Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

A quarentena no enfrentamento às pandemias causadas por doenças respiratórias

The Quarantine in the Fight against Pandemics Caused by Respiratory Diseases

La cuarentena en la lucha contra las pandemias provocadas por enfermedades respiratorias

 

Maria Eduarda Coelho Cordeiro*

mariaeduarda34@hotmail.com

Roger Flores Ceccon**

roger.ceccon@hotmail.com

 

*Estudante de Medicina

Universidade Federal de Santa Catarina – campus Araranguá

Bolsita da Escola de Saúde Coletiva da UFSC

**Pós-Doutorado em Saúde Coletiva (UFRGS)

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

Coordenador da Escola de Saúde Coletiva da UFSC

(Brasil)

 

Recepção: 27/05/2020 - Aceitação: 22/07/2020

1ª Revisão: 08/07/2020 - 2ª Revisão: 19/07/2020

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Cordeiro, M.E.C., & Ceccon, R.F. (2020). A quarentena no enfrentamento às pandemias causadas por doenças respiratórias. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(268), 101-111. Recuperado de: Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i268.2292

 

Resumo

    Este estudo objetiva descrever como a quarentena foi utilizada no enfrentamento às pandemias causadas por doenças respiratórias nas últimas décadas. Foi realizada uma Revisão de Literatura acercadas pandemias da Gripe Espanhola, Asiática, de Hong Kong, Gripe A e COVID-19 em diferentes países do mundo. As informações foram coletadas nas bases de dados MEDLINE, LILACS, PsychINFO, SciELO e Biblioteca Virtual em Saúde. Foram selecionadas e analisadas 34 referências. As pandemias apresentaram semelhanças no que tange as manifestações clínicas. Tiveram impactos sociais, econômicos e epidemiológicos, apresentando altas taxas de incidência e mortalidade. A quarentena foi utilizada como estratégia de controle para todas e os estudos evidenciam sua importância na prevenção de casos novos de mortalidade e para minimizar a sobrecarga dos sistemas de saúde. Apesar das dificuldades inerentes às estratégias de restrição de liberdade, a experiência de outras pandemias e as projeções apontadas em pesquisas demonstram que as medidas não-farmacológicas são fundamentais para a redução da incidência e mortalidade durante a atual pandemia da COVID-19.

    Unitermos: Coronavirus. Isolamento social. Pandemias. Quarentena. Vigilância em saúde pública.

 

Abstract

    This study aims to describe how quarantine has been used to deal with pandemics caused by respiratory diseases in recent decades through a Literature Review on Spanish Influenza, Asian, Hong Kong, Flu A and COVID-19 pandemics in different countries in the world. The information was collected in the MEDLINE, LILACS, PsychINFO, SciELO and Virtual Health Library databases. 34 references were selected and analyzed. Pandemics showed similarities in terms of clinical manifestations. They had social, economic and epidemiological impacts, with high rates of incidence and mortality. Quarantine was used as a control strategy for all and studies show its importance in preventing new cases of mortality and to minimize the burden on health systems. Despite the difficulties inherent in freedom-restricting strategies, the experience of other pandemics and the projections pointed out in research demonstrate that non-pharmacological measures are essential to reduce incidence and mortality during the current COVID-19 pandemic.

    Keywords: Coronavirus. Social isolation. Pandemics. Quarantine. Public health surveillance.

 

Resumen

    Este estudio tiene como objetivo describir cómo se ha utilizado la cuarentena para hacer frente a las pandemias causadas por enfermedades respiratorias en las últimas décadas. Se realizó una revisión de la literatura sobre las pandemias de la Gripe Española, Asia, Hong Kong, Gripe A y COVID-19 en diferentes países del mundo. La información se recogió en las bases de datos MEDLINE, LILACS, PsychINFO, SciELO y Biblioteca Virtual en Salud. Se seleccionaron y analizaron 34 referencias. Las pandemias mostraron similitudes en términos de manifestaciones clínicas. Tuvieron impactos sociales, económicos y epidemiológicos, con altas tasas de incidencia y mortalidad. La cuarentena se utilizó como una estrategia de control para todos y los estudios demuestran su importancia para prevenir nuevos casos de mortalidad y minimizar la saturación de los sistemas de salud. A pesar de las dificultades inherentes a las estrategias para restringir la libertad, la experiencia de otras pandemias y las proyecciones señaladas en las investigaciones demuestran que las medidas no farmacológicas son fundamentales para la reducción de la incidencia y la mortalidad durante la actual pandemia de COVID-19.

    Palabras clave: Coronavirus. Aislamiento social. Pandemias. Cuarentena. Vigilancia en salud pública.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 268, Sep. (2020)


 

Introdução 

 

    No mundo, doenças causadas por transmissão respiratória afetaram grandes contingentes populacionais nas últimas décadas. No século XX, as pandemias da Gripe Espanhola (1918-1919), Gripe Asiática (1957-1958) e Gripe de Hong Kong (1968-1969) causaram infecções e mortes em diferentes países, e em 2009 a Gripe A atingiu aproximadamente 1 bilhão de pessoas (OMS, 2018). Tendo em vista a inexistência de terapias medicamentosas como estratégia de prevenção e controle dessas doenças, foram implementadas medidas não-farmacológicas e de vigilância em saúde, como a quarentena, o isolamento social, a interdição de viagens, o fechamento de fronteiras e a restrição de atividades públicas. (Martínez-Martín et al., 2019)

 

    Em 2019 foi descoberto um novo tipo de Coronavírus na China, que causa uma doença semelhante à gripe que pode agravar à um quadro respiratório grave, denominada COVID-19. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência em Saúde Pública internacionalmente e decretou situação de pandemia (Russel et al., 2020). Até o momento (22 de julho de 2020), 15.008.046 de casos e 617.902 mil mortes foram confirmada no mundo. (OPAS, 2020)

 

    As estratégias de prevenção da COVID-19 tem se mostrado complexas, por ser uma doença nova, relativamente desconhecida e não existir consenso na sociedade sobre as medidas mais apropriadas para o seu controle. Intervenções farmacêuticas estão sendo pesquisadas, mas estudos evidenciam que a prática da quarentena e do isolamento social são as estratégias mais adequadas para mitigar a disseminação da doença, minimizar a sobrecarga dos sistemas de saúde e reduzir infecções e mortes (Ferguson et al., 2020). É fundamental consolidar experiências que utilizaram a quarentena para controlar pandemias, no sentido de produzir subsídios que possam auxiliar no enfrentamento da COVID-19. Assim, este estudo objetiva descrever como a quarentena foi utilizada no enfrentamento às pandemias causadas por doenças respiratórias nas últimas décadas.

 

Métodos 

 

    Foi realizada uma revisão da literatura (Rother, 2007) científica publicada sobre o tema das pandemias causadas por doenças respiratórias entre 1900 a 2020 (século XX e XXI). O foco foram as estratégias não-farmacológicas utilizadas para lentificar a disseminação do agente etiológico, principalmente a quarentena.

 

    Foram estudadas a Gripe Espanhola, Gripe Asiática, Gripe de Hong Kong, Gripe A e COVID-19. Os critérios utilizados para selecionar as pandemias foram: alto grau de transmissibilidade, via de contágio respiratório, rápida disseminação e elevado número de óbitos, características semelhantes ao SARS-Cov-2.

 

    Os dados foram coletados da literatura indexada nas bases MEDLINE, LILACS, PsychINFO, SciELO e Biblioteca Virtual em Saúde durante o mês de abril de 2020. Foram selecionados artigos científicos e documentos governamentais publicados a partir do ano 2000, escritos em inglês, espanhol e português, disponibilizados em texto completo e com abordagem clínica, epidemiológica, histórica ou sociológica.

 

    Os descritores utilizados na busca foram: “public health surveillance and pandemic” (811 estudos); “social isolation and pandemic” (53 estudos), “quarantine and pandemic" (55 estudos). Foram encontradas 919 referências e, destas, após leitura dos títulos e resumos, elencou-se 34 publicações que responderam ao objetivo proposto nesta investigação.

 

    Para análise dos dados, os resultados dos artigos formaram um corpus textual, o qual foi lido na íntegra, categorizado e analisado criticamente. Os dados foram sistematizados em quatro categorias: (1) Estratégias de enfrentamento às pandemias das últimas décadas, no qual foi descrito as características dos métodos, especialmente a quarentena; (2) Benefício, malefícios e direitos individuais e (3) A pandemia da COVID-19, em que apresentou-se um conjunto de evidências que comprovam a importância das medidas não-farmacológicas.

 

Resultados e discussão 

 

Estratégias de enfrentamento às pandemias das últimas décadas 

 

    A literatura analisada demonstra que medidas não-farmacológicas foram amplamente utilizadas no combate às pandemias da Gripe Espanhola, Asiática, de Hong Kong e H1N1, tendo em vista a ausência de terapias medicamentosas e a gravidade dessas doenças. Embora em períodos históricos distintos, os métodos foram semelhantes, tendo em vista as similitudes entre as pandemias, cujos agentes etiológicos surgiram quando a mutação do vírus circulante na população foi radical e emergiu um novo tipo viral, no qual as pessoas não possuíam defesas imunológicas para combatê-lo. As mesmas começaram brandas com evolução para fases mais agressivas e tiveram grupos de risco formados por idosos, gestantes e pessoas com doenças preexistentes e altas taxas de incidência e mortalidade. (Auerbach et al., 2003; Silveira, 2005; Goulart, 2005)

 

    Além das ações de enfrentamento das pandemias terem sido semelhantes, os países adotaram concomitantemente práticas de prevenção baseadas em cinco áreas prioritárias: (1) vigilância epidemiológica, (2) capacidade de diagnóstico laboratorial, (3) gerenciamento de casos médicos, (4) distribuição de vacinas e (5) comunicação social. Assim, as nações que passaram anteriormente por pandemias anteciparam as medidas não-farmacológicas e foram mais resolutivas. (Franco-Paredes et al., 2005)

 

    Em 1926 aconteceu a Convenção Sanitária Internacional em Paris, onde se discutiu a possibilidade de a quarentena ser uma forma de controle de doenças, embora já tivesse sido usada em outras ocasiões, como na pandemia da Gripe Espanhola (Lima & Costa, 2015). Essa conferência estabeleceu leis internacionais de quarentena contra a cólera e febre amarela, destinadas a migrações e viagens.

 

    Essa medida é caracterizada como a restrição no movimento de pessoas suspeitas de terem sido expostas a doenças contagiosas. Tal restrição pode ser em domicílio ou local designado, individual ou em grupo, voluntária ou obrigatória. Ademais, é recomendada para localidades onde se acredita que a transmissão comunitária tenha ocorrido e o isolamento social - separação de pessoas infectadas de outras não infectadas - foi insuficiente. (Pôrto & Ponte, 2003; Sehdev, 2002; Maglen, 2002)

 

    Durante a Gripe Espanhola, a quarentena foi implementada em diferentes países junto a outras medidas preventivas, como a impossibilidade de aglomerações e visitas, etiqueta respiratória, fechamento de locais públicos, como cinemas, clubes, teatros, igrejas e escolas, e restrições de viagens nacionais e internacionais. Quanto aos sintomáticos, as recomendações eram que permanecessem de repouso individual em suas residências; posteriormente, quando não havia como tratar separadamente tantos doentes, indicava-se a hospitalização - quarentena em grupo e em local designado. (Department of Disease Control, 2019)

 

    Como foi inicialmente reconhecida como “moléstia estrangeira”, os governos entenderam que estavam protegidos do vírus se mantivessem estrangeiros distantes de suas fronteiras. Isso ocasionou morosidade dos países na implementação de outras medidas preventivas, gerando alto número de infecções. Porém, quando a situação tornou-se mais agravada, os governos recomendaram ações de enfrentamento. Apesar das nações terem conseguido atenuar a pandemia, entre 50 a 100 milhões de pessoas morreram no mundo. (Bertuci, 2009; Alvarez et al., 2009; Klajman, 2006)

 

    Para a Gripe Asiática foram adotadas medidas semelhantes às da Gripe Espanhola em países da Ásia, Europa, África e América do Norte. Entretanto, como foi mantido o funcionamento de escolas, acarretou extensa disseminação da doença entre jovens adultos e gestantes. Estima-se que muitas mortes poderiam ter sido evitadas com adequada implementação de medidas preventivas não farmacológicas, pois eram causadas por complicações secundárias da infecção viral. Além do mais, foi a primeira vez que se realizou investigação laboratorial a partir da rápida disseminação global de um vírus da gripe, fato que pode ter contribuído para atenuar a pandemia. (Klajman, 2006)

 

    Na Gripe de Hong Kong, também foram usadas medidas não-farmacológicas, embora tenha tido redução no número de infectados por ter ocorrido no período de férias escolares em Hong Kong, Estados Unidos e países da Ásia, África e Europa. (Barricarte, 2006; Cox & Subbarao, 2000; Monto & Webster, 2013; U.S., 2017)

 

    Na Gripe A, a quarentena não foi utilizada ànível populacional, embora o fechamento de locais públicos tenha acontecido em alguns países. Em contrapartida, comparando com o ocorrido nas pandemias anteriores, houve acompanhamentos dos casos identificados, além da mídia contribuir com informações científicas, proporcionando maior conscientização das pessoas quanto àpandemia e aos métodos preventivos. (Brasil, 2012; Bertucci, 2009; Brasil, 2010)

 

    Apesar dos estudos comprovarem a eficácia das medidas na atenuação do contágio, há contradições na adoção de práticas não farmacológicas, que envolve o bem-estar coletivo versus a restrição de liberdade. Entretanto, os Princípios de Siracusa e o Regulamento Sanitário Internacional validam a limitação de direitos a fim de permitir que o Estado adote medidas para impedir ameaças àsaúde da população com garantia de ações de educação em saúde sobre as doenças, condições básicas de vida (água potável, alimentação adequada e assistência médica) e apoio social. (Duarte et al., 2009; Brasil, 2009)

 

Benefícios, malefícios e direitos individuais 

 

    A quarentena busca reduzir a transmissibilidade das doenças causadas por via respiratória. No entanto, é uma prática que transcende a vantagem biológica, impactando a organização social e econômica dos países, limitando liberdades individuais e reduzindo a autonomia das pessoas.

 

    Entre os benefícios da quarentena, está a manutenção da infraestrutura social e o bem-estar coletivo durante uma pandemia, que pode levar ao óbito grandes contingentes populacionais. Ademais, preserva a noção de coletividade, uma vez que mesmo sem risco ou infectado, o isolamento evita novos casos, diminui o risco de mutação do vírus e contribui para não sobrecarregar os sistemas de saúde. (Tay, Cutter & James, 2010)

 

    As estratégias não farmacológicas podem auxiliar na economia e em indicadores de proteção social, já que se a prevalência das doenças diminui, os indicadores de capacidade do Estado, como produto nacional bruto per capita, gastos governamentais e expectativa de vida aumentam. (Tay, Cutter & James, 2010)

 

    Entre os malefícios causados pela adoção da quarentena está a não garantia de direitos individuais, perda econômica, falência de atividades comerciais, desemprego e diminuição ou ausência de renda para trabalhadores. Esses são problemas oriundos dos regimes capitalistas da maioria dos países, que se organizam a partir da lógica do consumo, o qual é afetado ou inviabilizado durante a quarentena (Lima & Costa, 2015). Ademais, outra desvantagem é a possibilidade de haver um segundo pico da doença quando encerradas as medidas de restrição. (Klajman, 2006)

 

    No âmbito individual, a quarentena pode contribuir para problemas psicológicos, como sentimentos de solidão, ansiedade, medo e angústia (Price-Smith, 2002; Digiovanni et al., 2005; Tracy et al., 2009). Isso se dá pela restrição de liberdade aliada às rotinas, ao ritmo de vida convencional e à separação forçada de pessoas que pertencem ao convívio social, como familiares e amigos, os quais causam um aumento da incerteza e sentimento de perda de controle. O medo da estigmatização e da perda financeira pode aumentar substancialmente esse sofrimento emocional da população (Brooks et al., 2020). Além disso, na era atual das informações digitais e das redes sociais, a proliferação de notícias falsas e as conspirações das empresas contribuem para aumentar a preocupação e o alarme social. (Zulkifli et al., 2020).

 

    Nesse sentido, o estresse causado pela pandemia pode contribuir para o risco de suicídio (López-Díaz et al., 2018), cujas taxas devem aumentar com o contexto atual. O comportamento suicida já foi relatado em quarentenas forçadas em outros momentos, semelhante ao que estamos experimentando (Brooks et al., 2020). Além disso, crises anteriores mostraram que as implicações para a saúde mental podem durar mais tempo e ter maior prevalência que a própria epidemia e que os impactos psicossociais e econômicos podem ser incalculáveis se considerarmos sua ressonância em diferentes contextos (Shigemura et al., 2020). Sendo assim, o aspecto psicológico é fragilizado com a adoção do isolamento social.

 

    Assim, busca-se evitar o colapso do sistema de saúde em função do crescimento exponencial e fora de controle do número de novos casos e de óbitos pelas doenças pandêmicas e, ao mesmo tempo, ampliar o respectivo sistema de saúde para atender as necessidades de saúde em sua integralidade. No entanto, as pressões econômicas, sociais e políticas relacionadas à “falência de empresas e postos de trabalho”, à fragilização econômica dos governos (Santos, Ribeiro, Carqueira, 2020) e à agudização de problemas psicológicos geram conflitos na tomada de decisão.

 

    Com isso, evidencia-se que a adoção da quarentena como estratégia não-farmacológica no enfrentamento às pandemias é desafiadora, principalmente pelo fato dos direitos individuais serem limitados pelo imperativo de saúde pública (Brasil, 2010) e pelas pressões individuais e institucionais. Porém, desde que sejam garantidas condições de subsistência e respaldo às peculiaridades psicossociais, essa conduta torna-se necessária e indispensável, constituindo-se como estratégia fundamental para a saúde e segurança da população em tempos pandemia.

 

A pandemia da COVID-19 

 

    Tendo em vista a capacidade limitada dos sistemas de saúde dos países, as medidas não-farmacológicas são fundamentais para o controle da COVID-19. A similaridade entre padrões de comportamento do SARS-CoV-2 com vírus causadores de outras formas de influenza pandêmica fizeram com que as estratégias adotadas nos planos de contingência para as demais pandemias fossem adotadas para a COVID-19, considerando que o início das intervenções deve ser baseado na severidade da doença. (Day et al., 2006)

 

    O Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) considerou a COVID-19 uma doença de elevada transmissibilidade comunitária, gravidade clínica e alta letalidade, potencializada pela ausência de medidas farmacológicas de prevenção, tratamento e cura (CDC, 2019). Justifica-se, portanto, as recomendações de intervenções não-farmacológicas comunitárias para mitigação da pandemia, especialmente a quarentena e isolamento social da população ànível mundial, suspensão de viagens nacionais e internacionais e qualquer atividade coletiva. (Day, 2006)

 

    Estudos apontam diferentes cenários caso não ocorra a quarentena e o isolamento no enfrentamento da COVID-19. Na Inglaterra, se o vírus circulasse livremente, teria capacidade de infectar 80% da população em um curto período de tempo. Entre os infectados, 20% precisariam de hospitalização, 5% dos casos seriam críticos e precisariam de UTI, e cerca de metade destes iriam à óbito. O abrupto aumento de casos sobrecarregaria o sistema de saúde, gerando colapso e grande número de mortes. Segundo os autores, se não houvesse restrição social, seriam sete bilhões de pessoas infectadas e 40 milhões de mortes no mundo. (Ferguson et al., 2020)

 

    Pesquisas projetam também os desfechos da pandemia para outros países, como o Brasil. Levando-se em conta um contexto sem medidas de mitigação, reduzindo 60% o contato com idosos e 40% com o restante da população, o país teria mais da metade da população infectada, mais de 6 milhões necessitariam de hospitalização e mais de um milhão de mortes. Em um cenário de distanciamento social de toda população, o número de infectados reduziria 36%, os que necessitariam de hospitalização e UTI em 45% e o número de mortes cairia para 627.047. Outrossim, os estudos mostraram resultados mais prósperos com supressão precoce se comparada com ações tardias. (Ferguson et al., 2020)

 

    Mesmo com previsões lesivas, as curvas foram baseadas em países ricos, não levando em consideração a existência de favelas, comunidades sem abastecimento de água, saneamento e outros determinantes sociais que afetam muitos países. Assim, como “os impactos epidêmicos, ao longo do tempo sempre estiveram dependentes das profundas segmentações e relações, historicamente estruturadas, de exploração-dominação de grupos populacionais” (Lole et al., 2020), as nações mais pobres podem ter resultados ainda piores do que os apresentados nos artigos. (Ferguson et al., 2020)

 

    Alguns países insistem em ignorar as medidas não-farmacológicas, como o Brasil e os EUA, em prol de um modelo neoliberal que defende a restrição de intervenção estatal e absoluta liberdade de mercado, embora Klajman (2006) demonstre em estudos o impacto das medidas não-farmacológicas e as experiências com outras pandemias, as quais evidenciam a necessidade do isolamento social, como foi no caso da gripe asiática, na qual estima-se que muitas mortes poderiam ter sido evitadas com adequada implementação de medidas preventivas, como o fechamento de escolas. Além do mais, as pandemias anteriores também mostram a importância do acompanhamento dos casos identificados e a disponibilidade de informações científicas na mídia sobre a COVID-19, proporcionando maior conscientização das pessoas quanto à pandemia e aos métodos preventivos. (Brasil, 2012; Bertucci, 2009; Brasil, 2010)

 

    Segundo Leher (2020), esses países adotam uma ideia de “Darwinismo Social”, em que os mais fortes sobreviverão e os mais fracos sucumbirão. Porém, ao identificar que as condições socioeconômicas são determinantes no processo saúde-doença para a COVID-19, essa ideia acentua o extermínio de grupos minoritários. Dessa forma, torna-se ainda mais grave a não adoção dessas estratégias de mitigação da COVID-19.

 

    Este estudo apresenta limitações, como o fato de não especificar as medidas adotadas em cada país. Entretanto, apresenta o panorama de como estas ações foram utilizadas à nível global.

 

Conclusão 

 

    Evidenciou-se que a quarentena e o isolamento social não são práticas sanitárias novas ou contemporâneas, já tendo sido experienciadas em outras pandemias ao longo da história. Apesar das dificuldades inerentes às estratégias de restrição de liberdades, a experiência com outras pandemias e as projeções apontadas em estudos demonstram que as medidas não-farmacológicas são fundamentais para a redução da incidência e mortalidade durante pandemias causadas por contato respiratório.

 

    A implementação precoce da quarentena e a combinação com outras medidas de saúde pública são fundamentais para garantir sua eficácia. Assim, tratando-se de uma doença pouco conhecida, torna-se imprescindível que os países apliquem as intervenções não-farmacológicas recomendadas por órgãos mundiais, a fim de garantir o alinhamento dos países e a efetividade das estratégias propostas à nível global.

 

Referências 

 

Alvarez, A., Carbonetti, A., Carrillo, A.M., Bertolli Filho, C., Souza, C.M.C., Bertucci, L.M., e Azevedo, N. (2009). A gripe de longe e de perto: comparações entre as pandemias de 1918 e 2009. Hist. cienc. saude-Manguinhos, vol.16, n.4, pp.1065-1113. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702009005000001

 

Auerbach, P., Oselame, G.B., e Dutra, D.A. (2003). Revisão histórica da gripe no mundo e a nova H7N9. Rev Med Saude Brasilia, 2(3):183-97. Recuperado de: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rmsbr/article/view/4424

 

Barbera, J. Macintyre, A., Gostin, L. et al. (2001). Large Scale-Quarantine Following Biological Terrorism in the United States: scientific examination, logistic and legal limits, and possible consequences. JAMA, 286(21): 2711-7, 2001. Recuperado de: https://doi.org/10.1001/jama.286.21.2711

 

Barricarte, A. (2006). Gripe Aviar: ¿La pandemia que viene? Anales Sis San Navarra, Pamplona, v. 29, n. 1, p. 7-11. Recuperado de: http://scielo.isciii.es/pdf/asisna/v29n1/editorial.pdf

 

Bertucci, L. M. (2009). Gripe A, uma nova "espanhola"? Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 55, n. 3, p. 230-231. Recuperado de: https://pesquisa.bvsalud.org/controlecancer/resource/pt/lil-520159

 

Brasil. Decreto Legislativo nº 395 de 2009 (2009). Aprova o texto revisado do Regulamento Sanitário Internacional, acordado na 58ª Assembléia Geral da Organização Mundial de Saúde, em 23 de maio de 2005. Diário Oficial da União. 10 jul 2009; Seção 1:11. Recuperado de: https://repositorio.observatoriodocuidado.org/handle/handle/1589

 

Brasil. Ministério da Saúde (2010). Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. (8ª ed.). Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de: https://repositorio.observatoriodocuidado.org/handle/handle/1606

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (2012). Influenza (gripe), Semana Epidemiológica 44 de 2012. Brasília. [acesso em 12 abr 2013].

 

Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N. et al. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, v. 395, 10227, p. 12-920. Recuperado de: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8

 

Center for Disease Control and Prevention (2019). Implementation of mitigation strategies for communities with local COVID-19 transmission. [Washington, D.C.]: Center for Disease Control and Prevention. 10 p.

 

Cox, N. J., Subbarao, K. (2000). Global epidemiology of influenza: past and present. Annu Rev Med., 51:407-21. Recuperado de: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10774473/

 

Day, T., Park, A., Madras, N., Gumel, A., Wu, J. (2006). When is quarantine a useful control strategy for emerging infectious diseases? Am J Epidemiol.,163(5):479-85. Recuperado de: https://academic.oup.com/aje/article/163/5/479/61137

 

Digiovanni, C., Bowen, N., Ginsberg, M., Giles, G. (2005). Quarantine stressing voluntary compliance. Emerg Infect Dis., 11(11):1778-9. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3367339/

 

Duarte, P et al. (2009). Pacientes com infecção por vírus A (H1N1) admitidos em unidades de terapia intensiva do Estado do Paraná, Brasil. Rev bras ter intensiva, 21(3):231-6. Recuperado de: https://www.scielo.br/pdf/rbti/v21n3/a01v21n3.pdf

 

Ferguson, M. N. et al. (2020). Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Imperial College London. Recuperado de: https://doi.org/10.25561/77482

 

Franco-Paredes, C. et al. (2005). Pandemia de influenza: posible impacto de la influenza aviaria. Salud pública Méx., Cuernavaca, v. 47, n. 2, p. 107-109. Recuperado de: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0036-36342005000200003

 

Goulart, A. C (2005). Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 101-142. Recuperado de: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000100006

 

Kilbourne, E. D. (2006). Influenza pandemics of the 20th century. Emerg Infect Dis., 12:9–14. Recuperado de: https://dx.doi.org/10.3201%2Feid1201.051254

 

Klajman, C. (2006). A Gripe sob a ótica da História Ecológica: um estudo comparativo entre as pandemias de 1918 e 2009. História Revista, 20(3), 118-137. Recuperado de: https://doi.org/10.5216/hr.v20i3.36909

 

Leher, R. (2020). Darwinismo social, epidemia e fim da quarentena: notas sobre os dilemas imediatos. Carta Maior, 29 mar. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editora/Politica/Darwinismo-social-epidemia-e-fim-da-quarentena-notas-sobre-os-dilemas-imediatos/4/46972

 

Lima, Y. O. R., Costa, E. A (2015). Regulamento sanitário internacional: emergências em saúde pública, medidas restritivas de liberdade e liberdades individuais. Vig. Sanit. Debate, 3(1): 10-18. Recuperado de: https://doi.org/10.3395/2317-269x.00266

 

Lole, A., Stampa, I., e Gomez, R.L.R. (2020). Crise e pandemia da COVID-19 - leituras interseccionais. In: A. Lole, Ana, I. Stampa, R. Gomes, Para além da quarentena: reflexões sobre crise e pandemia. Rio de Janeiro: Mórula Editorial.

 

López-Díaz, A., Lorenzo-Herrero, P., Lara, I., Fernández-González, J.L., e Ruiz Veguila, M. (2018). Acute stress and substance use as predictors of suicidal behaviour in acute and transient psychotic disorders. Psychiatry Res., 269, pp. 414-418. Recuperado de: https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018.08.036

 

Maglen, K. (2002) “The first line of defense”: British quarantine and the port sanitary authorities in the nineteenth century. Soc. Hist. Med., 15(3):413-28. Recuperado de: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12659089/

 

Martínez-Martín, A. B., Meléndez-Álvarez, B. F. A., Manrique-Corredor, E. J., Robayo-Avendaño, O. F. (2019). Análisis histórico epidemiológico de la pandemia de gripa de 1918-1919 en Boyacá, un siglo después. Rev. Cienc. Salud, 17(2): 334-351. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/revsalud/a.7944

 

Monto, A. S., Webster, R. G. (2013). Influenza pandemics: history and lessons learned. In: Webster, R. G., Monto, A. S., Braciale, T. J., Lamb, R. A. (eds.). Textbook of influenza (2nd ed.). Oxford: Wiley Blackwell. p. 20-34.

 

Organización Mundial de la Salud (2018). Comunicación de riesgos en emergencias de salud pública: directrices de la OMS sobre políticas y prácticas para la comunicación de riesgos en emergencias (CRE). Ginebra: OMS.

 

Pôrto, A., Ponte, C. F. (2003). Vacinas e campanhas: imagens de uma história a ser contada. Hist. Ciênc. Saúde-Manguinhos, 10(Supl. 2), 725-42. https://doi.org/10.1590/S0104-59702003000500013

 

Price-Smith, A. T. (2002). The health of nations: infectious disease, environmental change, and their effects on national security and developments. Cambridge MA: MIT Press.

 

Rother, E. T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paul. enferm, 20(2): V-VI. Recuperado de: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002007000200001&script=sci_arttext

 

Russel, T. W. et al. (2020). Estimating the infection and case fatality ratio for COVID-19 using age-adjusted data from the outbreak on the Diamond Princess cruise ship. Euro Surveill, 25(12):2000256. Recuperado de: https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.12.2000256

 

Santos, G., Ribeiro, L., Cerqueira, R. (2020). Modelagem de impactos econômicos da pandemia COVID-19: aplicação para o estado da Bahia. 3 p. Recuperado de: https://www.researchgate.net/publication/341078147

 

Sehdev, O. S (2002). The origin of quarantine. Clin Infect Dis, 35:1071-2. Recuperado de: https://doi.org/10.1086/344062

 

Shigemura, J. et al. (2020). Public responses to the novel 2019 coronavirus (2019-nCoV) in Japan: mental health consequences and target populations. Psychiatry Clin Neurosci. Recuperado de: https://doi.org/10.1111/pcn.12988

 

Silveira, A. J. T (2005). A medicina e a influenza espanhola de 1918. Tempo, v.10, n.19, pp.91-105. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S1413-77042005000200007

 

Tay, J., NQ, Y. F., Cutter, J. L., James, L. (2010). Influenza A (H1N1-2009) pandemic in Singapore: public health control measures implemented and lessons learnt. Ann Acad Med Singapore, 39(4):313-24. Recuperado de: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20473458/

 

Tracy, C. S., Rea, E., Upshur, R. E. (2009). Public perceptions of quarantine: community-based telephone survey following an infectious disease outbreak. BMC Public Health, 9:470. Recuperado de: https://doi.org/10.1186/1471-2458-9-470

 

U.S. Departament of Health and Human Services (2017). Office of the Assistant Secretary for Preparedness H. Pandemic influenza plan - update IV. Washington, D.C.: U.S. Departament of Health and Human Services, 52 p.

 

Zulkifli, N.A., Sivapatham, S., Guan, C 2020). Brief psychotic disorder in relation to coronavirus, covid-19 outbreaks: a case report. Malasian Journal of Psiquiatry Ejournal. 29(1): 1-15. Recuperado de: https://www.mjpsychiatry.org/index.php/mjp/article/view/534


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 268, Sep. (2020)