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ISSN 1514-3465

 

Desafios para recrutamento de novos atletas de

basquetebol: estudo de caso em um clube esportivo

Challenges for Recruiting New Basketball Players: a Case Study in a Sports Club

Desafíos para la captación de nuevos jugadores de baloncesto: un estudio de caso en un club deportivo

 

Daniel Marangon Duffles Teixeira*

profdanielpucminas@gmail.com

Eric Renan Bandeira de Melo**

eric.renan@edu.pbh.gov.br

 

*Doutor em Educação

Universidad SEK de Chile / Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ)

Mestre em Educação pela PUC Minas

Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos

e em Gestão e Marketing Esportivo

Graduado em Educação Física pela UFMG

Atualmente Professor Associado e chefe

do Departamento de Educação Física da PUC Minas

Líder do Grupo de Estudos em Gestão das Práticas Corporais (GESPRAC)

**Licenciado em Educação Física

pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

Graduado em Gestão Estratégica de Investimentos

na Educação Básica, pela Fiocruz

Especialista em Gestão do Esporte e Lazer pela PUC Minas

e em treinamento esportivo pela UFMG.

Professor da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

Membro do Grupo de Estudos em Gestão de Práticas Corporais (GESPRAC).

(Brasil)

 

Recepção: 07/09/2020 - Aceitação: 21/09/2021

1ª Revisão: 15/08/2021 - 2ª Revisão: 08/09/2021

 

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Citação sugerida: Teixeira, D.M.F., e Melo, E.R.B. de (2022). Desafios para recrutamento de novos atletas de basquetebol: estudo de caso em um clube esportivo. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(286), 139-154. https://doi.org/10.46642/efd.v26i286.3162

 

Resumo

    O estudo tratado processo de formação de novos atletas nos clubes esportivos brasileiros, tendo em vista as dificuldades enfrentadas para a composição das equipes formadoras. O objetivo foi compreender os desafios enfrentados por um clube esportivo para atrair novos atletas para seu processo de formação esportiva de uma modalidade coletiva. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e o método utilizado foi o estudo de caso realizado em um clube de Belo Horizonte, no departamento de basquetebol masculino. Os dados foram coletados a partir de documentos disponíveis no site do clube, do seu regimento, de entrevista com o diretor e aplicação de questionário com os treinadores da modalidade. Como resultados, foi possível perceber as maiores dificuldade enfrentadas pelo clube em compor as equipes de formação, entre elas o financiamento, a integração com famílias e com o sistema educacional. Além disso, evidenciou a necessidade de qualificação da gestão para torná-la capaz de propor um processo de formação esportiva atraente aos adolescentes, bem como de promover a atualização dos métodos de ensino e treinamento, de pacificar, qualificar e potencializar as relações com famílias, escolas e federações na direção de estabelecer um calendário anual e previsível de eventos adequados às idades e níveis dos novos atletas.

    Unitermos: Gestão esportiva. Clubes esportivos. Atletas. Basquetebol.

 

Abstract

    This study deals with the process of training new players in Brazilian sports clubs, considering the difficulties faced in the composition of their teams. The objective was to understand the challenges for a sports club to attract new players to its process of sports formation in a collective modality. This is a qualitative, exploratory research and the method used was a case study carried out in a club in Belo Horizonte, in the male basketball department. Data were collected from documents available on the club's website, from its bylaws, from an interview with the director and from a questionnaire with the basketball coaches. As a result, it was possible to see the greatest difficulties faced by the club in composing the training teams, including financing, integration with families and the educational system. In addition, it highlighted the need for management qualification to make it capable of proposing a sports training process that is attractive to adolescents, as well as promoting the updating of teaching and training methods, to pacify, qualify and enhance relationships with families, schools and federations in the way to creating an annual and predictable calendar of events suited to the ages and levels of new athletes.

    Keywords: Sports. Clubs. Players. Basketball.

 

Resumen

    El presente estudio aborda el proceso de formación de nuevos jugadores en los clubes deportivos brasileños, en vista de las dificultades enfrentadas en la composición de los equipos en divisiones formativas. El objetivo fue comprender los desafíos que enfrenta un club deportivo para atraer nuevos jugadores a su proceso de formación deportiva de modalidad colectiva. Se trata de una investigación cualitativa, exploratoria y el método utilizado fue el estudio de caso realizado en un club de Belo Horizonte, en el departamento de baloncesto masculino. Los datos fueron recolectados a partir de documentos disponibles en la página web del club, de su administración, entrevista con el director y aplicación de un cuestionario con los entrenadores de la modalidad. Como resultado se pudo percibir las mayores dificultades que enfrenta el club en la conformación de los equipos formativos, incluida la financiación, la integración con las familias y el sistema educativo. Además, resaltó la necesidad de la capacitación gerencial para que adquirir la capacidad de proponer un proceso de formación deportiva atractivo para los adolescentes, así como promover la actualización de los métodos de enseñanza y formación, para tranquilizar, capacitar y potenciar las relaciones con las familias, escuelas y federaciones en la dirección de establecer un calendario anual y predecible de eventos adecuado a las edades y niveles de los nuevos jugadores.

    Palabras clave: Gestión deportiva. Clubes deportivos. Jugadores. Baloncesto.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 286, Mar. (2022)


 

Introdução 

 

    A formação de novos praticantes é um dos maiores desafios das organizações esportivas atualmente. A atenção às categorias de base tem se tornado cada vez maior, na medida em que formar novos atletas pode significar melhores resultados esportivos e econômicos para os clubes (Oldra, Deparis, e Nez, 2020). O processo de formação de novos atletas envolve diferentes fatores e procura promover o aperfeiçoamento esportivo e a formação humana do cidadão, devendo ter início na transição entre a infância e a idade adulta, com duração entre 8 e 16 anos, dependendo da modalidade e os objetivos a serem perseguidos nesse processo estão relacionados com a saúde física, o desenvolvimento psicossocial e a aprendizagem das habilidades motoras gerais e específicas. (Collet, 2018)

 

    Essa importância crescente das categorias de base vem evidenciando a complexidade do processo e a demanda por concebê-lo e realizá-lo profissionalmente, o que passa pelo papel da gestão esportiva. Segundo Mazzei, e Rocco Júnior (2017), a gestão do esporte trata da utilização e aplicação de conhecimentos provenientes de diferentes áreas de conhecimento, mas, especialmente, das Ciências do Esporte e da Administração, no gerenciamento das organizações e atividades relacionadas com o esporte. Dessa maneira, ganha importância o gestor esportivo, profissional responsável por organizar, gerenciar o trabalho e liderar as equipes multiprofissionais, conforme Amaral, e Bastos (2016) e Sordi, e Theobald (2017).

 

    Além deles, Gallati et al. (2015) ressaltam que a construção de boas relações entre atletas e comissão técnica, a adequação das condições de treinamento, a coordenação de uma equipe multidisciplinar, entre outros, compõem o papel dos gestores esportivos neste contexto.

 

    Assim, tendo em vista a gestão do processo de formação de novos atletas, a ideia da investigação surgiu após conversas com treinadores que relataram dificuldades enfrentadas para montar os grupos de novos atletas para as equipes que dirigiam. Desse modo, o trabalho buscou compreender a captação e a permanência de novos praticantes interessados em participar de um processo contínuo de formação esportiva. O objetivo foi compreender os desafios enfrentados por um clube esportivo para atrair e manter novos atletas para seu processo de formação esportiva para uma modalidade esportiva coletiva. O estudo se justifica pela possibilidade de os resultados contribuírem com o trabalho realizado nos clubes por gestores esportivos e treinadores, ajudando a qualificar os programas de formação de novos atletas.

 

Imagem 1. Os jovens são atraídos à prática do esporte pelas competições, formas de

treinamento, inovações e pelo gerenciamento da instituição que estão vinculados

Imagem 1. Os jovens são atraídos à prática do esporte pelas competições, formas de treinamento, inovações e pelo gerenciamento da instituição que estão vinculados

Fonte: Pixabay.com

 

A formação de novos atletas 

 

    A formação de novos atletas pode ser observada a partir de diferentes pontos de vista, como a pedagogia do esporte ou mesmo os métodos e processos de treinamento esportivo. Todavia, para esse estudo, optou-se por considerar modelos teóricos ligados às políticas e à gestão do esporte. Dessa forma, foram adotados como referências os modelos Sports Policy Factors Leading to International Sporting Success (SPLISS) e Developmental Model of Sport Participation (DMSP). Estes modelos permitiram o aprofundamento na compreensão do problema do estudo e auxiliaram na análise dos dados coletados.

 

    De acordo com Collet (2018), o DMSP apresenta o processo de desenvolvimento esportivo visando à participação e à performance, considerando o desenvolvimento saudável e harmônico do praticante. De acordo com esse modelo, há três possibilidades de trajetórias no esporte:1) participação recreacional por meio da experimentação; 2) performance de elite a partir da experimentação; 3) performance de elite a partir da especialização precoce. A autora afirma que, nas duas primeiras,os praticantes têm maiores chances de permanência na prática esportiva. Já na terceira possibilidade, focada na especialização precoce, existem quantidades muito grandes de treinamento, mas pouca quantidade de jogo,o que poderá conduzir o praticante ao esporte de elite, mas poderá também resultar em comprometimento da saúde, menos diversão, além de maiores chances de desistência.

 

    Neste sentido, a utilização do modelo DMSP contribuiu para a discussão dos resultados encontrados, na medida em que destaca que a abordagem metodológica utilizada poderá contribuir com a permanência ou com a desistência dos atletas em formação.

 

    O modelo SPLISS, por sua vez, apresentado por Böhme, e Bastos (2016), apresenta componentes para a elaboração de políticas nacionais visando ao desenvolvimento do esporte de alto rendimento. Esse modelo identifica nove pilares que levam ao sucesso esportivo internacional: 1) suporte financeiro; 2) governança, organização e estrutura; 3) participação no esporte de base; 4) sistema de identificação de novos talentos; 5) suporte para atletas e pós-carreira; 6) instalações esportivas; 7) desenvolvimento e suporte para técnicos; 8) competições nacionais e internacionais; e 9) pesquisa científica e inovação.

 

    No que diz respeito ao tema desse estudo, o SPLISS aponta, em relação à participação no esporte de base, a necessidade de oferta de oportunidades de participação esportiva na escola nas aulas de Educação Física ou em atividades extracurriculares; a necessidade altas taxas de participação geral de crianças e adolescentes no esporte; a existência de um plano nacional para a implementação de gestão de qualidade nos clubes esportivos, referente à participação em massa e ao desenvolvimento de talentos.

 

    Quanto à identificação de novos talentos, o modelo determina que deve haver um sistema eficaz de detecção de jovens talentos, de forma que o número máximo de potenciais atletas de elite seja alcançado na idade correta; que exista um planejamento coordenado nacionalmente para as confederações desenvolverem um sistema eficaz para o desenvolvimento de jovens talentos em suas modalidades esportivas; que os jovens talentos recebam serviços de suporte multidimensional apropriados para a idade e nível, necessários para desenvolver seu talento e potencial; que os jovens talentos recebam suporte coordenado nacionalmente para o desenvolvimento da combinação de esportes e estudo acadêmico durante o ensino médio e, quando relevante, ensino fundamental (para esportes de especialização precoce, para os quais tal sistema seja necessários); que os jovens talentos recebam suporte coordenado nacionalmente para o desenvolvimento da combinação de esportes e estudo acadêmico durante o ensino superior.

 

Métodos 

 

    O desenho desta investigação foi norteado por Prodanov, e Freitas (2013) e pode ser identificado como um estudo qualitativo, de caráter exploratório. Para a sua realização, optou-se pelo estudo de caso e, para isso, foi escolhido um clube tradicional de Belo Horizonte/MG que oferece um trabalho de formação esportiva em categorias de base de várias modalidades, tanto masculina,como feminina.

 

    Com o propósito de viabilizar a coleta e o tratamento dos dados, escolheu-se o basquetebol masculino pelo interesse demonstrado pelos gestores da modalidade nos resultados da pesquisa. O clube foi caracterizado por meio de documentos disponibilizados sobre a sua história e planejamento, além das informações disponíveis em seu site na internet. Foram entrevistados o diretor de basquetebol e os três treinadores da modalidade. Para a coleta de dados, foi utilizado um roteiro para entrevista semiestruturada, que foi realizada individualmente e devidamente autorizada.Quanto à sua realização, a entrevista com o diretor da modalidade foi gravada e posteriormente transcrita. Isto permitiu mais detalhamento e aprofundamento. Em relação aos treinadores, tendo em vista as dificuldades de calendário e disponibilidade em função de treinos e jogos,o roteiro da entrevista foi transformado em um questionário eletrônico enviado por e-mail, com questões fechadas e abertas. Dos quatro treinadores da modalidade, três responderam ao questionário.

 

    A entrevista semiestruturada com o diretor da modalidade se orientou pelas seguintes temáticas: 1) perfil; 2) trajetória na modalidade; 3) cargo que ocupa; 4) desafios enfrentados; e 5) captação e permanência de atletas. O questionário aplicado aos treinadores de basquetebol do clube foi composto pelas seguintes temáticas: 1) perfil; 2) trajetória na modalidade; 3) desafios enfrentados; e 4) captação e permanência de atletas.

 

    Para a análise das informações, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2017. No que diz respeito aos cuidados éticos, todas as informações que permitissem a identificação do clube e dos participantes da pesquisa foram excluídas do texto.

 

Resultados 

 

    As entrevistas foram transcritas, os documentos organizados e o seu conteúdo analisado. Os resultados são apresentados a seguir, divididos na caracterização do clube, na percepção do diretor de basquetebol e dos treinadores da modalidade.

 

A caracterização do clube 

 

    O clube foi fundado na década de 1940. Iniciou suas atividades em um local improvisado e, posteriormente, adquiriu um terreno que se tornou sua sede, até os dias atuais. Trata-se de uma tradicional instituição do Estado na formação de atletas para diversas modalidades esportivas. Sobre a importância do esporte para o clube, o seu estatuto afirma, que “O clube tem por objetivo proporcionar recreação, lazer e cultura aos seus sócios e desenvolver o esporte em suas diversas modalidades...”. Oferece, em sua formação esportiva, programas para diversas modalidades, entre elas voleibol, futsal e basquetebol, na qual o clube disputa competições municipais, estaduais e nacionais, nas categorias formadas por jovens de até 12 a 16 anos. Atualmente, o basquetebol também é ensinado nas escolinhas para adolescentes de até 11 anos.

 

    Além disto, o clube é integrante do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), entidade representativa nacional, que recentemente o certificou como um dos 100 melhores clubes do Brasil. A filiação a esta entidade tem garantido ao clube mais acesso a recursos financeiros para desenvolver suas equipes esportivas.

 

    No momento da pesquisa, o clube contava com sete empresas patrocinadoras do seu projeto esportivo, além de recursos obtidos por meio da lei de incentivo ao esporte federal e pela CBC. Estes recursos eram utilizados, especialmente, para implantar de núcleos de iniciação esportiva na região metropolitana com a ideia de identificar novos talentos, além de melhorar as condições de permanência dos jovens atletas das diferentes modalidades esportivas, como o pagamento do transporte para os treinamentos e alimentação.

 

A percepção do diretor de basquetebol do clube 

 

    Graduado em Engenharia, atuando como empresário, exercia a função de diretor de basquetebol do clube há 10 anos. Sua trajetória na modalidade é longa, tendo sido atleta profissional em várias equipes.O cargo ocupado não era remunerado e sua atuação se situava no nível estratégico, no exercício da liderança, na condução da equipe de profissionais que atuavam com a modalidade.

 

    Em relação aos resultados alcançados no clube, sua percepção é que houve avanços quanto ao número de campeonatos ganhos e na representatividade do clube no contexto estadual. Quanto às dificuldades enfrentadas, o pouco tempo disponível para acompanhar o trabalho presencialmente foi apontado pelo diretor, que também relevou o desejo de estar mais presente nos treinos e jogos, além da necessidade ter mais contato pessoal com os técnicos.

 

    Em relação ao recrutamento de novos atletas, o processo descrito se dava por meio de seletivas conhecidas como “peneiradas”, visitas em escolas da região, além de estímulo a criação de núcleos de apoio, em cidades da região metropolitana. Sobre as dificuldades em buscar novos atletas, foram relatados problemas no deslocamento dos atletas, dificuldades para arcar com o custo do transporte, a concorrência de outras formas de ocupação de tempo como a Internet, as redes sociais, a frequência aos shopping centers, a televisão e o smartphone.

 

    O diretor registrou a queda do número médio de atletas nas equipes de basquetebol, ao longo dos últimos dez anos, indicando a dificuldade do clube em atingir a meta de vinte atletas por idade. Revelou também a preocupação com a redução contínua do interesse dos jovens por fazer parte de equipes. Na sua percepção, a cada ano os atletas são menos focados, estão menos dispostos a treinar com a intensidade e a forma como são conduzidos os treinos lhe parecem repetitivos e pouco motivantes.

 

    Em relação às dificuldades enfrentadas para garantir a permanência dos novos atletas, o diretor apresentou uma relação de equivalência de comparecimento de um jovem para cada quatro convites realizados. Além disso, revelou que entre os que iniciam o processo de formação na modalidade, poucos permanecem ao longo do tempo, sendo o abandono alto. Em contrapartida, na sua percepção, a retenção aumentava na medida em que se iniciavam as competições. Sendo, a participação nesses eventos, mesmo quando não oficiais, a estratégia observada como a mais eficiente para a permanência dos jovens nas equipes, uma vez que os treinamentos passariam a ter um novo sentido. Para ele, as competições revelariam a necessidade de superação pessoal e de preparação para vencer os adversários.

 

    Outro ponto de destaque, na compreensão do diretor, diz respeito à relação com as famílias dos novos praticantes. Ao descrever o processo de captação de novos atletas, ele afirmou que fazia pessoalmente o contato com os pais deste novo potencial talento, com a finalidade de explicar sobre a importância do esporte, independente de seu filho se tornar ou não profissional,mais adiante. Segundo ele, quando este contato pessoal era realizado, a chance de permanência dos jovens nas equipes, por mais tempo, aumentava.

 

    Sobre o perfil dos atletas da modalidade, segundo o diretor, cerca de 90% viriam de famílias não associadas ao clube e, destes, cerca de 60% vinham de comunidades carentes. Ainda para o diretor, estes atletas costumavam ser mais dedicados porque entendiam o esporte como uma oportunidade de ascensão social. Finalmente, sobre a relação entre o clube e as escolas dos seus atletas, ele afirmou que havia conflitos quanto ao entendimento da importância da participação esportiva dos jovens pelos gestores escolares que, muitas vezes, sugeriam aos pais que tirassem seus filhos das equipes porque acreditavam que os treinamentos estariam atrapalhando o desempenho escolar dos alunos.

 

A percepção dos treinadores 

 

    Para facilitar o entendimento dos resultados, os treinadores foram identificados como T1, T2 e T3. Em relação ao perfil, os três treinadores de basquetebol do clube tinham longa vivência na modalidade, formação superior em Educação Física, com registro junto ao Conselho Profissional e suas trajetórias no clube variavam entre 5 e 11 anos.

 

    Quanto ao maior desafio para o desenvolvimento do seu trabalho no clube, os três treinadores apontaram a captação de novos atletas com o perfil adequado para o rendimento esportivo, além da garantia de sua permanência na equipe ao longo dos anos seguintes. Eles percebiam que os jovens tinham pouco interesse em se tornarem atletas, receios de experimentar, mas que, quando aceitavam e permaneciam por mais de 15 dias, acabavam cativados pela modalidade. Quanto a este aspecto, T3 afirmou que os jovens demonstram “hoje em dia, pouco interesse” em participar do processo de formação esportiva no clube. T1 considerou que o interesse dos novos integrantes da equipe “varia muito de atleta para atleta, mas na idade que estou trabalhando neste ano, vejo o interesse diminuir”. T2, por sua vez, afirmou que “os jovens inicialmente têm receio de experimentar, quando aceitam e permanecem por mais de 15 dias, acabam cativados pelo esporte”.

 

    Sobre o que seria necessário para estimular, ainda mais estes jovens, a se tornarem atletas, os treinadores apontaram a necessidade de um calendário de competições, pois o número de jogos e torneios ao longo de um ano é pequeno, incerto e pouco atrativo. Ainda sobre as competições, eles salientaram a dificuldade de realizar jogos com maior equilíbrio técnico entre as equipes, uma vez que jogos muito desequilibrados tecnicamente acabam sendo bastante desmotivantes para os praticantes.Além disso, os treinadores indicaram que quanto mais autoconsciência da evolução na modalidade e apoio familiar, maiores as chances de continuidade nos treinamentos. Sobre a questão das competições, T2 considerou a importância de “competições externas, porque elas permitem ao atleta ter ciência da sua evolução e favorece o apoio familiar”. Para T1, deveria haver “mais jogos, porém em uma competição mais equilibrada”. T3 acrescentou que deveria haver “competições mais atrativas, pois os atletas teriam metas mais motivantes” e finalizou lamentando que “disputar uma competição contra 3 equipes durante todo o ano é pouco atrativo”.

 

Discussão 

 

    O clube em questão foi inaugurado na primeira metade do século XX e representou a possibilidade de vivência do lazer e do esporte pela população residente na região de sua implantação. Os bairros atendidos pelo clube são de classe média alta, mas muito próximos de comunidades populosas e carentes. As suas equipes esportivas eram formadas pelas famílias dos próprios sócios, mas nos últimos anos, eles foram deixando de ser suficientes para compor os grupos de atletas.

 

    Em ralação à captação de novos atletas, ficou evidente que as famílias associadas ao clube não possuem número suficiente de filhos para atender às demandas das equipes, ou elas não conduzem seus filhos à participação esportiva, nas equipes da modalidade. Assim, para dar continuidade às equipes, o clube precisava captar novos atletas em famílias não associadas, normalmente, menos privilegiadas do ponto de vista socioeconômico e que, muitas vezes, moravam em regiões distantes. Essa situação impunha ao clube a necessidade de busca de financiamento para atrair e manter os novos atletas, não sócios.

 

    Esse fenômeno evidenciou a necessidade de fontes externas de financiamento, uma vez que os recursos do clube deveriam ser utilizados para a sobrevivência e satisfação das demandas de lazer das famílias associadas. Por isso, a gestão do clube se preocupava em captar patrocinadores, verbas em leis de incentivo e editais de fomento. Quanto ao financiamento, Oldra, Deparis, e Nez (2020) indicam que a primeira fonte de receita dos clubes são as contribuições dos sócios, que têm expectativas em relação ao lazer e à participação esportiva de suas famílias. Desse modo, o papel de formação de atletas realizado pelos clubes, quando é feito com praticantes não associados, convive, de maneira conflituosa, com o atendimento das demandas e interesses dos seus sócios. Por outro lado, a falta de recursos para financiar os processos de formação esportiva é um dos desafios que caracterizam a iniciação ao basquetebol no Brasil, segundo Tozetto et al. (2019).

 

    A direção de basquetebol do clube é exercida por um diretor não remunerado, o que evidencia o estado semiprofissional da gestão do esporte naquela organização esportiva. Por mais bem intencionados e capazes que sejam os gestores, lhes falta conhecimento e, por trabalharem em outra atividade, também lhes falta tempo e energia para acompanhar as atividades que eles gerenciam no clube. A caracterização do diretor da modalidade está de acordo com o perfil dos gestores esportivos brasileiros, apresentado por Amaral, e Bastos (2016), em que se evidencia a maior participação de homens, com formação acadêmica diversa, ocupando cargos diretivos mais pelas competências pessoais do que pelas competências técnicas relacionadas com a gestão esportiva.

 

    Sobre os fatores que levam à permanência ou à desistência dos atletas em formação, Collet (2018) ressalta que o engajamento pessoal no esporte se relaciona com a motivação para a prática, a qual corresponde a um dos principais fatores que levam as crianças e os adolescentes a se envolverem com uma modalidade esportiva específica. Ao se considerar o modelo DMSP, os programas esportivos “devem promover a participação em diversas atividades, motivando os jovens a: acreditar em suas competências; divertir-se com o esporte; receber suporte social; e desenvolver habilidades para a vida”. (Collet, 2018, p. 40)

 

    Nessa direção, o estudo evidenciou um questionamento sobre se a participação esportiva seria atraente para os jovens, pois, caso contrário, o clube se veria obrigado a competir pela atenção dos meninos com uma diversidade de outras atividades. De acordo com Folle et al. (2016), isso seria esperado, já que essa fase da vida é caracterizada como um momento de transição, na qual os jovens estariam envolvidos ao mesmo tempo com os estudos, com a descoberta dos interesses afetivos e com as relações familiares.

 

    Quanto a essa questão, Pizani et al. (2016) identificaram problemas com a motivação dos alunos para participação nas práticas ensinadas no ambiente escolar. Além disso, Farooq et al. (2017) observaram que a partir dos 7 anos de idade, estaria ocorrendo uma redução dos níveis de atividade física das crianças e adolescentes, ressaltando como fatores que contribuiriam para este fenômeno, o acesso mais cedo às tecnologias, além da falta de espaço físico para a prática esportiva no meio urbano. Lopes et al. (2016) ajudam a entender esse fenômeno ao apresentar motivos que levam jovens ao abandono da prática esportiva de Ginástica Artística, como as mudanças de interesses, as lesões, as atividades escolares, a falta de amizades com os colegas de equipe e a falta de afinidade com treinadores.

 

    Quanto à importância dada aos treinamentos e competições, ficou evidenciado que a diversificação dos métodos, a existência de um calendário de competições e o equilíbrio nas disputas são aspectos que causam impacto na permanência dos novos praticantes nas equipes. Neste sentido,Yan (2015) afirma que os jovens são atraídos à prática do esporte pelas competições, formas de treinamento, inovações e pelo gerenciamento da instituição que estão vinculados. Saldanha et al. (2018) evidenciaram o impacto motivacional positivo das competições na percepção dos novos atletas, especialmente em relação ao prazer de praticar, ao seu estado de saúde, à competitividade, à sociabilidade, ao controle de estresse e à estética. Assim, a participação nesses eventos seria importante para dar sentido aos esforços exigidos nos treinamentos, promovendo aumento da consciência dos limites e potencialidades individuais, além de gerar o desejo de superação dos próprios limites e dos adversários.

 

    Ainda em relação à participação em competições, Krahenbühl et al. (2019) chamam a atenção para a necessidade de criação de um ambiente competitivo favorável, caracterizado pela ênfase na preocupação formativa, uma vez que questões como o estresse, o excesso de cobrança por resultados e o foco nos objetivos profissionais dos treinadores podem ter efeito negativo e comprometer a permanência dos atletas nas equipes.

 

    Por fim, outro ponto que poderia influenciar a captação e permanência nas equipes foi identificado. Trata-se das relações do clube com as famílias e com suas escolas dos novos atletas. Ao se considerar o modelo SPLISS, evidencia-se uma incoerência com a realidade educacional brasileira, na medida em que a escola deveria, supostamente, oferecer uma diversidade de atividades esportivas, dentro e fora das aulas de Educação Física, que favoreceriam o engajamento dos seus alunos e alunas nos processos de formação de atletas, sob responsabilidade dos clubes, no país. A aproximação entre clubes e escolas também é considerada um aspecto importante ao se considerar o modelo DMSP, no qual “o envolvimento de pais e familiares, treinadores, professores e dirigentes é fundamental para que os objetivos sejam alcançados e seja criado um ambiente propício para o desenvolvimento positivo dos jovens no esporte” (Collet, 2018, p. 40). Assim, estes conflitos mostram a desarticulação entre os sistemas educacional e esportivo, além da falta de compreensão da importância da formação esportiva pelas famílias.

 

    Aroni (2017), por sua vez, reconhece a complexidade das relações entre os agentes envolvidos no processo, como família, escola, clubes, treinadores e professores e levanta a possibilidade de os jovens atletas estarem reféns dos interesses dos adultos envolvidos neste contexto. Assim, os jovens poderiam estar envolvidos com a prática esportiva por pressão dos pais ou professores, apesar de não se interessarem, ou poderiam não estar envolvidos com o esporte, apesar de seu desejo de participar. Essa situação conflitante entre escola e clube, educação e esporte, deveria ser objeto da atenção das autoridades públicas na constituição de uma política nacional de formação de novos talentos, conforme afirmam Böhme, e Bastos (2016), para quem deveria ser oferecido suporte coordenado nacionalmente para o desenvolvimento da combinação de esportes e formação acadêmica.

 

Conclusões 

 

    Por se tratar de um estudo de caso, os resultados e conclusões da investigação não permitem generalizações, mas evidenciam os seguintes desafios enfrentados para captar e manter novos atletas nas equipes de formação de basquetebol no Brasil.

  • Falta de interesse dos jovens em se tornarem atletas e participar do processo de formação esportiva que geram dificuldade do clube em compor as equipes e manter os novos atletas, ao longo do tempo.

  • Necessidade de se redefinir o papel das competições na formação de novos atletas, consideradas fundamentais para despertar o interesse e manter o desejo de permanecer praticando sistematicamente a modalidade.

Em diálogo com a produção teórica, por sua vez, foi possível relacionar as dificuldades encontradas com a necessidade de:

  1. Desenvolvimento de uma política nacional relacionada com o esporte de formação que qualifique as confederações e federações esportivas, que proporcione financiamento, promova a integração com famílias e com o sistema educacional.

  2. Espaço para gestores esportivos profissionais, dedicados em tempo integral e com formação acadêmica que permitisse gerenciar e propor soluções para os desafios relacionados com um processo de formação esportiva na modalidade.

  3. Atualização do processo de treinamento para torná-lo mais atraente às novas gerações frente às demais opções de lazer oferecidos pela sociedade atual.

  4. Pacificação, qualificação e potencialização das relações entre os clubes, com as federações e confederação, bem como com famílias e escolas, na direção de estabelecer um calendário anual e previsível de eventos adequados às idades e níveis dos praticantes.

    A continuidade da pesquisa poderá trazer mais elementos para a discussão e qualificação do trabalho realizado pelos clubes. Sugere-se a realização de estudos comparativos e o levantamento da percepção de atletas, pais ou responsáveis e de gestores escolares.

 

Referências 

 

Amaral, C.M. dos S., e Bastos, F.C. (2016). Perfil do gestor de instalações esportivas no município de São Paulo. Revista Gestão e Negócios do Esporte, 1(1), 50-63. http://revistagestaodoesporte.com.br/mod/resource/view.php?id=56

 

Aroni, A.L. (2017). Especialização Esportiva Precoce: o jovem em idade escolar. In: R.M. Rolim, E.D. Batista, E.D., e G.H.G. Silva (Orgs.), Psicologia do Esporte: perspectivas de atuação na escola (pp. 159-168). Alexa Cultural. https://www.researchgate.net/publication/324249015

 

Böhme, M.T.S., e Bastos, F.C. (Org.) (2016). Participação esportiva. In: Esporte de alto rendimento: fatores críticos de sucesso - gestão- identificação de talentos (cap. 5, pp. 132-145). Phorte Editora.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 286, Mar. (2022)