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ISSN 1514-3465

 

Educação em saúde na escola: reflexões a partir de documentos escolares

Health Education at School: Reflections Based on School Documents

Educación para la salud en la escuela: reflexiones a partir de documentos escolares

 

Pedro Henrique da Silva Liveransk*

pedro.livee@gmail.com

Luiz Rogério Romero**

luiz.romero@unesp.br

Heitor Perrud Tardin***

heitor21perrud@gmail.com

 

*Graduado em Educação Física

pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)

**Doutorado em Saúde Coletiva UNESP/Botucatu

Professor no Programa de Pós-graduação

Mestrado Profissional em Educação Física Escolar - PROEF em Rede Nacional

Mestre em Saúde Coletiva pela Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP

Especialista em Atividade Física e Qualidade de Vida

pela Faculdade de Educação Física/UNICAMP

Licenciatura Plena em Educação Física pela FC/UNESP

Desde 2013 é Professor Assistente Doutor junto ao

Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia (UNESP)

Campus de Presidente Prudente. Professor Docente orientador

do Programa Residência Pedagógica Educação Física/FCT - UNESP-CAPES

***Graduado em licenciatura e bacharelado em Educação Física

na Universidade Estadual Julio Mesquita Filho - Campus de Presidente Prudente

Atualmente mestrando no PPG de Ciências do Movimento

pela Universidade Estadual Julio Mesquita Filho

Membro do grupo de pesquisa Núcleo de Estudo

e Pesquisa em Educação Física desde 2019

Professor eventual na Rede Estadual de São Paulo

Docente contratado na Rede Municipal em Martinópolis - SP

(Brasil)

 

Recepção: 27/08/2021 - Aceitação: 27/03/2023

1ª Revisão: 22/03/2023 - 2ª Revisão: 24/03/2023

 

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Citação sugerida: Liveransk, P.H. da S., Romero, L.R., e Tardin, H.P. (2023). Educação em saúde na escola: reflexões a partir de documentos escolares. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(301), 39-52. https://doi.org/10.46642/efd.v28i301.3177

 

Resumo

    Este trabalho teve como objetivo identificar a frequência e a distribuição, da abordagem da temática saúde nos anos finais do Ensino Fundamental e analisar os objetivos do componente curricular Educação Física em relação ao tema saúde. Utilizou-se de análise documental do Currículo Paulista, enfatizando os tópicos relacionados à saúde na área de Educação Física para o Ensino Fundamental – anos finais. A palavra "saúde" foi encontrada 72 vezes nas 526 páginas de documento. A área de Educação Física concentrou 36,11% das menções em saúde, com predominância no 8o e 9o anos. Ressalta-se a abordagem de questões físicas e biológicas da atividade física, exercício físico e benefícios destas práticas. A definição de saúde não foi identificada no documento. Desse modo, evidencia-se a necessidade de ampliação do envolvimento da disciplina Educação Física e a temática saúde, sobretudo a necessidade de subsídios orientadores para ações interdisciplinares, valorização do contexto local e de saúde coletiva.

    Unitermos: Currículo. Educação em saúde. Educação Física.

 

Abstract

    This study aimed to identify the frequency and distribution of the approach to health in the final years of elementary school. Also analyze the objectives of the Physical Education curricular component in relation to the health theme. Documentary analysis of the Sao Paulo curriculum was used, emphasizing topics related to health in the area of ​​Physical Education for Elementary Education - final years. The word "health" was found 72 times in the 526 pages of the document. The area of ​​Physical Education concentrated 36.11% of the mentions in health, with predominance in the 8th and 9th years. The approach of physical and biological issues of physical activity, physical exercise and benefits of these practices is emphasized. The definition of health was not identified in the document. Thus, it is evident the need to expand the involvement of the Physical Education discipline and the health theme, especially the need for guiding subsidies for interdisciplinary actions, valuing the local and collective health context.

    Keywords: Curriculum. Health education. Physical Education.

 

Resumen

    Este trabajo tuvo como objetivo identificar la frecuencia y distribución del abordaje del tema salud en los últimos años de la Enseñanza Fundamental y analizar los objetivos del componente curricular de Educación Física en relación al tema salud. Se utilizó el análisis documental del Currículo de Sao Paulo, con énfasis en temas relacionados con la salud en el área de Educación Física para la Enseñanza Fundamental – últimos años. La palabra "salud" fue encontrada 72 veces en las 526 páginas del documento. El área de Educación Física concentró el 36,11% de las menciones en salud, con predominio en los grados 8º y 9º. Se destaca el abordaje de las cuestiones físicas y biológicas de la actividad física, el ejercicio físico y los beneficios de estas prácticas. La definición de salud no fue identificada en el documento. Así, se evidencia la necesidad de ampliar la relación de la disciplina Educación Física y el tema de la salud, en especial la necesidad de orientar insumos para acciones interdisciplinarias, valorando el contexto local y la salud colectiva.

    Palabras clave: Currículo. Educación para la salud. Educación Física.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 301, Jun. (2023)


 

Introdução 

 

    A população de escolares tem sido cada vez mais acometida por sobrepeso, além de insuficientemente ativa e elevada prevalência de comportamentos sedentários. Estas informações são descritas na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE (IBGE, 2016). Trata-se de um relatório de ampla abordagem temática em saúde, com destaque para os dados relacionados à atividade física, hábitos alimentares, hábitos sedentários, uso de drogas e saúde mental. Estes indicadores têm ressaltado panorama preocupante e cada vez mais presentes na realidade escolar.Além disto, estudos com o enfoque em obesidade e doenças hipocinéticas vêm ganhando destaque. Segundo Ribeiro et al. (2020), o número de estudos aumentou significativamente a partir do ano de 2010. Como ênfase, aponta-se que a prática de exercícios e a alimentação adequada são os principais fatores para evitar a obesidade e respectivas doenças associadas.

 

    Neste sentido, Mantovani, Maldonado, e Freire (2021), em estudo de revisão integrativa sobre a relação entre saúde e Educação Física Escolar, ressaltam as diferentes interpretações identificadas ao longo da história, sobretudo, amparadas na dimensão biológica da saúde. Soma-se ainda, a escassez de estudos relacionados a educação em saúde e formação de professores. (Schwingel, e Araujo, 2021)

 

    Uma das disciplinas escolares que se destaca neste cenário de promoção de conceitos e hábitos saudáveis é a Educação Física. A temática saúde é pertencente aos seus conteúdos na formação inicial e se faz presente no Currículo Paulista (São Paulo, 2019) e na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), situando a saúde como um dos principais eixos da Educação Física. Considerando que o conceito de saúde mais abrangente foi definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade”. Entende-se que o tema saúde não seja exclusivo desta disciplina curricular ou único conteúdo, no entanto, ressalta-se diversas potencialidades para a abordagem em saúde e atividade física.

 

Imagem 1. A Educação Física se destaca por ser uma das 

disciplinas escolares que promove conceitos e hábitos saudáveis

Imagem 1. A Educação Física se destaca por ser uma das disciplinas escolares que promove conceitos e hábitos saudáveis

Fonte: Criador de imagens de Bing

 

    Apesar da temática saúde integrar os conteúdos da Educação Física Escolar, o perfil epidemiológico de escolares referente a atividade física e sedentarismo evidencia que o tema apresenta limitações nas estratégias de abordagem. O número de crianças e adolescentes que apresentam comportamentos sedentários, insuficientemente ativos, com sobrepeso e obesidade permanecem em situação elevada (Silva et al., 2018). Em contrapartida, identificou-se a prática predominante dos conteúdos relacionados aos esportes nas aulas de Educação Física, não destacando diretamente conteúdos e reflexões sobre o estilo de vida e saúde (Tardin, e Romero, 2020). Dessa maneira, compreende-se que apenas a inserção nas matrizes curriculares de conteúdo com a temática saúde não tem se mostrado eficácia em melhores hábitos de vida da população escolar.

 

    Diante desta situação, torna-se relevante discutir caminhos que possibilitem amenizar e prevenir o avanço da inatividade física e sedentarismo, assim como ressaltar elementos que favoreçam a melhoria de condições de vida e hábitos saudáveis entre crianças e adolescentes em idade escolar. Tais reflexões se amparam na tentativa de subsidiar elementos para o coletivo escolar e diferentes contextos locais. Portanto, o presente estudo se propõe analisar o Currículo Paulista (São Paulo, 2019), com enfoque nos conteúdos da Educação Física Escolar para os anos finais do Ensino Fundamental e abordagem da temática saúde.

 

    Este trabalho pretende identificar a frequência e a distribuição, segundo a Educação Física Escolar e demais disciplinas escolares, da abordagem da temática saúde nos anos finais do Ensino Fundamental e analisar os objetivos do componente curricular Educação Física em relação ao tema saúde.

 

Metodologia 

 

    Trata-se de uma pesquisa com cunho qualitativo, que segundo Thomas, Nelson, e Silverman (2014) se caracteriza por dar maior ênfase em aspectos interpretativos do que estatísticos, com isso garante uma revisão do conteúdo estudado de forma a valorizar a informação obtida além do modo mensurável. Neste sentido, usou-se a técnica de análise documental, que segundo Souza, Kantorski, e Luis (2011) consiste em identificar, verificar analisar documentos com uma finalidade, e para auxiliar neste processo, o uso de uma fonte paralela principalmente para a contextualização. Para Oliveira (2007), a pesquisa documental se caracteriza como “busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação” (p. 69).

 

    Foi utilizada a estratégia de busca por palavras no Currículo Paulista (São Paulo, 2019), disponibilizada no programa Adobe Acrobat Reader DC. Esse procedimento teve como propósito destacar o tema pesquisado, identificação e interpretação da temática no Currículo. Os resultados e o contexto em que as palavras apareceram foram computados. A partir desse processo, elaborou-se Quadros e Tabelas, como forma de sistematizar a análise das informações e evidenciar numericamente a distribuição do tema saúde entre as séries do Ensino Fundamental, assim como entre as disciplinas curriculares.

 

Resultados 

 

    A busca pela palavra “saúde” no documento do Currículo Paulista obteve 72 resultados no percurso de 526 páginas. A Tabela 1 apresenta a distribuição do termo saúde no Currículo Paulista, segundo componentes curriculares.

 

    Foram consideradas as menções da palavra saúde citadas diretamente entre os conteúdos de cada disciplina. As citações fora deste escopo, como por exemplo, em textos introdutórios, foram agrupadas na categoria “outros”. Destaca-se que a palavra “saúde” não apareceu nas disciplinas de Língua Portuguesa, Arte, Língua Inglesa, Geografia e História, sendo mencionada uma única vez em Matemática e três vezes em Ensino Religioso. A abordagem desta temática apareceu com maior ênfase nas disciplinas de Ciências (50%) e Educação Física (36,11%).

 

Tabela 1. Distribuição do termo saúde, segundo disciplinas do Currículo Paulista (São Paulo, 2019)

Disciplina

N

%

Língua Portuguesa

0

0%

Arte

0

0%

Educação Física

26

36,11%

Língua Inglesa

0

0%

Matemática

1

1,38%

Ciências

36

50,02%

Geografia

0

0%

História

0

0%

Ensino Religioso

3

4,16%

Outros (Educação Infantil e textos introdutórios)

6

8,33%

Total

72

100%

Fonte: Adaptado do Currículo Paulista (São Paulo, 2019)

 

    Para a elaboração da Tabela 2, delimitou-se o levantamento de dados referentes a temática saúde nos anos finais do Ensino Fundamental, conteúdos da disciplina Educação Física. Foi identificado o número de unidades temáticas totais para cada série de ensino e o número de unidades em que a “saúde” foi mencionada, distribuindo assim, a frequência absoluta e relativa para cada série.

 

    Constatou-se que a temática saúde apresentou progressão em sua abordagem com o avanço das séries escolares, sendo mencionada duas vezes no 6º e 7º ano e passaram a ser proporcionalmente mais abordada no 8º e 9º ano.

 

Tabela 2. Distribuição absoluta e relativa do termo saúde, segundo seriação do Ensino Fundamental

Anos Finais e unidades temáticas da disciplina Educação Física no Currículo Paulista (São Paulo, 2019)

Série de Ensino

Nº de Unidades Temáticas Totais

Unidades Temáticas Relacionadas à Saúde

Porcentagem de Representação da Saúde nos Conteúdos

6º ano

18

2

11,11%

7º ano

19

2

10,52%

8º ano

16

3

18,75%

9º ano

18

6

33,33%

Fonte: Adaptado do Currículo Paulista (São Paulo, 2019)

 

    O Quadro 1 apresenta a distribuição dos temas relacionados à saúde, segundo as séries do Ensino Fundamental Anos finais. Verifica-se que as unidades temáticas e os respectivos contextos em que a palavra saúde encontra-se mencionada, situa-se de modo próximo as questões físicas e biológicas da atividade física, exercício físico e benefícios destas práticas. Em contrapartida, não se identificou apontamentos relacionados a discussão de contextos mais abrangentes relacionados à saúde, assim como, reportando ao cenário de questões sociais e coletivas.

 

Quadro 1. Descrição das unidades temáticas em Educação Física para os anos finais

do Ensino Fundamental, segundo citação do termo saúde no Currículo Paulista (2019)

6º ano

-            Identificar capacidades físicas envolvidas na prática dos esportes e da ginástica;

-            Diferenciar exercício físico de atividade física.

7º ano

-            Identificar as exigências corporais na prática dos jogos eletrônicos;

-            Relacionar a prática de exercício físico com a promoção de saúde.

8º ano

-            Ginástica de conscientização corporal e contribuições para a melhoria das condições de vida e da saúde;

-            Prática excessiva de exercícios físicos e uso de medicamentos para aumentar rendimento ou transformações corporais;

-            Contribuições da ginástica de conscientização à melhoria da qualidade de vida.

9º ano

-            Experimentar programas de exercício físico e discuti-los como podem contribuir para a melhoria das condições de vida e saúde;

-            Discutir transformações históricas de desempenho, saúde e beleza;

-            Identificar diferenças e semelhanças entre a ginástica de conscientização corporal e as de condicionamento físico, e suas contribuições para a melhoria das condições de vida e saúde;

-            Discutir os hábitos alimentares na incidência de obesidade;

-            Identificar a relação entre exercício físico e composição corporal;

-            Identificar os princípios do treinamento físico.

Fonte: Adaptado do Currículo Paulista (São Paulo, 2019)

 

Discussão 

 

    Inicialmente, buscou-se o conceito ou definição de saúde para nortear as propostas temáticas e abordagens dos conteúdos nas ações escolares.

 

    Realizou-se a busca pela palavra “saúde” em todo o currículo, resultando em 72 menções, as quais foram analisadas o contexto desta inserção. Em nenhum momento foi identificado o conceito ou a definição de saúde. Foram encontradas menções as competências da BNCC (Brasil, 2017), sustentando a hipótese de que os dois documentos possuem a mesma definição para a temática. Todavia, não foi identificada esta conceituação.

 

    A oitava competência geral da BNCC, que também aparece no Currículo Paulista, faz a seguinte menção a saúde:

    Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. (Brasil, 2017, p. 10)

    Mesma análise foi realizado na BNCC. Dentre os 76 resultados e análise dos contextos em que a palavra saúde estava inserida, também não foi possível identificar a definição adotada para o trabalho com a temática. Considerando as diferentes definições de saúde na literatura (Scliar, 2007), compreende-se como relevante a definição deste conceito para análise e desenvolvimento das atividades curriculares. Entende-se, portanto, como uma limitação do Currículo Paulista e da BNCC a não explicitação do conceito de saúde ou sua definição. Consequentemente, dificulta o entendimento dos propósitos e objetivos para abordagem e formação de escolares nesta relevante temática. Para efeito de análise dos resultados deste trabalho, foi considerado a definição de “Saúde” estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, que descreve: “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. (WHO, 2018)

 

    Observou-se a partir da metodologia utilizada, uma concentração quase que exclusiva para a abordagem das temáticas relacionadas à saúde nas disciplinas Ciências e Educação Física. Embora as questões biológicas e físicas tenham importante participação, outros aspectos relacionados ao ambiente social, afetivo e psicológicos também permeiam intensamente o processo de interveniências em saúde. (Segre, e Ferraz, 1997; Mantovani; Maldonado, e Freire, 2021; Santos, e Verly Junior, 2021)

 

    Em relação a saúde mental, Santos, e Verly Junior (2021) apontam que um dos resultados mais significativos de comportamentos de risco se apresenta na forma de bullying, ou seja, o comportamento sedentário influencia diretamente não apenas na saúde física mas também na saúde psicológica e social. Neste sentido, dados estatísticos da Pesquisa Nacional da Saúde Escolar – PeNSE (IBGE, 2016), realizado entre alunos do 9º do ensino fundamental, relataram que 16,4% dos estudantes se sentiram só, nos 12 meses que antecederam a pesquisa. Para o estado de São Paulo, aproximadamente 6% dos estudantes indicaram não ter nenhum amigo. Soma-se ainda 11,3% dos estudantes brasileiros declararam ter perdido o sono na maioria das vezes, nos meses que antecederam a pesquisa, fato este tem sido diretamente relacionado com ansiedade e preocupações (IBGE, 2016). Portanto, cabe ao currículo entender as ações para promoção de saúde como algo mais amplo, englobando também iniciativas com o foco em saúde psicológica e sociabilidade.

 

    Observa-se, neste sentido, a limitação curricular para o incentivo ao trabalho interdisciplinar. As ações interdisciplinares buscam promover a comunicação entre as disciplinas, na construção de ações singulares na intenção de ampliar, maximizar e significar o aprendizado.

    Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema ou compreender um determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista. (Bonatto et. al., 2012, p. 4)

    Entende-se, dessa forma, que a saúde não deve ser abordada somente pela educação física escolar. Além da disciplina ciências, todas as áreas escolares poderiam participar de modo interdisciplinar e colaborativo. Na década de 90, houve um movimento neste sentido, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1997). Tais indicações foram exemplificados nos Temas Transversais, entre eles, a saúde.

 

    Tem-se também uma concentração maior na abordagem de temas relacionados à saúde no último ano do Ensino Fundamental anos finais. Por outro lado, abordagem em apenas dois momentos no sexto e sétimo ano. Com o advento da BNCC, foi lançado os Temas Contemporâneos Transversais (Brasil, 2017)1. No entanto, sua implementação ainda é inicial e carece de levantamento de dados e análise referente ao desenvolvimento.

 

    Estudos anteriores apontam para a precocidade de práticas de risco à saúde entre estudantes (Paz et al., 2018). Em estudo de Cunha et al. (2020), objetivou-se determinar a prevalência de uso do tabaco e associação com fatores sociodemográficos e comportamentos de risco, para a população de jovens escolares. Dentre os apontamentos, destacou-se o uso atual de tabaco entre estudantes de 14 anos ou menos, de ambos os sexos. Portanto, indica-se a ampliação de ações de promoção à saúde e prevenção de comportamentos de risco à saúde, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Mesmo que tais temáticas sejam eventualmente abordadas na disciplina de ciências, enfatiza-se a participação da disciplina Educação Física entre ações interdisciplinares na escola.

 

    Outro ponto a ser destacado refere-se à obesidade que está diretamente relacionada a doenças cardiovasculares, diversos tipos de câncer, diabetes, hipertensão e depressão (ABESO, 2016) e menos comum em pessoas com um maior nível de escolaridade (Santos, Kislaya, e Gaio, 2016). Este fato ressalta a relevância de ações em educação e saúde durante o percurso escolar, de modo a ser um dos principais enfoques e precursores de hábitos saudáveis. Desse modo, capazes de influenciar positivamente no estilo de vida das crianças e adolescentes, e consequentemente, refletir na vida adulta mais saudável.

 

    Ao se observar os conteúdos elencados para o trabalho na temática saúde (Quadro 1), verifica-se ainda uma ênfase nas questões relacionadas ao uso das expressões exercício físico, capacidades físicas, ginástica, condições, conscientização e contribuições. O enfoque parece ser destinado ainda aos pressupostos físicos e do corpo humano em exercício.

 

    A partir deste cenário, identifica-se um formato de abordagem concentrado nas questões individuais de saúde, sem indicações claras para a abrangência de questões relacionadas a saúde coletiva e o contexto social. Em estudo de Mantovani, Maldonado, e Freire (2021), investigou-se a relação entre a saúde e a educação física escolar. Ressaltaram, entre outros apontamentos, que diversos estudos têm concentrado discussões sobre o currículo, com predomínio de relacionado ao panorama do exercício físico ou atividade física no organismo humano. Ressalta-se ainda a indicação necessária entre a produção acadêmica em Saúde Coletiva e Educação Física Escolar, no sentido de salientar outros fatores relacionados à saúde, como sociais, econômicos e culturais.

 

    Todavia, mesmo em relação aos atributos físicos e de envolvimento com o exercício físico/atividade física, muitas limitações podem ser observadas em publicações referentes ao comportamento de escolares. Dados do PeNSE, enfatizaram uma diminuição nos níveis de atividade física e na participação das aulas de educação física de acordo com o avanço das séries de ensino e da idade (IBGE, 2016).Desse modo, evidencia-se a necessidade de ampliação do envolvimento da disciplina Educação Física e a temática saúde.

 

    Tais adventos, devem permear abordagens sociais, culturais e econômicas, fatores que integram a determinação de saúde (Castelaneli et al., 2019), além de envolver planejamento interdisciplinar e reflexões a partir do contexto local da escola e comunidade. Portanto:

    [...] a interdisciplinaridade não trabalha o conhecimento de maneira globalizante, a fim de unificar os saberes, mas busca promover interconexões entre os saberes, tanto entre professores e seus pares quanto entre professores e alunos, trabalhando o conhecimento de forma problematizadora e estabelecendo relações entre as diferentes ciências, o cotidiano escolar e a realidade social e histórica em que os sujeitos estão envolvidos. (Azevedo, e Andrade, 2007, p. 270)

    Do outro lado, identifica-se ações multiprofissionais desenvolvidos na escola e que tiveram resultados positivos no estilo de vida relacionado à saúde (Brito, Cardoso Da Silva, e Maria De França, 2012). Observou-se aumento do grau de conhecimento de escolares em relação aos hábitos saudáveis e elevação dos níveis de atividade física.

 

    Soma-se ainda a necessidade do estabelecimento de objetivos mais abrangentes, passando pelas questões físicas, individuais e conceituais de exercício físico e atividade física, mas também almejar o oferecimento de subsídios aos professores para a discussão e apropriação de conhecimentos do campo da saúde coletiva.

 

Conclusões 

 

    Este trabalho de análise documental do Currículo Paulista propiciou apontamentos a serem discutidos a partir da disciplina Educação Física Escolar.Neste sentido, deve-se considerar algumas limitações do estudo. O percurso metodológico documental apresenta estratégias de leituras, definição de palavras-chave e identificação conteúdos. Todavia, deve-se ressaltar a possibilidade resultados diferentes no uso de outros descritores.

 

    De modo geral, ressalta-se a ausência da definição do conceito saúde neste documento. Esta informação apresenta aos professores, gestores, pesquisadores e sociedade o ponto de partida para a análise crítica curricular, assim como pode subsidiar o planejamento alicerçado em diretrizes para todos os componentes e áreas de conhecimento do material.

 

    Compreende-se que a educação física deve participar ativamente na promoção de hábitos saudáveis e de melhores condições de saúde coletiva. Para tanto, indica-se reavaliar a estrutura curricular, no sentido de oferecer caminhos para a aproximação interdisciplinar e do contexto social de cada comunidade escolar, oferecendo maiores possibilidades para integração da saúde na escola, seja em termos físicos, psicológicos e sociais.

 

    Indica-se, neste sentido, maiores investigações sobre o trabalho desenvolvido pelos professores em Educação Física Escolar, respectivos indicadores e percepções acerca dos limites e necessidades em saúde escolar a partir de documentos curriculares.

 

Nota 

  1. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/contextualizacao_temas_contemporaneos.pdf

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 301, Jun. (2023)