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ISSN 1514-3465

 

Temas contemporâneos transversais e temas transversais: avanços ou retrocessos?

Contemporary Cross-Cutting Themes and Cross-Cutting Themes: Forwards or Backwards?

Temas transversales contemporáneos y temas transversales: ¿avances o retrocesos?

 

Leonardo Paula Fraga de Castro

leocastrofraga@yahoo.com.br

 

Graduação plena em Educação Física

pela Associação Brasileira de Ensino Universitário (UNIABEU)

Especializado em reabilitação cardíaca e atividades físicas

para grupos especiais pela Universidade Gama Filho (UGF)

Especializado em Psicomotricidade pela Candido Mendes-AVM

Professor regente em Educação Física escolar do segundo segmento

do ensino fundamental da prefeitura do Rio de Janeiro

(Brasil)

 

Recepção: 26/12/2021 - Aceitação: 06/10/2022

1ª Revisão: 12/08/2022 - 2ª Revisão: 02/10/2022

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Castro, L.P.F. de (2022). Temas contemporâneos transversais e temas transversais: avanços ou retrocessos? Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(295), 192-204. https://doi.org/10.46642/efd.v27i295.3323

 

Resumo

    Os problemas que afligem a sociedade brasileira passaram por um processo de naturalização das desigualdades e por muitas vezes de culpabilização das vítimas. O Brasil enfrenta problemas oriundos do longo processo de escravização adicionados ao conservadorismo neoliberal, causando com isso uma falsa subclasse de indivíduos, que tem os seus direitos fundamentais privados para que se mantenha o status quo através de uma relação perversa entre o desenvolvimento econômico, conservação ambiental e as políticas sociais. A atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) quando novamente traz ao campo das discussões educacionais os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs), o traz com uma roupagem mais tradicional e conservadora. Diante do exposto o presente texto pretende comparar os Temas Transversais trazidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na década de 90 com os Temas Contemporâneos Transversais da atual BNCC na perspectiva de identificar possíveis avanços ou retrocessos para os conteúdos da educação nacional, foi feita a análise do conteúdo apresentado pelos documentos oficiais: PCN e BNCC mediante aos principais problemas sociais do Brasil na atualidade.

    Unitermos: Temas transversais. Temas contemporâneos transversais. Parâmetros Curriculares Nacionais. Base Nacional Comum Curricular. Brasil.

 

Abstract

    The problems that afflict Brazilian society have gone through a process of naturalization of inequalities and, many times, of blaming the victims, Brazil faces problems arising from the long process of enslavement added to neoliberal conservatism, thus causing a pseudo-underclass of individuals, who has its private fundamental rights to maintain the status quo through a perverse relationship between economic development, environmental conservation and social policies. The current Common National Curriculum Base (BNCC), when it again brings the Transversal Contemporary Themes (TCTs) to the field of educational discussions, brings it with a more traditional and conservative guise. In view of the above, the present text intends to compare the Transversal Themes brought by the National Curriculum Parameters (PCN) in the 90's with the Transversal Contemporary Themes of the current BNCC in the perspective of identifying possible advances or setbacks for the contents of national education, an analysis of the content presented by the documents was carried out. Officials: PCN and BNCC through the main social problems in Brazil today.

    Keywords: Cross-cutting themes. Contemporary cross-cutting themes. National Curriculum Parameters. Common National Curriculum Base. Brazil.

 

Resumen

    Los problemas que aquejan a la sociedad brasileña han pasado por un proceso de naturalización de las desigualdades y, muchas veces, de culpabilización de las víctimas. Brasil enfrenta problemas derivados del largo proceso de esclavización sumado al conservadurismo neoliberal, provocando una falsa subclase de individuos, a los que se les priva de sus derechos fundamentales para mantener el statu quo a través de una relación perversa entre desarrollo económico, conservación ambiental y políticas sociales. La actual Base Nacional Común Curricular (BNCC), cuando vuelve a traer los Temas Contemporáneos Transversales (TCTs) al campo de las discusiones educativas, lo trae con una apariencia más tradicional y conservadora. En vista de lo anterior, el presente texto pretende comparar los Temas Transversales traídos por los Parámetros Curriculares Nacionales (PCN) en la década de 1990 con los Temas Transversales Contemporáneos de la actual BNCC en la perspectiva de identificar posibles avances o retrocesos para los contenidos de la educación nacional, se hizo un análisis de contenido presentado por los documentos oficiales: PCN y BNCC a través de los principales problemas sociales de Brasil en la actualidad.

    Palabras clave: Temas transversales. Temas contemporáneos transversales. Parámetros Curriculares Nacionales. Base Nacional Común Curricular. Brasil.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 295, Dic. (2022)


 

Introdução 

 

    É de consenso, dentro de uma visão progressista, que a escola tem a função de preparar o indivíduo de forma crítica e ativa para a sociedade, não com o intuito de reproduzi-la e sim de superar suas mazelas em busca de uma sociedade mais igualitária e justa,dessa forma a escola não pode ser entendida como um espaço a parte da sociedade, as grandes questões sociais permeiam as relações intraescolares, sendo assim, tudo ao seu entorno se manifestam em seu interior, questões como diferenças sociais, desnutrição, xenofobia, racismo, homofobia, transfobia, “bullying”, machismo,violência...

 

    Entendendo isso a Espanha elencou em 1989,os seguintes temas de urgências sociais para serem discutidos e trabalhados nas escolas, são eles: Educação Ambiental, Educação para a Saúde e Sexual, Educação para o Trânsito, Educação para a Paz, Educação para a Igualdade de Oportunidades, Educação do Consumidor, Educação Multicultural e, como tema nuclear, impregnando os demais temas e as matérias curriculares tradicionais, a Educação Moral e Cívica (Araújo como citado em Busquets, 1998, p. 12). Porém, não de forma periférica aos conteúdos tradicionais, mas sim como estrutura base no desenvolvimento dos conteúdos das disciplinas curriculares.

 

    Já no Brasil, em 1995 o Ministério da Educação do Desporto (MEC), se iniciou a construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e com eles vieram os Temas Transversais (TT) adaptados do modelo espanhol às questões sociais nacionais, estes temas eram: Saúde, Ética, Trabalho e Consumo, Meio Ambiente e Orientação Sexual (Brasil, 1998).

 

    Atualmente no Brasil, agora com um currículo regido de forma normativa pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vem nos apresentar os Temas Contemporâneos Transversais (TCT) numa perspectiva de atualização da proposta curricular nas escolas,com uma preocupação já existente nos conteúdos de urgências sociais mais atuais, dai vem à nomenclatura, contemporâneo, contudo os TCT diferentes da proposta dos PCN quando apresentam um caráter obrigatório em todo território nacional, os TCT são: são Ciência e Tecnologia, Direitos da Criança e do Adolescente; Diversidade Cultural, Educação Alimentar e Nutricional, Educação Ambiental; Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras; Educação em Direitos Humanos; Educação Financeira; Educação Fiscal; Educação para o Consumo; Educação para o Trânsito; Processo de envelhecimento, respeito e valorização do Idoso; Saúde; Trabalho e Vida Familiar e Social (Brasil, 2019). Onde a mesma se propõe a rediscutir os temas a cada 5 anos. (Brasil, 2019, p. 12)

 

    Diante do exposto o presente texto pretende comparar os Temas Transversais trazidos pelos PCN na década de 90 com os Temas Contemporâneos Transversais da atual BNCC na perspectiva de identificar possíveis avanços ou retrocessos para os conteúdos da educação nacional, foi feita a análise do conteúdo apresentado pelos documentos oficiais: PCN e BNCC mediante aos principais problemas sociais do Brasil na atualidade.

 

Metodologia 

 

    O presente trabalho se caracterizou como uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo, que utilizou como técnica a análise do discurso pela ótica Faircoughiana (Fairclough, 1992), visando transcender um discurso estruturalista da educação e compreendendo a relação de poder estabelecida entre as entidades responsáveis pelos documentos e a sociedade. Como instrumento para a coleta de dados utilizou-se de documentos oficiais que norteiam a educação nacional como os Parâmetros Curriculares Nacionais e a atual Base Nacional Comum Curricular e como pano de fundo a discussão, trabalhos científicos publicados em periódicos e em mídias eletrônicas por instituições de alta credibilidade, como o Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

 

    Com isso o trabalho busca compreender e tornar patente as nuances entre os TT e os TCT na perspectiva de identificar possíveis avanços ou retrocessos para os conteúdos da educação nacional.

 

Os problemas do Brasil 

 

    Trazendo como base das discussões uma nação repleta de problemas nas mais profundas estruturas de sua base, é elencada neste texto apenas uma pequena parte, mas que afeta diretamente o progresso do país em relação aos cuidados com seus cidadãos, sem a pretensão de aprofundamento nos temas, porém com o intuito de mostrar sua importância para as discussões sociais e a formação de uma consciência coletiva, serão expostas neste trabalho algumas das tribulações sociais que rodeiam questões como: preconceito e violência, desigualdade social, saúde e meio ambiente.

 

Preconceito e violência 

 

    A historicidade de um país marcado por questões raciais oriundas de um longo período de escravização que desencadeou um alto desequilíbrio social ampliado pelo êxodo rural, se encontra ainda hoje permeado por problemas no âmbito do preconceito, alimentado por um conservadorismo herdado de um período de ditadura militar.

 

    Essas e outras questões como a preservação do meio ambiente, planejamento social e familiar, doenças sexualmente transmissíveis, falta de saneamento básico e os altos índices da violência, que assolam nossa sociedade devem transitar nas discussões escolares, com o propósito de formar cidadãos mais conscientes e éticos diante das questões que estagnam o desenvolvimento humano, econômico e social em nosso país.

 

    No âmbito do preconceito, o Brasil apresenta altos níveis de violência contra negros e homossexuais, visto por muitos como um dos países mais racistas e homofóbicos do mundo. Conforme o Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) baseado em pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) o percentual de negros assassinados no país é 132% maior que o de brancos. Dentre aqueles que ganham menos de um salário mínimo, 63% são negros/pardos e 34% são brancos. Dos brasileiros mais ricos, 11% são negros/pardos e 85% são brancos. (CRESS-PR, 2014)

 

    De Souza (2018) afirma que o Brasil é um dos países com os maiores índices de LGBT fobia no mundo e salienta em seu estudo uma constatação da baixa quantidade de pesquisas relativas ao assunto gerando uma aparente falta de preocupação, com a desvalorização da vida de mulheres heterossexuais e LGBTs em nosso país, por parte da comunidade científica.

 

Desigualdade social 

 

    A desigualdade social afeta tão profundamente as camadas mais baixas de nossa sociedade que mesmo com políticas públicas de redistribuição de renda, que de forma branda diminui a distância entre os sujeitos em questões econômicas, esta diferença social não sofreu alterações, resultando em uma relação da desigualdade social e a violência com números crescentes, pois tanto para o sistema educacional que classifica os indivíduos de forma separatista consoante a posição que ocupa, o sistema punitivo os seleciona como alvos baseados nos mesmos critérios. (Copelli, 2013)

 

    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) diante das pesquisas sobre desigualdades sociais no Brasil não é possível desatrelar a relação da desigualdade social e as questões raciais, pois o IBGE aponta que as pessoas que mais sofrem com as más distribuições de renda no país são as pretas e pardas.

 

    “Embora representem a maioria da população (55,8%) e da força de trabalho brasileira (54,9%), apenas 29,9% destas pessoas ocupavam os cargos de gerência, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018” (IBGE, 2018). Este estudo mostra que a questão da desigualdade social entre pretos e brancos se mantém em todos os níveis de escolaridade, mostrando uma desvalorização de pretos e pardos pela sociedade brasileira e desqualificando o discurso meritocráticos que ganhou força nos últimos anos em nosso país.

 

Saúde 

 

    A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) assegura no seu artigo 6º os direitos sociais e dentre eles o direito a saúde, que deve ser assegurado pelo estado, estando intimamente ligada a dignidade humana, como também o estatuto da criança e do adolescente (ECA, 1990), que em seu Art. 4º reforça este direito a criança e o adolescente:

    É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (Brasil, 1990)

    Esta questão se solidifica com o ideal de estado democrático de direitos levando ao consenso dos deveres do estado para com a população. Diante do exposto, não se pode permitir uma postura omissa do Estado com o descaso nas questões básicas de atendimento a saúde, como: remédios, leitos, equipamentos hospitalares e estruturas adequadas nos hospitais públicos.

 

    A saúde pública no Brasil apresenta um aparente abandono em sua estrutura organizacional, que afeta diretamente os indivíduos mais vulneráveis economicamente. Começando pela má distribuição de profissionais em todas as fases do atendimento, de acordo com Scheffer (2018) apesar do aumento número de vagas nos cursos de medicina e de médicos no mercado a má distribuição deixa regiões do Brasil como o Norte e nordeste com índices muito abaixo das regiões mais ricas. Esses achados coadunam com as previsões dos estudos demográficos de 2012 feitos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM, 2012) e o Conselho regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), que chega a comparar os índices destas regiões aos dos países africanos.

 

    A falta de leitos e uma estrutura adequada ao atendimento da sociedade como também a baixa concentração de médicos nas regiões mais carentes associados a um atendimento desumanizado e a má administração das unidades culminam em um alto número de mortes no Brasil.

 

Meio ambiente 

 

    Mesmo com uma riqueza colossal comparado a outros países no que se diz respeito ao meio ambiente, o Brasil hoje passa por um retrocesso na conservação desta rica diversidade, os principais problemas ambientais no Brasil são: a poluição da água, do ar e do solo, o desmatamento, queimadas, assoreamento, o depósito e disposição de lixo em locais inadequados, o desperdício de alimentos e de recursos naturais, e o aquecimento global. Todos causados pela ação humana, portanto a escola pode e deve ser um espaço de conscientização ambiental, entender que a vida está alinhada ao equilíbrio e conservação do meio natural é essencial à vida humana.

 

    Porém, nos últimos anos dados oficiais vem a nos mostrar que só não progredimos no que diz respeito à conservação do meio ambiente, como retrocedemos no cuidado com nosso patrimônio natural. Uma das explicações para isso pode estar no estudo de Fearnside (2019):

    O desmatamento na Amazônia brasileira em junho de 2019 foi 88% maior do que no mesmo mês de 2018, e o desmatamento na primeira quinzena de julho foi 68% superior ao de todo o mês de julho de 2018. Não há razão para questionar os atuais números de desmatamento do programa DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O presidente Bolsonaro atacou repetidamente o INPE, especialmente desde 19 de julho, quando declarou em um café da manhã com jornalistas: “A questão do INPE, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos”. (Fearnside, 2019, p. 1)

    Este embate entre o atual Presidente e o órgão fiscalizador nos leva em uma era de aceleração da degradação nosso meio ambiente, sendo assim, e visando uma consciência de nação, é de extrema importância que temas como a preservação do meio ambiente e o consumo sustentável estejam sendo construído e discutido nas escolas brasileiras, para que a população de forma democrática e consciente lute pela segurança deste patrimônio nacional que esta intimamente ligada a nossa qualidade de vida.

 

Os temas contemporâneos transversais 

 

    Entendendo a preocupação de elencar temas geradores ao currículo como algo que não é novo no meio escolar, que já vinha sendo sinalizado e trabalhado no ambiente escolar principalmente no sentido de conservação da natureza e nos aspectos de saúde, e outros antes mesmo do surgimento dos PCNs com os Temas Transversais, que exalta a importância de trabalhar as questões sociais de forma transversal e ligadas aos conteúdos multidisciplinares.

    O grande objetivo é que o estudante não termine sua educação formal, tendo visto apenas conteúdos abstratos e descontextualizados, mas que também reconheça e aprenda sobre os temas relevantes para sua atuação na sociedade. Assim, espera-se que os TCTs permitam ao aluno entender melhor: como utilizar seu dinheiro, como cuidar de sua saúde, como usar as novas tecnologias digitais, como cuidar do planeta em que vive, como entender e respeitar aqueles que diferem e quais são seus direitos e deveres, assuntos que conferem aos TCTs. (Brasil, 2019, p. 7)

    O documento aponta a flexibilidade dos TT trazidos pelos PCN na década de 90, sem diminuir sua importância devido ao seu caráter não obrigatório, porém ressalta como avanço a obrigatoriedade dos TCT de serem trabalhados e alinhados aos currículos escolares em todo território nacional, como a mudança em sua nomenclatura com a adição da palavra contemporâneo indicando a atualidade dos assuntos e também sinaliza o aumento dos temas a serem abordados em comparação com os TT dos PCN, partindo de seis temas para seis macroáreas temáticas englobando 15 temas contemporâneos.

 

    Os temas são apresentados da seguinte forma:

  • Cidadania e Civismo: Vida familiar e social, educação para o trânsito, educação em direitos humanos, direitos da criança e do adolescente e processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso.

  • Ciência e Tecnologia: Ciência e tecnologia.

  • Economia: Trabalho, educação financeira e educação fiscal.

  • Meio Ambiente: Educação ambiental e educação para o consumo.

  • Multiculturalismo: Diversidade cultural, educação para a valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

  • Saúde: Saúde, educação alimentar e nutricional.

    Por não existir um aprofundamento teórico para cada temática que oriente as intencionalidades e propostas de intervenção pedagógica e não explicar mais detalhadamente os temas propostos, mantendo assim um caráter vago em sua essência, como, por exemplo, o tema “vida familiar e social”, que não especifica o conceito de família e nem a que categoria de sociedade está destinado. Desta forma cabe a escola e aos professores definirem diante de sua realidade suas ações pedagógicas dentro dos três níveis de complexidades apresentados pelo próprio documento: intradisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, como explicado no trecho abaixo.

 

    Assim, existem múltiplas possibilidades didático pedagógicas para a abordagem dos TCTs e podem integrar diferentes modos de organização curricular. Tais possibilidades envolvem, pois, três níveis de complexidade: intradisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. (Brasil, 2019, p.18)

 

    A BNCC conceitua os níveis da seguinte forma: A intradisciplinaridade seria o cruzamento entre os conteúdos e habilidades e os TCT, a interdisciplinaridade seria a abordagem do tema no módulo de conteúdos integrando o tema ao currículo e a trasndisciplinaridade é a abordagem do tema de forma integradora e transversal as disciplinas. Reforçando a necessidade de junção dos TCT ao currículo escolar o documento deixa em evidência que para cada TCT há um valor de lei, estabelecendo desta forma a sua obrigatoriedade junto às ações pedagógicas da escola em todo o país, desta forma não cabe à escola elencar os temas que coadunam com a realidade da comunidade escolar, apenas eleger em maior o menor grau cada tema, sem excluí-los.

 

Discussão 

 

    A BNCC inicia seu texto com uma linha ideológica de formação integral do aluno, objetivando sua preparação para o trabalho, cidadania e democracia, destacando o respeito às características regionais, locais, econômicas e culturais, sem deixar de lado o quesito contextualização dos conteúdos escolares através dos TCT, inicialmente a apresentação dos TCT pela BNCC parece se alinhar as discussões e preocupações que já vem sendo discutida desde década de 80 com ideais de formar indivíduos mais conscientes de sua realidade, gestores de suas vidas, concepção esta que é assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê em seu art. 3º (parágrafo único) (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016), que:

    Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (Brasil, 1990)

    Todavia o documento em sua continuação deixa transparecer o seu viés conservador, remetendo aos conceitos e ânsias que não se configuram com a sociedade atual, dando um passo atrás nas discussões contemporâneas sobre as questões sociais atreladas ao currículo escolar de forma contextualizada que objetiva dar significado ao currículo. Os TCT partem da premissa que são por si só um avanço nas discussões sociais no ambiente escolar, baseados na sua obrigatoriedade.

    Aspecto relevante é que, diferentemente dos PCNs, em que os Temas Transversais não eram tidos como obrigatórios, na BNCC eles passaram a ser uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação dos currículos e propostas pedagógicas, ampliados como Temas Contemporâneos Transversais, pois, conforme a BNCC (Brasil, 2017), são considerados como um conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças, jovens e adultos têm direito. (Brasil, 2019, p. 11)

    Como também, cita no próprio documento no aumento dos temas a serem abordados.

    À ampliação dos temas, enquanto os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) abordavam seis Temáticas, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta seis macroáreas temáticas (Cidadania e Civismo, Ciência e Tecnologia, Economia, Meio Ambiente, Multiculturalismo e Saúde) englobando 15 Temas Contemporâneos “que afetam a vida humana em escala local, regional e global”. (Brasil, 2019, p. 12)

    Diante das afirmações do documento e do conteúdo que se apresenta nele, ao se comparar os TT e os TCT, não se vê um aumento nos temas e sim a exclusão de um tema gerador, a Orientação Sexual, que possivelmente por motivos conservadores e religiosos que rodeavam as instâncias do poder na elaboração da segunda e terceira versão da BNCC e nas discussões sociais no período de construção do documento podem ter influenciado em sua retirada, ademais um projeto do MEC, em 2004, chamado Brasil sem homofobia foi censurado pelos setores conservadores chegando a ser suspenso em 2011, novamente posto em evidência com a nomenclatura pejorativa de “kit gay”, onde os mesmos grupos conservadores alegavam que o material incentivava o homossexualismo e a promiscuidade, alegando com isso uma doutrinação de gêneros nas escolas públicas, ambas as acusações ao ensino público não foram comprovadas.

 

    A Tabela 1 apresenta uma comparação direta dos conteúdos apresentados nos PCNs e no TCT da BNCC.

 

Tabela 1. Comparação entre os Temas Transversais e os Temas Contemporâneos Transversais

Temas Transversais - PCNs

Temas Contemporâneos Transversais - BNCC

Saúde

Saúde: Saúde, Educação alimentar e Educação nutricional.

Ética

Cidadania e civismo: Vida familiar e social, Educação para o transito, Educação em direitos humanos, Direita da criança e do adolescente e Processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso.

Trabalho e consumo

Economia: Trabalho, Educação financeira e Educação fiscal.

Meio ambiente

Meio ambiente: Educação ambiental e Educação para o consumo.

Pluralismo cultural

Multiculturalismo: Diversidade cultural, Educação para a valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras.

Orientação sexual

 

Fonte: PCNs e BNCC

 

    Como notório na Tabela 1, fica claro que não ouve um aumento dos temas como menciona a atual BNCC e sim uma ramificação com subtemas que não estavam excluídos dos antigos TT, porém agora estão evidenciados, e a exclusão do tema orientação sexual, que em sua aparição como tema gerador nos PCNs voltou-se a discutir problemas como a gravidez na adolescência e as DSTs, principalmente a AIDS.

 

    Desta forma a atual BNCC toma uma postura estruturalista optando por caminhos sistemáticos que não dialogam com a realidade. Se, ouve a esperança de uma ampliação das discussões dos problemas sociais que rodeiam esta temática, como a homofobia, transfobia, estupro, aborto, pedofilia, sexismo e outros pontos tão aflorados nas discussões atuais em nossa sociedade por parte de grupos sociais que lutam por igualdade e justiça, esta esperança se perde com a atual BNCC, que optou por ignorar este tema que engloba diversos problemas sociais, que poderiam ser discutidos e trabalhados objetivando formar uma sociedade mais equilibrada economicamente, consciente e justa com as minorias, repudiando o preconceito e valorizando o respeito às diferenças.

 

    Carreira (2019) salienta que a BNCC não é um empecilho legal para o tema sexualidade ser tratado nas escolas, pois tanto a escola, quanto os professores podem basear suas ações pedagógicas em outras bases legais:

    O direito á educação para a igualdade de gênero e sexualidade tem base legal na constituição brasileira (1988); na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996); nas diretrizes Curriculares Nacionais para a educação Básica: Diversidade, Inclusão e nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (art.16), elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação; e na lei Maria da Penha (2006) que estabelece mecanismo para prevenir e coibir a violência domestica e familiar contra as mulheres do país. (Carreira, 2019, p. 75-76)

    Essas bases legais se alinham com a afirmação deste trabalho sobre o afastamento temporal das discussões sociais de nosso século, pois evidencia que iniciativas legais já viam se preocupando com a temática, que não se apresenta contemplada na atual BNCC.

 

    O documento de ordem normativa, a BNCC, toma uma postural obsoleta, fora de seu tempo quando se apresenta dentro da análise de seu discurso conservador ao ponto de não parecer refletir a sociedade atual, não aparentando uma preocupação em superar questões sociais tão evidenciadas há décadas.

 

Conclusão 

 

    Perante a discussão proposta pelo texto, parece que frentes conservadoras influenciaram diretamente a construção da atual BNCC levando o documento a se distanciar de questões que já viam sendo trabalhadas no meio acadêmico, mas que parece agora não possuir mais relevância no currículo escolar.De forma contraditória o documento menciona a importância dos TCT, “Os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs) buscam uma contextualização do que é ensinado, trazendo temas que sejam de interesse dos estudantes e de relevância para seu desenvolvimento como cidadão.” (Brasil, 2017, p. 7), mas excluem de seu apanhado de temas as discussões relativas à sexualidade, podendo assim fortalecer os tabus e preconceitos sobre o tema, como também restringe a liberdade pedagógica do professor desrespeitando a LDB 9.394/96 (Brasil, 1996) e causando o empobrecimento do currículo escolar. Diante de um apanhado de incoerências e pela clara exclusão de um tema, que mesmo de forma minimizada pelo PCN se fazia presente no contexto de possibilidades para escolas e professores trabalharem junto ao conteúdo curricular.

 

    A BNCC parece se afastar da agenda de promoção da igualdade de gênero nas políticas educacionais brasileiras, influenciadas por grupos ultraconservadores que almejam a expansão do ensino religioso nas escolas públicas, suas ações vêm influenciando todo o desmonte de iniciativas que promovam a igualdade de gênero, vetando programas como: programa saúde e prevenção na escola, escola sem homofobia, fim do programa de distribuição de preservativos nas escolas públicas de ensino médio, retirada das campanhas de prevenção a DSTs/AIDS a jovens “gays” e prostitutas, e esses mesmos grupos que lutaram nos planos de educação para a retirada dos termos gênero, sexualidade e raça das leis. (Carreira, 2019)

 

    Diante do presente texto exalto aqui a importância de que mais estudos analisem a atual BNCC na perspectiva de mudanças significativas que a levem para o patamar das discussões e preocupações educacionais do nosso século, buscando com isso a construção de uma nação mais saudável nos seus aspectos sociais e humanos, fazendo da escola pública uma ferramenta de emancipação social.

 

Referências 

 

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Brasil (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal8.

 

Brasil (1996). Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Congresso Nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

 

Brasil (2019). Temas Contemporâneos Transversais na BNCC: contexto histórico e pressupostos pedagógicos. Ministério da Educação.

 

Brasil (1998). Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Secretaria de Educação Fundamental.

 

Busquets, M. D., Cainzos, M., Fernández, T., Leal, A., Moreno, M., e Sastre, G. (1998). Temas transversais em educação: bases para uma formação integral. Editora Ática.

 

Carreira, D. (2019). Gênero na BNCC: dos ataques fundamentalistas a resistência política. In: R.C. Fernando Cássio, Educação é a Base? 23 educadores discutem a BNCC (1ª ed., p. 59-83). Editora Ação Educativa.

 

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Copelli, G.M. (2013). Segregação na Educação e seletividade no Sistema Penal: reflexos da desigualdade social no Brasil. Ius Gentium, 7(4), 191-206. https://doi.org/10.21880/ius%20gentium.v7i4.102

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 295, Dic. (2022)