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ISSN 1514-3465

 

Resenha do livro 'What is sport: a controversial essay about why humans play sports'

Book Review 'What is Sport: a Controversial Essay about why Humans Play Sports'

Reseña del libro 'What is sport: a controversial essay about why humans play sports'

 

Narayana Astra van Amstel*

narayana.astra@gmail.com

Carlos Alberto Bueno dos Reis-Júnior**

carlosabrj@yahoo.com.br

Marcelo Alberto de Oliveira***

marcelo.alberto@alumni.usp.br

Ricardo João Sonoda-Nunes****

rj.sonoda.nunes@gmail.com

 

*Aluno de Doutorado em Sociologia

Possui graduação em Educação Física

e Mestrado em Educação Física

pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

**Docente no Centro de Educação Física e Desportos

da Universidade Federal de Santa Maria

Bacharel em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná,

com participação em Programa de Graduação Sanduíche

na Universidade Normal da China Central

e na Universidade de Esportes de Beijing

Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná

***Mestre em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte

da Universidade de São Paulo (EEFE-USP)

Licenciado em Educação Física

pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Cursou Desenvolvimento Internacional através

do Esporte na Universidade de Tsukuba (Japão)

****Doutor em Sociologia

Graduado e Mestre (2006) em Educação Física

pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Atualmente é professor da Universidade Federal do Paraná

Pesquisador do Centro de Pesquisas em Esporte, Lazer e Sociedade (UFPR)

e do Grupo Processos Civilizadores (Universidade Estadual de Londrina/UEL)

ambos cadastrados no CNPq

(Brasil)

 

Recepção: 25/11/2020 - Aceitação: 12/05/2021

1ª Revisão: 20/03/2021 - 2ª Revisão: 15/04/2021

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Amstel, N.A.V., Reis-Júnior, C.A.B. dos, Oliveira, M.A. de, e Sonoda-Nunes, R.J. (2021). Resenha do livro 'What is sport: a controversial essay about why humans play sports'. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(279), 214-225. https://doi.org/10.46642/efd.v26i279.2715

 

Resumo

    A presente resenha apresenta o livro “What is sport: A controversial essay about why humans play sports", do psicólogo social Rob Alpha. A obra, ancorada em teoria freudiana, consiste em uma análise das características da sexualidade humana, que estariam presentes de maneira inconsciente no fenômeno esportivo em geral, sendo que mais de vinte modalidades foram investigadas em aspectos como equipamentos, regras, espaços e praticantes. Ao propor responder o que é o esporte, a abordagem adotada pelo autor acaba sendo delimitada em demasia, carecendo de um diálogo com a literatura acadêmica que poderia contribuir em tal esclarecimento. O livro acaba por trazer uma perspectiva muito enfática a respeito da sexualidade, sobrevalorizando tal característica em relação a outros aspectos que perpassam o fenômeno esportivo e que poderiam ajudar a melhor responder o que de fato é o esporte em si. Ademais, a escrita do texto é por vezes incoerente e imprecisa, apresentando divergências em relação a dados e argumentos levantados pelo próprio pesquisador. As ideias apresentadas por Rob Alpha podem ser de interesse da comunidade acadêmico-científica, porém é necessário um olhar cauteloso por ser uma obra intencionalmente controversa e provocativa.

    Unitermos: Esportes. Psicanálise. Psicologia.

 

Abstract

    This review portrays the book “What is sport: A controversial essay about why humans play sports” by social psychologist Rob Alpha. Based on Freudian theory, the book consists of an analysis of characteristics of human sexuality, unconsciously present in sports phenomenon in general, investigating more than twenty modalities in aspects such as equipment, rules, spaces and practitioners. With the proposal to answer what are sports, the approach adopted by the author ends up being too much restricted, lacking a dialogue with the academic literature that could contribute to such clarification. The book ends up bringing a very emphatic perspective on sexuality, overestimating this characteristic in relation to other aspects that permeate the sport phenomenon and that could help to better answer what sport itself is. Moreover, the text is sometimes incoherent and inaccurate, presenting divergences in relation to data and arguments raised by the researcher himself. The ideas put forward by Rob Alpha may be of interest by the academic-scientific community, but a cautious look is required because it is an intentionally controversial and provocative work.

    Keywords: Sports. Psychoanalysis. Psychology.

 

Resumen

    Esta reseña presenta el libro “What is sport: A controversial essay about why humans play sports”, del psicólogo social Rob Alpha. El trabajo, anclado en la teoría freudiana, consiste en un análisis de las características de la sexualidad humana, que estarían inconscientemente presentes en el fenómeno deportivo en general, y se investigaron más de una veintena de modalidades en aspectos como equipamientos, reglas, espacios y practicantes. Al proponer responder qué es el deporte, el enfoque adoptado por el autor acaba por delimitarse demasiado, faltando un diálogo con la literatura académica que pueda contribuir a tal aclaración. El libro acaba aportando una perspectiva muy enfática sobre la sexualidad, sobreestimando esta característica en relación con otros aspectos que impregnan el fenómeno deportivo y que podrían ayudar a dar una mejor respuesta a lo que en realidad es el deporte en sí. Además, la redacción del texto es a veces incoherente e imprecisa, presentando divergencias en relación a los datos y argumentos planteados por el propio investigador. Las ideas presentadas por Rob Alpha pueden ser de interés para la comunidad académico-científica, pero es necesaria una mirada cautelosa porque es un trabajo intencionalmente controvertido y provocador.

    Palabras clave: Deportes. Psicoanálisis. Psicología.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)


 

Introdução 

 

    What is sport: A controversial essay about why humans play sports (“O que é o esporte: um ensaio controverso a respeito do porquê humanos praticam esportes”), de autoria do psicólogo social Rob Alpha1 (2015), é um livro centrado em analisar o esporte sob uma perspectiva da Psicologia. Tal como o próprio título adverte, é intenção do autor ser controverso: introduz uma ideia provocativa e possivelmente ofensiva para os leitores não-familiarizados com abordagens freudianas. A obra, publicada em inglês no ano de 2015 pela editora Bookbaby e ainda sem tradução para a língua portuguesa, consiste em uma tentativa de buscar entender as raízes do comportamento humano relacionado ao fenômeno esportivo.

 

    Para nortear sua teoria, Alpha se guia por perguntas um tanto difíceis de serem respondidas em um livro de pouco mais de 130 páginas. Entre esses questionamentos, destacamos os seguintes: a) por que esportes proporcionam prazeres individuais e coletivos? b) por que jogos têm regras, objetivos, equipamentos e estruturas? c) por que vitórias são tão importantes? d) por que arenas, campos, ringues e quadras parecem apresentar tanta semelhança entre os mais diferentes esportes? e) para além da diversão, competitividade e saúde, por que razão mais oculta os seres humanos praticam esporte? f) por que os esportes, bem como atletas profissionais de sucesso, são tão populares? g) por que a indústria do esporte é tão lucrativa? h) de que forma o inconsciente da mente, bem como a reprodução sexual, se ligam ao esporte? i) por que torcedores apresentam uma relação de fanatismo por seus clubes que beira o erotismo?

 

    Fica evidente, pelo teor das últimas perguntas norteadoras, que Rob Alpha tem interesse em entender como a sexualidade humana poderia se associar ao esporte de alguma forma. Mesmo afirmando ter consciência da complexidade de responder cada uma das questões propostas, as quais demandariam pesquisas específicas com muita profundidade para cada uma, Alpha afirma ter respostas que podem compor uma explicação abrangente acerca desses temas. Tratamos, portanto, de explorar a perspectiva do autor nessa resenha, analisando seus méritos e limitações para discutir o esporte.

 

Sexualidade como elemento explicativo do esporte 

 

    Em síntese, Alpha enxerga, na face biológica do ser humano, os instintos de perpetuação da espécie, vislumbrados na sobrevivência e na reprodução sexual, o qual se resumem em uma luta contra a morte (tanto individual quanto da espécie). Tendo esses instintos como guias do comportamento, o ser humano tenderia à, de maneira direta e indireta, incuti-los em todas as suas ações, individuais e coletivas. No entanto, ao contrário dos animais, os seres humanos, através do pensamento e cultura, também agregariam significados e simbolismo aos seus atos. Dessa maneira, ações de comer ou acasalar em nossa espécie teriam diferenças em relação aos demais animais, justamente pelas representações culturais que inserimos nessas ações.

 

Imagem 1. Capa do livro

Imagem 1. Capa do livro

Fonte: Amazon.com

 

    No que se refere às atividades esportivas, Alpha pensa que as mesmas se originaram do instinto de sobrevivência já tratado. Correr, nadar, arremessar, cavalgar e lutar, entre outras práticas, estariam relacionadas à defesa dos indivíduos perante seus rivais e predadores. Entretanto, Alpha reconhece no esporte as características inconscientes do instinto de reprodução humana. Tal como outras áreas da cultura (linguagem, arquitetura, tecnologia, tradições, arte e trabalho, etc.), o esporte manifestaria representações da sexualidade. Apesar da base comportamental originar-se nos atos de comer, dormir e acasalar, todas em vista da autoperpetuação do ser, os humanos engajariam a energia que não foi destinada a essas atividades primárias para realizar as mais diversas ações, tal como diversão, estudos, relacionamentos, planejamentos, etc. Nesse sentido, a “energia” da sexualidade seria direcionada a todas essas atividades da cultura humana, impregnando-as dos elementos oriundos do inconsciente da mente.

 

    No primeiro capítulo, intitulado “Why were sports created?, Alpha trata de alguns aspectos que, conforme a perspectiva apresentada, poderiam ajudar a explicar a criação e a popularidade das manifestações esportivas em diferentes sociedades. Ao esboçar as concepções que norteiam seu livro, o autor demarca com clareza seu posicionamento acerca da relação entre os esportes e a sexualidade. Em síntese, questões que dizem respeito à energia sexual humana estariam fortemente atreladas à própria criação de esportes específicos e poderiam ajudar a explicar a utilidade, o apelo e a popularidade de práticas corporais, tal como os esportes modernos.

 

    Em um tom cauteloso, Alpha associa a popularidade das práticas esportivas a elementos diversos, como, por exemplo,cobertura midiática, admiração por habilidades atléticas e criação de ligas esportivas. Conforme argumenta o autor, a criação e a popularização de muitos esportes teriam sido impactadas, também, pela evolução, por fatores ambientais e econômicos e, até mesmo, por guerras. O autor apresenta, então, noções que serão desenvolvidas ao longo do livro, esboçando os limites de sua abordagem, sem se contrapor ao caráter multifacetado do fenômeno esportivo.

 

    Em um primeiro momento, tendo em vista as razões que poderiam ajudar a compreender a forte conexão dos homens com o esporte, a questão da preparação para a sobrevivência é destacada por Alpha. Historicamente, muitas das atividades corporais que foram desenvolvidas pelos humanos estariam atreladas à própria necessidade de sobrevivência, uma vez que representavam uma preparação para situações como, por exemplo, caçadas ou guerras. Em um tom substancialista, o autor argumenta que, da mesma forma, as atividades esportivas de nosso tempo ajudariam a desenvolver e a exercitar habilidades físicas e mentais que seriam percebidas como importantes para sobreviver, prosperar, lutar, construir comunidades e impor desejos ou planos.

 

    Nesse ponto, o autor começa a voltar sua atenção para uma noção que perpassa toda a discussão presente no livro, dentre aquelas que poderiam ajudar a explicar a conexão dos homens com os esportes. Para Alpha, ao contrário dos outros animais, os seres humanos não se satisfazem apenas em se alimentar, acumular recursos e se reproduzir, uma vez que insistem em realizar tais atividades de modo significativo. Dessa forma, o sexo não é somente praticado fisicamente pelos seres humanos, mas também representado na mente por meio de linguagem simbólica. Nesse sentido, os esportes consistiriam em atividades nas quais o comportamento sexual é inconscientemente replicado e simbolizado.

 

    Conforme essa perspectiva, desejos profundos e emoções são expressos por meio de vários mecanismos conscientes e inconscientes, sendo replicados em ações e criações. Desse modo, a energia reprodutiva seria transferida de diversas formas para muitas atividades na vida cotidiana. Conforme argumenta o autor, os seres humanos buscam criar ou participar de atividades diversas a fim de liberar sua energia sexual inerente, logo expressões culturais como os esportes constituiriam espaços privilegiados para tanto.

 

    Para Alpha, se a energia sexual não fosse transferida para atividades diversas, as pessoas provavelmente só comeriam, dormiriam e se envolveriam com a reprodução em cada oportunidade, e esse tipo de comportamento estaria associado a efeitos deletérios para os indivíduos e para as sociedades. Para o autor, dar livre vazão para as pulsões levaria até mesmo ao colapso da espécie humana. Apesar de mencionar diferentes razões pelas quais os esportes são praticados, em muitos momentos o autor se refere ao redirecionamento da energia reprodutiva como o fator primário para a criação e prática dos esportes, sobrevalorizando essa variável em relação às demais.

 

    Embasado na teoria freudiana, o segundo capítulo, intitulado “Sublimation”, discorre acerca da transformação de impulsos sexuais e agressivos em atividades esportivas. Conforme aponta o autor, desejos e pensamentos reprimidos encontrariam caminhos para vir à tona em nossa consciência, expressando-se, por exemplo, por meio de sonhos ou de sintomas. Esses impulsos poderiam também ser canalizados em ações criativas por meio da sublimação, ou seja, a energia psíquica associada a impulsos sexuais e agressivos reprimidos pela percepção consciente seria transferida para atividades socialmente aceitáveis e potencialmente benéficas para o indivíduo. Dito de outra forma, impulsos oriundos do Id (instintos e desejos do inconsciente voltados ao prazer) seriam redirecionados por esse mecanismo de defesa, manifestando-se no Ego (a mediação dos impulsos) por meio de ações criativas e significativas, tornando-se, desse modo, “sublimes”, de acordo com as determinações do Super Ego (a moral, valores, costumes e tradições da sociedade). Ao fazer menção a tais conceitos, Alpha defende que os esportes seriam essencialmente uma forma de sublimação sexual.

 

    O entendimento freudiano de sublimação não pode vir desacompanhado do conceito de sintoma. Alpha apresenta o sintoma como um tipo de frustração derivado da incapacidade de se realizar um desejo oriundo dos instintos primitivos. Por exemplo, as mamadeiras ou chupetas, sendo substitutas artificiais, não proporcionariam o mesmo prazer oriundo do seio materno. O desapontamento resultante de não atender tais prazeres instintivos provocaria a liberação de frustrações armazenadas no inconsciente mental. Já na sublimação, Alpha interpreta-a como uma expressão cultural que seria menos prejudicial para o ser do que o impulso primitivo (agressão ou reprodução sexual), e que poderia até ser reaproveitada para um ato de importância social. Nos exemplos dados pelo autor, uma pessoa com desejos de ver sangue e cortar pessoas canalizaria tais impulsos à sublimação ao tornar-se um médico-cirurgião; um indivíduo com ânsia por controle social almejaria tornar-se um empresário administrador que comanda vários funcionários, e assim por diante.

 

    O ato de sublimação, para Freud, seria uma das principais causas do progresso evolutivo e civilizacional da humanidade, representando as produções culturais de nossa espécie. Os esportes, nesse mesmo sentido, convergiriam tanto os desejos agressivos quanto os sexuais em suas práticas. E para atestar isso, Alpha passa a analisar as características presentes nas atividades esportivas que remetem à sublimação.

 

    O terceiro capítulo, “Unconscious language in sports & sports related euphemisms”, Alpha retrata como a linguagem presente tanto na sexualidade quanto nos esportes parece andar de maneira conjunta. Na lógica do autor, as terminologias ambíguas dessas áreas seriam uma fonte de investigação da presença da sexualidade nos esportes. Por exemplo, os tacos de esportes como beisebol e golfe teriam representação fálica no diálogo humano; “pontuar” remeteria tanto ao escore no placar quanto a uma conquista conjugal bem-sucedida; a penetração, utilizada na reprodução, também seria um termo recorrente nas ações esportivas de invasão do território de defesa do adversário. Essas e outras expressões são analisadas por Alpha como representações inconscientes da sexualidade nos esportes. Dito isso, o autor passa a investigar os mais diversos esportes de maneira específica, observando as regras, equipamentos, linguagem própria, entre outros elementos potencialmente associados à sexualidade humana.

 

    De maneira genérica, o autor entende que a maioria dos esportes não seriam apenas mimetizações do comportamento sexual humano, mas também formas de desenvolver aptidões físicas e mentais que poderiam atrair parceiras sexuais em potencial, ou seja, o rendimento esportivo seria, de maneira inconsciente, associado a uma melhoria genética da espécie por meio da seleção dos parceiros. De certa maneira, o autor assume a existência de um critério sociobiológico da evolução humana, condicionado pela atuação do inconsciente mental.

 

    Seguindo essa perspectiva, o autor associa outras formas de relação inconsciente entre os esportes e a sexualidade. Uma delas seria o vocabulário utilizado tanto nos esportes quanto nas relações sexuais, indicando que essa ambiguidade não é acidente ou mera coincidência, e sim resultante da atividade do inconsciente na cultura.

 

    Para além disso, Alpha prossegue em sua análise entendendo que os esportes envolvem “levar algo a algum lugar”: bolas que passam por traves, redes e buracos no solo, atletas que cruzam linhas de chegada primeiro, seja em veículos, animais ou com o próprio corpo. Dentro desse contexto, as regras envolvem dificuldades de algum tipo, tal como adversários defensivos ou que tentam chegar antes do outro competidor no ponto determinado; obstáculos, linhas, zonas, condições do terreno, entre outras possibilidades.

 

    Por exemplo, Alpha vê no taco de golfe uma extensão do falo, a bolinha seria uma representação do espermatozoide e os buracos do campo corresponderiam ao órgão sexual feminino a ser fertilizado. Na analogia exposta no livro, durante o ato sexual, o espermatozoide mais rápido e eficiente fertilizará o óvulo, depositando seu código genético e vencendo a corrida reprodutiva. De maneira caricata, Alpha enxerga no golfe um paralelo a esse pensamento: o golfista que acerta a bolinha no buraco em menos tacadas é o mais eficiente, o vencedor.

 

    As análises de Alpha, de maneira genérica, enxergam as bolas dos mais diferentes esportes (basquetebol, futebol, beisebol, golfe, futebol americano, voleibol, etc.) como representações inconscientes do espermatozoide, e os alvos como lugares a serem fertilizados (aros, traves, campo ou linha adversária, redes, etc.). Qualquer objeto ou formas que remetam a falos no esporte são entendidos por Alpha como representações disso: a zona de garrafão no basquete, tacos, varas de pesca, fuzis, dardos, veículos de corrida automobilística, nada parece escapar da visão do autor.

 

    De fato, todas essas características citadas, quais sejam, o vocabulário ambíguo, as formas e conteúdo das práticas esportivas motivadas pelo inconsciente, parecem replicar-se por todos os esportes analisados pelo autor, de maneira quase totalizante.

 

    E é justamente nesse aspecto que salientamos nossa principal crítica ao trabalho de Rob Alpha. Apesar do texto, em formato ensaístico, permitir uma flexibilidade ou até ausência metodológica, é gritante no conjunto da obra a incoerência entre o que é dito pelo autor em um determinado momento e desconsiderado ou minimizado em outro. Por exemplo, na discussão a respeito das origens do esporte, Alpha apresenta as características primitivas de luta/agressividade e reprodução sexual como elementos norteadores da criação dessas práticas; entretanto, a maior parte da obra limita-se aos aspectos sexuais. Questionamos-nos o motivo do autor praticamente deixar de considerar as pulsões agressivas na análise dos esportes modernos, algo que foi ricamente explorado por autores como Norbert Elias e Eric Dunning2 (1992). Também é interessante observar que, em mais de vinte modalidades apresentadas e discutidas por Alpha, não se reservou espaço, por exemplo, para esportes de combate.

 

    Outro elemento negativo da obra é o que chamamos de visão totalizante do autor: praticamente todas as características apresentadas para investigar a teoria da sublimação no esporte reforçam sua hipótese, não apresentando possíveis contradições ou limitações. É como se, ao partir da premissa que tudo que existe na cultura humana procede dos instintos naturais, então nada pode ser pensado fora de sua teoria; qualquer característica apresentada a confirmará, independente da diversidade entre as modalidades, sua história de origem, materiais, praticantes, etc. Em certo sentido, o autor não parece encontrar obstáculos para suas conclusões: se um esporte apresenta características de mimetismo sexual, confirma sua teoria; se esses aspectos não se encontram tão claras ou aparentemente inexistentes, é aí que Alpha reforça ainda mais a presença do inconsciente, novamente confirmando sua teoria. Dessa forma, nos parece muito confortável para o autor utilizar quaisquer elementos para corroborar sua perspectiva. De fato, podemos até questionar se essa visão totalizante da teoria da sexualidade pode ser em algum sentido relacionada com o trabalho de Freud (2017) a esse respeito. A psicanálise freudiana teria a pretensão de querer explicar toda a dimensão possível de qualquer fenômeno, por exemplo, o esporte? Parece-nos que isso é uma interpretação muito particular de Alpha.

 

    Exemplo dessa visão totalizante é quando Alpha afirma que a bola branca do jogo de sinuca, bem como em outros esportes, representa o espermatozoide justamente por sua coloração. Entretanto, em esportes onde a bola utilizada é de outra cor (tal como as de coloração verde no tênis), Alpha mantém a comparação com o espermatozoide. Quando investiga o futebol americano, associa o formato ovoide da bola desse esporte como representação da célula fertilizante da reprodução; nas outras modalidades onde a predominância é a esfera, isso não parece ser um problema para Alpha, apenas mais uma variação da teoria da sublimação.

 

    Portanto, tendo em vista que o autor não se preocupou em indicar os pontos frágeis de sua análise, buscamos nessa resenha apontar algumas possíveis inconsistências da abordagem por ele adotada. Por exemplo, boa parte de seus estudos sobre as mais diferentes modalidades apresentou rico vocabulário específico de cada um desses esportes, indicando suas associações com gírias de conotação sexual. Entretanto, o autor desconsiderou que esses esportes não são praticados apenas por pessoas que falam a língua inglesa. De fato, traduzir várias das expressões que Alpha se detém a analisar são praticamente impossíveis de manter sentido se tentássemos trazê-las a essa resenha em português. Sendo os esportes práticas de caráter universal, encontrar associação entre sexo e modalidades esportivas nas variáveis linguísticas de apenas um idioma, qual a representatividade disso em relação ao fenômeno esportivo moderno? Talvez uma possibilidade de atestar isso fosse investigar se tais expressões se reproduzem nos demais idiomas, mas tal ideia não é considerada por Alpha. Deste modo, é uma análise um tanto anglocêntrica e enviesada para um fenômeno de caráter tão universal como é o caso dos esportes modernos.

Outro problema na obra é referente à forma como o autor redigiu suas ideias. Em diversos esportes analisados, Alpha elogia vários deles como os mais representativos da sexualidade humana presente nas práticas esportivas. Em mais de vinte esportes analisados ao longo do livro, a adjetivação enfática e supervalorizada é adotada recorrentemente em diferentes modalidades. Talvez seja um estilo de escrita particular do autor para reforçar seu posicionamento, porém acaba por confundir a leitura; se tudo é considerado importante, nada acaba por chamar atenção de fato, tornando superficial o que é apresentado.

 

    Outra crítica que ressaltamos ao livro e sua estratégia de marketing, presentes em um vídeo de divulgação do lançamento da obra e também em imagens ao longo do texto, seria o da apresentação do corpo feminino de maneira vulgar e sensualizada; o autor escolheu fotografias de modelos em poses sensuais e eróticas com equipamentos esportivos, de maneira provocativa e que não agregavam à discussão trabalhada. Em certo sentido, parece uma seleção de imagens um tanto machista por parte do autor, objetificando o corpo feminino de maneira que pode soar muito ofensiva para os leitores.

 

Rob Alpha - What is Sport

 

Fonte: Youtube.com

 

Conclusão 

 

    No final das contas, “What is sport?” é um livro que se demonstrou incapaz de responder todas as perguntas que colocou. Em vista de tentar sanar isso, o autor sobrevaloriza a sexualidade humana como resposta para tudo que existe no esporte, o que acaba por não convencer, dada sua superficialidade ao tratar do tema. Mesmo assim, a obra ainda pode encontrar sua validade pelo fato de que alguns leitores poderão considerar que as análises sucintas das modalidades poderão servir de introdução ao tema resgatado por Alpha, possibilitando familiarização com a psicanálise aplicada aos esportes. Ainda que o autor afirme não ter a pretensão de inserir-se em um debate científico e acadêmico, as colocações de Alpha podem ser interessantes para apresentar ao leitor uma forma de estudo da psicanálise aplicada ao fenômeno esportivo, porém sua falta de rigor e precisão acaba por se tornar um obstáculo à leitura.

 

    Portanto, ressaltamos a necessidade de certa cautela ao lidar com tal livro, tendo em vista ser um texto que, como o próprio autor pretende, é controverso em sua totalidade. “What is sport?” não responde de fato o que é realmente o esporte tal como seu título propõe; é possível que informações interessantes possam ser extraídas desse livro, mas a filtragem será trabalhosa e possivelmente pouco frutífera no campo científico.

 

Notas 

  1. Informações sobre o autor são obscuras, tendo em vista a escassez de dados que ele concede sobre seu currículo profissional na obra. Afirma ser formado em Psicologia Social, embora não indique em qual universidade; declara-se um apaixonado da sociologia, antropologia, psicologia, esportes e comportamentos tanto dos animais quanto dos seres humanos. Em contato por e-mail, redes sociais e a editora, não obtivemos nenhum tipo de resposta.

  2. A obra “A busca da excitação, desporto e lazer no processo civilizacional” de Elias e Dunning (1992) é um exemplo clássico de investigação das características de supressão e controle da violência através das práticas esportivas, dentro de um espectro de processo civilizatório.

Referências 

 

Alpha, R. (2015). What is Sport: A Controversial Essay About Why Humans Play Sports (1st ed.). Bookbaby.

 

Elias, N., e Dunning, E. (1992). A busca da excitação, desporto e lazer no processo civilizacional. DIFEL Editoral.

 

Freud, S. (2017). Three Essays on the Theory of Sexuality: The 1905 Edition. (U. Kistner, P. Van Haute, e H. Westerink, Eds.). Verso Books.


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)