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ISSN 1514-3465

 

Análise da concepção de desenvolvimento humano 

na abordagem pedagógica Saúde Renovada

Analysis of the Conception of Human Development in the Pedagogical Approach Called as Saúde Renovada

Análisis de la concepción de desarrollo humano en el enfoque pedagógico Saúde Renovada

 

Jennifer Aline Zanela*
jezanela@gmail.com

André Malina**

andremalina@yahoo.com.br

Leon Ramyssés Vieira Dias***

leon_mv1@hotmail.com

Ângela Celeste Barreto de Azevedo****

angelaestagio@yahoo.com.br

 

*Professora de Educação Física

do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF

Doutorado em andamento em Educação

pela UNESP, campus Presidente Prudente

Mestre em Educação (UNESP)

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho/UFRJ

**Professor Associado III na Universidade Federal do Rio de Janeiro

lotado na Escola de Educação Física e Desportos no Departamento de Lutas

Doutor em Educação Física

Pós Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ)

Coordenador Adjunto do Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho/UFRJ.

***Mestre em Tecnologia para o Desenvolvimento Social (UFRJ)

Professor de Educação Física na Rede Municipal de Araruama

Mestre em Tecnologia para o Desenvolvimento Social (PPGTDS/UFRJ)

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho/UFRJ
****Professora Associada III na Universidade Federal do Rio de Janeiro

lotada na Escola de Educação Física e Desportos no Departamento de Lutas

Doutora em Educação Física

Pós Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ)

Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho/UFRJ

(Brasil)

 

Recepção: 03/05/2020 - Aceitação: 06/11/2021

1ª Revisão: 26/10/2021 - 2ª Revisão: 03/11/2021

 

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Citação sugerida: Zanela, J.A., Malina, A., Dias, L.R.V., e Azevedo, A.C.B. de (2022). Análise da concepção de desenvolvimento humano na abordagem pedagógica Saúde Renovada. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(285), 17-33. https://doi.org/10.46642/efd.v26i285.2215

 

Resumo

    A presente pesquisa foi realizada a partir da análise da concepção de desenvolvimento humano contida na abordagem pedagógica Saúde Renovada a partir da referência da Psicologia Histórico-Cultural, principalmente a produção de Vygotski. Objetivando verificar as forças motrizes do desenvolvimento em tal abordagem pedagógica,metodologicamente, destacamos textos atribuídos à abordagem pedagógica da Saúde Renovada e analisamos a expressão explícita e implícita em relação ao desenvolvimento humano, identificando as possíveis incursões e apropriações no campo da Psicologia. Como resultado, observou-se que as sistematizações em meados da década de 1980 na Educação Física escolar serviram, em certa medida, para superar a concepção técnico-biológico e esportivista. A concepção de desenvolvimento humano no qual se ancora a abordagem pedagógica Saúde Renovada, entretanto, reproduz a primazia dos aspectos biológicos e hereditários, na qual se estabelece uma compreensão do indivíduo a partir da maturação orgânica e na individualização e naturalização das relações coletivas que redundam na manutenção da ordem social vigente.

    Unitermos: Educação Física. Desenvolvimento humano. Psicologia Histórico-Cultural. Ensino.

 

Abstract

    This research was carried out from the analysis of the concept of human development contained in the pedagogical approach Saúde Renovada from the reference of Historical-Cultural Psychology, mainly the production of Vygotski. Aiming to verify the driving forces of development in such a pedagogical approach, methodologically, we highlight texts attributed to the pedagogical approach of Saúde Renovada and analyze the explicit and implicit expression in relation to human development, identifying the possible incursions and appropriations in the field of Psychology. As a result, it was observed that the systematizations in the mid-1980s in school Physical Education served, to some extent, to overcome the technical-biological and sports conception. The concept of human development in which the Renewed Health pedagogical approach is anchored, however, reproduces the primacy of biological and hereditary aspects, in which an understanding of the individual is established based on organic maturation and on the individualization and naturalization of collective relationships that result in maintenance of the current social order.

    Keywords: Physical Education. Human development. Historical-Cultural Psychology. Teaching.

 

Resumen

    La presente investigación se realizó a partir del análisis de la concepción de desarrollo humano contenida en el enfoque pedagógico Saúde Renovada a partir del referente de la Psicología Histórico-Cultural, principalmente la producción de Vygotski. Con el objetivo de verificar los motores del desarrollo en tal enfoque pedagógico, metodológicamente, destacamos textos atribuidos al enfoque pedagógico de Saúde Renovada y analizamos la expresión explícita e implícita en relación con el desarrollo humano, identificando posibles incursiones y apropiaciones en el campo de la Psicología. Como resultado, se observó que las sistematizaciones a mediados de la década de 1980 en la Educación Física escolar sirvieron, en cierta medida, para superar la concepción técnico-biológica y deportiva. La concepción del desarrollo humano sobre la que se ancla el enfoque pedagógico de Saúde Renovada, sin embargo, reproduce la preponderancia de los aspectos biológicos y hereditarios, en los que se establece una comprensión del individuo a partir de la maduración orgánica y de la individualización y naturalización de las relaciones colectivas que resultan en el mantenimiento del orden social imperante.

    Palabras clave: Educación Física. Desarrollo humano. Psicología Histórico-Cultural. Enseñanza.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 285, Feb. (2022)


 

Introdução 

 

    As sistematizações de Lev Semionovitch Vygotski, para Sampaio, David, Castellani Filho, e Húngaro (2017), buscaram compreender, por meio de mediações com a realidade, o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, diante das características dos homens em circunstâncias específicas de seu tempo histórico e social. Tal assertiva é corroborada, por exemplo, em Martins (2013), Prestes (2010), Duarte (2001), assim como em Zanela (2018), mostrando uma necessária interface entre Psicologia e Pedagogia. Nesse sentido, a discussão sobre desenvolvimento humano torna-se fulcral para a compreensão da finalidade da educação escolar.

 

    Na Educação Física (EF), a discussão sobre o ensino perpassa, direta e indiretamente, as sistematizações sobre o desenvolvimento humano. A abordagem pedagógica com um novo paradigma de aptidão física, denominada Saúde Renovada, objeto de análise do artigo em tela, foi sistematizada inicialmente por Victor Matsudo no final da década de 1970 e início dos anos 1980. A perspectiva de Aptidão Física vinha sendo referência para a Educação Física escolar desde a inclusão dessa área no currículo escolar, como exposto a partir de Castellani Filho (1988). Ainda assim, Matsudo et al. (2000, 2002), Nahas (1995) e também Guedes (1999), apontaram diferenças entre a abordagem pedagógica Saúde Renovada e a perspectiva epistemológica da Aptidão Física que era referência da EF no Brasil antes da década de 1970.

 

    Tais diferenças pretenderam inovar o discurso e a prática a partir de uma preocupação com indivíduos que normalmente eram excluídos do olhar da EF, como os diabéticos, idosos, cardiopatas, pessoas com deficiências e, também, abordaram a discussão da saúde em um caráter mais coletivo. Assim, iniciaram um debate teórico na EF propondo que a relevância da área associava-se à saúde de forma mais abrangente, buscando reverter quadros de doenças gerados principalmente pela falta de atividade física. (Darido, e Rangel, 2008)

 

    Embora a aproximação da EF com a saúde coletiva seja reclamada por Luz (2007), Carvalho (2005) e, recentemente, também Santiago, Pedrosa, e Ferraz (2018) observa-se do ponto de vista histórico que:

    [...] no contexto da Educação Física brasileira, os saberes escolares, do século XIX à década de 80 do século XX, estiveram atrelados à questão da aquisição de hábitos de higiene, dos preceitos patrióticos, dos valores morais, das normas de civilidade, estabelecendo a escola como lugar da regeneração da raça e da saúde. (Oliveira et al., 2017, p. 2)

    De outra forma, ainda historiando, Nogueira, e Bosi (2017) evidenciam uma ascensão do modelo esportivista a partir de meados dos anos de 1960, especialmente com a entrada da Ditadura Militar em 1964. Já Eusse, Almeida, e Bracht (2017), associam particularmente os anos de 1970 a uma mudança de perspectiva para um processo de despedagogização no teorizar da EF e uma compreensão de EF enquanto esporte, em especial quando há o envio de professores para estudos de pós-graduação stricto sensu nos Estados Unidos (com estudos fundamentados nas ciências biológicas).

 

    Dado esse contexto, cabe lembrar que Vitor Matsudo, no Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS), ampliou seu raio de intervenção por meio de programas e pesquisas sobre a saúde e a atividade física, envolvendo a população mais pobre, principalmente a de São Paulo (criando o Programa Agita São Paulo), auxiliado por profissionais dos principais Centros do Brasil e do Exterior, destacando-se o Aerobic Research Center, o Centers for Disease Control and Prevention, o Health Education Authority e do Active Australia. A preocupação que o autor apresentou, portanto, foi para além do individual e implicou em uma visão da saúde ao olhar a sociedade brasileira, colocando a atividade física a serviço da saúde pública. Dessa forma, buscava contribuir na medicina preventiva, por exemplo, para diminuição dos índices de doenças relacionadas à falta da atividade física.

 

    Esse movimento não estava restrito ao Brasil, mas desde aquele momento ganhou força na Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos e Austrália, como pode ser observado em livros e artigos de revistas especializadas na publicação sobre a questão da atividade física para a saúde (Ferreira, 2001). A partir disso, houve junção de vários países para pensar-se a organização específica do Brasil, especialmente em Programas que pudessem relacionar a constituição de projetos para a Aptidão Física e a Saúde no contexto brasileiro.

 

    Com essas e outras ações no Brasil, a perspectiva da saúde, voltada para o desenvolvimento da Aptidão Física, renovou-se, fortaleceu-se e desenvolveu-se, atualizando-se, com autores como Nahas (1989), Guedes (1999), Guedes, e Guedes (1995a, 1995b, 1997). Tal atualização decorreu quando se propuseram a incorporar as novas questões trazidas por Victor Matsudo também no âmbito da EF escolar. Esse novo enfoque em processo de elaboração (Guedes, e Guedes, 1993) atribuiu à EF o papel de organizar uma sequência de experiências educacionais que conduzissem os escolares a optar por um estilo de vida ativo quando adultos e, ainda, prepará-los para a formação de hábitos que os mantivessem, permanentemente, com um estilo de vida ativo.

 

    Nesse sentido, Cardoso et al. (2014) recomendaram a necessidade de um programa de exercícios físicos moderados e vigorosos que sustentassem uma aptidão física em escolares do Ensino Médio como parte de um programa de promoção da saúde. Esta não era é uma recomendação nova. À guisa de referência, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN-EM) já continham que “o desconhecimento dos benefícios fisiológicos das atividades aeróbicas ocasionam o não envolvimento dos alunos com trabalhos de baixa intensidade e longa duração” (Brasil, 1999, p. 81), e demandavam, conforme Gilioli, e Galuch (2014), em trabalho crítico aos PCN-EM, que “além de realizar exercícios físicos, o aluno deve saber quais os efeitos desses exercícios sobre o organismo humano”. (Gilioli, e Galuch, 2014, p.70)

 

    Assim, Darido, e Rangel (2008), mesmo reconhecendo aproximações entre a concepção tradicional da Aptidão Física e a nova concepção da Aptidão Física. Para as autoras, ainda que não rompesse com o paradigma teórico da Aptidão Física apoiado epistemologicamente nas Ciências Biológicas, esse movimento trouxe novos princípios e métodos de intervenção. (Ferreira, 2001)

 

    Dada essa introdução, a perspectiva pedagógica Saúde Renovada mostra-se, ainda hoje, relevante como referência na EF. A partir de outras referências materializadas no contexto da EF, entretanto, é possível colocar em discussão tal concepção apresentada. De acordo com Montealegre (2005), a Psicologia Histórico-Cultural se estrutura a partir da íntima relação e unidade entre o psiquismo e a atividade. Nesse sentido, para essa proposta psicológica, “la actividad es la fuerza motriz que impulsa el desarrollo de la psique” (Montealegre, 2005, p. 34). Além desses aspectos, Smolka, Laplane, e Castro Torres (2017) pontuam que o desenvolvimento humano para a Psicologia Histórico-Cultural é, também, a superação de uma compreensão predominantemente biológica em relação ao indivíduo, já que, para o autor, “la naturaleza del desarrollo humano mudaría desde lo biológico a lo social y cultural”. (Smolka, Laplane, e Castro Torres, 2017, p. 1)

 

    Nesse panorama estrutura-se o seguinte objetivo que norteia a realização da presente pesquisa, qual seja, identificar e analisar a concepção de desenvolvimento humano na abordagem Saúde Renovada para a EF escolar. Para análise e discussão sobre os elementos encontrados nessa abordagem, utilizaremos como referencial teórico-crítico a Psicologia Histórico-Cultural no que se refere ao desenvolvimento humano, eixo central de análise.

 

Método 

 

    Trata-se aqui de uma pesquisa bibliográfica de revisão da literatura (Gil, 2008). Na atualidade, compreende-se a “valorização da pesquisa qualitativa em diferentes áreas do conhecimento. É inegável o crescimento e aceitação da metodologia qualitativa na Saúde Coletiva, [...], mas, também, em áreas tradicionalmente mais “duras”, como a Medicina e a Epidemiologia” (Knauth, e Leal, 2014, p.460). Por isso, embora não haja pesquisa de campo, a referência na presente pesquisa é uma interface de perspectivas, nutrida por um referencial teórico externo ao perfil epistemológico analisado (uma abordagem pedagógica), mas ontologicamente ligado ao objeto de estudo (o desenvolvimento humano na proposta pedagógica).

 

    Nesse sentido, orientados por uma perspectiva da Psicologia – a Psicologia Histórico-Cultural – buscou-se identificar os possíveis vestígios, incidências e desdobramentos da organização pedagógica da metodologia contida na abordagem Saúde Renovada para a compreensão do desenvolvimento humano. Esse processo será realizado a partir da compreensão da abordagem Saúde Renovada, tomando-se como referência as produções de Guedes (1999), Guedes, e Guedes (1995a, 1995b, 1997) e Nahas (1989). Enquanto recorte de autores que discutem e sistematizam a abordagem específica, optamos pelos textos utilizados que são considerados enquanto estruturantes da abordagem da Saúde Renovada como podemos identificar em Palafox, e Nazari (2007), Daolio (1998) e Darido, e Rangel (2008).

 

    Nesse sentido, olhar os fundamentos psicológicos de uma proposição pedagógica auxilia na constituição de uma caracterização epistemológica da abordagem. Desse modo, temos como categoria central a concepção de desenvolvimento humano, tendo como referência teórica para a presente pesquisa a Psicologia Histórico-Cultural, sobretudo nas sistematizações de Vygotski (1986, 1991, 1995, 1996). Através do referencial de análise definido para a presente pesquisa, buscou-se organizar algumas questões fundamentais para serem respondidas através dos textos escolhidos para análise, sendo elas: (1) O que é desenvolvimento? (2) O que produz desenvolvimento? (3) Como o ser humano se desenvolve? (4) E, qual o papel da educação escolar, em especial da EF Escolar, para o desenvolvimento humano? A partir dessas indagações e leitura dos textos, categorizaram-se os seguintes eixos para análise da abordagem pedagógica da Saúde Renovada:

 

Quadro 1. Forças motrizes do desenvolvimento

Referências teóricas estruturantes

Ciências Biológicas

Forças motrizes do desenvolvimento

Maturação

Orgânica

Formação de

Hábitos

Interação com o ambiente

Atividade espontânea

Abordagem pedagógica

Saúde Renovada

X

X

X

X

Fonte: Elaboração própria

 

    A partir do quadro acima foi possível identificar a existência de uma referência teórica predominante em relação à abordagem Saúde Renovada: as Ciências Biológicas. Nesse sentido, ao identificar-se as forças motrizes do desenvolvimento da referida abordagem pedagógica, buscou-se apresentar uma discussão sobre a concepção de desenvolvimento humano que ancora a Saúde Renovada. A partir da matriz de análise, e à luz da Psicologia Histórico-Cultural, foi norteada, à frente, a exposição da presente pesquisa.

 

Resultados 

 

Análise da abordagem Saúde Renovada à luz de Vygotski 

 

    Segundo Nahas et al. (1995), Guedes e Guedes (1995a, 1995b, 1997) e Guedes (1995) existe um objetivo geral para a EF Escolar que parte de uma análise do contexto histórico da modernidade.

    Devido à variedade de situações impostas pela sociedade moderna [...] e as intensas campanhas publicitárias de estímulo à ocupação do tempo livre dos jovens com atividades sedentárias, tem-se limitado a viabilidade de oferta de programas sistematizados direcionados à prática de atividade física em ambiente não escolar. (Guedes, e Guedes, 2001, pp. 33-34)

    O objetivo geral da EF Escolar, dado esse paradigma apresentado, traz uma perspectiva que conduz um trabalho pedagógico orientado para a educação e saúde no qual a EF pode contribuir para possibilitar que os indivíduos futuramente optem por uma vida saudável, a partir da descoberta do prazer e da diversão que o exercício físico pode proporcionar (Nahas et al., 1995; Guedes, e Guedes, 1995a, 1995b, 1997; Guedes, 1995). Os autores apresentam que o índice de doenças tem aumentado, especialmente àquelas relacionadas diretamente ao sedentarismo. Matsudo et al. (2000, 2002) apresentam que a imobilidade tem sido um dos problemas que contribuem para a ocorrência de doenças. O Estado, como colocado pelos autores, não tem investido na medicina preventiva. A mobilidade, portanto, poderia garantir a redução de danos de determinadas doenças. O objeto da EF Escolar, assim, deve ser o movimento humano, para garantir uma vida saudável no futuro, colocando a EF escolar como um espaço para conscientização e promoção da saúde. Nesses termos:

    Nos últimos anos, o reconhecimento das vantagens da prática da atividade física regular na melhoria da qualidade de vida vem despertando enorme atenção quanto à complexa relação entre os níveis de prática da atividade física, os índices da chamada aptidão física e o estado de saúde das pessoas. [...] Portanto, um indivíduo, ao se envolver em programas regulares de atividade física, tende a apresentar melhores índices de aptidão física e, com o aumento nos índices desta, provavelmente tornar-se-á mais ativo. (Guedes, e Guedes, 1995a, p.18)

    Guedes, e Guedes (1995, 2001) apresentam que a participação futura de alunos em programas de EF, enquanto adultos, perpassa pela necessidade deles terem acesso a essas referências durante o período escolar. Nesses termos, os autores verificam a condição das escolas brasileiras no que diz respeito à forma como se organiza o momento pedagógico e o nível de esforço físico dessas aulas. As pesquisas desenvolvidas por Guedes, e Guedes (1995, 2001) foram conduzidas metodologicamente com uma separação por seriação (idade) e sexo. O critério para a divisão e análise, portanto, foi biológico.

 

    O ser humano, nesse aspecto, tem o desenvolvimento “normal” que garantiria, em determinado momento, a possibilidade de realização de atividades e exercícios físicos que posteriormente, poderiam tornar-se hábitos. Esse fato nos apresenta algumas considerações que demarcam a primeira força motriz que conduz ao desenvolvimento: a Maturação Orgânica. Para os autores, portanto, não se faz relevante discutir como, e sobre quais condições, o ser humano se desenvolve, já que essa determinação decorre, em última análise, ao desenvolvimento biológico e pelas influências genéticas.

 

    O processo de biologização do desenvolvimento humano aproxima-se a uma concepção apresentada e criticada por Vygotski (1986). Ao pensarmos aproximações entre a concepção de desenvolvimento implícita na abordagem pedagógica Saúde Renovada identificamos semelhanças com uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem analisada pelo autor soviético. Definida como “a independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem” (p. 23, grifos dos autores), essa perspectiva compreende o desenvolvimento enquanto maturacional, que ocorre de forma linear e organizado a partir de etapas progressivas, tendo como principal guia as determinações orgânicas. Assim “o desenvolvimento deve alcançar certa etapa, com a conseguinte maturação de certas funções, antes que a escola possa fazer a criança adquirir determinados conhecimentos ou hábitos”. (Vygotski, 1986, p. 24)

 

    Levando-se em consideração que a maturação conduz ao desenvolvimento, as funções humanas já estariam dadas previamente, em embrião ou potência. Significa dizer, portanto, que a aprendizagem, e, nesses termos, a educação escolar, não altera o curso do desenvolvimento. Isto é: “A aprendizagem é uma superestrutura do desenvolvimento e, essencialmente não há intercâmbios entre esses dois momentos”. (Vygotski, 1986, p. 25)

 

    Trazendo as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural, Asbahr, e Nascimento (2013) apresentam aproximação da concepção inatista que Vygotski (1986) faz críticas. Nessa perspectiva, o indivíduo é caracterizado pelo determinismo do desenvolvimento humano, através da potencialidade da maturação orgânica hereditária, constitui-se enquanto ser humano. Logo, a condição humana ocorreria pela natureza biológica do indivíduo. Como se pode identificar, nesse caso o desenvolvimento biológico ganha ênfase no processo de organização e compreensão também durante as aulas de EF. Nessa perspectiva, a educação não produziria desenvolvimento, mas ensinaria e formaria comportamentos na medida em que o indivíduo alcançasse determinada condição de desenvolvimento. Já a aprendizagem e os rumos da educação escolar ocorreriam a reboque da maturação orgânica.

 

    Outro ponto que foi elencado como uma força motriz do desenvolvimento para essa abordagem é a Formação de hábitos. Pode-se compreender que a discussão sobre formação de hábitos é um desdobramento daquela concepção na qual há compreensão que o desenvolvimento acontece pelas vias da maturação orgânica – como apresentado anteriormente. Nesses termos os autores apresentam que o objetivo da EF escolar é a formação de hábitos saudáveis.

    [...] a Educação Física deveria proporcionar a aquisição de conhecimentos, estimular atividades positivas, propiciar independência e oportunizar experiências de atividades físicas agradáveis, que permitam a prática continuada, resguardando a percepção de auto competência dos indivíduos. (Nahas et al., 1995, p. 57)

    Analisando a proposição da Saúde Renovada, identificamos que o fundamento utilizado como referência é de que o ser humano constitui-se a partir de escolhas e o indivíduo age mediante um conjunto de hábitos e experiências. A ação do indivíduo perante as diversas esferas da vida, portanto, é perpassada pela maneira como o sujeito faz escolhas e forma hábitos, inclusive na opção por atividades saudáveis em detrimento de uma vida sedentária, que seria o objetivo essencial da EF escolar nessa proposta. Segundo a abordagem Saúde Renovada, o papel da EF seria “ensinar sobre os conceitos básicos da relação atividade física/aptidão física/saúde, levando os alunos a se tornarem bem informados e independentes nesses assuntos e propensos a escolherem estilos de vida mais ativos” (Nahas et al., 1995, p. 58). A mesma caracterização epistêmico-pedagógica pode ser vista em Guedes (1999, p. 1):

    Em uma sociedade, onde significativa proporção de pessoas adultas contribui substancialmente para o aumento das estatísticas associadas às doenças crônico-degenerativas em consequência de hábitos de vida não saudáveis, principalmente no que se relaciona com a prática de atividade física, parece existir fundamento lógico para a modificação da orientação oferecida às aulas de Educação Física para um enfoque de educação para a saúde.

    Nesse caso evidencia-se que a escolha por hábitos é, por fim, individual, decorrente desse processo de decisão por opção, pois sejam comportamentos bons ou ruins, são simplesmente hábitos. Em outro momento, Guedes, e Guedes (1995b) apontam que “o hábito da prática de exercícios físicos se constitui [...] como instrumento fundamental em programas voltados à promoção da saúde, inibindo o aparecimento de muitas alterações orgânicas que se associam ao processo degenerativo” (p. 32). Nesses termos, pode-se observar que a formação e a constituição dos hábitos são uma das forças motrizes para essa abordagem pedagógica que guia o desenvolvimento. Para, além disso, parece que o próprio desenvolvimento humano confunde-se com – ou resume-se à – a formação de hábitos.

 

    Os hábitos constituídos, em continuidade ao que é compreendido pela perspectiva da Saúde Renovada, acompanham a vida e produzem mudanças no comportamento ao longo do tempo. Desse modo, a educação escolar deve ser uma formadora de hábitos. No tocante à EF escolar, o indivíduo no processo de desenvolvimento “eficaz” deve apropriar-se de determinadas atividades e exercícios físicos que o conduzirão a uma vida saudável. A formação do hábito, portanto, é a linha que conduz o desenvolvimento humano, materializado em vivências que proporcionam, além da saúde, um divertimento, um lazer.

 

    Dessa forma, adotar uma vida saudável (sendo um dos objetivos da EF escolar) implica necessariamente em fazer opções, escolhas, que permitam uma vida melhor, antecipando problemas decorrentes de hábitos ruins formados ao longo do tempo. Guedes, e Guedes (1995a) apontam que fazer escolhas não é estático e, por isso, o indivíduo deve estar sempre atento a esse processo, conscientizando-se e reforçando/alterando, seu comportamento. Os autores não tomam como objeto de análise, contudo, como os indivíduos fazem escolhas, ou a maneira que os hábitos se formam. Referem o ser humano como um conjunto vivo de hábitos, que faz escolhas como um processo natural da vida. Assim, a intervenção pedagógica deve:

    [...] proporcionar fundamentação teórica e prática que possa levar os educandos a incorporarem conhecimentos, de tal forma que os credencie a praticar atividade física relacionada à saúde não apenas durante a infância e a adolescência, mas também, futuramente na idade adulta. (Guedes, 1999, p. 3)

    Vygotski (1986) analisa e caracteriza essa compreensão de desenvolvimento humano como um segundo grupo de teorias que se propõem a explicar o desenvolvimento para as quais aprendizagem é desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento torna-se reduzido a um acúmulo de reações ou hábitos:

    Segundo James, “a educação pode ser definida como a organização de hábitos de comportamento e de inclinações para a ação”. Também o desenvolvimento se vê reduzido a uma simples acumulação de reações. Toda a reação adquirida – diz James – é quase sempre uma forma mais completa de reação inata que determinado objeto tendia inicialmente para suscitar, ou então é um substituto desta reação inata [...]. Para James, o indivíduo é simplesmente um conjunto vivo de hábitos. (Vygotski, 1986, p. 25)

    Observa-se, a partir das duas forças motrizes apresentadas anteriormente (maturação orgânica e formação de hábitos), a prevalência das Ciências Biológicas como referência estruturante para o desenvolvimento e os desdobramentos da relação existentes entre aprendizagem e desenvolvimento. De um lado, discute-se a predominância de um desenvolvimento inato, dado pela hereditariedade e, em outro pólo, a intervenção do ambiente (ensino visando à constituição de hábitos) para o desenvolvimento humano.

 

Discussão 

 

    Seguindo a formulação crítica de Vygotski (1986), é possível identificar indícios de fundamentos psicológicos na abordagem da Saúde Renovada articulando duas determinações aparentemente opostas, mas que, em essência, aproximam-se. Essa concepção identificada pelo autor “tenta conciliar os extremos dos dois primeiros pontos de vista, fazendo com que coexistam” (p. 26). Vygotski denomina essa teoria de dualista, pois busca superar as contradições entre a concepção cujos processos acontecem independentemente e aquela que a aprendizagem é desenvolvimento. Daí compreende-se que uma força motriz aparece como desdobramento de outra. Isto é, a concepção inatista do indivíduo que “amadurece” a partir do desenvolvimento biológico condiciona o sujeito, posteriormente, a formar hábitos, pela soma daquilo que está presente no ambiente. O indivíduo seria fruto de uma determinação orgânica, ao mesmo tempo em que poderia constituir hábitos que o coloquem em uma condição de viver.

 

    Referenciado nas contribuições da Psicologia Histórico-Cultural, é necessário pontuar-se implicações dessa concepção de ser humano que a abordagem pedagógica Saúde Renovada faz referência. Como o indivíduo constitui-se a partir da maturação orgânica e sob a lei do desenvolvimento biofisiológico, os aspectos relativos à vida do sujeito possibilitará a escolha por hábitos, conduzindo a comportamentos específicos.

 

    Isto é, a partir da contribuição da formação de hábitos para a constituição do indivíduo, identificou-se outra força motriz decorrente desse processo: Interação com o ambiente. A interação com o ambiente revela-se pela essência dualista da abordagem pedagógica Saúde Renovada. Segundo Guedes, e Guedes (1995a) vários fatores interferem na formação da saúde do indivíduo, como hereditariedade (maturação orgânica), estilo de vida (formação de hábitos), aspectos individuais e condições ambientais. A saúde física é, portanto, o fim a ser atingido pela EF Escolar e a interação com o ambiente será preponderante para a formação de hábitos. Nesses termos, os autores apresentam a importância de programas de EF para possibilitar a prática de exercícios físicos que futuramente promoverão uma vida saudável quando incorporados como hábitos. Isso significa que as condições do ambiente são essenciais na organização e estabelecimento de hábitos. (Nahas et al., 1995; Guedes, e Guedes, 1995a, 1995b, 1997; Guedes, 1995)

 

    Pode-se afirmar, preliminarmente, que a concepção geral de desenvolvimento humano em relação à abordagem pedagógica Saúde Renovada estrutura-se sobre as bases das Ciências Biológicas, inclusive referente à formação de hábitos. Vygotski (1996) aponta que existe na área da Psicologia proposta às quais se podem fazer aproximações com as apropriações tidas pela abordagem pedagógica Saúde Renovada. O sentido comum é que a biologia sobrepor-se-ia à sociologia e a fisiologia sobrepor-se-ia à psicologia. Por isso, apesar de dualista, coadunam-se com propostas que se centram na questão orgânica do desenvolvimento e comportamento humano.

    A psicologia atual começa a compreender que os processos de crescimento não explicam uma parte do desenvolvimento total da criança e que, nos processos mais complexos e específicos do comportamento humano, o crescimento em sentido restrito, apesar de manter seu caráter constituinte no processo de desenvolvimento, só constitui um fator subordinado. (Vygotski, 1996, p. 15)

    Sob um olhar estrutural, observa-se como síntese da concepção contida na abordagem analisada que o olhar ao desenvolvimento humano encerra-se em seu caráter biológico. Segundo Vygotski (1991, 1995), embora a base de constituição do homem decorra, inicialmente, das estruturas biológicas, com o processo de apropriação dos instrumentos culturais, o desenvolvimento passa a ser conduzido a partir e na qualidade [de apropriação] dos elementos produzidos e objetivados nas relações humanas em sociedade. Ao tratar-se dos “exercícios físicos” e da “saúde” em si, corre-se o risco de não inserir relações existentes nas circunstâncias históricas específicas. Daí que, para compreender efetivamente os exercícios físicos e a saúde, não se deve balizar a discussão somente pelo seu caráter biológico e fisiológico, sob risco de compreender o indivíduo com uma linearidade do tipo biológica.

 

    Além disso, ao compreender o desenvolvimento humano como um processo individualizado, decorrente da escolha por determinados hábitos, tal como exposto pela abordagem pedagógica Saúde Renovada, pode-se aferir uma concepção de mundo que reconhece os problemas da realidade como se fossem produzidos pelo comportamento dos indivíduos (entendidos como organismos). Dada essa perspectiva, em uma relação de causa-efeito, ao alterar comportamentos/hábitos tais problemas poderiam também ser solucionados por mudanças individuais. Desse modo, a diminuição do grande número de pessoas com doenças, a partir da prática de exercícios físicos, passa a ser o principal problema da sociedade, e cabe à EF contribuir para minimizá-lo.

 

    A concepção de desenvolvimento da abordagem pedagógica Saúde Renovada reconhece que esse desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com a consequente maturação de determinadas funções. A Psicologia Histórico-Cultural busca elucidar algumas discussões que constituí implicitamente a abordagem pedagógica Saúde Renovada. Em termos gerais, a abordagem pedagógica em análise adota uma concepção de desenvolvimento que coloca a escola com o papel fundamental de fazer com que o estudante adquira determinados conhecimentos e faça a sua conversão em hábitos saudáveis. Já Vygotski (1986) contrapõe a ideia de que a aprendizagem [que seria a conversão dos conhecimentos em hábitos para a vida] só acontece partindo-se de uma etapa específica de desenvolvimento. Nessa perspectiva, na abordagem pedagógica saúde renovada verifica-se que o curso do desenvolvimento precede o da aprendizagem.

 

    Ao inexistir intercâmbios entre a aprendizagem e o desenvolvimento, os processos epistêmico-cognoscentes-biológicos ocorrem isoladamente, pois a aprendizagem segue o desenvolvimento, à medida que, nessa concepção, há necessidade de formação e constituição de propriedades biológicas anteriores ao desenvolvimento da aprendizagem. (Vygotski, 1986)

 

    Assim sendo, o desenvolvimento humano torna-se reduzido a acumulação de reações e, nesse sentido, o trabalho docente reduz-se a “acompanhar” esse processo. Por consequência, tal perspectiva considera as leis do desenvolvimento humano como leis naturais, e o ensino deve tomar isso como referência para estruturar-se. Nessas condições, o ensino não poderia mudar essas leis, devendo apenas adaptar-se a elas. Tem-se, portanto, uma concepção de desenvolvimento humano presente na abordagem pedagógica Saúde Renovada com perspectiva aparentemente naturalizante, produzindo-se um reducionismo do ponto de vista psicológico, pedagógico, filosófico e, inclusive, político na construção das relações sociais presentes na EF.

 

Conclusões 

 

    Com o objetivo de analisar a concepção de desenvolvimento humano referenciada explicita e implicitamente na abordagem pedagógica Saúde Renovada, buscou-se na presente pesquisa trazer contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a EF Escolar.

 

    O desenvolvimento humano a partir das obras de Vygotski (1995, 1996, 2001) apresenta que a formação e o desenvolvimento do indivíduo ocorrem a partir de possibilidades historicamente constituídas que viabilizam a apropriação e objetivação dos elementos mais elaborados da sociedade. Nesse sentido, a qualidade do desenvolvimento do ser humano reflete diretamente às condições coletivas das formas de organização da sociedade.

 

    As forças motrizes do desenvolvimento da abordagem pedagógica Saúde Renovada (maturação orgânica, formação de hábitos, interação com o ambiente, atividade espontânea) apontam para uma aproximação a uma concepção dualista do desenvolvimento (Vygotski, 1986). Essa concepção implica em considerar uma parte do desenvolvimento como um processo independente da aprendizagem o que, em geral, caracteriza aquilo que não pode ser mudado, como as determinações biológicas e maturacionais. De outro modo encontram-se os elementos que podem sofrer contribuições da aprendizagem para o desenvolvimento, o que está refletido nos elementos externos ao indivíduo. (Vygotski, 1986)

 

    A abordagem pedagógica Saúde Renovada reconhece ainda na maturação orgânica, na hereditariedade e nos fatores biológicos, as forças essenciais para o desenvolvimento humano (Guedes, e Guedes, 1995a, 1995b). Esse fato tem uma implicação concreta: ainda que as abordagens se proponham a superar a concepção biologizante na EF Escolar (como objetivou a abordagem Saúde Renovada), os respaldos teóricos nos quais essas abordagens se apoiam, acabam por reproduzir a supremacia dos elementos biológicos em detrimento dos culturais e sociais.

 

    Essa reflexão não visa desconsiderar a questão biológica do processo de desenvolvimento. Dessa forma, não se trata de uma análise de cunho biologicista versus humanista. Vygotski (1995) aponta em seus escritos que a biologia é parte constitutiva do processo de desenvolvimento humano. Todavia, em sua compreensão, não é a estrutura biológica que guia o desenvolvimento, mas é a qualidade das apropriações histórico-culturais que o indivíduo faz ao longo da vida que altera – e produz desenvolvimento – em nível de seu psiquismo, guiando o desenvolvimento biológico. Nessa perspectiva, o ser humano não se torna humano pela base filogenética que possui, mas se humaniza a partir da apropriação da cultura que a humanidade desenvolveu em determinado momento histórico. Ao reconhecer a biologia enquanto cerne em relação ao fundamento de desenvolvimento para a abordagem pedagógica da Saúde Renovada, identificam-se limites desta compreensão à luz da Psicologia Histórico-Cultural pela inversão e predominância do papel da biologia no processo de desenvolvimento.

 

    Por outro lado, a abordagem pedagógica Saúde Renovada aponta algumas reflexões relevantes que não se encontrava na perspectiva higienista de Educação Física, como: o que ensinar? Como ensinar? Para quê ensinar? A quem ensinar? No que concerne às sistematizações da abordagem Saúde Renovada, essas questões estão diretamente relacionadas, respectivamente: 1) Ao conhecimento que deve ser veiculado pela educação; 2) A metodologia de ensino; 3) A forma de organização do ensino; 4) A finalidade com o ensino; 5) Ao projeto de formação que se objetiva na EF Escolar.

 

    Enquanto limitação do presente estudo identifica-se a impossibilidade em abarcar todas as obras, pensadores e pesquisadores que sistematizam avanços e reformulações na abordagem da Saúde Renovada, apontando, assim, que os elementos analisados no presente trabalho estão vinculados à visão epistemológica da abordagem em seu processo inicial de referência enquanto uma possibilidade de orientação para o ensino da EF.

 

    Desse modo, ainda que não tenha sido uma preocupação explícita no desenvolvimento conceitual, a concepção de desenvolvimento humano existente na abordagem pedagógica Saúde Renovada produz desdobramentos pedagógicos. Dessa forma, compreender a concepção de desenvolvimento humano aponta qual indivíduo se pretende formar, o projeto de sociedade e, nesses termos, trata-se do objetivo fundamental da EF Escolar, permitindo, portanto, que o professor, ao fazer o uso pedagógico da abordagem em questão, o faça conhecendo seus fundamentos epistemológicos e a perspectiva teleológica a que se sustenta.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 285, Feb. (2022)