Os benefícios da atividade física na função cognitiva do idoso

The benefits of physical activity in the cognitive function of the elderly

Los beneficios de la actividad física en la función cognitiva de la persona mayor

 

Jéssica Mayara Oliveira Afonso*

mayara_cle23@hotmail.com

Laís Ferreira Soares*

laisf.soares@hotmail.com

Manuella Lima Belo*

manuellalima.belo@gmail.com

Sandra Adriana Neves Nunes**

psandranunes7@hotmail.com

 

*Estudante do Bacharelado Interdisciplinar e Saúde

da Universidade Federal do Sul da Bahia

**Professora adjunta da Universidade Federal do Sul da Bahia

(Brasil)

 

Recepção: 23/04/2018 - Aceitação: 26/08/2018

1ª Revisão: 21/08/2018 - 2ª Revisão: 23/08/2018

 

Resumo

    A prática de atividade física é conhecida por promover diversos benefícios, como melhora no sistema cardiorrespiratório e diminuição do risco de doenças crônico-degenerativas, principalmente entre a população idosa. Recentemente outro aspecto tem ganhado notoriedade: a melhoria na função cognitiva. Diferentes estudos têm sugerido que o exercício físico protege e melhora a função cerebral, apontando que idosos fisicamente ativos minimizam os riscos de serem acometidas por desordens mentais se comparados aos sedentários. Isso corrobora com a tese de que a participação em programas de exercícios físicos promove benefícios nas esferas psicológica e física. Dessa maneira, o uso do exercício físico como um mecanismo para melhorar a função cognitiva parece ser um importante recurso a ser utilizado. Assim, o objetivo da presente revisão é o de discutir a associação entre exercício físico e função cognitiva na população idosa, com vistas a demonstrar que envelhecimento cerebral é um processo inevitável, contudo postergável, com o auxílio da implementação de hábitos de vida saudáveis.

    Unitermos: Atividade física. Idoso. Função cognitiva.

 

Abstract

    The practice of physical activity is known to promote several benefits, such as improvement in the cardiorespiratory system and reduction of the risk of chronic-degenerative diseases, mainly among the elderly population. Recently another aspect has gained notoriety: the improvement in cognitive function. Different studies have suggested that physical exercise protects and improves brain function, pointing out that physically active elderly people minimize the risks of being affected by mental disorders compared to the sedentary ones. This corroborates the thesis that participation in physical exercise programs promotes psychological and physical benefits. In this way, the use of physical exercise as a mechanism to improve cognitive function seems to be an important resource to be used. Thus, the purpose of the present review is to discuss the association between physical exercise and cognitive function in the elderly population, in order to demonstrate that cerebral aging is an inevitable, but a postponed process, with the aid of the implementation of healthy life styles.

    Keywords: Physical activity. Elderly. Cognitive function.

 

Resumen

    La actividad física es reconocida por promover muchos beneficios, como la mejora del sistema cardiorrespiratoria y disminución del riesgo de enfermedades degenerativas crónicas, especialmente entre las personas mayores. Recientemente, otro aspecto ha ganado notoriedad: la mejora de la función cognitiva. Diferentes estudios han sugerido que el ejercicio físico protege y mejora la función cerebral y que la actividad física minimiza, en personas de edad avanzada, los riesgos de ser afectados por trastornos mentales en comparación con personas sedentarias. Esto corrobora la tesis que plantea que la participación en programas de ejercicio físico promueve beneficios en esferas psicológicas y físicas. Por lo tanto, el uso del ejercicio físico como un mecanismo para mejorar la función cognitiva parece ser un importante recurso para ser utilizado. El objetivo de esta revisión es discutir la relación entre el ejercicio y la función cognitiva en las personas mayores, con el fin de demostrar que el envejecimiento del cerebro es un proceso inevitable, pero diferible, con la ayuda de la aplicación de los hábitos de vida saludables.

    Palabras clave: Actividad física. Personas mayores. Función cognitiva.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 243, Ago. (2018)


 

Introdução

 

    A preocupação com o envelhecimento vem aumentando nos últimos anos no mundo todo, diante do aumento progressivo na expectativa de vida da população. As projeções estatísticas revelam que em 2025, expectativa de vida para a população brasileira será de cerca de 80 anos. Entretanto, ainda a ciência não consegue evitar os efeitos fisiológicos atribuídos ao processo de envelhecimento. Desse modo, o fato de envelhecer acarreta alterações nas funções biológicas e cognitivas (OMS, 2005).

 

    Da mesma forma que a infância, a adolescência e a vida adulta, o envelhecimento é um período do ciclo vital que está condicionado à estrutura e dinâmica fisiológica de um corpo, tanto quanto a estrutura e dinâmica social e histórica de uma dada cultura. É caracterizado por mudanças biopsicossociais específicas que ocorrem ao longo do tempo. No entanto, esse fenômeno varia entre os indivíduos e pode ser determinado geneticamente e influenciado pelo estilo de vida e pelas características do ambiente físico e social das pessoas (Ferreira et al., 2010). Contudo, devido à complexidade desse período de vida, ainda não é possível encontrar uma definição de envelhecimento que envolva todos os percursos que levam o indivíduo a envelhecer e como esse processo é vivenciado e representado pelos próprios idosos e pela sociedade em geral (Uchôa, 2003).

 

    O envelhecimento pode ser visualizado em três níveis que se imbricam entre si: o nível biológico, cronológico e social. O nível biológico refere-se às transformações celulares e moleculares relacionadas com a idade em anos do indivíduo. Essas mudanças, com o passar do tempo, podem levar a perdas fisiológicas e desenvolvimento de doenças. No entanto, as modificações ocorridas no plano biológico não são iguais para todos os indivíduos, apenas possuem algumas características que podem ser relacionadas com a idade cronológica. Além disso, a conjuntura sociodemográfica em que o idoso está inserido tem interferência direta nas manifestações coletivas da velhice. Desse modo, tais condições contêm uma associação entre a concepção de velhice existente em uma comunidade e o enfrentamento dos prejuízos gradativos nos estoques fisiológicos do envelhecimento (OMS, 2015).

 

    A função cognitiva ou sistema funcional cognitivo refere-se a uma dimensão psiconeurológica do indivíduo responsável pelo processamento das informações. Para alguns autores, a função cognitiva compreende as próprias fases desse processo, envolvendo a capacidade de percepção da informação, aprendizagem, memorização, atenção, vigilância, raciocínio e solução de problemas. Além disso, incluem o tempo de reação, tempo de movimento e velocidade de desempenho do funcionamento psicomotor (Antunes et al., 2006). Portanto, a cognição descreve um aspecto do funcionamento mental influenciado por características pessoais, como idade, nível de escolaridade, interesses, saúde, atividades que o indivíduo desenvolve, a quantidade de estímulos a que é exposto, da mesma forma que esses fatores influenciam os aspectos psicoemocionais e socioculturais do indivíduo (Bezerra, 2006).

 

    A decadência cognitiva é um evento normal do envelhecimento. Entretanto, o motivo exato dessas mudanças involutivas ainda não é claro para os cientistas. Além disso, os critérios que definem os problemas relacionados a esse declínio natural e as possibilidades de uma possível demência, ocasionada por um declínio patológico, são muito imprecisos. Neste contexto, estudos têm demonstrado que a prática de atividade física regular tem sido considerada um agente neuroprotetor contra desordens degenerativas do sistema nervoso central (Antunes et al., 2006).

 

    Diversos estudos demonstram que a prática de exercício físico favorece ao aumento da circulação sanguínea cerebral, o que contribui para a síntese de neurotrofinas, substâncias encarregadas de produzir novos neurônios (neurogênese) nas áreas cerebrais. A sinaptogênese – formação das primeiras sinapses – tem com mediadores químicos as neurotrofinas, promovendo maior conectividade entre os neurônios (Cotman & Bertchtold, 2002; Mattson, 2000). Desse modo, a Organização Mundial de Saúde (2006) ratifica a importância da prática regular de exercícios em precaver, regredir e/ou minimizar vários das disfunções que, frequentemente, estão relacionadas ao processo do envelhecimento.

 

    Antunes et al. (2006), num estudo de revisão acerca dos efeitos da atividade física sobre as funções cognitivas, concluem que há evidências de que o aumento da capacidade aeróbia promove melhoras significativas em algumas funções cognitivas, dentre elas o aumento no tempo de reação e otimização da memória.. Corroborando com esse estudo, Maciel e Guerra (2007) investigaram associações entre atividade física e atenção visual em idosos e confirmaram que a permanência das habilidades de atenção visual ao longo da vida está associada com a execução de atividades físicas permanentes.

 

    Assim, em razão da relevância dos achados sobre a relação entre a atividade física e a melhoria nas funções cognitivas tornam-se imprescindíveis estudos que sistematizem os achados nessa área. Neste sentido, será apresentada uma breve revisão de literatura sobre o tema. Inicialmente serão apresentadas questões teóricas sobre o envelhecimento do cérebro, em seguida discorreremos sobre os conceitos de atividade física, exercício físico e função cognitiva e, por último, abordaremos estudos que encontram evidências dos benefícios da atividade física para a manutenção e/ou melhora da função cognitiva durante o processo de envelhecimento.

 

Envelhecimento do cérebro

 

    O processo do envelhecimento nos seres vivos é gradativo e inevitável. No que diz respeito aos seres humanos, a teoria atualmente mais reconhecida refere-se a um progressivo encurtamento dos telômeros devido às diversas divisões celular sofrida pelo nosso corpo unido a lesão cumulativa causada por radicais livres e processos de oxidação. O envelhecimento fisiológico é unidirecional, porém carrega as particularidades inerentes de cada sistema do corpo humano; cada um inicia seu envelhecimento a um dado momento e perde a sua função ou demonstra perda de função em seu próprio ritmo (Nordon et al., 2009).

 

    O caminho para retardar o aparecimento de perdas de função cerebral está em realizar, ao longo da vida, tarefas intelectuais para que o cérebro demore para perder suas conexões e, consequentemente, apresentar uma perda sintomática, tendo em vista sua excepcional capacidade plástica. No entanto, inevitavelmente, o envelhecimento ocorre (Ribeiro, 2006).

 

    Os processos de envelhecimento cerebral pode se dar por atrofia cerebral com dilatação de sulcos e ventrículos, perda de neurônios, degeneração granulovacuolar, presença de placas neuríticas, formação de corpos de Lewy a partir da alfa-sinucleína e formação de placas beta-amilóides. As proteínas precursoras amilóides têm como função o desenvolvimento e funcionamento normal do cérebro. A degeneração das proteínas é feita por duas vias: amiolodogênica e não amiolodogênica. A perda neuronal por via amiolodogênica gera aumento do número de proteínas beta-amilóides que formam Emaranhados neurofibrilares na terminação sináptica denominada de placas senis. Estas precipitam e antecedem a formação de aglomerados proteicos intracelulares (Ribeiro, 2006; Tavares & Azeredo, 2003; Teixeira, Jr. & Cardoso, 2005).

 

    Outros processos de envelhecimento pode ser pela formação de emaranhados neurofibrilares, a partir da proteína Tau devido a sua associação aos microtúbulos, que aos sofrer uma hiperfosforilação gera uma perda de função neuronal associada aos seus emaranhados intracelulares. As placas de proteína beta-amilóides parecem predispor a formação destes emaranhados e, ambas, por seus efeitos tóxicos, são responsáveis pela morte neuronal. Os emaranhados parecem ser um bom indicador do declínio cognitivo durante a progressão da Doença de Alzheimer (Nordon et al., 2009)

 

    Nesse sentido, indivíduos com déficit cognitivo leve ou alteração cognitiva leve e Doença de Alzheimer apresentam gradativamente maior quantidade de alterações lesionais cerebrais, e a progressão da doença está associada a esse declínio (Bertolucci & Minett, 2007). Entretanto, não é possível que se possa relacionar a quantidade de lesões para determinar o menor grau de deficiência cognitiva entre pessoas, ou seja, uma pessoa com mais placas senis não obrigatoriamente terá um déficit cognitivo maior que outra com menos. Porém, ambas, individualmente, conforme tenham um aumento da sua própria quantidade dessas lesões, progressivamente apresentam um déficit maior (Oliveira et al., 2011)

 

    Assim, os declínios das funções cognitivos são regularmente observados no processo do envelhecimento natural e apresentam características como esquecimentos dos fatos recentes, dificuldades em realizar cálculos, mudanças no estado de atenção, declínio da capacidade de concentração e raciocínio. Além disso, pode haver lentificação de atividades motoras grossas, com redução da habilidade em atividades motoras finas (Charchat-Fichman et al., 2005).

 

    Por outro lado, diferentes condições patológicas podem levar à perda cognitiva: câncer, trauma craniano, encefalopatia metabólica, acidente vascular encefálico, infecção, demências, alcoolismo e hipotireoidismo, ademais o uso de alguns medicamentos, dentre eles: antiparkinsonianos com ação anticolinérgica, ansiolíticos, antidepressivos tricíclicos, antipsicóticos, hipnóticos, anti-histamínicos, anticonvulsivantes, também estão associados à perda cognitiva (Bertolucci & Minnet, 2007).

 

    Finalmente, a demência é hoje o problema de saúde mental que mais rapidamente cresce em importância e número. Sua prevalência aumenta exponencialmente com a idade, passando de 5% entre aqueles com mais de 60 anos para 20% naqueles com idade superior a 80 anos (Almeida, 1998).

 

Atividade física, exercício físico e cognição: definições

 

    A atividade física tem sido descrita de forma bastante abrangente, como qualquer tipo de movimentação corporal, levado a cabo pela musculatura esquelética que produz gasto energético acima dos níveis de repouso, incluindo desde as atividades de vida diária, até danças e a prática de esportes (Johnson & Ballin, 1996). Por outro lado, outros autores diferenciam atividade física de exercício físico, na medida em que o último representaria um subgrupo das atividades físicas, movido por intencionalidade, uma vez que é planejado, estruturado e repetitivo, objetivando a manutenção ou a melhoria do condicionamento físico (Caspersen, Powell, & Christenson, 1985; Shephard & Balady, 1999). Incluem-se nessa categoria, as caminhadas, a corrida, a natação, a musculação e os treinos aeróbicos, por exemplo.

 

    De modo geral, as pesquisas que buscam investigar as relações entre atividade física e funcionamento cognitivo se baseiam em experimentos que empregam programas de exercícios físicos, uma vez que dessa forma podem controlar a intensidade, a freqüência e o volume de exercícios. Alguns exercícios físicos são acessíveis à maioria da população, como a caminhada e a corrida, por exemplo, por serem de baixo custo. Ademais, a prática regular na população idosa apresenta benefícios como melhoria na interação em grupo, redução do estresse, ansiedade, significativos avanços para a qualidade de vida (OMS, 2006).

 

    Entretanto, no Brasil, mesmo com atividades físicas sendo acessíveis, ainda prevalece uma alta taxa de pessoas que não praticam nenhuma atividade física - 83% da população (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005). No público idoso o índice de inatividade física é de 52,6%, sendo nas mulheres 53,2% e 51,7% nos homens (Brasil, 2009). Em comparação, os Estados Unidos da América, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (1990) possuem uma prevalência na atividade física regular de 37% no sexo masculino e 24% no sexo feminino (Yusuf et al.,1996).

 

    De acordo com Antunes et al., (2006), a função cognitiva é entendida como as fases do processo de informação que se estende desde a percepção passando pelas formas de aprendizagem, memória, capacidade de atenção, vigilância, raciocínio e solução de problemas. Ademais, no sistema de função cognitiva incluem-se o funcionamento psicomotor, que compreende o tempo de movimento, velocidade de desempenho e tempo de reação de um indivíduo.

 

    Para os autores, nas últimas décadas, dentre os fatores que têm sido elencados na literatura como aqueles que podem representar risco para o desenvolvimento da função cognitiva destacam-se a idade, gênero, histórico familiar, trauma craniano, nível educacional, tabagismo, etilismo, estresse mental, aspectos nutricionais e socialização. Além disso, há evidências de que a presença de doenças crônico-degenerativas, a hipercolesterolemia, o aumento na concentração plasmática de fibrinogênio e o sedentarismo também representam fatores de risco para o declínio da função cognitiva e esses podem ser revertidos ou atenuados pelo exercício físico (Antunes et al., 2006).

 

    No que se refere à diminuição da função cognitiva entre os idosos, esta pode ser resultado envelhecimento normal. Neste caso a alteração é devido à redução da velocidade do processamento de informações e de mudanças em habilidades cognitivas específicas, em especial a memória, a atenção, e as funções executivas. No entanto, a diminuição da função cognitiva não chega a interferir substancialmente com as atividades do dia a dia (Clemente & Ribeiro-Filho, 2008). Entretanto, quando o declínio das funções cognitivas é progressivo e ocorre importante alteração nas atividades sociais e ocupacionais do indivíduo associado à ausência de um comprometimento agudo do estado de consciência caracteriza-se como Demência (Corey-Bloom et al., 1995).

 

    Foi realizado estudo com o objetivo de avaliar a função cognitiva em idosos com idade igual ou superior à 60 anos, no município de Batatais, São Paulo. Este revelou que 18,3% dos idosos estudados tinham diminuição das funções cognitivas. Além disso, os idosos que tiveram os escores mais elevados foram associados a fatores como idade (60-69 anos), nível de escolaridade, hábito de leitura, boa relação social, principalmente com familiares, e não ter hipertensão arterial, diabetes, incontinência urinária, catarata e ou sintomas depressivos. Assim, o estudo demonstrou que há relação significativa entre a idade, o nível educacional do idoso e a manutenção do relacionamento social e familiar na manutenção da integridade funcional cognitiva do indivíduo (Gurian et al., 2012).

 

    Outro estudo que avaliou o comprometimento cognitivo e fatores associados em idosos, com idade igual ou superior a 60 anos e moram em instituição de longa permanência do município de Recife-PE, constataram que a perda cognitiva prevalecia para o sexo feminino. Além disso, verificaram que predominância de idosos solteiros institucionalizados, o que sugere uma frágil rede de apoio familiar e social no cuidado pela família. Quanto ao número de filhos, a pesquisa mostrou que existe significância estatística na associação comprometimento cognitivo e ter filhos. Os indivíduos com alta escolaridade (8 a 15 anos) obtiveram melhor desempenho nas avaliações de linguagem. Ademais, notou-se que o isolamento social e a falta de estímulo intelectual que ocorrem nas instituições podem ser considerados fatores importantes no desenvolvimento e no agravamento do desempenho cognitivo, resultando em menor desempenho para realização das atividades de vida diária e perda de autonomia (Zimmermmann et al., 2015)

 

Sedentarismo, atividade física regular e funcionamento cognitivo dos idosos

 

    De acordo com Oliveira et al. (2011), o exercício físico pode interferir no desempenho cognitivo por diversos motivos. Primeiro, em função do aumento nos níveis dos neurotransmissores e por mudanças em estruturas cerebrais, estimulando a neurogênese, mobilizando a expressão de genes que beneficiam o processo de plasticidade cerebral, aumentando a resistência do cérebro ao dano, melhorando a aprendizagem e o desempenho mental. Outra forma de contribuição para melhora cognitiva está relacionada entre indivíduos com prejuízo mental. E por último, auxilia na melhora obtida por indivíduos idosos, em função de uma menor flexibilidade mental/atencional quando comparados com um grupo jovem.

 

    Estudos apontam que o sedentarismo em idosos pode estar associado ao aparecimento de doenças crônico-degenerativas, funções fisiológicas diminuídas, imunossupressão, déficit do estado clínico e do sono. No que tange os aspectos sociais a inatividade ocasiona a redução da autoestima e aumento da ansiedade, podendo estar relacionada com o desenvolvimento da depressão.

 

    Em um estudo realizado no município de Juiz de Fora – MG em indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, comparou-se o desempenho cognitivo de idosos ativos e sedentários residentes na comunidade. Os resultados apontaram que há uma relação favorável entre a prática de atividade física e a cognição em idosos (Banhato et al., 2009).

 

    Outro estudo foi realizado no município de Uberlândia-SP com o objetivo de verificar o comportamento de idosas em testes neuropsicológicos antes e após a execução de um programa de condicionamento físico aeróbio com duração de seis meses. A amostra foi formada por 40 mulheres na faixa etária de 60 a 70 anos. Essas mulheres foram divididas em dois grupos: 17 mulheres voluntárias sedentárias (grupo controle) e 23 voluntárias participantes do programa de condicionamento físico (grupo experimental). O grupo controle foi submetido a teste de esforço máximo com eletrocardiograma e testes neuropsicológico. Após a avaliação o grupo experimental participou de um programa de condicionamento físico com ênfase no metabolismo aeróbio que consistiu em uma caminhada três vezes por semana, com duração de 60 minutos. Para atividade complementar realizou-se exercícios de flexibilidade articular e alongamento. Os resultados evidenciam que o grupo experimental beneficiou-se em relação à memória, a agilidade motora, a atenção e ao humor. Sendo assim, a participação em um programa de condicionamento físico aeróbio sistematizado torna-se uma alternativa para a melhora cognitiva em idosas não demenciadas (Antunes, 2001).

 

    Outra pesquisa realizada com homens e mulheres idosos que analisou a associação entre atividade física e desempenho cognitivo realizado em Recife-Pernambuco. Foi evidenciado que com relação ao nível de atividade física, na comparação entre gêneros, houve diferença estatisticamente significativa, evidenciando superioridade dos homens nos domínios das tarefas domésticas e da atividade física total. Esses resultados estão de acordo com pesquisa nas capitais brasileiras, onde a inatividade física atinge grande parte da população idosa, sendo que as mulheres foram menos ativas em comparação com os homens. Além disso, houve correlação entre o nível de atividade física e os indicadores de desempenho cognitivo. Uma explicação para o melhor desempenho dos homens - neste indicador de desempenho cognitivo- é o grau de escolaridade. O mais elevado grau de escolaridade dos homens da presente amostra poderia ser uma razão para este resultado (Baker et al., 2010).

 

    A prática de atividade física também relaciona positivamente para permanência do equilíbrio e agilidade e das funções cognitivas, igualmente em idosos com demência de Alzheimer. Esse resultado foi apontado em um estudo realizado pela Universidade Estadual Paulista (Hernandez et al., 2010) que encontrou influência positiva do programa de atividade física na preservação das funções cognitivas, agilidade e equilíbrio, sem aumento do risco de quedas em idosos com DA. Já com relação aos idosos com demência de Alzheimer, não praticantes de atividade física, observou-se um decaimento relevante em todas as variáveis. O autor conclui que a atividade física contribui na manutenção das funções cognitivas, pois esta permite a estimulação de mecanismos biológicos que proporcionam alterações do metabolismo encefálico e aumento do fator neurotrófico de crescimento neural, proporcionado pela plasticidade cerebral. Assim, esse tipo de atividade proporciona benefícios psicológicos, reduzindo os sintomas de ansiedade e depressão.

 

Conclusão

 

    Com base nessa breve revisão, a prática regular de exercícios físicos representa uma alternativa para melhorar a função cognitiva dos indivíduos, tendo o potencial de retardar os efeitos do envelhecimento cerebral humano. Nos estudos revisados, foram observados ganhos, de memória, no processamento lógico, na criatividade, maior agilidade motora, equilíbrio, e atenção. Esses fatores, para Oliveira et al. (2011), contribuem para uma melhor condição mental geral, e, consequentemente, para a superação de dificuldades relacionadas a crises da vida nessa idade. Dessa forma, verificamos que o declínio dos processos cognitivos são inevitáveis, no entanto a atividade física representa uma alternativa relativamente barata e acessível para retardar ou atenuar os efeitos da perda cognitiva que afeta diretamente na qualidade de vida dos idosos.

 

    Vale ressaltar que a variável escolaridade parece exercer efeitos diretos e indiretos sobre as funções cognitivas. Ou seja, é possível que os efeitos da escolaridade se somem aos efeitos da atividade física entre os idosos, uma vez que as habilidades envolvidas no processo de escolarização, como prática de leitura, escrita, uso do raciocínio lógico, por exemplo, tenham em si, o potencial de levar a melhora das funções cognitivas, e juntamente com a prática de atividade potencializam ainda mais esses efeitos. Alternativamente, a escolaridade pode mediar a relação que se estabelece entre práticas de atividade física regular e melhor funcionamento cognitivo. Esse efeito indireto ou de mediação pode ser observado porque os idosos com maior nível de instrução formal tendem a compreender melhor a necessidade da prática de atividade física, e consequentemente, têm maior adesão a essa prática, o que leva a uma melhora no seu desempenho cognitivo.

 

    Finalmente, é importante destacar que com o crescente aumento da população idosa no Brasil faz-se premente que os conhecimentos acerca dos fatores que retardam as perdas cognitivas, que por sua vez trazem impacto para o aumento da autonomia, da produtividade, e da qualidade de vida do idoso, sejam sistematizados e estejam disponíveis para os profissionais da área da saúde que atendem a essa população.

 

Referências

 

    Almeida, O. P. (1998). Mini exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arq neuropsiquiatr, 56(3B), 605-12. Recuperado em 21 março, 2017 de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X1998000400014&lng=en&nrm=iso

 

    Antunes, H. K. M., Santos, R. F., Heredia, R. A. G., Bueno, O. F. A., & Mello, M. D. (2001). Alterações cognitivas em idosas decorrentes do exercício físico sistematizado. Revista da Sobama, 6(1), 27-33.

 

    Antunes, H. K., Santos, R. F., Cassilhas, R., Santos, R. V., Bueno, O. F., & Mello, M. T. D. (2006). Exercício físico e função cognitiva: uma revisão. Rev Bras Med Esporte, 12(2), 108-14.

 

    Baker, L. D., Frank, L. L., Foster-Schubert, K., Green, P. S., Wilkinson, C. W., McTiernan, A. et al. (2010). Effects of aerobic exercise on mild cognitive impairment: a controlled trial. Archives of neurology, 67(1), 71-79.

 

    Banhato, E. F., Nunes Scoralick, N., Viveiros Guedes, D., Atalaia-Silva, K. C., & Mota, M. M. (2009). Atividade física, cognição e envelhecimento: estudo de uma comunidade urbana. Psicologia: teoria e prática, 11(1).

 

    Bertolucci, P. H. F., & Minett, T. S. C. (2007). Perda de memória e demência. Em: F.C. Prado, J. Ramos, J.R. Valle. Atualização terapêutica. (23ª ed.). São Paulo: Artes Médicas.

 

    Bezerra, F. C. (2006). Doença de Alzheimer: histórico, quadro clínico e diagnóstico. Em: L. Caixeta. Demência: abordagem multidisciplinar. São Paulo: Atheneu; cap. 1, p. 211- 21.

 

    Brasil, Secretaria de Vigilância em Saúde (2009). Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2008.

 

    Caspersen, C. J., Powell, K. E., & Christenson, G. M. (1985). Physical activity, exercise, and physical fitness: definitions and distinctions for health-related research. Public health reports, 100(2), 126.

 

    Charchat-Fichman, F. H., Caramelli, P., Sameshima, K., & Nitrini, R. (2005). Declínio da capacidade cognitiva durante o envelhecimento [Decline of cognitive capacity during aging]. Revista Brasileira de Psiquiatria, 27(21), 79-82.

 

    Clemente, R. S. G & Ribeiro-Filho, S. T. (2008). Comprometimento Cognitivo Leve: Aspectos Conceituais, Abordagem Clínica e Diagnóstica. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ, 7(1), 68-77.

 

    Corey-Bloom, J., Thal, L. J., Galasko, D., Folstein, M., Drachman, D., Raskind, M. et al. (1995). Diagnosis and evaluation of dementia. Neurology.

 

    Cotman, C. W., & Berchtold, N. C. (2002). Exercise: a behavioral intervention to enhance brain health and plasticity. Trends in neurosciences, 25(6), 295-301.

 

    Ferreira, O. G. L., Maciel, S. C., Silva, A. O., da Nova Sá, R. C., & Moreira, M. A. S. P. (2010). Significados atribuídos ao envelhecimento: idoso, velho e idoso ativo. Psico-USF, 15(3), 357-364.

 

    Gurian, M. B. F., Oliveira, R. C. D., Laprega, M. R., & Rodrigues Júnior, A. L. (2012). Rastreamento da função cognitiva de idosos não-institucionalizados. Revista Brasileira de Geriatria e gerontologia,15(2), 275-284. Recuperado em 21 março, 2017, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232012000200010&lng=en&nrm=iso

 

    Hernandez, S. S., Coelho, F. G., Gobbi, S., & Stella, F. (2010). Efeitos de um programa de atividade física nas funções cognitivas, equilíbrio e risco de quedas em idosos com demência de Alzheimer. Revista Brasileira de Fisioterapia, 14(1).

 

    Johnson, J. M., & Ballin, S. D. (1996). Surgeon General's report on physical activity and health is hailed as a historic step toward a healthier nation. Circulation, 94(9), 2045-2045.

 

    Maciel, Á. C. C., & Guerra, R. O. (2007). Influência dos fatores biopsicossociais sobre a capacidade funcional de idosos residentes no nordestes do Brasil. Revista brasileira de epidemiologia, 10, 178-189. Recuperado em 09 março, 2017 de https://hurevista.ufjf.emnuvens.com.br/hurevista/article/view/68/31

 

    Mattson, M. P. (2000). Neuroprotective signaling and the aging brain: take away my food and let me run1.Brain research, 886(1-2), 47-53.

 

    Nordon, D. G., Guimarães, R. R., Kozonoe, D. Y., Mancilha, V. S., & Neto, V. S. D. (2009). Perda cognitiva em idosos. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, 11(3), 5-8.

 

    Oliveira, E. N., Aguiar, R. C. D., Oliveira de Almeida, M. T., Cordeiro Eloia, S., & Queiroz Lira, T. (2011). Benefícios da Atividade Física para Saúde Mental. Saúde Coletiva, 8(50).

 

    Organização Mundial de Saúde (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.

 

    Organização Mundial de Saúde. (2006). Atividade física e saúde na Europa: Evidências para a ação. Centro de Investigação em Actividade Física, Saúde e Lazer. Porto.

 

    Organização Mundial de Saúde. (2015). Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Organização Mundial de Saúde. Genebra, Suiça. Disponível em http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186468/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf;jsessionid=02837C9B42CE203393BAC727CD99BAA1?sequence=6. Acessado em fevereiro de 2018.

 

    Ribeiro, A. M. (2006). Aspectos bioquímicos: envelhecimento cerebral normal e demências. Em: E.V. Freitas, L. Py, F.A.X. Cançado, J. Doll, M.J. Gorzoni. Tratado de geriatria e gerontologia. (2ª ed.). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1102-8.

 

    Shephard, R. J., & Balady, G. J. (1999). Exercise as cardiovascular therapy. Circulation, 99(7), 963-972.

 

    Sociedade Brasileira de Cardiologia. (2005). Atlas Corações do Brasil. Recuperado em 22 março, 2017, de http://prevencao.cardiol.br/campanhas/coracoesdobrasil/atlas/default.asp

 

    Tavares, A., & Azeredo, C. (2003). Demência com corpos de Lewy: uma revisão para o psiquiatra. Revista de Psiquiatria Clínica, 30(1), 29-34.

 

    Teixeira Jr, A. L., & Cardoso, F. (2005). Demência com corpos de Lewy: abordagem clínica e terapêutica. Ver Neurociênc, 13(1), 28-33.

 

    Uchôa, E. (2003). Contribuições da antropologia para uma abordagem das questões relativas à saúde do idoso. Cadernos de Saúde Pública, 19, 849-853.

 

    Yusuf, H. R., Croft, J. B., Giles, W. H., Anda, R. F., Casper, M. L., Caspersen, C. J. et al. (1996). Leisure-time physical activity among older adults. Arch Intern Med,156(12), 1321-1326.

 

    Zimmermmann, I. M. D. M., & Marques, A. P. D. O. (2015). Idosos institucionalizados: Comprometimento cognitivo e fatores associados. Geriatrics, Gerontology and Aging, 9(3), 86-92. Recuperado em 20 março, 2017, de http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2014/10/1446754540_GG_v9n3.pdf


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 243, Ago. (2018)