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ISSN 1514-3465

 

Lewis Hamilton versus Max Verstappen, a grande esperança branca

Lewis Hamilton versus Max Verstappen, the Great White Hope

Lewis Hamilton versus Max Verstappen, la gran esperanza blanca

 

Altemir de Oliveira

oaltemir@hotmail.com

Bráulio Amaral Lourenço

albraulio@gmail.com

 

Professores de Educação Física

da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre

(Brasil)

 

Recepção: 11/04/2023 - Aceitação: 06/10/2023

 

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Citação sugerida: Oliveira, A. de, e Lourenço, B.A. (2023). Lewis Hamilton versus Max Verstappen, a grande esperança branca. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(305), 216-232. https://www.efdeportes.com/efdeportes/index.php/EFDeportes/article/view/3959

 

Resumo

    Este texto se propõe a contextualizar e analisar através da aproximação teórica da Análise de discurso a temporada da Fórmula 1 de 2021 e seus protagonistas, o inglês Lewis Hamilton e o holandês Max Verstappen. Nessa perspectiva teórica, que tem como objeto o discurso, são analisados principalmente alguns comentários feitos pelos participantes do site de automobilismo Autoracing sobre F1, bem como, algumas outras mídias automobilísticas que estudadas durante o campeonato de 2021. Essa análise envolve o piloto Lewis Hamilton e as falas de cunho racistas e outras que tentam desmerecer seus feitos. Também é feita uma analogia com o filme “A grande esperança branca” do diretor Martin Ritt lançado no ano de 1970, que serviu de inspiração para a escolha do título deste texto. Sendo que, a análise de discurso busca estabelecer uma relação entre a linguística, a história e a ideologia contida no discurso. Nesse sentido, esta ferramenta teórica é abordada com o objetivo de analisar a linguagem e seus aspectos sociais, semânticos e o momento atual da Fórmula 1, tendo como principal foco, os ataques preconceituosos ao primeiro piloto negro da categoria e a ideologia do discurso contida nas falas sobre esse piloto.

    Unitermos: Racismo. Fórmula 1. Mídia. Discurso.

 

Abstract

    This text proposes to contextualize and analyze, through the theoretical approach of Discourse Analysis, the 2021 formula 1 season and its protagonists, the Englishman Lewis Hamilton and the Dutchman Max Verstappen. In this theoretical perspective, which has the discourse as its object, some comments made by the participants of the Autoracing automotive website about F1 are mainly analyzed, as well as some other automotive media that we follow during the 2021 championship. This analysis involves the pilot Lewis Hamilton and racist speeches and others that try to belittle their deeds. An analogy is also made with the film “The Great White Hope” by director Martin Ritt, released in 1970, which inspired us to choose the title of this text. Therefore, discourse analysis seeks to establish a relationship between linguistics, history and the ideology contained in the discourse. In this sense, this theoretical tool is approached with the objective of analyzing the language and its social, semantic aspects and the current moment of formula 1, having as main focus the first black-skinned pilot of the category and the ideology of the discourse contained in the speeches about this pilot.

    Keywords: Racism. Formula 1. Media. Speech.

 

Resumen

    Este texto se propone contextualizar y analizar, a través del enfoque teórico del Análisis del Discurso, la temporada 2021 de Fórmula 1 y sus protagonistas, el inglés Lewis Hamilton y el holandés Max Verstappen. En esta perspectiva teórica, que tiene como objeto el discurso, se analizan principalmente algunos comentarios realizados por los participantes del sitio web automovilístico Autoracing sobre la F1, así como algunos otros medios automotrices estudiados durante el campeonato de 2021. Este análisis implica al piloto Lewis Hamilton y los discursos racistas y otros que intentan menospreciar sus hechos. También se hace una analogía con la película “La gran esperanza blanca” del director Martin Ritt, estrenada en 1970, que sirvió de inspiración para elegir el título de este texto. Por tanto, el análisis del discurso busca establecer una relación entre la lingüística, la historia y la ideología contenida en el discurso. En este sentido, se aborda esta herramienta teórica con el objetivo de analizar el lenguaje y sus aspectos sociales, semánticos y el momento actual de la Fórmula 1, teniendo como foco principal el primer piloto de piel negra de la categoría y la ideología del discurso contenidos en las líneas sobre este piloto.

    Palabras clave: Racismo. Medios de comunicación. Fórmula 1. Discurso.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 305, Oct. (2023)


 

Introdução 

 

    A Fórmula 1 (F1) como se sabe é um esporte de elite desde sua criação na Europa na década de 1950, estando associada como todas as outras categorias do automobilismo mundial ao fascínio e a cultura do automóvel a partir de sua criação no início do século XX e de sua trajetória sociocultural através dos tempos. Um exemplo disso está na fala de Melo (2009) sobre a inscrição para a primeira prova realizada no Brasil em 26 de julho de 1908, onde a participação de profissionais assalariados como mecânicos e outros não eram permitidas. Também Morales Jiménez (2022) em seus estudos enfatiza que: “O caso da F1 é primordial, pois é sem dúvida um esporte de elite. Nem todo mundo chega à categoria mais alta do automobilismo, porque para chegar a este esporte requer ter recursos financeiros suficientes, é o simples fato de atingir categorias abaixo da F1 é muito caro” (p. 29).

 

Imagem 1. Lewis Hamilton versus Max Verstappen

Imagem 1. Lewis Hamilton versus Max Verstappen

Fonte: Gerador de imagens de Bing (#Efdeportes)

 

    Essa prática de estratificação social já acontecia nessa época em outros esportes emergentes como o futebol, o remo e o turfe. Nesse tocante, passados 70 anos de existência da F1 a trajetória de um piloto para conseguir um assento atualmente em alguma equipe envolve trazer muito dinheiro para a escuderia. Se estabelecer somente pelo talento é muito difícil, precisa ser um piloto “fora de série” desde o Kart para despertar o interesse e o investimento nas categorias de base visando prepará-lo para conquistar vitórias e consequentemente patrocínios para a equipe. Mas isso tudo se tratando de equipes grandes como a Ferrari, a Mercedes e a Red Bull atualmente. As outras equipes menores têm em sua maioria pilotos denominados pagantes na cultura da F1.

 

    O automobilismo como inferiu-se acima sempre foi um esporte para poucos, não só na F1 como em outras categorias, os pilotos são majoritariamente homens, brancos, católicos, heterossexuais e oriundos de famílias com grande capital financeiro. Nesse sentido, temos atualmente os pilotos brasileiros que se aventuram para chegar na F1; um exemplo é o brasileiro Felipe Drugovich que disputou a Fórmula 2, morando hoje na Itália, filho de pai austríaco e tendo uma família com tradição no automobilismo. Outros dois exemplos são Pedro Piquet e Pietro Fittipaldi, filho e neto respectivamente de dois grandes campeões brasileiros na F1, Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi. Mesmo com toda essa bagagem, assegurar um lugar nos bólidos da F1 será muito difícil, a concorrência e as influências do capital financeiro que cada piloto poderá oferecer para a equipe se constitui como determinante. Quanto a isso lembramos do piloto brasileiro Felipe Nasr que correu na equipe Sauber em 2015 e 2016 com o patrocínio do Banco do Brasil. Apresentou boas atuações, mas não foi o suficiente para mantê-lo na equipe, como comenta Adauto Silva, idealizador do Site do Autoracing na matéria “Por que Felipe Nasr “está fora” da F1? Nessa matéria Adauto explica melhor as duas opções para quem se aventura a lutar por um assento na F1; são elas: entrar no programa de jovens pilotos nas categorias de base das equipes grandes como Mercedes, Ferrari e Red Bull e mostrar grande habilidade ofuscando seus concorrentes no programa ou como comentado acima, trazer muito dinheiro para a equipe através de um patrocinador e manter uma boa performance nas provas durante a temporada (Autoracing, 2016). Apenas apresentou-se um exemplo mais atual de pilotos brasileiros que tentam a sorte na F1, vários já tentaram e tiveram pequenas passagens nessa categoria, mas muitos outros malograram.

 

    Como já mencionado na parte inicial, a Europa e mais especificamente a Inglaterra foram o berço da F1 nos anos de 1950 e, era provável que fosse de lá, que em 2007 estrearia na categoria mais nobre do automobilismo mundial, Lewis Carl Davidson Hamilton, o primeiro piloto negro oficialmente a competir nessa modalidade automobilística. A partir daí a F1 não será mais a mesma, L. Hamilton começará chamar a atenção pelo seu talento, sua origem humilde e sua negritude, abrindo a caixa de pandora na F1 para os discursos racistas ao longo de sua trajetória nesse esporte, principalmente nas redes sociais. Nesse sentido, procurou-se analisar esses discursos, majoritariamente do site brasileiro de F1 Autoracing. Bem como, objetivou-se também, contribuir para uma profícua discussão da racialização nesse esporte a partir do ingresso do único piloto negro em 73 anos de história da F1. Mas vale ressaltar, outros esportes como o futebol europeu, também estão tendo constantes casos de racismo contra jogadores negros, principalmente os brasileiros.

 

A trajetória de Lewis Hamilton: o piloto mais bem sucedido na história da F1 

 

    Segundo Oricchio (2007) a ascendência familiar de L. Hamilton, de que se tem notícia, começa com seus avós paternos, descendentes de africanos que se mudaram nos movimentos pós-coloniais da Ilha caribenha de Granada, pequena colônia inglesa até 1974, para o Reino Unido em 1955. Davidson, avô de Hamilton, já tinha a fama de ser um ótimo piloto de moto.

 

    Em 1963 nasce Anthony Hamilton, o pai de L. Hamilton. Eles vão morar na cidade inglesa de Stevenage. Anthony conhece a inglesa Carmen Larbalestie e, desse relacionamento inter-racial, nasce Lewis Hamilton. Seu nome é em homenagem ao velocista negro estadunidense Carl Lewis, do qual seu pai era fã, que brilhou nas pistas de atletismo na década de 1980, e de seu avô Davidson. Nessa esteira da velocidade, L. Hamilton, aos seis anos vence um campeonato de carros teleguiados por controle remoto. Seu pai vislumbra ali a habilidade e o gosto do filho por corridas de carro.

 

    Na cidade de Stevenage, a 50 km de Londres, onde L. Hamilton morava, aconteciam muitas corridas de Kart. Ele ficava fascinado vendo outros meninos competindo. Seu pai, então, investe em um Kart para o menino competir, mas as coisas não seriam tão simples assim. Anthony chega a trabalhar em três empregos para sustentar a família e viabilizar o sonho do filho (Oricchio 2015). Nessa esteira Oricchio (2015) nos conta que L. Hamilton vai contar com a ajuda do pai do piloto inglês Jenson Button, John Button. Esse comercializava motores para o Kart, sendo a manutenção e troca desses motores muito onerosa, o que era muito dispendioso para o parco orçamento de recursos que o pai de L. Hamilton dispunha.

 

    Com essa ajuda, eles continuam e L. Hamilton, aos 10 anos, torna-se o campeão de Kart mais jovem até então. A cerimônia de premiação dessa conquista vai se tornar o evento onde o futuro de L. Hamilton começa a ser traçado. Estava presente na ocasião, o chefe da famosa e lendária equipe McLaren de F1, na qual Ayrton Senna ganhou seus três títulos mundiais, Ron Dennis. E, com a ousadia que o marcam nas pistas, L. Hamilton não perdeu tempo em mandar um recado para Dennis: “Olá, o meu nome é L. Hamilton. Ganhei o campeonato britânico de Karting e um dia quero correr num dos seus carros” (Gomes, 2017). L. Hamilton, junto com essa fala, havia pedido um autógrafo para Ron Dennis e, além da assinatura, estava escrito para que ele o telefonasse após nove anos.

 

    Mas o percurso até a F1 seria construído numa vida simples e de muito esforço. Aos 12 anos, ele foi morar com o pai e a madrasta chamada Linda. L. Hamilton dormia no sofá da sala da modesta casa e muitas vezes trabalhava como garçom e lavador de carros para ajudar no orçamento. Quando iam para as corridas, era a única família negra e, vistos com indiferença, tinham que lidar com comentários racistas, pois seus equipamentos eram os piores dentre os outros competidores no Kart. Mesmo assim, L. Hamilton e seu pai não esmoreceram, faturaram mais três campeonatos nessa categoria. E, faz-se aqui uma indagação, que sempre paira no imaginário: se L. Hamilton tivesse nascido no Brasil, ele chegaria a F1 algum dia? Muito pouco provável, a maior probabilidade como negro neste pais seria ter nascido em alguma humilde periferia. Nesse sentido, enfatiza-se que, só poderia sair da Inglaterra o primeiro piloto negro da F1, pois lá como berço, o automobilismo está para a Inglaterra como o futebol para o Brasil, embora nosso país não seja o berço do futebol. Sendo assim, L. Hamilton nasceu no país de origem do automobilismo e tinha as corridas bem perto de casa como os campinhos de futebol no Brasil. Assim o esforço de seu pai, ao vislumbrar o potencial do filho para as corridas e a determinação de L. Hamilton para esse esporte, foram essenciais para o seu êxito. E unidos, tiveram ótimas possibilidades de algum sucesso.

 

    Para ter uma ideia, no GP do Brasil de F1, em novembro de 2018, o qual um dos autores teve o prazer de estar presente, logo que L. Hamilton desembarcou no Brasil como pentacampeão mundial, foi direto para uma coletiva de imprensa com 100 jornalistas. Entre eles, Adauto Silva, já citado acima, representando o site Autoracing de F1. Adauto revela que, logo de início, foi perguntando a L. Hamilton o que ele poderia fazer para que outros jovens pobres e negros pudessem chegar ao topo do automobilismo mundial. Uma das linhas de argumentação de sua resposta foi a popularização desse esporte. Também citou sua própria história de abnegação e o esforço de seu pai que chegou a ter quatro empregos (Autoracing, 2018). Nesse sentido, Morales Jiménez (2022) menciona o protagonismo e a importância de L. Hamilton criando a The Hamilton Commission e The Royal Academic of Enginnering para ajudar as pessoas negras com ações que fomentem um ambiente de equidade especificamente na F1 e nas indústrias de engenharia no Reino Unido. Também essa comissão impulsionada por L. Hamilton buscou investigar como os jovens negros a partir dos 16 anos estão evolvidos com o sistema educacional na Inglaterra. Além disso, o trabalho desta comissão visou orientar e recomendar propostas para a inclusão de uma maior diversidade, abrangendo também gênero e LGBTQI+ no automobilismo.

 

    Voltando a trajetória de L. Hamilton, de acordo com Oricchio (2007) antes de chegar à F1, aos 13 anos assinou contrato com a equipe McLaren no programa de jovens pilotos. Esse programa dava suporte para que as jovens promessas tivessem toda a orientação e equipamento de qualidade para as competições em todas as categorias de acesso até chegar na F1. Essa oportunidade dada a L. Hamilton foi cumprida por Ron Dennis antes do prazo que ele havia prometido de 9 anos e, em 2006, o jovem piloto britânico participou da GP2, última categoria de acesso antes da F1. Ele torna-se campeão numa disputa acirrada com Nelson Piquet Jr., o que ajudará a influenciar a relação de mágoa e inveja do pai tricampeão com o piloto inglês. Por conseguinte é promovido para correr pela McLaren o campeonato de F1 de 2007. L. Hamilton teve como companheiro de equipe o espanhol bicampeão mundial Fernando Alonso, que quebrou uma sequência depois de sete títulos mundiais de Michael Schumacher, o maior vencedor desse esporte até então. Fernando Alonso é tido como um dos melhores pilotos que já passaram pela categoria, mas L. Hamilton mostrou que não se deixaria ofuscar por aquela estrela que estava a seu lado. Travou-se uma disputa interna antológica dentro da McLaren entre a jovem promessa e o bicampeão. L. Hamilton quase se tornou o campeão mais jovem da história em sua primeira temporada, mas o título ficou com o finlandês Kimi Raikkonen, da Ferrari, na última corrida da temporada no Brasil.

 

    Já em 2008, com 23 anos, L. Hamilton conquista seu primeiro título de F1 de maneira dramática e sui generis; torna-se o campeão mais jovem até esse período. Isso aconteceu na última volta do GP do Brasil debaixo de chuva, L. Hamilton precisava chegar em 5º lugar para ser campeão. Ele disputava o título contra o brasileiro Felipe Massa, que precisava ganhar a corrida, e L. Hamilton não podia chegar em 5º. Felipe Massa vence a corrida e por alguns segundos era anunciado pelos autofalantes do autódromo como campeão, mas foi por alguns segundos literalmente, pois, assim que Massa cruzou a linha de chegada, L. Hamilton fazia a ultrapassagem que precisava sobre o alemão Timo Glock, pulando de 6º para 5º, para tornar-se campeão.

 

    Em 2008 o piloto inglês sofreria pesadas agressões de racismo no GP da Espanha, segundo Younge (2021) citado por Phoenix (2022, p. 11): (...) "quando pessoas pintaram-se de preto e colocaram perucas, e estavam realmente zombando de minha família e lembro que o esporte não disse nada sobre isso (...)". Nesse estágio da carreira o jovem piloto Inglês ainda não tinha dado voz a sua identidade racial, mas isso com o passar do tempo e de sua trajetória de sucesso se manifestaria anos mais tarde. Nesse sentido, abordou-se mais o despertar de:

    Preocupações há muito adormecidas sobre racismo e discriminação foram rudemente acordadas na sequência das manifestações do Black Lives Matter. No processo, Hamilton mudou o modo com que via a si mesmo: de uma pessoa que relaxa e aceita para um agente da mudança que está determinado a sacudir as estruturas. (Younge, 2021 citado por Phoenix 2022, p. 11)

    A política da F1 conduzida por Bernie Ecclestone durante muito tempo, hoje pela Liberty Media Corporation, fez dela um dos esportes mais assistidos em todo o mundo e, como falou-se anteriormente, o projeto de Bernie era levá-la aos quatro cantos do planeta. Para isso, era importante que, entre as grandes estrelas do espetáculo, os pilotos, a diversidade estivesse presente: um piloto negro e uma piloto mulher para romper com o establishment do homem branco e europeu, mas futuramente as coisas saíram do controle do que Bernie Ecclestone pretendia, pois, hoje, ele é um dos principais detratores e desafeto de L. Hamilton. Com esse viés, o piloto Inglês começa a causar uma ruptura na F1, pois ele vai ganhando espaço, causando polêmicas e desafiando os discursos nesse meio esportivo, como, por exemplo: os pilotos da F1 são atualmente focados exclusivamente ao seu trabalho como piloto, cobrados por isso devido à grande complexidade que é guiar um F1 com suas herméticas tecnologias e o preparo físico que demanda. Dito isto, L. Hamilton após seus primeiros anos na F1 e após romper a parceria com o pai como seu empresário, começa a se envolver com outros mercados como a moda e a música, tendo sua própria grife e compondo algumas músicas e tendo o cinema como projeto futuro. Esta postura foi alvo de muitas críticas de ex-pilotos de F1 e chefes de equipe, por acharem que ele iria perder o foco na F1 e comprometer suas performances. Neste tocante, faz-se a indagação: se ele se dedicasse a F1 exclusivamente como a maioria dos pilotos vencedores a exemplo de Michael Schumacher e Ayrton Senna, provavelmente seus números seriam maiores do que já são como o maior vencedor da F1? Além disso, pode-se inferir que estas atividades extras são uma maneira de lidar com extensas jornadas solitárias em alta velocidade dentro do bólido de F1. Pensando ainda nas origens da negritude de L. Hamilton, essas modalidades também podem remeter as análises de Hall (2003) sobre as heranças da diáspora africana, onde o domínio da escrita era a base logocêntrica do poder, em oposição, o povo da diáspora negra teve guarida na música com a criação de ritmos e muitas vezes tendo o corpo como único capital cultural. E talvez sejam esses repertórios culturais hereditários que ajudem a entender o seu gosto e envolvimento com a música e os desfiles de moda, causando uma espécie de rompimento com as “tradições” europeias do establishment para um piloto de F1 e inglês. Outro fato é quando comparado ao talento de Ayrton Senna, isso caiu e ainda cai como uma “blasfêmia” em muitos apaixonados desse esporte, ou seja, no imaginário das representações dos discursos produzidos sobre esse esporte, extremamente elitizado de homens brancos e ricos, um piloto negro de origem humilde sendo comparado ao piloto que virou lenda e idolatrado por muitos como incomparável, é uma espécie de afronta no circuito dessa cultura esportiva.

 

Max Verstappen e seu caminho meteórico 

 

    Por outro lado, a chegada de Max Verstappen na F1 seguiu uma trajetória mais ortodoxa e meteórica, nascido em 30 de setembro de 1997, filho do ex-piloto de F1 Jos Verstappen e de Sophie-Marie Kumpen, uma renomada corredora de Kart. Nessa atmosfera, segundo Globo Esporte (2021) ele cresce contando com a inspiração em seus genitores, uma boa estrutura financeira, o conhecimento e influência dos pais para começar sua carreira no Kart. Neste, fez sua estreia em 2001 com 4 anos, sua ascensão foi rápida devido ao grande talento demonstrado nas categorias pela qual passou, até que em 2014 foi contratado pela Scuderia Toro Rosso de F1, equipe satélite da poderosa Red Bull, a qual, já em 2016 promoveu o jovem piloto a um de seus assentos fazendo parceria com o australiano Daniel Ricciardo. Daí em diante Verstappen foi ganhando experiência e mostrando ser um piloto extremamente agressivo nas pistas e uma certa arrogância fora delas em seus depoimentos a imprensa. Max Verstappen então com 18 anos chega a sua primeira vitória no dia 15 de maio de 2016 na Espanha, tornando-se o piloto mais jovem a vencer uma corrida de F1. Com essa ascensão e demonstrando também uma grande habilidade na pista molhada, muitos começam também compará-lo ao lendário piloto brasileiro Ayrton Senna. O interessante é observar que quando L. Hamilton foi comparado a Senna não demorou para aparecerem uma miríade de críticas por essa comparação como dito mais acima. Mas com Verstappen as coisas foram diferentes, houve uma maior aceitação por parte daqueles que acompanham a F1, ou seja, a Max Verstappen foi permitida essa comparação, um jovem branco, europeu, vindo de uma família rica e simbolizando o status quo das representações de um piloto de F1.

 

Metodologia 

 

    Como mencionado sobre nossas intenções teóricas, buscou-se fazer o caminho da aproximação com a análise de discurso na perspectiva da linha francesa, essa concepção defende que os discursos têm seus alicerces nas ideologias dominantes, buscando mapear na história que as memórias discursivas são produzidas por hegemonias. Nesse sentido, contextualizou-se um pouco do cenário que se propõe esse texto e, viu-se nessa concepção teórica uma forma de expor as intenções que estão em nosso objeto teórico de análise. Ou seja, identificar e analisar por de trás dos discursos no site Autoracing sobre o piloto L. Hamilton, principalmente na temporada de 2021, as ideologias imbricadas em consequência do que a sua negritude suscita e representa devido à posição que esse sujeito ocupa no mundo do esporte a motor, com seu contexto sociocultural e os jogos das relações de poder nele contidas. Segundo Gregolin (2007), as possibilidades de focalizar efeitos identitários construídos numa teia entre discurso, história e memória a fim de mostrar a pertinência da conjunção dos campos da análise do discurso com os discursos da mídia e:

    Pensando a mídia como prática discursiva, produto de linguagem e processo histórico, para poder apreender o seu funcionamento é necessário analisar a circulação dos enunciados, as posições de sujeito aí assinaladas, as materialidades que dão corpo aos sentidos e as articulações que esses enunciados estabelecem com a história e a memória. Trata-se, portanto, de procurar acompanhar trajetos históricos de sentidos materializados nas formas discursivas da mídia. (p.13)

    Depois deste preâmbulo teórico metodológico de como pretende-se analisar o que e porquê falam sobre esses sujeitos e as diferenças no papel dos discursos para L. Hamilton e Max Verstappen na produção das identidades sociais, onde segundo Foucault (1996), o discurso mantém estreita relação com o poder e o desejo, ou seja, o discurso está para além dos sistemas de dominação, ele reflete pelo o que se luta, ‘se apropriar do poder’, no caso em questão, Max Verstappen voltar a se apropriar do poder de representar o establishment da F1.

 

A grande esperança branca e os detratores de L. Hamilton no Autoracing 

 

    Como já foi frisado no decorrer das proposições aqui colocadas, uma das propostas de Bernie Ecclestone era expandir a Fórmula 1 a muitos outros mercados a fim popularizá-la, aumentando sua audiência e principalmente seus lucros. Junto a essas mudanças, algumas mulheres tentaram se aventurar e romper o establishment nesse esporte onde impera o homem branco europeu. Poucas conseguiram participar de uma corrida oficial, além de integrarem algumas equipes como piloto de testes. Nessa esteira da diversidade aparece L. Hamilton em 2007, mas o que não se esperava era sua permanência nesse esporte tão elitizado e muito difícil para se manter pilotando em auto nível por muito tempo. Mas ao invés disso, viu-se ingressar com parca origem financeira o único piloto negro da história da F1, quebrando recordes nessa categoria para se tornar seu maior vencedor. E percebe-se que isso parece ter ido longe demais no circuito da cultura capitalista neoliberal, onde o ídolo, o desportista L. Hamilton e seu ativismo contra o racismo já não são mais suportados dentro deste sistema e, por conta disso, passou a combatê-lo em duas frentes com a intenção de desmoralizá-lo e posteriormente poder descartá-lo, como um produto a ser substituído. Quanto isso, buscou-se reportar a obsolescência programada, cunhada por London (1932) citado por Padilha, e Bonifácio (2013) virando um modus operandi dentro desse modelo econômico. Nessa perspectiva, London, citado acima, preconiza que no sistema capitalista os produtos precisavam ter uma data para serem descartados para fomentar o consumo. Nesse sentido, o tipo de obsolescência que se aborda é o de desejabilidade onde, “(...) o produto ainda está sólido, em termos de qualidade ou performance, torna-se gasto em nossa mente porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz que fique menos desejável” (Packard, 1965, p. 51). No caso e no momento, o novo modelo a ser vendido pelo capitalismo neoliberal na F1 é Max Verstappen, com suas virtudes e defeitos, holandês como a principal “patrocinadora” desse esporte, a gigante de cervejas Heineken. Com esse propósito, a FIA na conduta do diretor de corridas Michael Masi ultrapassou todos os limites da ética no esporte. Valendo-se de decisões controversas e não aplicando o regulamento da F1 e a conivência com as atitudes antidesportivas de Max Verstappen dentro das pistas para vencer a qualquer preço e sem constrangimento o campeonato de 2021. Esse estratagema da obsolescência planejada usado pelo capitalismo neoliberal ficaram mais diretos e evidentes somente nas quatro últimas corridas por que L. Hamilton, de forma impressionante, manteve um campeonato perdido praticamente aberto até a última volta da última corrida do ano que sagrou Max Verstappen como o mais jovem e polêmico novo campeão da F1.

 

    No episódio descrito acima, buscou-se fazer um paralelo com o filme “A grande esperança branca” do diretor Martin Ritt lançado em 1970, que inspirou o título desse texto, onde conta a história de um lutador negro de boxe nos EUA do início do Séc. XX (1915), vivido pelo ator James Earl Jones em plena atmosfera de forte segregação racial daquela época. Nessa história James Earl Jones interpreta Jack Jefferson um boxeador que tornasse o primeiro campeão negro dos pesos pesados, além disso, ele tem um relacionamento inter-racial com uma mulher branca. Isso deixa a aristocracia branca mais enfurecida. Nas lutas que eram organizadas de Jack Jefferson contra boxeadores brancos, ele era extremamente ofendido e hostilizado com termos racistas pela massa de torcedores majoritariamente brancos que acompanhavam as lutas em ringues ao ar livre.

 

    Qualquer semelhança com a massa de torcedores holandeses que acompanham Max Verstappen em alguns circuitos será mera coincidência? Jack Jefferson nocauteava com seus adversários logo nos primeiros assaltos não lhes dando nenhuma chance de vitória, estava sempre sorrindo como forma de resistência e ironia contra a turba enfurecida e seu preconceito racial. Nessa filmografia, os organizadores das lutas de boxe arquitetaram um plano para destronar o boxer negro em detrimento de um lutador branco. Eles não queriam ver aquele lutador negro servindo de inspiração e autoestima para a população negra segregada da época. Então forjaram uma contravenção que Jack Jefferson havia cometido, passaram a persegui-lo por todos os lugares, sua namorada se suicida em meio àquela violenta atmosfera e preso seria se não perdesse a luta para um lutador branco arranjado para participar daquela armação, “a grande esperança branca”. No início da luta, Jack Jefferson parece conformado, deixa-se ser golpeado, a torcida caucasiana fica em êxtase vendo o lutador negro prestes a cair, mas de repente, Jack Jefferson começa a reagir e impor pesados golpes no boxer branco, os organizadores ficam atônitos, sem entender o que está acontecendo, mas o lutador negro acaba sucumbindo ao sistema, mas antes mostra para todos que ele poderia derrubar seu oponente a hora que desejasse.

 

    Assim como Jack Jefferson, L. Hamilton foi várias vezes vaiado no pódio de algumas corridas e hostilizado racialmente nas redes sócias por conta de suas disputas com outros pilotos brancos e principalmente em 2021 com Max Verstappen. L. Hamilton também tinha o controle da luta pelo campeonato, apesar de o sistema estar contra ele e o que ele representa. Como no Grande Prêmio do Brasil de F1 de 2021, onde L. Hamilton sofreu uma penalização duvidosa, tendo que largar na última posição na corrida Sprint, corrida com 100 km de distância que acontece algumas vezes no sábado e define o grid de largada para a corrida no domingo, que tem em média 300 km de distância. Nesta ação da direção de prova, as ‘forças’ já se moviam para dar o título à Max Verstappen. Apesar da penalização, o que se viu foi uma das mais belas apresentações de um piloto na pista de Interlagos. Ele converteu toda a adversidade da Sprint no sábado numa vitória épica no domingo. Finalizando com a homenagem à torcida brasileira presente, pegando a bandeira brasileira, como fazia Ayrton Senna, percorrendo a pista, emocionado os narradores, e levado à torcida nas arquibancadas ao êxtase.

 

    Com essa determinação, ele manteve o campeonato aberto até a última volta da última corrida, mostrando ao mundo que somente uma manipulação poderia tirar-lhe seu oitavo título mundial. Isso o consagraria definitivamente como o maior piloto da história da F1 de todos os tempos, acredita-se que esse foi um dos motivos para sabotá-lo. A esse respeito, o sete vezes campeão de Raly, Sébastien Ogier disse: “A situação deve ter sido difícil de aceitar. Hamilton teve a impressão de ter sido roubado. Não tenhamos medo de usar a palavra certa” (Autoracing, 2022). A propósito, não se viu na maioria da grande mídia no Brasil e principalmente as mídias que falam sobre automobilismo denunciarem esse roubo ou de forma veemente que o título foi tirado de L. Hamilton por uma manobra fora do regulamento da F1.

 

    Esse fato materializado nesse momento histórico talvez seja revelado daqui a alguns anos quando esses enunciados forem autorizados a circularem como verdade. Foucault (2005) em seus estudos com a arqueologia do saber se detém em analisar porque em dados momentos históricos alguns enunciados podem ser ditos e outros são silenciados. Sendo que, aqueles que podem ser revelados e os que não são autorizados fazem parte de um processo que controlam os sentidos e as verdades que circulam na mídia.

 

    Por outro lado, Bernie Ecclestone e suas investidas contra L. Hamilton diz não ter havido roubo e que isso é um “disparate”. Essa sua postura contra o ativismo de L. Hamilton em relação ao racismo chegou a proferir em entrevista à CNN americana que: “em muitos casos, negros são mais racistas do que os brancos” (CNN, 2020). Bernie Ecclestone como muitos no mundo da F1 nunca tiveram que parar para pensar sobre este tema, o mais perto que chegaram foi depois de muita pressão banir o Grande Prêmio da África do Sul em 1985 do seu calendário, devido ao apartheid, regime de segregação racial que imperava naquele país de 1948 a 1994.

 

    As tensões sobre o racismo ganharam novos contornos com a morte do afro-estadunidense George Floyd, aquele crime chocou o mundo, muitas ações e protestos se desencadearam por todos os cantos, e na F1 não foi diferente com o protagonismo de L. Hamilton. Sobre esse envolvimento do piloto, foi como se uma barragem tivesse se rompido, comenta o jornalista e professor de sociologia Younge (2021) citado por Phoenix (2022) após entrevistá-lo:

"Esta explosão de emoções surgiu e eu não pude me conter", ele disse, relembrando este momento profundamente emocional de fato. "Eu estava em lágrimas. E tudo aquilo veio à tona, que eu tinha reprimido por todos esses anos. E foi tão poderoso e triste, e também libertador. E eu pensei, Eu não posso ficar quieto. Eu preciso me manifestar, porque pode haver pessoas passando pelo que eu estou passando ou dez vezes pior. Ou cem vezes pior. E eles precisam de mim exatamente neste instante. E quando eu me manifestei de fato foi para avisar a comunidade negra: Eu ouço vocês e estou com vocês". (p. 11)

    L. Hamilton assim se junta a comunidade negra e quer que ela saiba disto. Ele vai usar seu status socioeconômico, sucesso e prestígio para cobrar dos outros pilotos, da Federação Internacional de Automobilismo e de sua própria equipe ações contra o racismo (Younge, 2021 citado por Phoenix, 2022). O que levará a gigante alemã Mercedes AMG, equipe de L. Hamilton, mudar a cor prata tradicional de seus carros na F1 para o preto, como também, os macacões de mecânicos e pilotos da escuderia. A esse respeito, Quintelo (2021) vai nos dizer que: “Uma das ações emblemáticas nesse sentido foi realizada pela equipe Mercedes, que alterou a pintura de seus carros de prata para preto, como forma de apoio a luta antirracista” (p.10).

 

    Assim os carros da Mercedes de F1 que eram chamados de flechas de prata passaram a ser chamados de pantera-negra. Além disso, no Grande Prêmio da Áustria de 2020, L. Hamilton lidera um movimento contra o racismo antes desta corrida, 14 dos 20 pilotos com camisetas pretas escrito "End Racism" se ajoelharam em protesto. Na camisa de L. Hamilton a mesma frase estava na frente e "Black Lives Matter" atrás. Antonio Giovinazzi, Daniil Kvyat, Charles Leclerc, Kimi Raikkonen, Carlos Saiz Jr e Max Verstappen não aderiram a este gesto (Russell, 2020). Sobre este ato dos pilotos de se ajoelharem Younge (2021) citado por Phoenix (2022) relatou que as câmeras que controlam a transmissão das imagens da F1 cortaram o momento dos pilotos ajoelhados, para mostrarem, ao invés disso, paraquedistas da Red Bull caindo do céu no circuitos Red Bull Ring. Essa atitude ficou em contraste com o movimento que estava sendo realizado, talvez porque Max Verstappen, o piloto da casa, não estivesse imbuído pela causa, e nunca esteve ao longo do ano.

 

    Por outro lado, a campanha movida pela organização da F1 usava o slogan #WeRaceAsOne (nós corremos como um) buscando atualizar os discursos da F1 contra o racismo, desigualdade de gênero e homofobia (Quintelo, 2021). E, enquanto os movimentos antirracistas cresciam, movimentos de extrema-direita estavam posicionados nos governos de Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil. Tanto que essas manifestações encabeçadas por L. Hamilton na F1 levaram muitos de seus detratores a se manifestarem nas redes sociais brasileiras e nas matérias do site Autoracing, que analisaremos a seguir, com discursos contrários e racistas contra o piloto inglês e seu talento nas pistas. Sobre os discursos de ódio que circulam nas redes sociais atualmente pelos fãs de muitos esportes Cabo, e Mottershead (2022) apontam em seus estudos que a desinibição online são frutos de alguns fatores: primeiramente o anonimato e sua desobrigação com as restrições morais e psicológicas que regem o mundo real. Em segundo, a invisibilidade que alimenta a dimensão de afastamento físico, espacial e geográfico daqueles que são alvos de suas agressões e o impacto causado em suas vítimas, bem como, afastamento de qualquer sentimento de empatia, justificando e fortalecendo seu ódio. E em terceiro, como se fosse um jogo onde suas expressões são legitimadas, pois assim que ficam off-line voltam a sofrer as influências do superego. Eles ainda afirmam que a Internet mudou nossa forma de comunicação, interação e comportamento humano.

 

    Se observa o que disse T.N.B., são as iniciais do seu nome, em matéria publicada no site Autoracing (2020a) quando a Mercedes anunciou a pintura preta no seu carro aderindo à campanha contra o racismo: "É incrível como as equipes têm essa predileção de pintar de preto seus carros. Assim fez a McLaren até 2017, depois Hass, Renault e agora Mercedes. Visualmente falando, sinceramente, acho feio demais. (...)". Esse participante do Site Autoracing é um dos principais detratores do L. Hamilton, por mais que L. Hamilton faça de excepcional dentro ou fora das pistas ele encontra um comentário para desmerecê-lo. Aqui a mensagem passada pela equipe Mercedes é de engajamento por uma causa, contra o racismo, não está relacionada com a estética da pintura, que por sinal, muitos acharam linda, também gostei muito. Já G.S. se pronunciou assim sobre a mesma matéria: “Mas desculpe, acho que essa história, para a Mercedes, é só marketing! Vai me dizer que os alemães chefões da merça tão lá interessados em levantar essa bandeira, perdendo seu sono pra isso! Puro marketing, para aparecer bem na foto!”. Nesta fala percebe-se a pouca ou nenhuma importância com a questão do racismo, transferindo seu sentimento para a equipe Mercedes quando expressa: “perdendo o seu sono pra isso!” Indo nesse mesmo discurso da pouca importância do ativismo de L. Hamilton contra o racismo usando sua visibilidade na F1, na matéria do Autoracing (2020b) dois grandes nomes do passado no automobilismo, os ex-pilotos Mario Andrétti e Jackie Stewart disseram respectivamente "Acho que o sentido dessa campanha é pretensioso. Temo que parece estar criando um problema que não existe". Nesse sentido, Jackie Stewart corrobora que a questão do racismo “não é tão grande” quanto L. Hamilton está sugerindo. “Ele é bastante feroz em relação a esses elementos, mas eu não creio que existe um problema tão grande quanto pode parecer. Não há resistência à mudança se alguém é inteligente e bom no que faz. Eles serão aceitos na F1”. Voltando ao campeonato de 2021, sendo esse escopo, percebe-se no GP da Inglaterra disputado no dia 18 de julho os ataques racistas mais ferozes que L. Hamilton sofreu ao longo de sua carreira. L. Hamilton e Verstappen travaram nas duas primeiras voltas uma disputa acirrada pela liderança da prova. L. Hamilton e Max Verstappen entraram praticamente jutos na curva Copse a quase 300 km/h, os dois acabaram se tocando e Verstappen bateu forte contra a barreira de proteção. L. Hamilton prosseguiu na prova ganhando uma penalização de 10 segundos e mesmo assim venceu a prova no seu país, tornando-se seu maior vencedor com 8 vitórias no berço da F1 no lendário circuito de Silverstone. O acidente foi visto pelos principais comentaristas como incidente de corrida, mas nas redes sociais as agressões racistas fugiram ao controle. Sites como Uol e Yahoo como cometa S.J.J. no site Autoracing (2021a) que abordou sobre o Grande Prêmio da Inglaterra de 2021: Bom... infelizmente mesmo após uma corridaça desta, e mesmo num site tão legal e sério quanto este... feito com tanto carinho e dedicação, aliás, dedicação de quase uma vida toda né? ainda temos de ver tanta besteira nos comentários como aqui embaixo. Meu deus, parece os replies do UOL. ou do yahoo. pqp.”.

 

    Um dos principais detratores de L. Hamilton no Autoracing que já falamos anteriormente estava em cólera, fez inúmeros comentários raivosos parecendo que alguém muito próximo seu tinha sofrido aquele acidente e que L. Hamilton tinha feito de forma intencional, como se alguém pudesse calcular a 300 km/h dar um toquinho no adversário e tirá-lo da pista não causando nenhum dano a seu próprio carro. Vejamos uma das falas de T.N.B. no Autoracing (2021b): "Lógico, a culpa do acidente foi total, 100% de Lewis. Uma navalhada monster. Uma barbeiragem de quem nem parece ter 15 anos de experiência na F1. 10 segundos de punição foi pouco. O correto seria 20 segundos, para impedir qualquer possibilidade de quem faz uma lambança absurda dessas ainda se recuperar e vencer a corrida, depondo contra a competitividade real do espetáculo em si. E aguardemos uma punição considerável na carteira do piloto. Tem que perder 5 pontos no mínimo. Minha consideração pela pilotagem de Hamilton foi a zero neste domingo. Lamentável sob todos os aspectos e ainda querem colocar este piloto num nível superior a Fernando Alonso e Nelson Piquet, que nunca aprontaram desta forma disputando a ponta em Silverstone e em outros circuitos. Ainda falta muito para Lewis engraxar as chuteiras de Piquet, Senna e Alonso...”. H10 comenta no Autoracing (2021a) “Hamilton é desonesto se passando por das nobres causas. A máscara caiu, não chega aos pés de Luther King ou Mandela.

 

    T.N.B. comentou que a consideração dele pela performance do Hamilton foi zero, quando L. Hamilton vence, mesmo que seja de forma espetacular como no GP Brasil, tenta desmerecê-lo de todas as formas. Neste GP do Brasil um dos pontos mais altos da corrida foi quando Verstappen jogou o carro para cima do L. Hamilton quando estava sendo ultrapassado, se os dois saíssem da prova Verstappen praticamente seria campeão, mas L. Hamilton conseguiu evitar a batida saindo para a área de escape, sendo este incidente visto pelos comentaristas como uma manobra desleal que deveria ter sido punida pelos comissários que fiscalizam a corrida. Vejamos o que T.N.B. falou sobre a vitória e o incidente: “O vídeo mostra claramente que Verstappen não fez nenhuma manobra ilegal, ele virou o volante sempre no sentido de fazer a curva. Ele não virou o volante para a direita visando forçar Hamilton a ir cada vez mais pro lado. Não estão reparando que a competitividade na pista do campeonato acabou desde o GP Brasil?” (Autoracing, 2021c). Sobre este comentário outro participante do Autoracing, E.D.C., responde a T.N.B.: “isso pq tu é cego ou caolho em momento algum as rodas se mexem no sentido da curva, acho que tu passa dos limites no ódio ao Hamilton, meu deus, chega até ver rodas virando quando o vídeo é claro e mostra ele indo reto sem frear ou tentar fazer a curva.”. (Autoracing, 2021c)

 

    T. N.B. vislumbra uma manobra de Max Verstappen que só ele viu, e o que ainda fica mais visível, é não apontar a atitude antidesportiva do piloto holandês. Onde chegaria ao seu ápice no GP da Arábia Saudita, em 5 de dezembro de 2021, quando Verstappen realizou um brake test na frente de L. Hamilton, atitude que faz com que o piloto que está atrás possa bater na traseira de quem realizou o brake test. Esta manobra quando penalizada pela fiscalização é a desclassificação, o que também não ocorreu. T.N.B. também alude que desde o GP do Brasil a competitividade acabou, fazendo uma inferência as performances de L. Hamilton como frutos de alguma anormalidade no carro da Mercedes, o que não daria chance aos seus oponentes de competir contra ele, sempre visando diminuir seus feitos.

 

    Sabe-se, e é importante frisar, que existe uma legião de fãs que apoiam e defendem L. Hamilton nas redes sociais. No Instagram ele lidera com 33,5 milhões de seguidores entre os pilotos de F1, o segundo é Charles Leclerc com 11,3 milhões (Berto, 2023). Assim como também a outros detratores no Autoracing que fazem questão de manifestar sua questão pessoal contra esse piloto. Chegando até usar o pseudônimo de #anti44, outros dois usam a expressão “negaum” e ‘negão” respectivamente, para se referir a Hamilton (Autoracing, 2021b). Essas manifestações não mostram uma identificação com o rival Max Verstappen, o que seria um eufemismo para justificar esse comportamento de indignação, cólera e ataques preconceituosos. O grande sucesso de L. Hamilton incomoda muita gente, afinal de contas ele é o piloto de F1 mais bem-sucedido da história. Um exemplo que traduz esse sucesso e o desgosto daqueles que não aceitam o único piloto negro da F1 com a envergadura e ativismo de L. Hamilton é nos GPs da Inglaterra e dos EUA, por exemplo. Nessas corridas costumam aparecer grandes estrelas de Hollywood ou do mundo esportivo e da música. E o local onde a grande maioria destas celebridades como: Usain Bolt, George Lucas, Tom Cruise, Brad Pitt, etc., gostam de estar e aparecer é no box da Mercedes ao lado de Lewis Hamilton. Ficaríamos muito tempo aqui analisado os discursos que tentam diminuí-lo e agredi-lo como os proferidos por Nelson Piquet em entrevista que vasou em julho de 2023 sobre a opinião deste piloto, que hoje é sogro de Max Verstappen, relativo ao acidente em Silverstone em 2021 comentado mais acima. Piquet também é pai de Nelsinho Piquet que duelou na antiga GP2 com L. Hamilton em 2006 e batido pelo inglês. Outro fator a considerar é amizade e admiração que Piquet sempre teve com o recém-falecido tricampeão Nick Lauda. Lauda tinha grande admiração por L. Hamilton e foi ele quem convenceu e levou o piloto inglês para a Mercedes tornando-se o que ele é hoje na F1. Talvez aí já tivéssemos uma justificativa para as falas racistas de Piquet, mas vai além, marcar a diferença chamando L. Hamilton de “neguinho” é fazer uso deste termo performativo com a intenção de diminuí-lo com essa expressão. A negritude e todo o seu processo histórico de desigualdades e discursos de inferioridade, das relações de poder e principalmente os locais que dizem que os negros podem ocupar e estar nos cenários de protagonismo sociocultural.

 

Ponderações finais: eu escolho a hora de parar 

 

    No fatídico GP de Abu Dhabi em 2021, após a direção de prova na Figura de Michael Masi ‘roubarem’ o título de L. Hamilton na última volta da última corrida, tornando Max Verstappen campeão para que um novo produto do capitalismo neoliberal fosse oferecido aos consumidores brancos, homens, ricos e conservadores. Agora vozes do círculo da F1 como Helmut Marko (Autoracing, 2022a) e Jack Stuart (Autoracing, 2022b) dizem que L. Hamilton deveria se aposentar no auge. Discursos dizendo que ele está velho com 37 anos para a F1, assim como, a todo momento, muitos comentaristas dos sites sobre F1 chamam-no de veterano. E ele, L. Hamilton, disse a essas vozes, “Trabalhando na minha obra-prima. Eu decidirei quando ela estará concluída” (Autoracing, 2022c)

 

    É curioso observar que esses discursos são proferidos somente para ele, enquanto outro piloto como o bicampeão Fernando Alonso com mais de 40 anos e fadado a correr em equipes que dificilmente lhe darão chance do tricampeonato, que ele tanto almeja, não pedem sua aposentadoria. Agora o piloto inglês condecorado cidadão brasileiro pela Câmara de Deputados em Brasília no dia 07/11/2022, por iniciativa do Deputado Federal André Figueiredo (PDT-CE), após o gesto do piloto no GP do Brasil 2021 pegando a bandeira brasileira após a vitória, já comentado anteriormente e o apoio que deu, recentemente, ao jogador brasileiro Vinícius Júnior no incidente de racismo no futebol espanhol, vai em busca do oitavo título. Está em excelente forma física e motivado, talvez esse seja o motivo mais importante para pedirem sua saída das pistas. O oitavo título representaria o ápice como os mil gols de Pelé, dando ares de inigualável ou insuperável. A redenção do oitavo título lhe foi tirada de maneira vergonhosa e, talvez, em breve tenhamos um grande campeonato para os verdadeiros fãs e apreciadores deste esporte. E, quem sabe, a diversidade possa ir ganhando mais espaço dentro e fora das pistas como o arauto desta causa, Lewis Carl Davidson Hamilton, vem postulando com seus esforços nas ações e nos discursos por onde passa.

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 305, Oct. (2023)