria que agir com prudência ou piedade religiosa, com justiça e sabedoria. E tudo isso é proposto pelas práticas religiosas. Um dos princípios das artes marciais japonesas é o cultivo da espiritualidade, obtida através das práticas religiosas. Mas, aqui fique claro que, embora a dimensão espiritual seja um dos fundamentos do Budô (武道), isso não quer dizer que há exigências para os praticantes das artes marciais de orientações religiosas.

 

    Aqui é feito uma analogia sobre o (, a via) japonês e o odos (o verdadeiro caminho) grego. No pensamento japonês o () visa reorientar o indivíduo para trilhar a via correta e, na concepção filosófica grega, mais precisamente em Parmênides, o caminho que leva à meta (método - μεϑοδος) é o caminho real (όδος). Parmênides (filósofo que aprofundou o estudo sobre a distinção entre o Ser e o não-Ser e, a realidade do Ser) achava que não é só o caminho, mas buscar no caminhar a realização da meta prevista (via, ασινῆ). Para ele, o homem é o agente moral que sabe escolher e agir fundamentado no certo e no errado. (Heidegger, 2009)

 

    Fica aqui o entendimento de que a prática do Judô Kodokan está fundamentada em princípios que, por analogia coincide com a perspectiva de Parmênides, onde certo e errado estão no cotidiano de cada indivíduo. No Judô, através da liberdade e autonomia para exercer as ações, o praticante se depara com momentos de tomada de decisão para realizar a ação correta ou uma ação não-correta. Se exerce a ação correta, permanece na caminhada, mas quando realiza uma ação não-correta, é observado pelos demais companheiros de treino e orientado pelo sensei (先生, professor) a não repetir o erro da ação não-correta. A ação não-correta pode servir, após uma reflexão sobre a ação-no-fazer, como uma forma de ensinamento, pois leva o executante a uma queda, ao levantar-se e a prosseguir na caminhada.

 

    No Judô, é através da ação e da reação, ou seja, do ataque e do contra-ataque que os praticantes, de forma mútua, se descobrem através de suas ações (da facticidade, ser-no-mundo). Assim, vão se tornando seres socializados (ser-com-os-outros) (Heidegger, 2009; 2015). Para isso, segundo Kant (apud Heidegger, 2009), necessitamos de sensibilidade, entendimento e razão. Embora com culturas diferentes (Ocidente e Oriente), fica perceptível que há coincidências de perspectivas de vida social entre a filosofia ocidental e o pensamento oriental de Jigoro Kano quando expõe um dos princípios do Judô, o Jita Kyo’ei (自他共栄) – amizade e prosperidade mútua.

 

    Partindo da premissa de que o Judô como uma ferramenta que possibilita a condução do indivíduo para aquisição de uma boa educação, aqui é colocado uma citação de Delors (2012) quando afirma que o processo educacional é

    [...] Um princípio fundamental: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa - espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal e espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado graças a educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida. (p. 99)

    Essa afirmativa de Delors (2012) propicia uma reflexão sobre o processo de educar o indivíduo fundamentado em múltiplas perspectivas. Saindo da visão cartesiana de dualidade, para adotar a proposta da abrangência e da interação de diversas dimensões. E, assim, uma analogia é feita a partir do que foi exposto por Delors e a proposta de Jigoro Kano em fundamentar o Judô como uma ferramenta de educação integral. Pois, seguindo a analogia aqui exposta, anuncia-se a importância da prática do Judô em levar o praticante ao discernimento do seu agir social, pois, há nas atividades agonistas momentos e oportunidades para estes indivíduos agirem de forma contida, respeitosa e cuidadosa durante as atividades do Judô.

 

Simbolismos no Judô Kodokan

 

    O Judô como instrumento para a formação do indivíduo tem como ponto crucial para as suas vivências, sejam elas, teórica ou práticas, a área física denominada de dojô (道場) - local, espacialidade das convivências dos praticantes, servindo como mundo intramundano circundante do ser-no-mundo, ou seja, seres se relacionando num processo de interações de presença e co-presença num limite interno/vivido e além do limite interno, o limite externo, as forças sociais carregadas de signos onde cada ser com sua própria presença (ser-no-mundo) tem um significado – Ser social. (Heidegger, 2009)

 

    O dojô (道場) com seu espaço característico de símbolos e signos tem em seus quatro cantos, significados, com elementos representativos e ocupantes que exigem, devido a uma formalidade, um distanciamento com os indivíduos presentes. O dojô (道場) recebe uma corporeidade, vamos assim dizer, por sua ocupação (presença e co-presença), consideração e tolerância em seus devidos graus de hierarquia (locais específicos para os mais antigos e para os mais novos). É o dojô (道場) o espaço de ações antagônicas - puxar/empurrar, juntar/separar, derrubar/ser derrubado, dominar/ser dominado, falar/não falar... Espaço que, para os iniciantes, gera angústia e receio. (Heidegger, 2009)

 

    O dojô (道場) é um espaço representativo do mundo externo, do cotidiano, da conjuntura do agir, transformar e ser transformado através do fazer-com, do agir de forma dual, parceira, mútua. Onde cada agente torna-se revelado através do relacionar-se. Assim, a prática do Judô torna-se o fio condutor de relações pessoais, sociais (ser-para) num espaço delimitado para concentração, reflexão e transformação do Ser (Heidegger, 2009; 2015). Eis o dojô (道場) – local que transforma as ações da dimensão física (Draeger (2007). E, para dar um maior esclarecimento sobre a representação do dojô para um praticante de Judô, eis uma citação de Kano (2016):

    El interior del dojo debe estar limpio manteniendo en el lugar un ambiente de práctica seria y de aire sagrado. (p. 30).

 

    [...] el dojo es la cosa común de todos, hay que colaborar para ordenar su interior y mantenerlo siempre limpio. (p. 38).

    A estética japonesa tem dois princípios para as construções de suas edificações –simplicidade (侘び, wabi) e a rusticidade (寂び, sabi). O si mesmo são encontrados de forma efetiva e normativa no dojô (道場) para as práticas do Budô (武道) e, principalmente nos templos Zen-budistas. A expressão wabi-sabi (侘び寂び) representa o tradicional conceito da estética japonesa que tem como princípio a visão de mundo que prevalece a transitoriedade e a imperfeição. Conceito derivado da religião budista onde afirma que existe três marcas (三法印, sanbōin) no processo da existência da beleza: impermanência (無常, mujō), sofrimento (, ku), vazio e ausência de auto sentimento (, ). A estética wabi-sabi (道場) tem como característica os seguintes elementos: assimetria, simplicidade, economia, austeridade e modéstia. (Revolvy, 2017)

 

    Voltando à questão do dojô (道場) como um espaço representativo/simbólico do nosso mundo/cosmo, aqui será abordado sobre as graduações/hierarquias dos praticantes de Judô. Professor Kano, em 1883, faz uma divisão em dois grupos com os seus alunos: os não graduados (無段者, mudansha), classificados em kyu (), sendo dividido em três classes – 6º, 5º e 4º Kyu, habilitados a usarem a faixa (, obi) na cor branca e, os 3º, 2º e 1º kyu autorizados a colocarem a faixa de cor marrom; os graduados (有段者, yudansha) eram os que portavam a faixa preta. Tais judocas são classificados em graus (段位, dan-i) que compreende do 1º ao 5º dan. Os primeiros faixas-preta graduados pelo mestre Kano foram Tsunejiro Tomita e Shiro Saigo. (Lowry, 2006)

 

    Kano criou esse sistema de graduações inspirado no sistema ocidental de graduações do sistema educacional europeu – jardim de infância e ensino superior. Assim, o antigo sistema de promoção dos praticantes de Budô (武道) que outorgava o menkyô (免許), licença do mestre da escola - ryu (), autorizando o aluno portador em poder transmitir os conhecimentos do ryu (), praticado desde o século VIII, passa a ser o de outorga de faixas (Lowry, 2006). O tradicional sistema de graduação Menkyô (免許) era também utilizado por outros segmentos da cultura japonesa, dentre eles ficam aqui destacados o go (, jogo de estratégias e captura), o sumi-ê (墨絵, pintura), o chadô (cerimônia do chá), o shodô (書道, caligrafia) e o ikebana (生け花, arranjo floral). No Japão o estudo da estética das artes tradicionais é denominado de Geidô (芸道), o caminho das artes.

 

    Para os alunos graduados e antigos na Kodokan, Kano criou a divisão de classe de Yudansha – graduação superior, na qual do 1º ao 5º dan usa-se a faixa preta. Os que portam o 6º, 7º e 8º grau (dan) usam a faixa coral (vermelha e branca) e, 9º e 10º dan usam a faixa de cor vermelha. Para estes graduados foi criada a denominação de Kodansha (高段者) - graduados superiores. Esse sistema de graduação foi inspirado na tradição guerreira japonesa, mais precisamente sobre a Guerra de Genpei (源平), ocorrida em 1180 a 1185, onde os adversários usavam bandeiras coloridas (Clã Taira ou Heike, vermelha); Clã Minamoto ou Genji, branca), que representava a constelação de Orion que com suas principais estrelas - Betelgeuse (vermelha) e Rigel (branca) tornam-se destaques nas noites estreladas do firmamento. (Lowry, 2006; Conhecer, 1995)

 

    A constelação de Orion também inspirou a criação da Bandeira do Japão com a combinação das duas estrelas: branca (genji boshi, 源氏星) e a estrela vermelha (heike boshi, 平家星). Professor Kano, em 1884, institui o primeiro torneio dos faixas vermelha e branca de Judô no Japão. Esse evento ainda hoje é evidenciado pela mídia japonesa como uma das principais competições do Instituto Kodokan. (Lowry, 2006)

Do conteúdo pesquisado e aqui exposto se percebe a riqueza que a prática do Judô Kodokan pode proporcionar ao seu praticante devido ao seu lastro de conteúdos agregados à sua história, da criação até os dias atuais. E, aqui fica algumas das proposições sobre o Judô enquanto instrumento que contribui na formação do seu praticante:

  1. a prática do Judô é vista como um aporte necessário à educação e formação do aluno, mas isso irá depender da formação acadêmica e do conhecimento pedagógico que o professor possui para, assim, discernir e avaliar a prática do Judô como algo necessário;

  2. que as atitudes, as ações pedagógicas do professor terão forte influências na formação dos alunos;

  3. a intencionalidade de gerar mudanças sociais é um princípio que deve partir do professor e das famílias dos praticantes de forma conjunta;

  4. o professor deve ter um conhecimento sobre a realidade vigente;

  5. é fundamental acreditar e ter disposição para gerar mudanças e transformações nos alunos.

Conclusão

 

    Mais uma pesquisa, mais um escrito sobre a prática esportiva. Mais reflexões sobre a prática do Judô Kodokan. A missão foi colher mais dados sobre os fundamentos, objetivos e a intencionalidade do Judô, para dar subsídios aos argumentos sobre a importância desse esporte quando ensinado seguindo os preceitos teóricos do campo da educação e da filosofia. De forma enfática foi a busca de conhecimentos sobre à essência e princípios que norteiam a prática esportiva do Judô por entender que esse seja o tópico mais relevante ao processo de ensino e aprendizagem com finalidades educativas e formativas para o indivíduo.

 

    Os questionamentos –será que os professores que lecionam esta modalidade esportiva realizam um aprofundamento nos ensinamentos da parte histórica e filosófica do Judô? Há a prevalência da integração Oriente e Ocidente de forma harmônica nas ações pedagógicas para o ensino dos fundamentos do Judô?, levou a realização da pesquisa do tipo descritiva, de natureza qualitativa, onde recorreu-se as publicações referentes ao assunto para, assim, dar um maior aprofundamento aos argumentos e, posteriormente apresentá-los aos professores que se submetem aos exames de graduação na Federação Alagoana de Judô – FAJU, e que os mesmos repassem os devidos conhecimentos pesquisados aos seus aprendizes de Judô.

 

    Tais questionamentos surgiram devido a hipótese de que os professores que trabalham com o Judô, seja nas Escolas ou em Projetos Sociais, não dão os devidos enfoques às questões históricas e filosóficas da modalidade. Pois, pela forma de execução de técnicas, pelo modo de realizar as saudações, pelos comportamentos dos alunos/atletas em festivais e competições, pela forma de vestir e cuidar do judogi, das relações com os professores e demais colegas, com os cuidados com os implementos utilizados no Judô, tudo isso leva às reflexões sobre as orientações e os ensinamentos do Judô como prática esportiva.

 

    Conclui-se que há uma necessidade de mais estudos com maior aprofundamento sobre as questões históricas da criação do Judô, pois remete-nos à uma época de total crise de identidade à qual passava o Japão naquele período de transição política, econômica e cultural. Onde, havia a prevalência de que a nação deveria adotar a cultura da civilização ocidental, mais precisamente a europeia. Portanto, conflitos ideológicos ocorreram aos japoneses, pois estavam no processo de negação da sua cultura para prevalecer costumes de outros povos.

 

    Praticar uma atividade oriunda de uma cultura totalmente diferente é motivo para deixar o indivíduo noviço na prática em estado de alerta às situações que poderão estar sujeitas a negação ou rejeição aos diferentes e estranhos movimentos das práticas corporais orientais, vista como uma novidade. Novidade na contradição do pensamento filosófico, religioso, político e social. Enfim, absorver e, posteriormente, aceitar ou não uma outra cultura requer uma análise mais criteriosa sobre o que está sendo aprendido e ensinado como proposta para melhorar a qualidade de vida.

 

    Seja no campo esportivo ou não, o aprendizado de algo novo requer estudos mais apurados, para não ocorrer o erro de impor mudanças através de práticas de outras culturas, mas sim, de agregar de forma consciente e harmoniosa os novos valores e as sabedorias de outros povos ao saber local. E, por fim, como a intenção não era dar por encerrada a discussão, fica a proposta de uma continuidade ao estudo, com um novo tipo de pesquisa, a de campo, para obter mais dados e chegar a novas conclusões.

 

Nota

  1. Se cree que durante los últimos 200 años, en las sociedades industriales, el deporte ha influido cada vez más en la forja de la identidad de los hombres, con la entrada de mujeres en este coto antes exclusivo de los hombres, el deporte se ha convertido es un medio donde se libran batallas por la identidad y el papel de los sexos.

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