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ISSN 1514-3465

 

A Chape como clube formador: delineamentos para a formação humana

Chape as a Training Club: Designs for Human Education

El Chape como club formador: lineamientos para el desarrollo humano

 

Marineiva Moro Campos de Oliveira*

marineivamoro.oliveira@gmail.com

Francielli Silva**

fran_calgaroto@hotmail.com

Sabrina Guerra***

sabriguerra@hotmail.com

 

*Pedagoga, Psicopedagoga, Mestre e Doutora em Educação

Professora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu

da Universidade do Oeste de Santa Catarina

Pedagoga da Associação Chapecoense de Futebol

**Assistente Social Cress-006322

Especialista em Gestão de Pessoas

Acadêmica de Direito

Assistente Social Perita Dativa da Comarca de Chapecó

Assistente Social da Associação Chapecoense de Futebol

***Psicóloga - CRP 12/04408

MBA em Gestão de pessoas

Psicóloga da Associação Chapecoense de Futebol

(Brasil)

 

Recepção: 14/06/2022 - Aceitação: 11/08/2022

1ª Revisão: 26/07/2022 - 2ª Revisão: 09/08/2022

 

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Citação sugerida: Oliveira, M.M.C. de, Silva, F., e Guerra, S. (2022). A Chape como clube formador: delineamentos para a formação humana. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(292), 127-139. https://doi.org/10.46642/efd.v27i292.3542

 

Resumo

    Este trabalho apresenta uma análise sobre a organização do setor psicopedagógico e social das categorias de base da Associação Chapecoense de Futebol a partir dos dispositivos de lei que caracterizam o clube na condição de clube formador explicitando suas aproximações e/ou distanciamentos com objetivos da formação humana em contextos não escolares. Os procedimentos metodológicos se desdobram a partir de leituras de produções acerca do tema seguidos de uma roda de conversa com três profissionais que atuam no clube, uma psicóloga, uma pedagoga e uma assistente social. A roda de conversa foi orientada por duas temáticas norteadoras, a) Formação Humana e b) Objetivos da formação humana. Os dados foram analisados a partir da perspectiva epistemológica histórico-cultural, opção teórica que possibilitou uma reflexão crítica sobre a organização do trabalho das profissionais e sua aproximação com a formação humano em contexto de Educação Não Escolar. Os resultados apontam que a organização do trabalho das profissionais no clube com as categorias de base se encaminha para o desenvolvimento de ações que efetivam a formação humana em um contexto de educação não escolar.

    Unitermos: Futebol. Chapecoense. Clube formador. Formação humana.

 

Abstract 

    This work presents an analysis of the organization of the psychopedagogical and social sector of the base categories of Associação Chapecoense de Futebol from the legal provisions that characterize the club as a training club, explaining its approximations and/or distances with objectives of human formation in contexts not schoolchildren. The methodological procedures unfolded from readings of productions on the subject followed by a conversation circle with three professionals who work in the club, a psychologist, a pedagogue and a social worker, the conversation circle was guided by two guiding themes, the) Human Formation and b) Objectives of human formation. The data were analyzed from the historical-cultural epistemological perspective, a theoretical option that allowed a critical reflection on the organization of the professionals' work and its approach to human formation in the context of Non-School Education. The results indicate that the organization of the work of professionals in the club with the basic categories is directed towards the development of actions that effect human formation in a context of non-school education.

    Keywords: Soccer. Chapecoense. Trainer club. Human formation.

 

Resumen

    Este trabajo presenta un análisis de la organización del sector psicopedagógico y social de las divisiones inferiores de la Associação Chapecoense de Futebol a partir de las disposiciones legales que caracterizan al club como club formador, explicando sus aproximaciones y/o distancias con objetivos de formación humana en contextos fuera de la escuela. Los procedimientos metodológicos se desarrollan a partir de lecturas de producciones sobre el tema seguidos de una rueda de conversación con tres profesionales que actúan en el club, una psicóloga, una pedagoga y una trabajadora social. La rueda de conversación estuvo guiada por dos ejes rectores, a) Formación humana y b) Objetivos de la formación humana. Los datos fueron analizados desde la perspectiva epistemológica histórico-cultural, recurso teórico que permitió una reflexión crítica sobre la organización del trabajo de los profesionales y su abordaje de la formación humana en el contexto de la Educación No Formal. Los resultados indican que la organización del trabajo de los profesionales del club con las categorías básicas se orienta al desarrollo de acciones que inciden en la formación humana en un contexto de educación no formal.

    Palabras clave: Fútbol. Chapecoense. Club formador. Formación humana.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 292, Sep. (2022)


 

Introdução 

 

    Este trabalho apresenta uma análise pautada na perspectiva epistemológica histórico-cultural que explicita a organização do setor psicopedagógico e social e suas aproximações e/ou distanciamentos com os dispositivos de lei que caracterizam o clube na condição de clube formador explicitando suas aproximações e/ou distanciamentos com objetivos traçados à formação humana em contextos não escolares.

 

    O lócus do estudo foi o alojamento das categorias de base da Associação Chapecoense de Futebol (ACF), localizado no oeste de Santa Catarina. No alojamento, aproximadamente 30 atletas recebem acompanhamento, dentre outros setores, o setor destaque da base é o psicopedagógico e social, composto por profissionais da área de psicologia, pedagogia e do serviço social.

 

Imagem 1. Escudo da Associação Chapecoense de Futebol

Imagem 1. Escudo da Associação Chapecoense de Futebol

Fonte: Chapecoense.com

 

    Os procedimentos metodológicos desdobram-se a partir de leituras de produções acerca do tema seguidos de uma roda de conversa com três profissionais que atuam no clube; uma psicóloga, uma pedagoga e uma assistente social. A roda de conversa orientou-se por duas temáticas norteadoras; a) Formação Humana e b) Objetivos da formação humana. Analisou-se os dados a partir da perspectiva epistemológica histórico-cultural, opção teórica que possibilitou a reflexão crítica sobre a organização do trabalho das profissionais e sua aproximação com a formação humano em contexto de Educação Não escolar.

 

    Nesse sentido, para atender ao objetivo proposto, este texto está se organiza em duas seções. Na primeira, destaca-se o caminhar metodológico da pesquisa conceituando roda de conversa como um instrumento de coleta de dados. Na segunda seção, evidencia-se a apresentação e discussão dos resultados, na qual é possível apontar que os enunciados proferidos e compartilhados na roda evidenciam à efetividade da reflexão acerca de temas relevantes na formação humana que posterior interferem na dinâmica dos processos participativos sociais dos atletas de base (Abasolo, 2015). Dessa forma, os enunciados das profissionais sinalizam que o alojamento é um lugar de educação não formar potencializador da formação humana a partir de ações que permite esse desenvolvimento.

 

Metodologia 

 

    Os procedimentos metodológicos se desdobram a partir de leituras de produções acerca do tema seguidos de uma roda de conversa organizada em maio de 2022 com três profissionais que atuam no clube: uma psicóloga, uma pedagoga e uma assistente social.

 

    Essas profissionais atuam no clube com as categorias sub 15, sub 17 e sub 20, o que totaliza aproximadamente 30 atletas. Com foco nas atividades que essas profissionais realizam com os grupos organizados por grupo A – sub 15, grupo B – sub 17 e grupo C – sub 20, descreve-se ações de intervenções realizadas pelas profissionais.

 

    Sobre a organização, destaca-se que as atividades realizadas pela Assistente Social e a Psicóloga ocorrem três vezes por semana no tempo de 1 hora cada intervenção, com cada grupo, o que totaliza 3 horas semanais de intervenções em grupo. As atividades da Pedagoga ocorrem uma vez por semana com a duração de 1 hora por grupo, exceto os atletas do sub-20 que não participam do atendimento pedagógico uma vez que já concluíram a educação básica.

 

    No que tange ao Clube, a Associação Chapecoense de Futebol - ACF possui categorias de Base Sub 12, Sub 13, Sub 14, 15, Sub 17 e Sub 20. O alojamento é o espaço no qual aproximadamente 30% dos atletas das categorias Sub 15, 17 e 20 ficam hospedados; os demais ficam com suas famílias ou em famílias acolhedoras, ou seja, moram com outras famílias que acolhem jogadores do clube. Evidencia-se que é com os atletas alojados que as profissionais participantes desta pesquisa realizam suas intervenções.

 

    Após leitura de produções acerca da temática formação humana em clubes com certificação formadora, organizou-se a roda de conversa a partir de duas categorias de análise que se tornaram os temas orientadores do diálogo: a) Formação Humana; e b) Objetivos da formação humana.

 

    A roda de conversa organizou-se com base nos pressupostos baktinianos (Bakhtin, 2003) os quais compreendem o papel da dimensão dialógica e definem que é por meio da linguagem que os sujeitos desenvolvem a interpretação da realidade em que está inserido. Dessa forma, a escolha pela roda de conversa como dispositivo de coleta de dados apresentou-se como forma de subsidiar o trabalho com a linguagem oral e valorizar a produção dos enunciados dos sujeitos da pesquisa.

    

    Compreende-se que a roda é um instrumento regularmente utilizado no cotidiano da Educação Não Escolar que permitem ao sujeito expressar sua singularidade (Oliveira, 2021). Até mesmo a disposição da roda, o retirar a centralidade em uma única pessoa potencializa os discursos uma vez que todos ocupam o mesmo espaço e precisam fazer a palavra girar, uma roda de discurso, enunciados, palavras que se encontram e reencontram na magia que é se comunicar no movimento do dialogismo. (Bertonceli, 2016)

 

    Por meio do dialogismo, concedido na roda de conversa que tem como característica principal conceber a unidade do mundo nas múltiplas vozes dos sujeitos que participam do diálogo da vida e emprega sentido às diferentes marcas dialógicas, evidencia-se os enunciados dos sujeitos desta pesquisa que contribuíram para identificar de que forma a ACF dialoga acerca da formação humana. (Aoyama, 2008)

 

    Após a realização da roda de conversa com as profissionais, com a duração de 3 horas, analisou-se os dados com base na perspectiva histórico-cultural com olhar para a Educação Não Escolar utilizando-se como autora central da análise Gohn (2006), autora que tece seu olhar praxiológico para a educação não escolar institucionalizada.

 

Resultados e discussão 

 

Certificação de clube formador no Brasil 

 

    Para iniciar a apresentação dos resultados e discussões evidencia-se a contextualização da organização de um Clube formador no Brasil. O futebol é um dos esportes mais conhecidos mundialmente e com grande influência social e econômica em qualquer idade. Contudo, se tratando de crianças e adolescentes é necessário organizar o processo de formação do pequeno atleta, ou seja, do atleta das categorias de base, atletas em formação que objetivam a ascensão ao profissional. (Novak, 1982)

 

    Nesse sentido, organizar o espaço da base que formará os atletas é essencial, nesta organização destaca-se a Lei Federal n° 12.395/2011 a qual criou a figura do clube formador de atletas, alterando a Lei Pelé (Lei Federal n° 9.615/98) para estabelecer, dentre outras demandas, os requisitos mínimos obrigatórios para que um clube obtenha o Certificado de Clube Formador (CCF).

Reforça-se os dispositivos de lei a Resolução da Presidência (RDP) nº 01/2019, a qual exige que o clube de futebol atenda a todos os requisitos mínimos para se caracterizar como clube de formação. A RDP é o documento vigente no Brasil que define normas de solicitação do CCF. Destaca-se que estes dispositivos de lei levam em consideração os pressupostos do estatuo da criança e do adolescente, conhecido como a ‎lei nº 8.069, de 13 de julho 1990 (ECA). (Araújo et al., 2021)

 

    A partir desse caminhar de base legal, a certificação pode ser solicitada por clubes filiados à sua federação estadual e, por consequência, à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que objetivam estruturar uma base formadora (CBF, 2019). De acordo com dados da CBF publicados em sua página on-line oficial, no ano de 2022 são 28 clubes brasileiros que possuem a certificação de Clube Formador. Evidencia-se os clubes no Quadro 1.

 

Quadro 1. Lista dos times com o Certificado de Clube Formador (CCF)

Estados Brasileiros

Clubes brasileiros com certificação formadora em 2022

Santa Catarina

Associação Chapecoense de Futebol (SC)

América Futebol Clube SAF (SC)

Avaí Futebol Clube (SC)

Azuriz Futebol de Alta Performance Ltda.

Criciúma Esporte Clube (SC)

Figueirense Futebol Clube SAF (SC)

São Paulo

Associação Atlética Ponte Preta (SP)

Botafogo Futebol S.A. (SP)

Clube Atlético Juventus (SP)

Guarani Futebol Clube (SP)

Grêmio Osasco Audax Esporte Clube (SP)

Sociedade Esportiva Palmeiras (SP)

São Paulo Futebol Clube (SP)

Santos Futebol Clube (SP)

Rio de Janeiro

SAF Botafogo (RJ)

Club de Regatas Vasco da Gama (RJ)

Clube de Regatas do Flamengo (RJ)

Fluminense Football Club (RJ)

Nova Iguaçu Futebol Clube (RJ)

Volta Redonda Futebol Clube (RJ)

Ceará

Ceará Sporting Club (CE)

Fortaleza Esporte Clube (CE)

Paraná

Club Athletico Paranaense (PR)

Coritiba Foot-ball Club (PR)

Paraná Soccer Technical Center - PSTC (PR)

Minas Gerais

Clube Atlético Mineiro (MG)

Cruzeiro Esporte Clube SAF (MG)

Bahia

Esporte Clube Bahia (BA)

Esporte Clube Vitória (BA)

Rio Grande do Sul

Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense (RS)

Sport Club Internacional (RS)

Fonte: Página oficial da CBF, https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/registro-transferencia/certificado-de-clube-formador

 

    Como se apresenta no Quadro 1, esses clubes atendem aos critérios para receber a certificação e possuem legalmente o direito à preferência na assinatura do primeiro contrato profissional dos jovens treinados na instituição ou à uma indenização caso o atleta chegue a um acordo com outra agremiação.

 

    Porém, muito além de contratações, os debates acerca da certificação aos clubes de futebol de base consideraram a concepção de formação integral, humana, dos atletas de futebol que demanda para além da formação técnica, uma formação que considere os aspectos psicopedagógicos e sociais importantes na formação humana dos adolescentes.

 

    Ao se considerar a formação humana, se propor uma mudança de planejamento que interfere na organização do clube que passa a considerar importante o desenvolvimento social, psicológico e educacional do atleta (Oliveira, 2021). Além da mudança de planejamento, destaca-se a mudança na estrutura do espaço do clube, geralmente o alojamento. Além disso, destaca-se a contratação da equipe multiprofissional determinante para a formação integral desejada. (Martínez, 2010)

 

    Essas alterações são requisitos para a concessão do CCF. De acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para receber a certificação o clube deve submeter à CBF a documentação de registro do clube, de laudos técnicos, de documentos que comprovem a autorização de funcionamento do alojamento, e outros documentos anexos ao edital de solicitação. (CBF, 2019)

 

    Após análise no local, a comissão da CBF organiza a visita técnica ao clube com o objetivo de comprovar condições que garantam a qualidade de convivência no alojamento e na execução das ações para além da formação técnica. Posterior a visita, se autorizado o funcionamento, a segunda etapa demanda da apresentação da documentação técnica de trabalho, dentre elas; a) a habilitação dos técnicos que atuarão com as categorias de base; b) a comprovação de participação em competições oficiais por meio de inscrições nas competições; c) a apresentação do programa de treinamento detalhando os objetivos e metodologias sem que esse atrapalhe as atividades escolares; d) a garantia de no mínimo três refeições diárias a cada atleta; e) a garantia de assistência, dentre outras, a educacional, a psicológica e a social. (CBF, 2019)

 

A Associação Chapecoense de Futebol e sua formação de base pala além do campo 

 

    Dentre os clubes formadores que atendem aos requisitos, encontra-se a Associação Chapecoense de Futebol (ACF) lócus da pesquisa. Definiu-se como foco deste trabalho as ações educacionais, psicológicas e sociais, as quais compõem o setor psicopedagógico e social, uma das exigências à garantia da certificação do clube formador. Este setor é responsável pelo acompanhamento dos atletas da base nas atividades extracampo, é o setor que contribui para a formação para além da técnica de jogo, é responsável pelas atividades realizadas no alojamento dos atletas da categoria de base.

 

    Para adentrar no contexto real da investigação, compreende-se a formação da categoria de base como um processo de formação não escolar institucionalizado, ao qual soma-se à educação escolar e realiza inferências na formação humana (Malpica, 2013). Na busca pela formação integral omnilateral que consiste em um processo humanista objetivado ao desenvolvimento do homem em todas as suas potencialidades, o Clube Associação Chapecoense de Futebol, que carinhosamente é chamada por “Chape”, possui em seu quadro pressionais que atuam com atividades extracampo capazes de potencializar o desenvolvimento e a formação humana nos e dos atletas da base numa perspectiva de totalidade, ou como sinalizou Manacorda (1971, p. 94), na formação omnilateralidade é que o “desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos”.

 

    Diante dessa concepção, sublinha-se que o alojamento é um espaço de Educação Não Escolar capaz de intervir na formação omnilateral dos atletas de base por meio das atividades realizadas pelos profissionais que atuam no espaço. Contudo, para constatar se as ações dos profissionais de fato afirmam essa concepção é importante analisar como são organizadas tais ações.

 

    De acordo com Vianna, e Lovisolo (2011), as atividades desenvolvidas em espaço de educação não escolar devem estabelecer reflexões acerca da educação na perspectiva de formação humana compreendendo que a formação está na e para além da escola, ainda, que a formação acontece em diferentes espaços, não somente na escola, mas se somam a ela.

 

    Ressalta-se que a educação está na escola e para além dela, as atividades que os atletas vivenciam nos diferentes espaços devem promover uma educação pautada na diversidade, na criatividade, na socialização, na autonomia e construção de valores éticos e morais (Barros, 2008), assim efetiva-se a formação humana.

 

    Dessa forma, para analisar as ações planejadas e executadas pelo setor psicopedagógico e social da Chape, na perspectiva de identificar se de fato o alojamento pode ser considerado como um espaço de formação humana em contexto não escolar, organizou-se uma roda de conversa com duração de 3 horas com as profissionais que atuam na Base do clube.

 

    A roda ocorreu de forma presencial; inicialmente explicou-se às participantes que o objetivo era compreender o trabalho realizado com os atletas fora de campo. Quanto a ordem de fala, explicou-se que era livre, podiam realizar intervenções discursivas quando desejassem.

 

    Para iniciar, lançou-se na roda o tema “formação humana”. As profissionais começaram o diálogo apontando que o tema formação humana exige articulação da vida escolar com a vida profissional, e essa articulação é realizada por meio de ações que conduzem a reflexão “quando realizamos atividades de reflexão acerca de situações de problemas sociais, como o caso de brigas no decorrer do jogo, para dialogarmos acerca dos posicionamentos” (Psicóloga – ACF). Ademais, “conversamos sobre posturas, organização do espaço coletivo, o cuidado com o meu e o que é do outro, da divisão de tarefas quando se vive no coletivo” (Assistente Social – AFC). E, complementa a pedagoga

    Realizamos atividades pedagógicas/educacionais no sentido de possibilitar reflexões acerca de como aprendo, de como posso contribuir na aprendizagem do outro, das potencialidades e das diversidades dos saber, de identificar o mundo com meus olhos e respeitar o olhar do outro sobre o mesmo objeto que eu vejo (Pedagoga – ACF).

    Diante dos enunciados, pode-se evidenciar que a concepção de formação humana se articula com o Gohn (2006) define como educação não escolar, ao sinalizar que nessa organização de formação espera-se como resultados, uma série de processos tais como:

    ...consciência e organização de como agir em grupos coletivos; a construção e reconstrução de concepção(ões) de mundo e sobre o mundo; contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade; forma o indivíduo para a vida e suas adversidades (e não apenas capacitação para entrar no mercado de trabalho); quando presente em programas com crianças ou jovens adolescentes a educação não-formal resgata o sentimento de valorização de si próprio (o que a mídia e os manuais de autoajuda denominam, simplificadamente, como a autoestima); ou seja dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais (enquanto seres humanos), dentro de suas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, culturais, etc.); os indivíduos adquirem conhecimento de sua própria prática, os indivíduos aprendem a ler e interpretar o mundo que os cerca. (Gohn, 2006, p. 30)

    Esses processos de acordo com a autora potencializam o espaço Não Escolar como local de formação humana harmonioso para o desenvolvimento da criança e do adolescente nos diferentes períodos etários. Na sequência, o tema da roda foi os objetivos das ações desenvolvidas no alojamento. Para as profissionais, o principal objetivo é trabalhar com temáticas que potencializem a formação humana formando sujeitos reflexivos acerca de sua atuação no meio social, para além de atleta, para se constituir em um ser social, humano.

    Nosso objetivo aqui é fazer com que os atletas entendam que não é somente saber jogar, é saber viver, ser, transformar, agir para o bem, ser humano. É saber que nem sempre as coisas serão como desejam, mas que é necessário saber compreender quando as coisas saem do controle (Psicóloga – ACF).

    A fala da psicóloga evidencia o que Barbieri (2001, p. 144) afirmou sobre o esporte na formação humana, para ele o esporte é como uma atividade humana “mediante o desenvolvimento integral do ser humano, de sua individualidade e de sua socialização, da preservação de sua saúde, do desenvolvimento da autoestima, do autoconhecimento”.

 

    Na sequência, destaca-se a fala da Assistente Social a qual define que “os objetivos de atuação na base é fazer com que os atletas em formação possam aprender a respeitar a diversidade, a saber ganhar e perder, a saber conviver”, a Pedagoga complementa, afirmando que “um dos principais objetivos é fazer com que os meninos entendam a importância de democracia, da liberdade, de cada um fazer o que deseja, mas sempre respeitando o outro que tem escolhas diferentes”.

 

    Os objetivos apontados pelas profissionais reforçam os objetivos propostos para a organização de espaço de formação humana na perspectiva da Educação Não Escolar, essa afirmação se identificada nos apontamentos de Gohn (2006, p. 33-34) quando dialoga acerca dos objetivos da Educação Não Escolar e elenca-os da seguinte forma:

    a) Educação para cidadania; b) Educação para justiça social; c) Educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais, etc.); d) Educação para liberdade; e) Educação para igualdade; f) Educação para democracia; Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas; Educação contra discriminação; h) Educação pelo exercício da cultura, e para a manifestação das diferenças culturais.

    Observa-se que inúmeras aproximações dos objetivos elencados nos enunciados das profissionais com os objetivos preconizados para a formação humana no campo democrático da educação não escolar proposta por Gohn (2006). Dessa forma, pode-se definir, a partir dos apontamentos da autora, que as ações realizadas com os atletas da base possibilitam a reflexão acerca de diferentes segmentos e grupos, seus valores, visões de mundo e outros temas relevantes na formação humana que posteriormente interferem na dinâmica dos processos participativos sociais desses atletas de base.

 

Conclusões 

 

    A produção dialogada e apresentada nesta pesquisa possibilita destacar que no Brasil há dispositivos de lei que certificam clubes de futebol na condição de clube formador e a partir desse movimento é que se estabelecem as organizações para acolher e acompanhar atletas de base em formação.

 

    Destacamos que no dispositivo de lei 1153/2019 organizado e apresentado pela Confederação Brasileira de Futebol preconiza a importância de estabelecer no clube o setor psicopedagógico e social o que evidencia que a preocupação é para além do campo, com foco na formação humana.

 

    Dessa forma, os resultados expressam que a Chape atende ao dispositivo de Lei para garantir a certificação de clube formador e possibilita que este setor atue como espaço de formação humana no contexto de educação não escolar. Essa afirmação ficou visível ao se identificar na roda de conversa enunciados proferidos pelas profissionais que atuam no clube os quais se aproximam com o que Gohn(2006) define como formação humana em espaços de educação não escolar.

 

    Além disso, os enunciados das profissionais do clube destacam que as atividades realizadas na base da Chape ressaltam a caracterização do alojamento como um contexto rico em manifestações culturais diversificadas o que para Tusón (2010), e Navarro (2014) só é possível por seu um espaço harmônico e potencializador de partilhas que contribuem para a formação integral do atleta.

Contudo, destaca-se que uma das fragilidades encontradas é a não materialização de uma proposta pedagógica e social do clube para orientar as atividades dos profissionais, talvez uma sugestão para futuras investigações.

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 292, Sep. (2022)