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ISSN 1514-3465

 

O Basquetebol Callejero nas aulas de Educação Física escolar

The Basketball Callejero in the Classes of School Physical Education

El Básquetbol Callejero en las clases de Educación Física escolar

 

Leonardo Oscar de Oliveira Filho*

leo_oliveiraf2@hotmail.com

Nathan Raphael Varotto**

varotton@gmail.com

Fábio Ricardo Mizuno Lemos***

mizunolemos@gmail.com

 

*Graduado em Educação Física

pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

**Doutorando em Educação pela UFSCar

Mestre em Educação pela UFSCar

Graduado em Educação Física pela UFSCar

***Professor de Educação Física

do Instituto Federal de São Paulo - Câmpus São Carlos

Doutor em Educação pela UFSCar

Mestre em Educação pela UFSCar

Graduado em Educação Física pela UFSCar

(Brasil)

 

Recepção: 17/02/2022 - Aceitação: 10/05/2022

1ª Revisão: 19/04/2022 - 2ª Revisão: 07/05/2022

 

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Citação sugerida: Oliveira Filho, L.O. de, Varotto, N.R., e Lemos, F.R.M. (2022). O Basquetebol Callejero nas aulas de educação física escolar. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(289), 2-13. https://doi.org/10.46642/efd.v27i289.3400

 

Resumo

    O trabalho com conteúdo esportivo nas aulas de Educação Física não deve se restringir à execução de movimentos técnicos, mas contribuir no processo de formação da criticidade dos/as estudantes. Nesta perspectiva, a utilização de metodologias que tenham o potencial de estimular o protagonismo de todos/as os/as participantes deve ser valorizada. Assim, o objetivo da presente pesquisa foi analisar os processos educativos que emergiram da inserção da Metodologia Callejera na prática do Basquetebol durante aulas de Educação Física escolar para o Ensino Médio. Para a coleta de dados foram utilizados registros em diários de campo, produzidos a partir de uma intervenção realizada em uma escola pública da cidade de São Carlos, São Paulo, Brasil. A análise dos dados utilizou da Análise de Conteúdo, dando origem às categorias: A) A competição no Basquetebol Callejero; B) As relações de gênero nas aulas de Educação Física Escolar. Durante as vivências, questões de gênero foram bastante recorrentes nas falas dos/as alunos/as, principalmente estereótipos machistas reproduzidos por meninos e meninas, que se fazem presentes não só no ambiente escolar como também em nossa sociedade, assim como a competitividade excessiva, que também esteve presente em situações de jogo. A partir da reflexão e do diálogo proporcionados pela Metodologia Callejera, passou-se a considerar o respeito, a cooperação e a solidariedade na prática do Basquetebol.

    Unitermos: Educação Física. Escola. Basquetebol callejero. Processos educativos.

 

Abstract

    The work with sports content in Physical Education classes should not be restricted to the execution of technical movements, but contribute to the process of forming students' criticality. In this perspective, the use of methodologies that have the potential to stimulate the protagonism of all participants should be valued. Thus, the objective of the present research was to analyze the educational processes that emerged from the insertion of the Callejera Methodology in the practice of Basketball during Physical Education classes for High School. For data collection, field diaries were recorded, produced from an intervention carried out in a public school in the city of São Carlos, São Paulo, Brazil. Data analysis used Content Analysis, giving rise to the following categories: A) Callejero Basketball competition; B) Gender relations in School Physical Education classes. During the experiences, gender issues were quite recurrent in the students' speeches, mainly sexist stereotypes reproduced by boys and girls, which are present not only in the school environment but also in our society, as well as excessive competitiveness, which was also present in game situations. Based on the reflection and dialogue provided by the Callejera Methodology, respect, cooperation and solidarity in Basketball practice began to be considered.

    Keywords: Physical Education. School. Basketball callejero. Educational processes.

 

Resumen

    El trabajo con contenidos deportivos en las clases de Educación Física no solo debe restringirse a la ejecución de movimientos técnicos, sino también contribuir al proceso de formación crítica de los estudiantes. En esta perspectiva, se debe valorar el uso de metodologías que tengan el potencial de estimular el protagonismo de todos los participantes. Así, el objetivo de la presente investigación fue analizar los procesos educativos que surgieron a partir de la inserción de la Metodología Callejera en la práctica del Baloncesto durante las clases de Educación Física para la Enseñanza Media. Para la recolección de datos, se utilizaron registros de diario de campo, producidos a partir de una intervención realizada en una escuela pública de la ciudad de São Carlos, São Paulo, Brasil. El análisis de datos utilizó el Análisis de Contenido, dando lugar a las siguientes categorías: A) Competición de Baloncesto Callejero; B) Las relaciones de género en las clases de Educación Física Escolar. Durante las experiencias, las cuestiones de género fueron bastante recurrentes en los discursos de los estudiantes, principalmente los estereotipos sexistas reproducidos por niños y niñas, que están presentes no solo en el ámbito escolar sino también en nuestra sociedad, así como la excesiva competitividad, que también estuvo presente en situaciones de juego. A partir de la reflexión y el diálogo que brinda la Metodología Callejera, se comenzó a considerar el respeto, la cooperación y la solidaridad en la práctica del Baloncesto.

    Palabras clave: Educación Física. Escuela. Baloncesto callejero. Procesos educativos.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 289, Jun. (2022)


 

Introdução 

 

    O Basquetebol, termo que se origina do inglês basketball e em português significa “bola ao cesto” (Oliveira, 2012), foi criado nos Estados Unidos da América em 1891 pelo professor de Educação Física James Naismith, chegando ao Brasil em 1896 por intermédio do norte-americano Augusto Shaw. (González et al., 2017)

 

    Segundo González et al. (2017, p. 66):

    “Ao analisar a lógica interna desse esporte é possível compreender, devido à necessidade de cooperar com os companheiros para marcar cestas, que o basquetebol é ‘coletivo’. Como as ações de ambas as equipes estão relacionadas – interferindo e sofrendo interferência – ao adversário, a modalidade é classificada como: ‘com interação entre adversários’. Quanto ao tipo de esporte, faz parte do grupo das modalidades de ‘invasão’, juntamente com o hóquei no gelo e futsal, por exemplo”.

    Assim como outros esportes coletivos, o Basquetebol proporciona diversas interações sociais que “[...] permitem pensar um ser humano em constante construção e transformação que, mediante as interações sociais, conquista e confere novos significados e olhares para a vida” (Martins, 1997, p. 116). Ao inserir sua prática no ambiente escolar, promove-se não apenas o desenvolvimento físico dos/as discentes, mas também valores como: “[...] disciplina, integração da turma, espírito de competição” (Santos, e Loureiro, 2008, p. 4), além do contato com outros fatores como deslocamento pelo espaço de jogo, arremesso, passe, tomada de decisões, etc.

 

    Deste modo, nota-se que o ato de jogar também contribui no processo de formação da criticidade dos/as estudantes, uma vez que:

    “[...] a escola é vista como um espaço político onde se deve ministrar um conjunto de disciplinas de maneira que o jovem adquira o saber necessário para não se deixar enganar. O conhecimento intelectual aparece como o suporte para a formação da cidadania, o instrumento básico para o salto qualitativo entre a consciência ingênua e a consciência crítica”. (Ferreira, 1993, p. 221)

    Entretanto, para estimular a construção do conhecimento crítico, faz-se necessário utilizar metodologias de ensino que estimulem o protagonismo dos/as educandos/as. Atualmente, uma das metodologias que vêm ganhando espaço tanto nas aulas de Educação Física escolar quanto em outros contextos é encontrada no Fútbol Callejero (Souza Júnior, e Ferreira, 2018), “futebol de rua” em língua espanhola e será mantido ao longo do texto para assegurar sua originalidade e identidade. Com origem no ano de 1994, em Buenos Aires, na Argentina (Rossini et al., 2012, Varotto et al., 2018), a metodologia Callejera (Castro, 2018) tem sido cada vez mais valorizada devido à sua estruturação, pois:

    “No Fútbol Callejero, meninos e meninas, homens e mulheres dividem o mesmo espaço de jogo, o árbitro sai de cena e entra um/a mediador/a com o papel de facilitador/a do diálogo e da percepção de valores como respeito, cooperação e solidariedade, que balizam todas as ações nos três tempos da prática. No primeiro tempo, há o estabelecimento de regras pelos/as envolvidos/as no jogo. No segundo, os/as participantes jogam a partir das regras criadas e, no terceiro, as pessoas dialogam, estimuladas pelo/a mediador/a, sobre as ocorrências do jogo, colocam em relevo as situações de respeito, cooperação e solidariedade”. (Varotto, e Lemos, 2017, p. 310)

    Logo, observa-se que a metodologia Callejera: “[...] possibilita um canal de diálogo e de protagonismo juvenil com vistas à formação do sujeito político” (Souza Júnior, e Ferreira, 2018, p. 217). Contudo, em razão de sua origem, essa metodologia tem maior utilização no esporte mais popular do mundo: o futebol, e ao visualizar que a metodologia Callejera, dentre outras ações, pode transformar: “[...] as regras do esporte convencional para potencializar seu caráter inclusivo” (Castro, 2018), destaca-se que há possibilidades de ampliar sua vivência no ambiente escolar.

 

    Portanto, este estudo buscou analisar os processos educativos que emergiram da inserção da Metodologia Callejera na prática do Basquetebol durante aulas de Educação Física Escolar para o Ensino Médio.

 

Estruturação do Basquetebol Callejero 

 

    A estruturação do Basquetebol Callejero foi embasada no Fútbol Callejero, cuja metodologia tem se destacado e sendo devidamente reconhecida por suas possibilidades de aplicações.

    “A Metodologia Callejera apresenta uma dupla preocupação, desenvolver o esporte (patrimônio cultural da humanidade) e, com isso, lutar pela oferta de espaços públicos, suprindo, em parte, a carência nesse setor por políticas públicas; e zelo pelos indivíduos que participam dessa vivência prática, dado que busca empoderá-los de valores humanitários tão ocultos na sociedade industrial capitalista que vivemos”. (Castro, 2018, p. 50)

    Para o Basquetebol Callejero, foram mantidos os três pilares que sustentam o Fútbol Callejero, a saber: respeito, cooperação e solidariedade; como também as partidas divididas em três tempos: a criação de regras, o jogar e a mediação (Rossini et al., 2012, Varotto, 2018). Ainda, manteve-se times com meninas e meninos jogando juntos e sem a participação de árbitros/as (Rossini et al., 2012, Varotto et al., 2018), contando com um dos pesquisadores na função de mediador para facilitar o diálogo e a interação entre as equipes. (Varotto et al. 2017)

 

    Todavia, algumas adaptações foram acordadas com os/as discentes no primeiro encontro e mantidas em todos os jogos, para minimizar as dificuldades de alguns/mas estudantes com a modalidade Basquetebol e proporcionar uma dinâmica melhor para o desenvolvimento do segundo tempo (o jogar):

  • Pontuação: o sistema de pontuação passou a contabilizar dois alvos além da Cesta, sendo eles o Aro e a Tabela, e as pontuações foram combinadas de acordo com o alvo acertado (Cesta: 3 pontos; Aro: 2 pontos; Tabela: 1 ponto);

  • Regra “Duas Saídas”: característica do Basquetebol tradicional, a regra de “duas saídas” foi retirada para a Basquetebol Callejero, sendo substituída pela opção dos/as alunos/as poderem segurar a bola e posteriormente voltarem a driblar (bater bola) quantas vezes desejarem, desde que permaneçam parados/as e não se desloquem segurando a bola com as duas mãos;

  • Equipes: Para que todos/as integrantes pudessem vivenciar o jogo da melhor maneira, foi mantido, em comum acordo com eles/as, que as equipes seriam integradas por cinco pessoas, mantendo a regra do basquetebol tradicional.

Metodologia 

 

    Este estudo foi realizado em caráter qualitativo, do tipo descritivo, seguindo o delineamento de análise de conteúdo, e considerando que os dados da realidade são relevantes e devem ser avaliados atentamente. (Godoy, 1995)

 

    Deste modo, para que fosse possível analisar os processos educativos oriundos da utilização da metodologia utilizada no Fútbol Callejero na prática do Basquetebol durante aulas de Educação Física Escolar do Ensino Médio, realizou-se a inserção em uma escola da rede pública situada na região central da cidade de São Carlos, no interior do estado de São Paulo. A instituição oferece ensino nos níveis Fundamental II e Médio, em período integral; sua infraestrutura conta com uma quadra de Vôlei descoberta, uma quadra poliesportiva coberta que possui traves de Futsal e tabelas de Basquetebol, além de disponibilizar um amplo pátio coberto, armários para todos/as estudantes e uma sala multimídia.

 

    O contato inicial com a escola ocorreu nos estágios supervisionados do curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Por intermédio da professora responsável pelo componente curricular Educação Física, em comum acordo com a coordenação da escola e os/as demais funcionários/as, foram disponibilizadas 4 aulas com duração de 50 minutos cada para as intervenções deste estudo, nos meses de setembro e outubro de 2019.

 

    A escolha da turma foi orientada pela docente de Educação Física, que selecionou uma turma do 2º ano do Ensino Médio, na qual havia trabalhado com o conteúdo Basquetebol no bimestre anterior. Então, após o cumprimento de todos os procedimentos éticos com a instituição de ensino, participaram do estudo 30 estudantes.

 

    Todas as intervenções foram registradas em diários de campo, partindo do momento descritivo para o reflexivo, ou seja, buscou-se captar imagens por palavras, pessoas, ações e conversas observadas, mantendo o ponto de vista, comentários, ideias e preocupações do observador. (Bogdan, e Bikelen, 1994)

 

    A posteriori, foram elaborados diários de campo descrevendo sistematicamente situações, falas e reflexões observadas, como também as relações entre educadores/as e educandos/as e entre os/as próprios/as estudantes (Oliveira et al., 2020). Optou-se por utilizar essa sequência na coleta dos dados porque o relato escrito expõe aquilo: “[...] que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. (Bogdan, e Biklen, 1994, p. 150)

 

    Sendo assim, todo o conteúdo dos diários de campo foi analisado a partir da metodologia de análise de conteúdo que: “[...] se destina a classificar e categorizar qualquer tipo de conteúdo, reduzindo suas características a elementos-chave, de modo com que sejam comparáveis a uma série de outros elementos” (Carlomagno, e Rocha, 2016, p. 175). Foram seguidos os conceitos propostos por Bardin (2009), respeitando as três fases (Santos, 2012, Câmara, 2013) (Figura 1).

 

Figura 1. Fases da Análise de Conteúdo

Figura 1. Fases da Análise de Conteúdo

Fonte: Adaptado de Câmara (2013)

 

Resultados e discussão 

 

    Os resultados foram organizados de acordo com as fases de Bardin (2009), que possibilitaram uma melhor visualização acerca dos processos educativos que emergiram da prática do Basquetebol Callejero durante aulas de Educação Física Escolar do Ensino Médio. Em vista disso, surgiram duas categorias: A) A competição no Basquetebol Callejero; B) As relações de gênero nas aulas de Educação Física Escolar.

 

Categoria A: A competição no Basquetebol Callejero 

 

    Ao trabalhar os conteúdos esportivos nas aulas de Educação Física, a competição está sempre presente em quase todas as modalidades. Não que a competição deva ser extinta nas aulas de Educação Física, porém deve ser estimulada de forma cautelosa e mediada.

 

    Em nossa sociedade temos que lidar com a competitividade o tempo todo, principalmente no ambiente de trabalho, onde várias pessoas disputam poucos cargos e vagas de emprego, uma disputa muitas vezes desleal e desonesta. O mesmo fenômeno pode ser visto nas aulas de Educação Física quando trabalhados conteúdos esportivos, principalmente quando se trata de um esporte coletivo, o qual vários/as participantes se juntam buscando um objetivo comum, a vitória, o que muitas vezes gera exclusão, assim como foi observado em alguns momentos durante as vivências de Basquetebol Callejero nesta pesquisa. Por exemplo: “[…] percebemos a tentativa da formação das “panelas”, ou seja, alunos/as que assumem o papel de líderes da turma e tentam tirar vantagem na formação do time para ficarem com os/as amigos/as e os mais habilidosos/as na mesma equipe” (Diário de campo 01, unidade de registro 01).

 

    A exclusão já se inicia durante a divisão dos times, quando se considera a autonomia dos/as discentes de escolherem seus próprios times. Geralmente os/as jogadores/as mais habilidosos/as e/ou mais populares da turma são selecionados/as primeiro, já os/as menos/as habilidosos/as vão ficando por último até serem alocados/as em alguma equipe por obrigação da participação destes/as, o que já no início gera um clima de desconforto e discriminação para essas pessoas, fazendo com que o/a participante comece a partida desmotivado/a.

 

    Ao longo do jogo, a tendência é aumentar ainda mais essa discriminação. Começando pela dificuldade da participação ativa do/a jogador/a menos habilidoso/a, o/a qual muitas vezes o próprio time evita ao máximo passar a bola e ocasionalmente quando estes/as jogadores/as recebem a bola e cometem algum erro, são cobrados/as e oprimidos/as pelos/as jogadores/as mais habilidosos/as. Este ato desrespeitoso pode gerar um trauma no/a oprimido/a, fazendo-o/a se afastar do esporte ou até mesmo das aulas de Educação Física. Assim como ocorreu em uma de nossas vivências: “[…] o instinto competitivo prevaleceu e uma das alunas ficou tão incomodada com a competitividade excessiva no jogo e com a exclusão dela nas jogadas, que decidiu sair da partida e sentar” (Diário de campo 01, unidade de registro 03) e “Os jogos foram mais dinâmicos do que semana passada, mas ainda tinha times mais fortes e teve gente que quase não participou” (Diário de campo 03, unidade de registro 09).

 

    É interessante ver como os objetivos e combinados muitas vezes acabam se perdendo durante o jogo. Durante o primeiro tempo deixamos os combinados claros e revisamos mais de uma vez, mas a partir do momento que a partida se inicia, a busca pela conquista da maior pontuação acaba se sobressaindo. Esse fato é reflexo e se repete em nossa sociedade, pois, para alcançar um objetivo, beneficiar a si próprio/a ou um grupo de seu interesse, as pessoas passam por cima de valores morais, éticos e sociais, ignorando completamente que pode estar prejudicando uma ou mais pessoas.

 

    Já no segundo encontro pudemos observar um melhor entendimento do jogo, após refletir e dialogar sobre os acontecimentos na partida anterior (terceiro tempo), os/as estudantes concordaram em tentar aumentar a participação de todos/as durante a vivência, assim contemplando um dos pilares do Basquetebol Callejero, a cooperação: “[…] os times procuravam pelos/as companheiros/as de equipe para passar a bola, antes mesmo de tentar localizar a cesta, tornando o jogo mais cooperativo e consequentemente com a participação mais ativa de todos/as” (Diário de campo 02, unidade de registro 03).

 

    O Basquetebol Callejero torna-se então uma modalidade que proporciona um ambiente que favorece o diálogo sobre essas questões, pois o/a vencedor/a deixa de ser definido/a somente pela quantidade de pontos durante a partida (segundo tempo), mas também conta com o cumprimento das regras (primeiro tempo), assegurados/as pelos pilares do Basquetebol Callejero, sendo eles: a Cooperação, Respeito e Solidariedade. A competição não é ignorada no Basquetebol Callejero, apenas não é supervalorizada como nas modalidades convencionais, desta forma os valores éticos e sociais são tão importantes quanto o ato de pontuar durante o jogo (segundo tempo).

 

Categoria B: As relações de gênero nas aulas de Educação Física escolar 

 

    Durante as vivências do Basquetebol Callejero questões de gênero foram bastante recorrentes nas falas dos/as alunos/as, principalmente estereótipos machistas reproduzidos por meninos e meninas, que se fazem presentes não só no ambiente escolar como também em nossa sociedade.

 

    Falas como “Sim, porque os meninos tem mais força, mais habilidade e mais velocidade e quando as meninas conseguem pegar a bola, vem um menino e rouba a bola da nossa mão” (Diário de campo 01, unidade de registro 05), que surgiram durante as aulas de Basquetebol Callejero, mostram como o machismo ainda está enraizado em nossa sociedade, assim como podemos observar na fala de uma aluna, a ideia de que os homens possuem mais habilidades e mais condições físicas do que as mulheres no esporte.

 

    Porém podemos entender como um reflexo de uma sociedade patriarcal e opressora, em que se considera o homem superior e mais bem preparado do que uma mulher para a realização de qualquer atividade seja ela física ou mental. O que ficou nítido na primeira vez em que os/as alunos/as estavam jogando, pois a posse de bola ficou a maior parte de tempo com os meninos e eles não queriam nem saber de passar para as meninas; e quando elas finalmente conseguiam pegar a bola, no mesmo momento um menino já roubava e o jogo continuava tendo a predominância masculina em todas as jogadas. Em um relato de uma aluna: “A diferença do futebol masculino e feminino, o futebol masculino é muito mais valorizado do que o futebol feminino” (Diário de campo 03, unidade de registro 02). Ao que outra aluna completa:“Essa diferença acontece desde a base, como por exemplo, o time de São Carlos. O time base do São Carlos masculino tem muito mais incentivos do que o feminino, por isso muitas meninas desistem, que foi o que aconteceu comigo” (Diário de campo 03, unidade de registro 04).

 

    Acontecimentos como este e tantos outros que acontecem dentro e fora das aulas de Educação Física, demonstram a desvalorização total que as mulheres sofreram por muitos anos e ainda vem sofrendo, mas em uma escala menor dentro da sociedade. Evidenciando-se no sucesso, incentivo e no prestígio dado ao Futebol Masculino, assim como nas transmissões de jogos pelos canais de televisão, deixando explícita toda a diferenciação que ocorre entre o Futebol de cada gênero.

 

    Diferentemente de outras modalidades tradicionais, que muitas vezes excluem, desvalorizam ou diminuem a participação das meninas, o Basquetebol Callejero proporcionou um ambiente favorável e provocador, em que as meninas puderam se sentir seguras para expor suas opiniões e dialogar com os/as companheiros/as.

    “[…] sempre as meninas que tinham maior participação. Este fato me fez refletir, será que é só uma coincidência desta turma? Ou será que as meninas viram este, como um momento oportuno para expor suas opiniões nas aulas de Educação Física, que muitas vezes acabam sendo oprimidas pelos meninos?”. (Diário de campo 03, unidade de registro 06)

Conclusões 

 

    Concluindo esta investigação, a qual teve como objetivo principal analisar os processos educativos que emergem na prática do Basquetebol Callejero como conteúdo escolar.

 

    O conteúdo Basquetebol Callejero demonstrou-se um instrumento para o desenvolvimento social de jovens, não se resumindo somente ao jogar, mas sim, à construção e respeito às regras, praticar o Basquetebol de forma cooperativa e solidária, assim como estimular a reflexão e diálogo coletivo sobre a prática, proporcionando a consideração da voz e do protagonismo dos/as jovens.

 

    Ao trabalhar o Basquetebol Callejero na escola, o jogo e a competição passaram a ter outro significado, a vitória deixou de ser somente definida a partir da maior pontuação e passou a levar em consideração o respeito aos pilares que sustentam a Metodologia Callejera, o respeito, cooperação e solidariedade, o que tornou o jogo mais justo, dando oportunidades igualitárias e incluindo pessoas as quais geralmente sofriam discriminação em modalidades tradicionais, devido à competitividade excessiva dos/as participantes em busca da vitória.

 

    Portanto, é possível concluir que a realização do conteúdo Basquetebol Callejero contribuiu, de alguma forma, para o desenvolvimento da formação social do/a jovem. É importante ressaltar que o trabalho com o Basquetebol Callejero na escola não deve ser realizado de forma a considerar somente a sua estrutura básica, ou seja, divisão da prática em três tempos. Algo fundamental para a utilização da Metodologia Callejera é a sensibilização e a reflexão compartilhada sobre realidades adversas, opressoras, afinal, não é possível continuar reforçando nas realizações de atividades escolares do componente Educação Física, por exemplo, a exclusão por nível de habilidade ou por gênero.

 

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