Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Qualidade de vida de pessoas com deficiência auditiva atletas e não atletas

Quality of Life of Athletes and Non-Athletes with Hearing Impairments

Calidad de vida de deportistas y no deportistas con discapacidad auditiva

 

Gabriel Citton*

gabrielcitton1977@gmail.com

Guilherme Anziliero Arossi**

guilherme.arossi@ulbra.br

Ana Maria Pujol Vieira dos Santos***

anapujol@ulbra.br

 

*Mestre em Promoção da Saúde,

Desenvolvimento Humano e Sociedade pela ULBRA

Secretário Municipal do Esporte e Lazer da cidade de Caxias do Sul (2020 e 2021)

Em 2019 atuou como Diretor Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social

Também em 2019 foi Secretário Nacional de Esporte, Educação, Lazer 

e Inclusão Social Membro Suplente do Conselho Nacional do Esporte

Assistente técnico da Seleção Brasileira de Handebol feminino

categoria Cadete (2007, 2008 e 2009), categoria Juvenil (2008) e categoria Júnior (2010)

Foi assistente Técnico da Seleção Brasileira de Handebol

Categoria Júnior Feminino nos campeonatos

Panamericano (2010 Buenos Aires, Argentina) e Mundial (2010 - Coreia do Sul)

Fez parte da Comissão Técnica da Seleção Brasileira de Handebol Categoria

Adulto Feminino no Torneio Internacional da Espanha (2010 - Vicar, Espanha).

Coordenador Técnico e Técnico da Seleção Brasileira de Handebol de Surdos

https://orcid.org/0000-0001-9580-6282

http://lattes.cnpq.br/2355147583596283

**Professor do Mestrado em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano

e Sociedade e do curso de Odontologia pela ULBRA

***Professora do Mestrado em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano

e Sociedade e dos cursos de Educação Física e Biomedicina pela ULBRA

(Brasil)

 

Recepção: 22/11/2020 - Aceitação: 12/06/2022

1ª Revisão: 25/02/2022 - 2ª Revisão: 09/06/2022

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Citton, G., Arossi, G.A., e Santos, A.M.P.V. dos (2022). Qualidade de vida de pessoas com deficiência auditiva atletas e não atletas. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(293), 48-59. https://doi.org/10.46642/efd.v27i293.2708

 

Resumo

    Diversos fatores podem afetar a qualidade de vida (QV) das pessoas com deficiência auditiva, e buscar compreendê-los é fundamental, pois os fazem parte de uma comunidade que possui uma língua e modos de socialização próprios. A atividade física ou o esporte desempenham um papel importante na QV, seja na prevenção de doenças, na sensação de bem-estar ou ainda permitindo relações pessoais e coletivas significativas. Diante disso, o objetivo deste estudo foi descrever a QV de atletas pessoas com deficiência auditiva praticantes da modalidade de handebol e de pessoas com deficiência auditiva não atletas. Estudo descritivo e transversal, com a amostra composta por 24 atletas da Seleção Brasileira de Handebol de Surdos, que disputaram em 2018 o Campeonato Mundial de Handebol de Surdos, e 33 indivíduos surdos não atletas. Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográfico acrescido do histórico da deficiência e o WHOQOL-BREF, utilizado para avaliar a QV. Os resultados do estudo apontaram que para ambos os grupos, a classificação dos domínios da QV é regular. No contexto desta pesquisa, os atletas com deficiência auditiva perceberam a sua qualidade de vida e a satisfação com sua saúde como boa, enquanto os não atletas, como regular.

    Unitermos: Pessoas com deficiência auditiva. Qualidade de vida. Atletas. Exercício físico.

 

Abstract

    Several factors can affect the quality of life (QoL) of hearing impairments people, and trying to understand them is fundamental, as are part of a community that has its own language and modes of socialization. Physical activity or sport play an important role in QoL, whether in disease prevention, in the feeling of well-being or even allowing significant personal and collective relationships. Therefore, the aim of this study was to describe the QoL of hearing impairments athletes practicing the handball modality and non-athlete deaf individuals. Descriptive and cross-sectional study, with a sample of 24 athletes from the Brazilian Deaf Handball Team, who competed in 2018 in the World Handball Championship for the Deaf, and 33 non-athlete deaf individuals. The instruments used were a sociodemographic questionnaire plus the history of disability and the WHOQOL-BREF, used to assess QoL. The study results showed that for both groups, the classification of QoL domains is regular. In the context of this research, hearing impairments athletes perceived their quality of life and satisfaction with their health as good, while non-athletes as regular.

    Keywords: Persons with hearing impairments. Quality of life. Athletes. Exercise.

 

Resumen

    Varios factores pueden afectar la calidad de vida (CV) de las personas con discapacidad auditiva, y buscar comprenderlos es fundamental, ya que forman parte de una comunidad que tiene su propia lengua y formas de socialización. La actividad física o el deporte juegan un papel importante en la CV, ya sea en la prevención de enfermedades, en la sensación de bienestar o incluso permitiendo relaciones personales y colectivas significativas. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue describir la CV de atletas que practican balonmano y no atletas con discapacidad auditiva. Estudio descriptivo y transversal, con una muestra compuesta por 24 atletas de la Selección Brasileña de Balonmano para Sordos, que compitieron en el Campeonato Mundial de Balonmano para Sordos en 2018, y 33 sordos no atletas. Los instrumentos utilizados fueron un cuestionario sociodemográfico más el historial de discapacidad y el WHOQOL-BREF, utilizados para evaluar la CV. Los resultados del estudio mostraron que para ambos grupos, la clasificación de los dominios de la CV es regular. En el contexto de esta investigación, los deportistas con discapacidad auditiva percibieron su calidad de vida y satisfacción con su salud como buena, mientras que los no deportistas, como regular.

    Palabras clave: Personas con discapacidad auditiva. Calidad de vida. Deportistas. Ejercicio físico.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 293, Oct. (2022)


 

Introdução 

 

    A qualidade de vida (QV) de indivíduos com deficiência auditiva é um tema que necessita de mais estudos, considerando que 1,1% da população brasileira registrada pelo censo do IBGE de 2010, atualizada pela nota técnica 01/2018, possuem deficiência auditiva. Mundialmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (2021), a perda auditiva afeta atualmente mais de 1,5 bilhão de pessoas ou 20% da população global. A maioria possui perda auditiva leve (1,16 bilhão), entretanto 430 milhões de pessoas (ou seja, 5,5% da população global) experimentam níveis moderados ou mais altos de perda auditiva, afetando suas atividades diárias e QV. Em 2050, estima-se que um quarto da população global, ou o equivalente a cerca de 2,5 bilhões de pessoas, terá algum grau de perda auditiva. Em termos de diferenças de gênero, a prevalência global de níveis moderados ou superiores de perda auditiva é ligeiramente maior entre os homens do que entre as mulheres, com 5,6% de homens vivendo com perda auditiva em comparação com 5,5% de mulheres. (WHO, 2021)

 

    Nas últimas décadas, o conceito de surdez vem passando por transformações históricas e culturais. O surdo prefere não ser considerado “deficiente” e sim pertencente à uma comunidade com traços linguísticos e culturais comuns (Pagliuca, de Oliveira, Mariano, da Silva, de Almeida, e Oliveira, 2015); da mesma forma, rejeita a concepção da surdez como uma deficiência a ser curada, eliminada ou normalizada, e sim como uma diferença a ser respeitada (Sacks, 1998). A surdez se distingue de outras deficiências, não pela deficiência física propriamente dita, mas pela dificuldade de estabelecer comunicação entre pessoas; o problema de comunicação, no cotidiano dos surdos, é uma condição permanente, que acarreta graves consequências no seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo. (Fellinger, Holzinger, Gerich, e Goldberg 2005)

 

    A surdez é algo que pode afetar alguns aspectos da vida e possui causas e efeitos variados nessa população, devido a fatores como o ambiente, o nível educacional e o nível socioeconômico. Nesse sentido, pode-se destacar o contexto de cultura, os valores, os objetivos e expectativas, necessidades e preocupações; tendo em vista que a perda auditiva pode afetar o desenvolvimento da fala e da linguagem, e consequentemente as habilidades de comunicação, os relacionamentos interpessoais e desenvolvimento social, afetando adversamente o bem-estar. (Patrick et al., 2011)

 

    A pessoa surda pertence a uma comunidade minoritária, que partilha uma língua de sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios (Chaveiro et al., 2014). A comunicação do indivíduo surdo poderá ser desenvolvida através de habilidades de leitura labial, uso de texto escrito ou impresso e língua de sinais. No Brasil, a língua de sinais das pessoas surdas chama-se Libras. (Brasil, 2002)

 

    As causas da surdez podem ser congênitas, como por exemplo, fatores genéticos ou complicações na gravidez; ou adquiridas, tais como inflamações no ouvido, utilização de medicamentos, traumas na cabeça, exposição ao barulho, entre outros. A perda auditiva pode ter um impacto profundo na QV, nos casos de surdez adquirida, os efeitos podem começar pequenos e progridem à medida que a perda auditiva avança (OMS, 2021). De acordo com a Associação Americana de Psicologia (2018), tanto a perda auditiva como a depressão podem gerar limitações, e caso não sejam manejadas de forma adequada, inúmeras consequências negativas poderão ser desencadeadas, seja no âmbito familiar, social ou na saúde mental do sujeito.

 

    O estudo da QV visa diretamente identificar o grau de satisfação do indivíduo com as suas condições e características. Esta depende do estado de saúde, comunicação na sociedade, estado psicológico e social, liberdade de atividade e escolha, estresse e preocupação excessiva, lazer organizado, nível educacional, acesso ao patrimônio cultural, autoafirmação social, psicológica e profissional, adequação da comunicação e relacionamentos (Ismailov Usmankhodjaeva, Bazarbaev, e Tulabaev, 2017). Sendo assim, todo indivíduo, incluindo os surdos ou os com deficiência auditiva, percebe sua QV de maneira única, e qualquer forma de incapacidade tem impacto na sua QV.

 

    A atividade física desempenha um papel importante na QV, como promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas, permitindo a longevidade e o bem-estar da população. Para o surdo, o esporte promove a autoestima, a autonomia dos grupos, o reconhecimento dos demais, além de diferentes capacidades motoras (Brodt, 2019; Emiliavaca, 2020). A surdez em si não implica em restrições significativas em relação à prática de atividade física ou de esportes, entretanto, jovens surdos apresentaram nível de atividade física significativamente menor que jovens ouvintes (Andrade, e Castro, 2017). São variadas as modalidades esportivas que trabalham efetivamente aspectos motores, sociais, psicológicos, dentre elas, destaca-se o handebol. Esta modalidade coletiva proporciona o trabalho do espírito de equipe e a socialização nos seus praticantes, questões físicas (resistência cardiorrespiratória, massa muscular, velocidade, agilidade, entre outras), bem como questões cognitivas, como, por exemplo, tomar decisões rápidas e objetivas. (Greco, 2015)

 

    Após a reflexão sobre a QV e a surdez, da importância das atividades sociais, de integração, de lazer, como também as possibilidades que a prática esportiva pode oferecer a esses indivíduos, o objetivo deste estudo foi descrever a QV de atletas surdos praticantes da modalidade de handebol e de indivíduos surdos não atletas.

 

Método 

 

    Este foi um estudo descritivo e transversal, com a amostra composta por dois grupos de indivíduos com deficiência auditiva:

    Grupo 1: formado por 24 atletas da Seleção Brasileira de Handebol de Surdos, sendo 10 atletas do sexo masculino e 14 atletas do sexo feminino, que disputaram em 2018 o Campeonato Mundial de Handebol de Surdos. Estes atletas residem principalmente na região sul e sudeste do país, e corriqueiramente são convocados para treinamento da seleção, visando às competições da modalidade. O grupo de atletas, conforme orientações da comissão técnica e dentro de suas possibilidades, realizava com regularidade exercícios físicos, a fim de manter ou aprimorar aptidões aeróbicas e de força muscular, necessárias para um melhor desenvolvimento das capacidades e habilidades que a modalidade de handebol exige. No ano de 2020 em função da pandemia de COVID-19, as convocações e competições foram canceladas.

 

    Grupo 2: formado por 33 indivíduos não atletas, composto por 15 homens e 18 mulheres, que foram selecionados por adesão de voluntários, realizada pela Associação dos Surdos de Caxias do Sul, RS. Este grupo não praticava regularmente exercícios físicos.

    Para padronização dos participantes do estudo, a perda auditiva foi de pelo menos 55 dB no ouvido com melhor audição, conforme regulamento do Comitê Internacional de Esportes para Surdos (ICSD). Os participantes eram maiores de 18 anos e menores de 50 anos. As variáveis dependentes foram à QV e as independentes, exercício físico (atleta e não atleta), idade, nível econômico, nível de instrução, origem da surdez e grau de surdez.

 

    Dois instrumentos foram utilizados para coleta de dados nesta pesquisa. O primeiro foi o Questionário sociodemográfico e histórico da deficiência, com perguntas fechadas, sobre identificação, sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda mensal familiar e histórico da deficiência. O segundo instrumento utilizado foi o questionário WHOQOL-BREF (World Health Organization Quality of Life) utilizado para avaliar a QV, que possui 26 questões divididas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. O instrumento conta com duas questões gerais de QV e as demais representam cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original. As respostas são dadas em uma escala do tipo Likert, e os resultados obtidos através da média por faceta, domínio e geral dos questionários aplicados e classificados como: necessita melhorar (de 1,0 a 2,9), regular (de 3,0 a 3,9), boa (de 4,0 a 4,9) e muito boa (5,0). Na escala de Likert, de 1 a 5, quanto maior a pontuação melhor a QV. (Fleck et al., 2000)

 

    Para o grupo de não atletas, os instrumentos de pesquisa foram aplicados no início do ano de 2020, na sede da Sociedade dos Surdos de Caxias do Sul, RS, realizados de forma individual e presencial. Após contato com membros da diretoria da Sociedade dos Surdos sobre os objetivos da pesquisa, prontamente a entidade divulgou e agendou com os integrantes surdos para comparecerem até a sede, a fim de participar da pesquisa. Para a aplicação o pesquisador teve auxílio de outros profissionais, entre eles uma intérprete de Libras que traduzia simultaneamente aos surdos a fala do pesquisador quanto aos objetivos e a importância da participação, e caso fosse necessário o esclarecimento de dúvidas. Já para o grupo de atletas, os questionários seriam aplicados no primeiro semestre de 2020, em uma das fases de treinamentos da Seleção Brasileira de Handebol de Surdos. Porém em função da pandemia COVID-19, a aplicação dos testes para o grupo de atletas surdos sofreu alteração, sendo realizada através de formulário Google, enviado individualmente via e-mail ou via WhatsApp nos meses de setembro e outubro de 2020.

 

    Os dados coletados foram digitados no Epidata e analisados no programa SPSS for Windows (SPSS) 17.0 e Excel. As variáveis foram apresentadas conforme estatística descritiva (média, desvio padrão e porcentagens) adequada a cada tipo de variável. Todos os aspectos éticos foram respeitados e os participantes da pesquisa aceitaram fazer parte do estudo após a leitura do Termo de Livre Consentimento e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da ULBRA (CAAE 23753019.1.0000.5349).

 

Resultados 

 

    No total foram respondidos 57 questionários, sendo 31,57% não atletas do sexo feminino, 26,32% não atletas do sexo masculino, 24,57% de atletas do sexo feminino e 17,54% de atletas masculinos. A média geral de idade entre não atletas foi de 30,18 anos (DP = 9,63) e de 31,87anos (DP = 6,90) os atletas. A maioria dos surdos se autodeclararam da cor branca, 72,72% entre não atletas e 62% entre atletas.

 

    A Tabela 1 apresenta os dados referentes ao estado civil e à escolaridade dos participantes. A maioria dos participantes 68,42% caracteriza-se como solteiro. Quanto à escolaridade, foi verificado que entre os não atletas, a maioria possui ensino superior incompleto (33,33%), seguido por ensino médio incompleto (21,21%). No grupo de atletas, todos os participantes possuem como grau mínimo de escolaridade o ensino médio completo, mas a maioria, 41,66% possuem pós-graduação.

 

Tabela 1. Estado civil e escolaridade de surdos atletas (AS) e não atletas (SNA)

Variável

Categoria

Surdos não atletas

Surdos atletas

Estado civil (%)

Casado

21,21

25,0

Separado/Divorciado

3,03

8,34

Solteiro

69,69

66,66

União estável

6,07

0,00

Viúvo

0,00

0,00

Escolaridade (%)

Ens. Fund. Incompleto

3,03

0,00

Ens. Fund. Completo

0,00

0,00

Ens. Médio Incompleto

21,21

0,00

Ens. Médio Completo

18,18

12,5

Ens. Superior Completo

9,09

25,0

Ens. Superior Incompleto

33,33

20,84

Pós-Graduação

15,16

41,66

Resultados expressos através de análises de frequência (%); 

Ens.: ensino; Fund.: fundamental. Fonte: Dados da pesquisa (2020)

 

    Quando pesquisado sobre a profissão, para o grupo de não atletas as respostas mais frequentes foram: seis estavam desempregados, quatro eram estudantes e quatro eram professores, dois trabalhavam na área de logística. No grupo de atletas, um estava desempregado, seis eram professores, quatro assistentes administrativos, três estudantes e três bancários. Também foi referido pelos dois grupos em menor frequência, atuação na construção civil, operador de peças, pós-vendas, assistente de mercado, bibliotecária, estagiária, advogada, auxiliar de higiene, servidor público e analista de comunicação. Com relação à renda própria, a maioria dos não atletas destaca o valor entre R$ 500,00 a R$ 1.000,00 (24,24%), seguida por entre R$ 1.500,01 a R$ 2.000,00 (21,21%). No grupo de atletas a maioria apresenta renda própria no valor de superior a R$ 4.000,00 (25%).

 

    Dados sobre o motivo, idade e grau da surdez são apresentados na Tabela 2. A causa da surdez para a maioria dos participantes foi congênita, tanto para os atletas como para os não atletas. Entretanto, muitos não sabem o motivo da surdez, destes 27,27% são não atletas e 20,83% são atletas. As causas apontadas para surdez adquirida foram remédio forte, acidente, falta de oxigenação, febre alta ou meningite quando criança. Entre os homens não atletas, a maioria 40% não sabe como ocorreu a surdez. Com relação à idade da surdez, a maior frequência foi do nascimento até 5 anos de idade, independente do grupo. O grau de surdez profunda, acima de 90 db estava presente nos dois grupos também.

 

Tabela 2. Motivo, idade e grau de surdez de participantes Não Atletas e Atletas.

Variável

Categoria

Surdos Não Atletas

Surdos Atletas

Motivo de surdez (%)

Congênita

33,34

50,0

Adquirida

39,39

29,17

Não sabe

27,27

20,83

Idade da surdez (%)

Nasceu surda

39,39

54,16

Ocorrida 1 mês e 5 anos

39,39

33,33

Ocorrida 6 e 10 anos

12,13

0,00

Mais de 10 anos

0,00

12,51

Não sabe com que idade

9,09

0,00

Grau de surdez (%)

Profunda (acima 90 dB)

63,63

66,66

Severa (de 70 a 90 dB)

6,06

8,34

Moderada/Severa (41 a 70 dB)

18,18

12,5

Severa/Profunda (dB indefinido)

3,04

12,5

Não responderam

9,09

0,00

Resultados expressos através de análises de frequência (%). Fonte: Dados da pesquisa (2020)

 

    Na Tabela 3, pode-se verificar o resultado e a classificação encontrados em cada domínio do instrumento para cada grupo de estudo. Os resultados apontaram que os participantes apresentaram uma QV regular.

 

    Na Questão 1 “Como você avaliaria a sua QV?” e na questão 2 “Quão satisfeito(a) você está com sua saúde?”, o grupo dos atletas classificou como “boa”, já para os não atletas foi regular. Na classificação dos domínios (físico, psicológico, social e ambiental), os grupos apresentam classificação regular para a QV.

 

Tabela 3. Domínios do questionário WHOQOL-BREF de participantes não atletas e atletas

Domínios

Surdos Não Atletas

Surdos Atletas

Média

DP

Classificação

Média

DP

Classificação

Questão inicial 1

3,75

0,61

Regular

4,00

0,65

Boa

Questão inicial 2

3,81

0,84

Regular

4,04

0,62

Boa

Físico

3,49

0,47

Regular

3,77

0,25

Regular

Psicológico

3,65

0,39

Regular

3,81

0,18

Regular

Social

3,98

0,13

Regular

3,63

0,32

Regular

Ambiental

3,46

0,13

Regular

3,39

0,26

Regular

Fonte: Dados da pesquisa (2020)

 

Discussão 

 

    A QV de atletas e não atletas surdos foi verificada utilizando o instrumento WHOQOL-BREF. Os atletas possuem uma formação mínima de ensino médio completo, enquanto o grupo de não atletas apresenta ainda participantes sem formação básica finalizada. Pode-se destacar que o grupo de atletas mostrou uma continuidade mais efetiva nos estudos do que o grupo de não atletas. Este dado corrobora com o estudo de Santos et al. (2020), no qual cerca de 60% dos surdos participantes do estudo possuíam o ensino superior, incluindo especialização e mestrado.

 

    Quando questionados como avaliariam a sua QV (Questão 1), o grupo de atletas avaliou como boa, enquanto os não atletas como regular. Estudo para verificar a QV em 18 adolescentes com deficiência visual e 20 com deficiência auditiva identificou uma boa percepção de QV e níveis satisfatórios de prática de atividade física (Interdonatol, e Greguol, 2011). O estudo de Jaiyeola, e Adeyemo (2018), realizado na Nigéria, identificou diferenças na QV em dois grupos de surdos, estudantes matriculados em escolas especiais para surdos e estudantes de escolas inclusivas (surdos e ouvintes). Os resultados apontaram que a maioria dos estudantes surdos de escolas especiais possui melhor QV do que os estudantes surdos de escolas inclusivas. Segundo os autores, os motivos para esta diferença foram o tipo de escola, tendo em vista que os estudantes das escolas especiais aprendem e interagem em um ambiente que não considera a surdez como deficiência, favorecendo a aceitação e questões socioemocionais e socioeconômicas. Esse pode ter sido o motivo, nesta pesquisa, dos atletas perceberem a sua QV como boa, pois participando da seleção brasileira de handebol e dos treinos, podem se sentir valorizados e aceitos.

 

    A satisfação com a saúde foi avaliada na Questão 2 do instrumento e novamente houve diferença na percepção entre os dois grupos. Para o grupo de não atletas, a percepção foi regular e para os atletas foi boa. Uma pesquisa com a QV de surdos usuários de Língua Brasileira de Sinais no sul do Brasil identificou que os piores escores se relacionavam ao domínio físico, nas questões que se referem às dores no corpo e tratamento médico, o que indicou que a maioria dos participantes não está satisfeita com algumas questões relacionadas à saúde. Porém outros domínios foram classificados como regular, ou ainda o domínio relações sociais (facetas relações pessoais e atividade sexual) foram classificadas como “bom” (Santos et al., 2020). Um outro estudo identificou que as principais barreiras para a prática de atividade física de surdos foram problemas de saúde (62,79%), porque lhes parece que as outras pessoas não os aceitam totalmente, devido à sua deficiência (37,21%), porque acham que a comunidade ouvinte tem preconceitos em relação às pessoas com deficiência (34,88%) e falta de condições de segurança das instalações físicas de forma a prevenir acidentes (34,88%) (Lima, Lima, Silva, Silva, Oliveira, e Oliveira, 2020). Neste estudo, a prática de exercícios físicos regulares pelos atletas de handebol pode ter influenciado na percepção de saúde do grupo. É importante que haja uma conscientização por parte da sociedade para propiciar a inclusão de surdos em atividades físicas para que possam exercer seus direitos. (Santana, Lobo, e Silva, 2021)

 

    Nos domínios do WHOQOL-BREF, tanto atletas como não atletas perceberam a QV como regular. Indivíduos surdos apresentam dificuldade em se comunicar (entre surdos e ouvintes), podendo aumentar o isolamento social e gerar uma vulnerabilidade aos problemas de saúde mental. A longo prazo este isolamento pode levar a diminuição da QV (Chaveiro et al., 2014). Em uma pesquisa com 60 surdos, os que apresentavam maior nível de escolaridade e que se percebem proficientes na língua portuguesa apresentaram melhores escores de qualidade de vida (Santos et al., 2020), provavelmente devido a sua maior integração na sociedade. Pesquisa realizada com adolescentes deficientes físicos, auditivos e visuais identificou que os que estavam inseridos em salas especiais apresentaram-se como o grupo mais vulnerável na percepção da qualidade de vida global. (Torres, e Vieira, 2014)

 

    Como limitação desta pesquisa, pode-se considerar o delineamento transversal e a amostragem de conveniência, pois influenciam na capacidade de generalização dos resultados. Além disso, a pandemia do COVID-19 pode ter influenciado nos resultados, já que a coleta de dados dos surdos atletas, que seria realizada em maio de 2020, só pode ser realizada entre setembro e outubro de 2020.

 

Conclusão 

 

    Os resultados do estudo apontaram que para o grupo de surdos atletas e não atletas a classificação nos domínios físico, psicológico, social e ambiental da QV foi regular. Entretanto, surdos atletas perceberam a sua QV e satisfação com sua saúde como boa, enquanto surdos não atletas, como regular, sugerindo que prática do exercício físico promoveu a percepção de saúde dos atletas. Assim, recomenda-se novos estudos com um maior número de atletas surdos e a inclusão de outras modalidades esportivas.

 

Referências 

 

Andrade, L., e Castro, S. (2017). Níveis de atividade física: um estudo comparativo entre adolescentes surdos e ouvintes. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. 23(5). https://doi.org/10.1590/1517-869220172305150335 

 

American Psychological Association (2018). Depression. APA. https://www.apa.org/topics/depression/index

 

Brasil (2002). Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm

 

Brodt, G.A. (2019). Efeitos da prática de exercícios físicos no equilíbrio e na marcha de surdos [Tese de Doutorado, Ciências do Movimento Humano. Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/200678

 

Chaveiro, N., Duarte, S.B.R., Freitas, A.R. de, Barbosa, M.A., Porto, C.C., e Fleck, M.P. de (2014). Qualidade de vida dos surdos que se comunicam pela língua de sinais: revisão integrativa. Interface: Comunicação Saúde Educação, 18(48), 101-14. https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0510 

 

Emilavaca, A.L. (2020). Análise estabilométrica de atletas de futsal ouvintes e surdos [Dissertação de Mestrado. Universidade de Passo Fundo]. http://tede.upf.br/jspui/handle/tede/1971

 

Fellinger, J., Holzinger, D., Gerich, J., e Goldberg, D. (2007). Mental distress and quality of life in the hard of hearing. Acta Psychiatrica Scandinavica, 115(3), 243-245. https://doi.org/10.1111/j.1600-0447.2006.00976.x

 

Fleck, M.P.A., Louzada, S., Xavier, M., Chachamovich, E., Vieira, G., Santos, L., e Pinzon, V. (2000). Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-BREF. Revista de Saúde Pública, 34(2). https://doi.org/10.1590/s0034-89102000000200012

 

Greco, J., e Romero, J. (2015). Manual do Handebol: da iniciação ao alto nível. Phorte Editora.

 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010). Censo Demográfico: Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018). Censo demográfico 2010. Nota técnica nº 01/2018. Releitura dos dados de pessoas com deficiência à luz da recomendação do Grupo de Washington. IBGE.

 

Interdonatol, G., e Greguol, M. (2011). Qualidade de vida e prática habitual de atividade física em adolescentes com deficiência. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 21(2), 282-295. https://doi.org/10.7322/jhgd.20016

 

Ismailov, S., Usmankhodjaeva, A., Bazarbaev, M., e Tulabaev, A. (2017). The Indicators of Quality of Life in Athletes Enrolled in the College of Olympic Reserve. Global Journal of Medical, 35(5). https://medicalresearchjournal.org/index.php/GJMR/article/view/1406

 

Jaiyeola, M., e Adeyemo, A. (2018). Quality of life of deaf and hard of hearing students in Ibadan metropolis, Nigeria. PLoS One, 13(1). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0190130

 

Lima, I.V.M., Lima, C.M., Silva, D.S., Silva, J.M.D., Oliveira, J.I.M., e Oliveira, S.F.M. (2020). Barreiras para a prática de atividade física por pessoas surdas. In: XI Congresso Brasileiro de Atividade Motora Adaptada - CBAMA - Maceió/AL. https://www.doity.com.br/anais/cbama2019/trabalho/115327

 

Pagliuca, L.M.F., de Oliveira, P.M.P., Mariano, M.R., da Silva, J.M., de Almeida, P.C., e Oliveira, G.O.B. (2015). Pessoa com deficiência: construção do conceito por esta população. Rev. Rene16(5), 705-713. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=324042637012

 

Patrick, DL, Edwards, TC, Skalicky, AM, Schick, B., Topolski, TD, Kushalnagar, P., Leng, M., O'Neill-Kemp, AM, e Sie, KS (2011). Validation of a quality-of-life measure for deaf or hard of hearing youth. Otolaryngology - Head and Neck Surgery. Official journal of American Academy of Otolaryngology, 145(1), 137-145. https://doi.org/10.1177/0194599810397604

 

Sacks, O. (1998). Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Editora Companhia das Letras.

 

Santana, A.L.O., Lobo, G.S.P., e Silva, K.S. (2021). Exercício físico e surdez: Uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 10(9), e0910917723. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i9.17723

 

Santos, M., Marques, J., Berberian, M., Massi, G, Tonocchi, G., e Guarinello, A. (2020). Qualidade de vida de surdos usuários de libras no sul do Brasil. Saúde e Pesquisa, 13(2), 295-307. https://doi.org/10.17765/2176-9206.2020v13n2p295-307

 

Torres, V., e Vieira, S. (2014). Qualidade de vida em adolescentes com deficiência. Rev. CEFAC, 16(6), 1953-1961. https://doi.org/10.1590/1982-0216201416213

 

World Health Organization (‎2021)‎. World report on hearing. WHO. https://apps.who.int/iris/handle/10665/339913


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 293, Oct. (2022)