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ISSN 1514-3465

 

Educação Física Escolar: em defesa da cultura corporal 

em contraposição à perspectiva da aptidão física

School Physical Education: in Defense of Body Culture as Opposed to the Perspective of Physical Fitness

Educación Física Escolar: en defensa de la cultura corporal frente a la perspectiva de la aptitud física

 

Gislei José Scapin*

gjscapin@gmail.com

Maristela da Silva Souza**

maristeladasilvasouza@yahoo.com.br

 

*Mestre em Educação Física e Especialista em Educação Física Escolar

pelo Centro de Educação Física e Desportos

Universidade Federal de Santa Maria

Professor de Educação Física da rede municipal de Panambi, RS

**Doutora em Ciência do Movimento Humano

Professora do Departamento de Desportos Individuais

Centro de Educação Física e Desportos

Universidade Federal de Santa Maria

(Brasil)

 

Recepção: 26/08/2020 - Aceitação: 29/12/2020

1ª Revisão: 28/10/2020 - 2ª Revisão: 10/11/2020

 

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Citação sugerida: Scapin, G.J., e Souza, M. da S. (2021). Educação Física Escolar: em defesa da cultura corporal em contraposição à perspectiva da aptidão física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(273), 141-155. https://doi.org/10.46642/efd.v25i273.2556

 

Resumo

    Este estudo tematiza a Cultura Corporal em contraponto à perspectiva da Aptidão Física no plano da Educação Física Escolar brasileira. Objetiva evidenciar o conhecimento da Cultura Corporal como produto do trabalho, na dimensão imaterial e indispensável para a existência humana como determinante da corporeidade cultural, superando por incorporação as formas de aptidão física. Metodologicamente trata-se de um teorizar bibliográfico com autores da Educação Física. Pauta-se pela filosofia marxista à luz do Materialismo Histórico-Dialético. Nosso estudo elucida a produção de conhecimento, sobretudo em Educação Física, e o embate histórico na Educação Física brasileira entre duas concepções teórico-pedagógicas e epistemológicas. Reiteramos, por fim, a importância da Cultura Corporal enquanto parte da cultura e produção humana constituinte da corporeidade dos sujeitos, a partir da sistematização das praticas corporais, ampliação do acervo cultural da humanidade e da superação das formas de manifestação corporal pautadas pela concepção de Aptidão Física.

    Unitermos: Conhecimento. Educação Física. Cultura Corporal. Aptidão física.

 

Abstract

    This study focuses on Body Culture as a counterpoint to the perspective of Physical Fitness in the Brazilian Physical Education plan. It aims to highlight the knowledge of Body Culture as a product of work, in the immaterial and indispensable dimension for human existence as a determinant of cultural corporeality, surpassing by incorporating forms of physical fitness. Methodologically it is a bibliographic theorizing with authors of Physical Education. It is guided by Marxist philosophy in the light of Historical Materialism-Dialectic. Our study elucidates the production of knowledge, especially in Physical Education, and the historical clash in Brazilian Physical Education between two theoretical-pedagogical and epistemological concepts. Finally, we reiterate the importance of Body Culture as part of the culture and human production that constitutes the corporeality of the subjects, based on the systematization of corporal practices, the expansion of humanity's cultural collection and the overcoming of forms of bodily manifestation guided by the concept of Physical Fitness.

    Keywords: Knowledge. Physical Education. Body culture. Physical fitness.

 

Resumen

    Este estudio se centra en la Cultura Corporal como contrapunto a la perspectiva de la Aptitud Física en el marco de la Educación Física brasileña. Se pretende resaltar el conocimiento de la Cultura Corporal como producto del trabajo, en la dimensión inmaterial e indispensable para la existencia humana como determinante de la corporalidad cultural, superando por incorporación a las formas de aptitud física. Metodológicamente se trata de una teorización bibliográfica con autores de Educación Física. Está guiado por la filosofía marxista a la luz del materialismo histórico-dialéctico. Nuestro estudio dilucida la producción de conocimientos, especialmente en Educación Física, y la disputa histórica en la Educación Física brasileña entre dos concepciones teórico-pedagógicas y epistemológicas. Finalmente, reiteramos la importancia de la Cultura Corporal como parte de la cultura y producción humana que constituye la corporalidad de los sujetos, a partir de la sistematización de las prácticas corporales, la ampliación del acervo cultural de la humanidad y la superación de formas de manifestación corporal guiadas por la concepción de la Aptitud Física.

    Palabras clave: Conocimiento. Educación Física. Cultura corporal. Aptitud física.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 273, Feb. (2021)


 

Introdução 

 

    O corrente estudo tematiza a Cultura Corporal no plano da Educação Física Escolar brasileira, enquanto produto do trabalho e determinante essencial para a existência humana, como contraponto e superação1 por incorporação da concepção de conhecimento da área pautada pela perspectiva da Aptidão Física2.Tal contraponto ocorre sob o enfoque das ciências humanas e sociais, na perspectiva histórico-crítica, pois se entende que “[...] não são as leis biológicas que determinam em ultima instância a existência humana, mas sim, as leis socio-históricas” (Taffarel, 2012). De antemão, não querendo minimizá-lo, destacamos que este estudo não se pretende inovar ou apresentar novos rumos para a discussão pedagógica e/ou epistemológica da área. A discussão sobre o estatuto pedagógico e, sobretudo, epistemológico e/ou científico já está em curso há anos, não havendo um consenso entre os teóricos da área sobre a especificidade e identidade de seu objeto de conhecimento, conforme explicitou Bracht (1999) e, mais recentemente, Silva (2014).

 

    Entretanto, estando a Educação Física entendida por nós como uma prática pedagógica de intervenção no tempo/espaço escolar que se apropria do conhecimento científico de outras áreas para fundamentar seu objeto e suas práticas educativas, este artigo foi elaborado com a finalidade de reiterar e apresentar alguns pressupostos que fundamentam a concepção da Cultura Corporal no embate teórico-pedagógico que percorre o terreno da Educação Física brasileira desde os anos 1970/80/90. (Bracht, 1999; Coletivo de Autores, 2012; Albuquerque, e Taffarel, 2020; Castellani Filho, 2020; Pereira, Nunes, e Barreto, 2010)

 

    Sobre a discussão pedagógica da Educação Física, o Coletivo de Autores (2012) indica, pelo menos, um confronto entre duas perspectivas da Educação Física escolar no âmbito curricular: a Aptidão Física e a Reflexão sobre a Cultura Corporal. É esse embate que pretendemos descrever e, por fim, tomar partido em defesa da Cultura Corporal como superação por incorporação das formas corporais expressas pela concepção de Aptidão Física, reconhecendo, evidentemente, a elaboração e a pertinência de outras perspectivas ou objetos de conhecimento para a área, quais sejam, a Cultura de Movimento (Kunz, 2012), Cultura Corporal de Movimento (Bracht, 1999), entre outras, oriundas do Movimento Renovador.

 

    O teorizar pedagógico da Educação Física brasileira à luz da concepção de Aptidão Física esteve, sobretudo, manifestado no trato com dois elementos ou conteúdos da área: a ginástica e o esporte (Bracht, 1999). A legitimidade pedagógica da Educação Física escolar brasileira esteve pautada sob a referida concepção, tendo como finalidade o desenvolvimento da aptidão física dos educandos. Tal intuito esteve explicitado nos documentos normativos e norteadores a priori a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018), como fica evidente no seguinte excerto do Decreto-Lei 69.450, de 1971, quando reivindica que “[...] a aptidão física constitui a referência fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da educação física, desportiva e recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino”. (Brasil, 1971)

 

    Vale destacar, diante disso, que o Conhecimento da Educação Física que permeou o solo brasileiro, ocupando os espaços e tempos escolares, tratado à luz da Aptidão Física, é de origem europeia, criado no âmbito das Escolas de Ginásticas (séc. XVIII e XIX) com intuito de atender as demandas da nova sociedade (sociedade moderna/capitalista) que estava em pleno desenvolvimento (Soares, 2012). A autora ainda argumenta que, nessa perspectiva, a Educação Física na escola brasileira assumia um caráter biologicista e eugenista, pois, com base em conhecimentos de ordem biológica, médica e ainda militar, “[...] encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados, e se faz protagonista de um corpo ‘saudável’” (idem, p. 3). O referido ‘corpo saudável’, objetivado pela Aptidão Física, nada mais seria que o produto gerado pela Educação Física em seu papel social na ‘educação do físico’, característica necessária à formação da sociedade do capital e do liberalismo econômico.

 

    As bases teóricas da perspectiva da Aptidão Física estão alicerçadas numa Teoria do Conhecimento de base Positivista (Filosofia Positivista de Auguste Comte), que, em suma, considerando os limites deste artigo, caracteriza-se como um estudo da sociedade pela ‘física social’, uma vez que seu objeto de análise (a sociedade e os fenômenos sociais) é entendido e interpretado a partir das leis naturais e invariáveis. A Educação Física, portanto, “[...] será a expressão de uma visão biológica e naturalizada da sociedade e dos indivíduos” (Soares, p. 10).

 

    O Coletivo de Autores (2012) também ajuda a descrever e compreender os pressupostos que fundamentam e materializam as ações pedagógicas da perspectiva da Aptidão Física quando a caracterizam como uma concepção a-histórica e interessada em contribuir na defesa das propensões da classe hegemônica. Apoiada, entre outros, em fundamentos sociológicos, filosóficos e biológicos para educar o homem forte, apto e disposto a pleitear uma situação privilegiada na sociedade da livre concorrência, a perspectiva da Aptidão Física:

    Procura, através da educação, adaptar o homem à sociedade, alienando-o da sua condição de sujeito histórico, capaz de interferir na transformação da mesma. Recorre à filosofia liberal para a formação do caráter do indivíduo, valorizando a obediência, o respeito às normas e à hierarquia. Apoia-se na pedagogia tradicional influenciada pela tendência biologicista para adestrá-lo. (Coletivo de Autores, 2012, p. 37)

    A partir da Pedagogia Tradicional, entendida como uma teoria educacional que centraliza o processo de ensino-aprendizagem no professor e ao educando cabe o papel de, passivamente, realizar as tarefas demandadas (Saviani, 2012), a perspectiva da Aptidão Física, na Educação Física brasileira, tratava de um conhecimento que deveria ser apreendido pelo educando como forma de exercícios corporais com a finalidade de atingir o máximo de rendimento de sua capacidade física (Coletivo de Autores, 2012). O ensino dos Esportes, por exemplo, estava pautado pelo exercício do alto rendimento, tendo seus conteúdos e fundamentos sistematizados na forma de primazia técnica e tática, sem quaisquer outras formas de trato pedagógico como, por exemplo, os elementos históricos, sociais e culturais que o fundamentam, organizam ou expressam.

 

    Diante do exposto, o objetivo é evidenciar o conhecimento da Cultura Corporal como produto do trabalho, na dimensão imaterial e indispensável para a existência humana como determinante da corporeidade cultural, superando por incorporação as formas de aptidão física.

 

Método 

 

    Realizada a exposição da Educação Física brasileira sob a perspectiva da Aptidão Física, para seguimento de nosso estudo teórico elaboramos uma revisão bibliográfica em autores3 da área da Educação Física Crítico-Superadora, em especial Coletivo de Autores (2012), Escobar, e Taffarel (2009) e Souza (2009), que teorizam e tematizam o conhecimento da Cultura Corporal à luz da filosofia marxista, bem como autores Materialista Histórico-Dialéticos (MHD), em especial autores da área da Pedagogia Histórico-Crítica como, por exemplo, Duarte (2013) e Saviani (2013); da área da filosofia e psicologia Histórico-Cultural como Kosik (1976) e Leontiev (1978), respectivamente; e, evidentemente, os clássicos: Marx, e Engels (2010) e Marx (2010). Tais autores elucidam o movimento de elaboração das bases materiais de produção da existência humana por meio da categoria trabalho, bem como os processos de produção e generalização do conhecimento, sobretudo, da Educação Física e da Cultura Corporal.

 

    Para o processo de produção do conhecimento nessa perspectiva (MHD) considera-se a historicidade dos processos sociais e dos conceitos, bem como as condições socioeconômicas de produção e as contradições que emergem das práticas sociais. Ademais, com o método Dialético interpreta-se e descreve-se a realidade de forma dinâmica e totalizante considerando suas categorias, pois dispõem os princípios de sistematização, sentido, cientificidade, rigor e relevância ao objeto investigado. (Kuenzer, 1998)

 

    Em relação às categorias metodológicas (leis universais), àquelas que nos dará suporte investigativo serão: totalidade, é a realidade como um todo estruturado que pode ser dialeticamente compreendido; mediação, é o conjunto das relações que se pauta com os fenômenos e com a totalidade; e contradição, entendida como relações antagônicas que se estabelecem no interior dos fenômenos, tais relações produzem um movimento de ligação e unidade resultante das relações dos contrários. (Kuenzer, 1998; Kosik, 1976)

 

    No que se refere às categorias de conteúdo, Kuenzer (1998) explica que essas são essenciais para compreensão das mediações no plano do particular, ou seja, a partir de recortes particulares, pautados pela natureza do objeto (Conhecimento em Educação Física) e finalidade da pesquisa (em defesa do Conhecimento da Cultura Corporal em contraposição à perspectiva da Aptidão Física), se concretizando, portanto, pela apropriação teórico-prática do conteúdo.Como categorias de conteúdo, elencamos: Aptidão Física (alvo da crítica mais pontual e ponto introdutório); Trabalho-Conhecimento (mediação no plano da cultura); Cultura Corporal-Educação Física Escolar (ponto de chegada).

 

Resultados e discussões 

 

A categoria trabalho como atividade humana consciente 

 

    Nosso ponto de partida a priori para empreendermos um movimento de defesa da Cultura Corporal diante da manifestação a-histórica e alienante da perspectiva da Aptidão Física e superá-la enquanto concepção pedagógica é entendê-la (a Cultura Corporal) como um produto histórico do agir humano, como atividade corporal objetivada no plano da cultura. Tal produção foi materializada corporalmente a partir do trabalho, como categoria mediadora da ação humana na realidade concreta.

 

    Nesse sentido e como exigência metodológica, nosso ponto de partida é, portanto, a realidade concreta, síntese de múltiplas determinações e composta por um todo estruturado que se desenvolve e se produz (Kosik, 1976). Nesse real-concreto, o ser humano, enquanto ser histórico-social se manifesta em unidade, com síntese de múltiplas determinações, isto é, um ser em totalidade que se relaciona com a natureza e com seus pares na busca pela produção de sua existência.

 

    Leontiev (1978, p. 261), por sua vez, entende a figura humana como um “[...] produto da evolução gradual do mundo animal e tem uma origem animal” e, ademais, o autor complementa que a totalidade humana está vinculada à natureza social e à vida em sociedade no seio da cultura, produzindo leis socio-históricas, produtos do trabalho.

 

    É mister, desse modo, situarmos nosso entendimento e a acepção da categoria trabalho que norteia os fundamentos da Cultura Corporal. Na perspectiva marxista, o trabalho, em sua dimensão ontológica e histórica, é compreendido como atividade humana que produz bens e serviços, bem como elemento constitutivo em si (em essência) da práxis humana no processo de produção da existência dos indivíduos e das coletividades no intercâmbio com a natureza.

 

    Em Marx (2010, p. 84), o trabalho assume uma condição vital, ou seja, uma “atividade vital”. Para o autor, a atividade vital aparece como meio para satisfação das necessidades e carências indispensáveis para manutenção da existência física do gênero humano e, também, contribui para a ação produtiva de sua própria consciência, transformando-se em “atividade vital consciente”. Em suma, o trabalho enquanto atividade vital é uma categoria mediadora, síntese da objetivação e apropriação das relações humanas com seus pares e com a natureza para produzirem sua existência e sua consciência, estando diretamente vinculada com as transformações históricas e produtivas das sociedades contribuindo para a criação de bens materiais e imateriais.

 

    Na relação com os (outros) animais, o gênero humano extrapola os limites do imediatismo e da natureza biológica. Ele atua sobre a natureza com a intenção e possibilidade de produzir para além de sua necessidade e de sua prole – produz num caráter universal. O ser humano atua, do mesmo modo, pela incorporação das experiências, instrumentos e conhecimentos produzidos e socializados via educação e cultura. Andery et al. (2014) apresentam outra dimensão da relação homem-natureza ao evidenciarem que a natureza se humaniza ao ser explorada pela ação humana na mediação com o trabalho:

    A atuação do homem diferencia-se da do animal porque, ao alterar a natureza por meio da sua ação, ele a torna humanizada; em outras palavras, a natureza adquire a marca da atividade humana. Ao mesmo tempo, o homem altera a si próprio por intermédio dessa interação; ele vai se construindo, vai se diferenciando cada vez mais das outras espécies animais. A interação homem-natureza é um processo permanente de mútua transformação: esse é o processo de produção da existência humana. (Andery, 2014, p. 10)

    Nesse sentido, Duarte (2013) reitera a especificidade e a capacidade do gênero humano em criar e desenvolver suas características ao longo do processo histórico de transformação da natureza – objetivada pela atividade social/vital – e apropriação da natureza transformada. Evidenciamos, por conseguinte, a capacidade de permanente transformação dos homens e mulheres. Ao agir e transformar a natureza, o ser humano transforma a si próprio, ressignificando e dando novo sentido ao seu ser e ao seu meio. Sua ação se manifesta de forma intencional e objetivada, pois, muitas vezes, seus interesses pessoais e coletivos pautam o (seu) movimento de exploração da natureza em detrimento da ordem e do bem estar natural.

 

    Concomitantemente ao movimento de mudanças e evolução histórica do ser humano em sua totalidade, sua capacidade de produzir e criar os meios e os instrumentos para manter sua existência foi sendo desenvolvida e aperfeiçoada a cada nova necessidade concreta e vital, ampliando e intensificando a diferença entre produção animal e humana, bem como a produção de sua própria consciência como movimento do reflexo da realidade objetiva no plano do pensamento0. (Duarte, 2013)

 

    Marx, e Engels corroboram nosso entendimento nas seguintes palavras:

    [...] os homens, ao desenvolverem sua produção material e relações materiais, transformam, a partir da sua realidade, também o seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Pela primeira maneira de considerar a coisas, parte-se da consciência como o próprio indivíduo vivo; pela segunda, que é a que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos, e se considera a consciência unicamente como a sua consciência. (Marx, e Engels, 2010, p. 52)

    No agir sobre a natureza, ao elaborar os meios e instrumentos para sua sobrevivência, o ser humano produz, entre outras coisas:o conhecimento. Essa produção, acumulada historicamente,necessita ser socializada entre as gerações, pois é de extrema importância para seguir com o movimento histórico da humanidade. Nas palavras de Martins (2013), esse movimento propicia aos sujeitos a formação das propriedades humanas, das particularidades psicofísicas requeridas para produção de sua existência, bem como marca a transição da história natural dos animais para a história social dos indivíduos.

 

    Em síntese, ao produzir sua existência agindo sobre a natureza e com seus pares na ação de construir meios e instrumentos, o ser humano produz conhecimento útil para manter a vida de seu gênero. Tal conhecimento se expressa na forma material: na produção de instrumentos e ferramentas, bem como na forma imaterial: como a produção de crenças, valores, leis, cultura, etc.; elementos que são fundamentais para o metabolismo social dos grupos. Toda essa produção humana, Saviani (2013, p. 13) compreende na forma de “[...] natureza humana que não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica”. Do mesmo modo, concordamos com o posicionamento de Lessa (2011) ao passo em que o autor destaca que todo o conhecimento humano – o que faz parte da natureza humana – deva se tornar patrimônio de toda a sociedade a partir de sua generalização.

 

    O referido autor atenta para o fato de que o conhecimento deva ser generalizado, disseminado, distribuído a todos os indivíduos, a saber, “[...] o que era de domínio de apenas uma pessoa torna-se de toda a humanidade” (idem, p. 25). É nesse processo de generalização e socialização dos saberes produzidos pela humanidade que a educação entra em cena.

 

    A educação, nessa perspectiva e em seu sentido amplo, pauta uma mediação no processo de socialização do conhecimento e da linguagem produzida pelos homens e mulheres. Desse modo, entende-se que a função social da educação seja dispor a todos os sujeitos o acesso a cultura, o saber, o conhecimento humanamente produzido. Corroborando nosso entendimento, Martins (2013, p. 271) argumenta que os processos educativos produzem um terreno fértil para a aquisição das particularidades humanas e dos complexos comportamentos elaborados culturalmente, bem como do “[...] legado objetivado pela prática histórico-social”. Segundo a autora, é nesse movimento, portanto, que os sujeitos enriquecem seu universo de significações, superando as formas mais imediatas e aparentes dos fenômenos.

 

Conhecimento em Educação Física: a Cultura Corporal como uma necessidade para a existência humana 

 

    Em relação ao processo de produção de conhecimento, saberes e ideias, Andery et al. (2014) argumentam que a significância dessa produção humana está em proporcionar ao ser humano caminhos para entender e explicar racionalmente a natureza, estabelecendo leis que permitam sua atuação. Para as autoras, o conhecimento se manifesta de várias formas como, por exemplo, senso comum, científico, teológico, filosófico, estético, entre outros, além disso, é determinado pelas necessidades materiais dos sujeitos no decorrer da história e pautado pelos antagonismos presentes nos modos de produção e nas transformações de um modo de produção em outro.

 

    Freitas (1995), indo ao encontro do entendimento das autoras, explica que a organização e sistematização do conhecimento, em especial do conhecimento científico, está diretamente relacionado com o modo de produção material da sociedade. O autor, abordando sobre o trato com o conhecimento na sociedade capitalista, cuja organização enfatiza a fragmentação entre trabalho-trabalhador, momento de concepção e momento de execução, justifica que essa organização produtiva corrobora com uma cisão do conhecimento e das ciências em compartimentalizações.

 

    O processo produtivo, explica Freitas (1995), determina a aplicação intencional das ciências naturais nos fenômenos sociais, ou seja, a ciência, majoritariamente da natureza, constitui-se força produtiva direta, acarretando, consequentemente, uma hierarquização das ciências em razão da lógica e dos interesses do capital. Em vista disso, na organização racional do conhecimento pautado pela lógica capitalista, as prioridades que em tempos passados estavam atreladas as necessidades do coletivo social, transferem-se para o suprimento das necessidades do indivíduo (individuo burguês) situado numa sociedade fragmentada, individualista e competitiva. Com base nesses preceitos que a perspectiva da Aptidão Física, como foi abordada no item da Introdução, acentuou/acentua sua ação no campo da Educação Física e na escolarização dos educandos.

 

    Considerando esses argumentos, pondera-se que a objetivação da natureza e da realidade concreta, manifestada nas diversas formas de conhecimento e saberes, compõe a totalidade dos fenômenos socio-históricos e está diretamente implicada com a organização produtiva das bases materiais de constituição das sociedades. Essa forma de pensar e organizar o conhecimento reflete no processo de sua apropriação por parte dos sujeitos/educandos, projetando a concepção de homem e de sociedade que se pretende formar, pois prioriza determinada área de conhecimento que deverá ser útil à reprodução da lógica social vigente. Esse argumento é a chave para entendermos, à luz de nosso referencial teórico, as divergências e os embates entre a perspectiva da Aptidão Física e a perspectiva da Cultura Corporal, uma vez que a primeira visa manter a ordem social vigente (capitalista) e a segunda se apresenta como perspectiva contra hegemônica, visando à superação da sociedade de classes.

 

    Entre os saberes produzidos e acumulados pela humanidade – que passaram a fazer parte do acervo/manancial cultural dos sujeitos, sendo fundamentais para a existência e sobrevivência humana, numa ação de objetivação e apropriação da natureza (biofísica e humana) – estão situadas a Educação Física e a Cultura Corporal como materialização corpórea no plano da cultura. Na qualidade de área de conhecimento, ambas, em unidade, manifestam-se de várias formas, tematizando os esportes, os jogos, as danças, as lutas, as ginásticas, entre outras formas corporais.

 

    Escobar, e Taffarel (2009), compreendem a Educação Física como produto do trabalho humano não-material e que não se separa do ato de produção, subordinada à leis histórico-sociais e recebendo um valor de uso particular relacionada, entre outros, aos sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, competitivos dos seres humanos. Como destacamos no item anterior, o que não provinha da natureza biofísica, o ser humano estava determinado a criar, construir e generalizar entre seus semelhantes. No que tange a Cultura Corporal, na passagem do homem primitivo ao homem contemporâneo, a construção de sua corporeidade esteve atrelada ao movimento histórico de conexão e transformação da natureza ao passo em que elaborava outras atividades e outros artefatos. (Coletivo de Autores, 2012)

 

    A conexão e transformação do meio natural em que os sujeitos se inseriam, juntamente com a transformação de seu próprio ser, estavam pautadas pela necessidade de produzir e realizar as tarefas vitais, estabelecendo, pois, formas de desenvolvimento e transformação corporal, isto é, processo de construção das formas mais elementares e rudimentares de movimento. (Escobar, e Taffarel, 2009)

 

    Essa produção corporal evoluía, portanto, a cada nova tarefa e a cada nova demanda, desenvolvendo uma nova habilidade, uma nova forma e manifestação corporal, constituindo práticas corporais sistematizadas. A superação da condição postural, por exemplo, deu-se por meio das relações dos sujeitos entre si, na incumbência de aprender e aperfeiçoar as atividades corporais construídas a partir dos enfrentamentos da realidade e da necessidade humana estabelecida: fome, sede, frio, medo... (Coletivo de Autores, 2012)

    A espécie humana não tinha, na época de homem primitivo, a postura corporal do homem contemporâneo. Aquele era quadrúpede e este é bípede. A transformação ocorreu ao longo da história da humanidade como resultado da relação do homem com a natureza e com os outros homens. O erguer-se, lenta e gradualmente, até a posição ereta corresponde a uma resposta do homem aos desafios da natureza. Talvez necessitou retirar os frutos da árvore para se alimentar, construindo uma atividade corporal nova: “ficar de pé”. (Coletivo de Autores, 2012, p. 39)

    Convergindo com a perspectiva de Saviani (2013) na qual mencionou que o homem não nasce homem, mas se faz homem no curso da história, os autores do referido Coletivo advertem que nos primórdios do agir humano sobre a natureza, a partir da constituição das práticas corporais, o homem “[...] não nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios ou necessidades humanas.” (Coletivo de Autores, 2012, p. 40)

 

    Para Souza (2009) é na relação dialética, histórica e sem fim entre apropriação e objetivação da natureza para produção do gênero humano que se situa a prática social da Cultura Corporal e, desde os tempos mais remotos, segue o movimento de constituição dos sujeitos a tornar-se humano. Para a autora,

    As posturas corporais juntamente com as posturas morais e valorativas ao longo da história constituem o ser humano em verdadeiramente humano, dotado de cultura. À medida que a prática social humana foi tornando-se complexa, resultante dos desafios postos na relação sujeito e natureza, as atividades corporais aperfeiçoaram-se, tornando-se também, atividades produtoras e produtivas da história da humanidade. (Souza, 2009, p. 88)

    Em síntese, toda essa produção corporal humana se materializa enquanto práticas objetivadas e sintetizadas a partir da realidade concreta dos sujeitos, a qual, cada indivíduo juntamente com seus semelhantes, esteve em potencial capacidade de produzir códigos e símbolos sendo a posteriori incorporado a cada humano na forma de cultura, em especial, de Cultura Corporal. Souza (2009, p. 83) corrobora essa afirmativa ao ponderar que a apreensão da cultura manifestada na manifestação corporal possibilita ao sujeito compreender-se numa perspectiva histórico-cultural, pois:

    Foi com o objetivo de fazer e possuir cultura que homens e mulheres, sob um processo de aprendizado, apreenderam a natureza transformando-a em patrimônio cultural. Desta forma, a expressão corporal deve ser refletida que o sujeito consiga compreender-se e compreender a realidade numa visão histórico-cultural.

    O agir corporal – sistematizados e manifestados na forma de cultura, conhecimento – constitui a Educação Física como parte da materialidade corpórea humana, a qual estabelece como objeto de análise e estudo a Cultura Corporal, socialmente produzida, historicamente acumulada pela humanidade e, ademais, possuindo a necessidade de ser transmitida às novas gerações na forma de conteúdos de ensino com a intenção de complementar a totalidade humana de cada indivíduo.

 

    Considerando a relevância que atribuímos ao trato com o conhecimento da Cultura Corporal como prática social objetivada-sistematizada socialmente nos diversos tempos e espaços como, por exemplo, na educação escolar, concordamos com Coletivo de Autores (2012, p. 39) quando entendem que a materialidade corpórea – Cultura Corporal – tornou-se uma conquista da humanidade sendo, desse modo, uma “[...] produção humana que transformou-se num patrimônio cultural da humanidade. Todos os homens apropriaram-se dela incorporando-a ao seu comportamento”. Para os autores, a Cultura Corporal possibilita o entendimento da concepção de homem e realidade dentro de uma visão de totalidade e, ao ser tratada no ambiente escolar, integrada ao currículo, numa abordagem Crítico-Superadora:

    Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. (Idem, p. 39)

    Da mesma forma, concordamos com o entendimento de Cultura Corporal expresso por Teixeira (2018). O autor analisa e amplia o conceito de Cultura Corporal a partir das lentes da ontologia do ser social como produto das relações humanas com a natureza mediadas pelo trabalho, superando a dimensão propriamente biológica (aptidão física) no tornar-se social. Nesse sentido, para Teixeira (2018, p. 49), a Cultura Corporal é:

    [...] o conjunto de atividades humanas que surgem, historicamente, a partir das relações sociais de trabalho; se efetivam por ações e operações que buscam satisfazer as necessidades humanas de primeira ordem ou a elas relacionadas, e que ao longo do desenvolvimento do gênero humano assumem uma autonomia relativa em relação ao processo de trabalho, pois passam a se orientar por outros significados e sentidos que não estão necessariamente vinculados diretamente ao processo produtivo da vida humana. Buscam, na reprodução social, satisfazer outras necessidades humanas não menos importantes e que concorrem no processo de humanização do ser, em geral são valorizadas em si mesmas.

    Ao atribuir-se à Cultura Corporal a condição de objeto da Educação Física deve-se atentar ao seu papel social nas relações humanas. Sua função deve estar explicitamente vinculada às necessidades do coletivo social para projetar um determinado projeto histórico de sociedade, ou seja, uma sociedade sem classes, estabelecida por uma forma de conhecimento utilizado para assegurar suas bases de ampliação e emancipação intelectual e cultural (Albuquerque, e Taffarel, 2020). Isso reitera a diferenciação entre a concepção de Cultura Corporal e a perspectiva da Aptidão Física, explicitando a superação da segunda pela primeira.

 

    Nessa perspectiva, como também reivindicam Pereira, Nunes, e Barreto (2010), é oportuno objetivar uma Educação Física possuidora de um objeto que tenha uma função social definida e ligada às necessidades do coletivo social, considerando a organização social capitalista.O movimento estabelecido pela Cultura Corporal se articula favoravelmente ao encontro dos interesses das camadas populares da sociedade brasileira. Sobre isso, o Coletivo de Autores (2012, p. 41) argumenta que:

    A expectativa da Educação Física escolar, que tem como objeto a reflexão sobre a Cultura Corporal, contribui para a afirmação dos interesses de classe das camadas populares, na medida em que desenvolve uma reflexão pedagógica sobre os valores como solidariedade substituindo individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição em confronto com a apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão de movimentos – a emancipação –, negando a dominação e submissão do homem pelo homem.

    O que priorizamos, diante disso, é o ensino dos elementos da Cultura Corporal a partir da prática pedagógica da Educação Física. Priorizamos generalizar e socializar, numa abordagem Crítico-Superadora, o acervo cultural pertencente aos educandos – à humanidade – de forma sistematizada e elaborada para que possa ser apropriado e imbricado ao sujeito e, ademais, como elementos fundamentais para fazer parte da completude existencial do gênero humano em contraposição às bases alienantes da perspectiva da Aptidão Física. Noutras palavras, em concordância com Pereira, Nunes, e Barreto (2010), a Educação Física não pode se alienar em simples ações motoras abrindo mão de suas dimensões culturais, políticas, históricas, dentre outras. Do ponto de vista pedagógico, as ações da prática pedagógica não podem centrarem-se na figura do professor e os educandos se subordinarem aos códigos e métodos de ensino autoritários e disciplinadores.

 

    A perspectiva da Cultura Corporal e a abordagem Crítico-Superadora, em hipótese alguma, abre mão da atividade física ou do desenvolvimento da aptidão física como forma de promoção da saúde, mas destacamos que tal relação ou trato pedagógico não se limita aos fundamentos biologicistas, eugenistas e a-históricos, conforme explica Taffarel:

    As relações entre atividade física – Educação Física – Cultura Corporal são uma construção socio-histórica que depende do modo de vida, do modo de organizar a produção dos bens materiais e imateriais e isto não pode ser visto isolado a partir de um individuo, e muito menos a partir de uma representação, a linguagem, mas, sim, tem que ser encarado historicamente, a partir da totalidade da espécie humana, do gênero humano, a partir da luta de classes. Por isso não se pode abstrair das práticas corporais seus sentidos e significados, ou seja, seu conteúdo histórico. O homem não nasceu praticando esporte, muito menos relacionando esporte com saúde, mas adquiriu, pelo trabalho, pelas atividades, as condições de produzir e reproduzir seu modo de vida onde as relações esporte e saúde foram se consolidando. Essa construção passa pelas relações do homem com a natureza e com os outros homens na manutenção da vida humana. Aí se constrói a cultura corporal – jogos, esportes, dança, ginásticas, lutas e outras formas que tratamos pedagogicamente na escola. (Taffarel, 2012, p. 163)

    Nossa discussão/reflexão encerra-se com essa longa, mas necessária, explicação de Celi Taffarel no intuito de reiterar a argumentação sobre a superação por incorporação da perspectiva da Aptidão Física pela perspectiva da Cultura Corporal e da abordagem Crítico-Superadora, uma vez que o trato pedagógico4 com atividade física e com a aptidão física seja compreendido e situado em um contexto mais amplo, histórico, social e político, no âmbito da produção material da sociedade e da vida humana, no interior da luta de classes. A finalidade da Educação Física Escolar à luz da Cultura Corporal, da abordagem Crítico-Superadora, da pedagogia Histórico-Crítica e da psicologia Histórico-Cultural, para além do desenvolvimento das capacidades físico-esportivas, seja instrumentalizar os filhos da classe trabalhadora, a partir da reflexão sobre a Cultura Corporal e seus determinantes econômicos, políticos e sociais, para um agir revolucionário e contra-hegemônico.

 

Conclusões 

 

    À guisa de considerações finais, nosso estudo explicitou a centralidade da categoria trabalho na qualidade de atividade vital humana e, sobretudo, consciente, bem como produtora de instrumentos, saberes, cultura e, acima de tudo, produtora de vida. Reiteramos, nessa perspectiva, a socialização e apropriação dos bens – materiais e imateriais – produzidos pelos sujeitos na relação com a natureza e com seus pares mediados pelo trabalho, como forma de preservar e progredir com o movimento produção da existência humana.

 

    Dentre os saberes produzidos pela humanidade situa-se a Educação Física e, em especial, a Cultura Corporal, constituída pela materialidade corpórea e manifestada na qualidade de determinante da cultura humana a partir da sistematização das práticas corporais. Deste modo, sua produção preservada ao longo da história e concebida como patrimônio cultural da humanidade deve estar à disposição dos sujeitos para incorporação e apreensão, contribuindo, por conseguinte, para elaboração de sua corporeidade e ampliando seu acervo cultural com horizonte crítico e revolucionário, superando a perspectiva da Aptidão Física e suas práticas conservadoras e alienantes.

 

    Por fim, à escola resguarda-se a responsabilidade de ambiente socializador dos saberes produzidos e acumulados pela humanidade – em especial, o conhecimento da Cultura Corporal por meio de sua prática pedagógica e de intervenção – para formar sujeitos críticos e capazes de apreender a realidade objetiva, atuando sobre ela de forma ativa e manifestando-se corporal-culturalmente na coletividade e nos tempos/espaços sociais. Também se reitera a atual necessidade de defesa da Cultura Corporal diante da inserção das teses pós-modernas no teorizar da Educação Física no movimento histórico contemporâneo (Taffarel, e Albuquerque, 2011), mas isso é tarefa para outro momento.

 

Notas 

  1. Não é o intento de o corrente artigo estabelecer uma polarização entre adeptos da Cultura Corporal e aqueles que advogam em favor da perspectiva da Aptidão Física, mas sim elucidar nosso entendimento sobre os embates e a superação por incorporação dos pressupostos da Aptidão Física pela perspectiva da Cultura Corporal e da abordagem Crítico-Superadora.

  2. Filiamo-nos a crítica do Coletivo de Autores (2012) àquela Educação Física que, no âmbito curricular, possui como única e tão somente finalidade o desenvolvimento da Aptidão Física dos educandos, a exacerbação do rendimento físico-motor. Com isso, reconhece-se, do ponto de vista histórico e considerando os limites e possibilidades, os trabalhos realizados por Dartagnan Pinto Guedes e Markus Vinicius Nahas, entre outros colaboradores, que empreenderam um movimento teórico para traçar as bases da abordagem da Aptidão Física tendo como finalidade a promoção da saúde e qualidade de vida (Aptidão Física Relacionada à Saúde - AFRS), buscando principalmente a conscientização sobre os benefícios da atividade física e a formação de alunos cientes e com um estilo de vida saudável a partir de um modelo de Educação Física elaborado em solo Americano, nos anos 1980.

  3. Os autores e obras utilizadas nesta revisão bibliográfica fizeram/fazem parte das reuniões de estudos da Linha de Estudos Epistemológicos e Didáticos em Educação Física, situada do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria (CEFD/UFSM). Isso justifica a seleção e o trato com tal referencial, o qual julgamos, dentre outros, necessário para o desenvolvimento da discussão em voga.

  4. Um exemplo empírico do trato pedagógico com a atividade física e desenvolvimento da aptidão física à luz da Pedagogia Histórico-Crítica pode ser encontrado em Pina (2008).

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 273, Feb. (2021)