Evolução das academias de ginástica no Brasil e sua relação com a saúde

Evolution of Fitness Centers in Brazil and the Relationship With Health

Evolución de los gimnasios en Brasil y su relación con la salud

 

Alan Camargo Silva*

alan10@zipmail.com.br

Jaqueline Ferreira**

jaquetf@gmail.com

 

*Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva

da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Estudos Sociocorporais

e Pedagógicos em Educação Física e Esportes (NESPEFE/ EEFD-UFRJ)

**Doutora em Antropologia Social pela École des Hautes Études

en Sciences Sociales (EHESS, Paris/.França). Professora Adjunta

do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ)

(Brasil)

 

Recepção: 18/12/2019 - Aceitação: 18/03/2020

1ª Revisão: 21/02/2020 - 2ª Revisão: 17/03/2020

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

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Resumo

    O objetivo do presente trabalho foi compreender como se processou a constituição das academias de ginástica no Brasil enquanto espaços de saúde. Trata-se de uma revisão narrativa que analisou como as representações de corpo bem como inúmeros aspectos de ordem social e econômica foram relevantes nesse processo. Compreender a construção desses espaços de práticas corporais como serviços de saúde significa refletir os próprios pressupostos epistemológicos que compõem a área e as possibilidades e formas de atuação do profissional de Educação Física com seus públicos. Argumenta-se que urge a necessidade de reconhecer e/ou aprofundar os aspectos que caracterizam as academias de ginástica como serviços de saúde permitindo vislumbrar noções de corpo, saúde e doença no contexto brasileiro.

    Unitermos: Academias de ginástica. Atividade física. Educação Física e treinamento. Promoção da saúde. Profissional de saúde. Serviços de saúde.

 

Abstract

    The objective of the present work was to understand how the constitution of gyms in Brazil as health spaces took place. It is a narrative review that analyzed how the representations of the body as well as numerous aspects of social and economic order were relevant in this process. Understanding the construction of these spaces of bodily practices as health services means reflecting the very epistemological assumptions that institutes that market niche and the possibilities and acting skills of the Physical Education professional among their target audiences. It is argued that there is a need to recognize and/or deepen the aspects that characterize gyms as health services, allowing us to get glimpse body, health and disease notions in the Brazilian context.

    Keywords: Fitness centers. Physical activity. Physical Education and training. Health promotion. Health personnel. Health services.

 

Resumen

    El objetivo del presente estudio fue comprender cómo se produjo la constitución de gimnasios en Brasil como espacios de salud. Se trata una revisión narrativa que analizó cómo las representaciones del cuerpo, así como numerosos aspectos del orden social y económico fueron relevantes en este proceso. Comprender la construcción de estos espacios de prácticas corporales como servicios de salud significa reflejar los supuestos epistemológicos que conforman el área y las posibilidades y formas de actuar del profesional de Educación Física con las personas interesadas. Se argumenta que existe una necesidad urgente de reconocer y/o profundizar los aspectos que caracterizan a los gimnasios como servicios de salud, lo que permite vislumbrar las nociones de cuerpo, salud y enfermedad en el contexto brasileño.

    Palabras clave: Gimnasios. Actividad física. Educación Física y entrenamiento. Promoción de la salud. Profesional de la salud. Servicios de salud.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 262, Mar. (2020)


 

Introdução

 

    As academias de ginástica são caracterizadas como instituições que prestam serviços de saúde (http://www.confef.org.br/confef/legislacao/157Silva, 2017a). Tal argumento sustenta-se no registro que determinado estabelecimento privado é enquadrado como um serviço de saúde pela forma com a qual se estabelece a relação profissional-instituição-cliente (Paim, 2018). Assim, tecnicamente, as academias privadas estariam relacionadas ao Sistema de Desembolso Direto, isto é, “[...] o pagamento é feito diretamente do bolso do consumidor (cliente) ao prestador (médico, dentista, psicólogo, psicanalista, etc.), sem intermediários, seja o governo, sejam as empresas dos planos de saúde” (Paim, 2018, p. 75). Nesse sentido, esses estabelecimentos configuram-se como um dos espaços de práticas corporais e de intervenção dos profissionais de saúde do mesmo modo que outras instituições como, por exemplo: clínicas de cirurgias plásticas, centros especializados de nutrição, consultórios odontológicos, farmácias, etc.

 

    No âmbito acadêmico-profissional da Educação Física, mesmo havendo discussões acerca das práticas corporais e atividades físicas no que diz respeito à promoção da saúde (Carvalho & Nogueira, 2016), a problematização sobre como as academias privadas se desenvolveram no país e de que maneiras os formados na área se situam como profissionais de saúde nesses espaços ainda é um debate incipiente na área (Silva, 2017a). Dessa forma, compreender o reconhecimento desses profissionais nesses espaços torna-se imperativo na medida em que cada vez mais a área de Educação Física transita entre o aprimoramento da aptidão física e a compreensão dos determinantes sociais que regem a vida cotidiana e o engajamento à atividade física (Silva, 2017b). Da mesma forma, a importância da atuação dos profissionais de Educação Física no processo saúde-doença da população evidencia a necessidade dos mesmos em envolverem-se cada vez mais em ações de promoção da saúde. Tais ações são mais explícitas no sistema público e integradas ao Sistema Único de Saúde (SUS) (Nogueira & Bosi, 2017; Carvalho & Carvalho, 2018). Igualmente, isso é bem assinalado por Fraga, Carvalho e Gomes (2012/2013) quando discutem as perspectivas para a formação profissional em Educação Física para atuação no SUS e por Carvalho (2019) no momento em que relativiza e pondera sobre as recomendações de atividade física na perspectiva da Saúde Pública. No entanto ainda não é claro qual o lugar das academias de ginástica privadas como espaços promotores de saúde.

 

    Destarte, o objetivo do presente trabalho foi compreender como se deu a constituição das academias de ginástica especialmente nos primeiros anos do século XX, quando as mesmas emergem efetivamente no Brasil (Peres, 2011), problematizando-as como espaços de saúde a partir das representações sociais de corpo, saúde e doença. Trata-se de uma revisão narrativa, em que a seleção e interpretação dos textos estão relacionadas com o interesse e subjetividade dos autores, sem o objetivo de esgotar o assunto. (Rother, 2007)

 

Constituição das academias de ginástica brasileiras

 

    Historicamente, conhecida também como ginásio, centro, espaço, estúdio, escola ou clube, o simples termo “academia” é derivado das tradições filosóficas gregas que se referia a um local de prática de atividades lúdicas e de ginásticas, como pode ser percebido em Platão em 378 a. C. responsável por fundar a Academia em uma homenagem ao herói de Atenas Academos (Capinussú, 2006). Este termo originalmente se estabeleceu no sentido de um espaço para “exercitar o saber” e, em um momento posterior, foi utilizado para se referir ao local de “exercitar o corpo”. Assim, em um primeiro momento, a academia de ginástica desenvolveu-se como uma entidade de condicionamento físico, de iniciação e de prática esportiva de cunho privado. (Capinussú, 2006)

 

    No contexto brasileiro, a academia de ginástica emergiu no início do século XX pela expansão da prática comercial com diferentes iniciativas e modalidades de práticas corporais. Não menos importante, foi o fato de que, neste período, o espaço público deixou de ser seguro e propício para essas práticas (Peres, 2011). Atualmente, embora ainda haja essa tendência de uma “fuga” dos praticantes do espaço público para o privado devido à alta violência urbana (Pitanga, Beck, Pitanga, Freitas, & Almeida, 2014), destaca-se também um movimento inverso em que muitos usuários de academias começam a preferir o espaço outdoor a fim de trocar um “ambiente artificial” ou “urbano” por um dito “natural” ou ao “ar livre”. (Kucera, 2017)

 

    Desde o final do século XIX, as primeiras academias passaram a se referir a espaços de ginástica como clubes esportivos, ensino de natação, lutas e incluindo o modelo atual de práticas de musculação e de exercícios ginásticos (Mendes, 2014). Essas práticas corporais são formatadas a partir da década de 1940, principalmente com o impulso do fisiculturismo prevalecendo até hoje em dia (Souza & Ferreira, 2016). Exemplarmente, o trabalho de Peres e Melo (2014) demonstra o desenvolvimento da ginástica nos clubes do Rio de Janeiro no século XIX.

 

    Nesse período, as academias eram consideradas como “espaços de culto ao corpo” relativos à boa forma ou à beleza e, em segundo plano, como “espaços de saúde”. Isso pode ser visto quando a musculação (na época, conhecida por halterofilismo e culturismo) era o carro-chefe das primeiras academias que, majoritariamente, levavam o nome do dono do estabelecimento (Capinussú, 2006). A substituição do termo por musculação objetivou abranger um público maior que não se interessava por competições ou por elevados ganhos de massa muscular (Furtado, 2009). Ainda nessa época, o conceito de wellness que, a princípio, carrega a noção de saúde, ainda não tinha sido incorporado pelas academias (Furtado, 2009). De acordo com Furtado (2008, p. 22):

    No estágio inicial as academias tinham nomes imponentes que lembravam o excesso de força e músculos dos halterofilistas. Em um segundo estágio as academias apresentam nomes que lembram uma boa condição atlética ou o fitness. No atual estágio, as novas academias apresentam nomes que fazem menção ao bem estar ou ao convívio social [...].

    Essas mudanças de nomenclatura estão associadas a uma determinada representação do corpo que passou pela valorização de uma boa forma e bom desempenho físico até a uma noção de saúde física e sociabilidade, embora ainda consideradas em segundo plano por grande parte da população.

 

    Geralmente, as empresas de fitness surgiam do sonho de profissionais de Educação Física, donos das primeiras academias, halterofilistas, atletas ou pessoas que antigamente estavam envolvidas de algum modo em determinadas práticas corporais (Furtado, 2009; Neves & Tourinho, 2011). As academias iniciaram também com aulas de ginásticas baseadas no modelo sueco em que “partes do corpo” seriam trabalhadas em uma série de exercícios sequenciais, como a musculação vem sendo desenvolvida até os dias atuais. (Peres, 2011)

A expansão das academias acelerou-se em todo o Brasil, sobretudo nos grandes centros urbanos, no período entre 1970 a 1990, o que gerou o engajamento de um número crescente de profissionais em Educação Física (Mendes & Azevêdo, 2014). Peres (2011, p. 114) lembra que as primeiras academias nesse período caracterizavam-se por “[...] pequenos protótipos dos clubes desportivos. Instaladas em casas ou sobrelojas com apenas uma, de que o professor costumava ser o proprietário, seus poucos alunos recebiam um atendimento quase personalizado”.

 

    Entre 1960 e 1970, a proposta do Método Aeróbico de Kenneth H. Cooper, calcada na ideia do jogging pelo seu potencial benefício para a aptidão cardiorrespiratória ou resistência aeróbica e para a composição corporal, foi determinante na divulgação da relação entre se movimentar e a saúde (Zhu, 2018). Kenneth H. Cooper, médico fisiologista da Força Aérea Americana, criou tabelas com a finalidade de orientar a prática de corrida, conhecida hoje como Cooper (Zhu, 2018). Tal iniciativa popularizou-se fortemente e vários médicos passaram a divulgar essa atividade tal como a Revista Veja publicou uma reportagem estimulando a necessidade do ato de se mexer, mais precisamente o correr, acompanhado de conselhos do próprio Kenneth H. Cooper em 1979. A reportagem traz algumas afirmativas como “A cidade grande está empurrando o brasileiro para fora de casa – para correr, andar de bicicleta, fazer ginástica. A forma física está em alta.” (p. 50), “A explosão do esporte e do exercício vai se tornando também um fenômeno de massa”. (p. 50), “Centenas de milhares de brasileiros, em suma, descobriram que um de seus maiores interesses, quando não é o maior, é o próprio corpo.” (p. 50).

 

    É nesta época que os ideais de corpo ditos “naturais”, sem qualquer relação com exercício físico, começaram também a ser vistos como objetos de consumo (Le Breton, 2016). Entretanto, de acordo com Baptista e Zanolla (2016), a noção de beleza natural precisa ser cada vez mais relativizada haja vista que a forma de “ser no mundo” é individual e, por consequência, pode ser um dispositivo de resistência à padronização de estereótipos corporais.

 

    Dessa maneira, no final dos anos de 1980, principalmente pela influência norte-americana da “cultura da corpolatria”, houve a popularização das academias e das atividades de fitness que serviu de espaço, a princípio, para o culto ao corpo (Furtado, 2009). Ory (2008, p. 183-184) aponta que:

    Esse espetáculo da musculatura em todo o seu esplendor [...] encontra sua origem modernas nas práticas (e no comércio) da musculação. Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento se beneficia com a entrada em cena do espetáculo popular e, em primeiro lugar, do cinema de aventuras exóticas ou históricas (Johnny Weissmuller, Steve Reeves, Arnold Schwarzenegger), a partir de dois países que parecem ter dominado o campo, a Itália e os EUA.

    As academias como “espaços de saúde” ainda não tinham um mercado consumidor que buscava os supostos benefícios físico-orgânicos da atividade física. Nesse período, esses estabelecimentos estavam potencializados pelo discurso mercadológico da construção de “corpos belos” e não especificamente de “corpos saudáveis”. Le Breton (2011) sugere que o período dos anos de 1980 foi visto como um tempo de alienação corporal pelo crescimento vertiginoso da indústria da beleza. Nessa época, o termo “malhação” referente ao ato de modelar o corpo de modo regular começou a ser difundido amplamente no Brasil, passando a fazer parte, de maneira definitiva, da vida social dos sujeitos. (Peres, 2011)

 

    Especialmente em algumas capitais brasileiras, a valorização do corpo desde essa época ganhou proporções de larga amplitude e intensidade dando ênfase ao espaço da musculação. Um exemplo foi a cidade do Rio de Janeiro, considerada por muitos autores, a capital de obsessão do culto ao corpo dito perfeito (magro, esbelto, jovem, musculoso, etc.) pela sua natureza tropical e litorânea determinante na exposição da aparência (Malysse, 2007; Leal, Catrib, Amorim, & Montagner, 2010; Goldenberg, 2011). A cidade carioca se constitui como um dos locais mais avançados do mercado fitness, tanto em quantidade quanto pela diversidade de empresas do segmento, tornando-se referência para outras regiões do país (Quelhas, 2012). Alguns trabalhos apontam que a característica geográfica e as condições climáticas propiciam certos cultos ao corpo nesses estabelecimentos de práticas corporais. (Freitas, Silva, Silva, & Lüdorf, 2011; Silva & Ferreira, 2016; Silva, Freitas & Lüdorf, 2019)

 

    Destarte, as décadas de 1980 e de 1990, caracterizadas pelo domínio do corpo no imaginário social (Le Breton, 2016), são marcadas pelas práticas de ginástica de academia, multiplicando e ampliando também os serviços prestados (Furtado, 2009; Quelhas, 2012). Sabe-se que as academias precisam se reinventar constantemente no sentido de acrescentar produtos e serviços novos para seus frequentadores consumidores (Calesco & Both, 2019). Tal variação e modernização dos produtos e serviços oferecidos pelas academias revelam a alta competitividade mercadológica que cerca esse tipo de comércio, haja vista a necessidade do setor de inovar nessa época do “boom” do corpo. Furtado (2008, p. 3) argumenta que esta situação de mercado tornou as academias híbridas, isto é:

    Essa denominação não diz respeito apenas à racionalização do processo de produção e administração da academia, mas também à presença de uma grande diversificação na produção, ocorrida pela necessidade de criar novas modalidades e oferecer, além do consumo de práticas corporais, o divertimento, o entretenimento e o convívio social.

    Apenas na década de 1990, a inatividade física começou a ser considerada um fator de risco primário para a saúde tornando-se um problema de saúde pública (Cooper, 2018). Nessa época, a Educação Física começava a se legitimar no campo da Saúde, porém atrelada a pressupostos epidemiológicos. Castiel, Guilam e Ferreira (2010, p. 61) lembram que discursos como "‘Atividade física é saúde, seja ativo’ e ‘Agite-se, sua saúde agradece’ são sentenças encontradas em estratégias de promoção da atividade física comumente adotadas no Brasil e no mundo ocidental”.

 

    Assim, até os dias atuais, há uma grande repercussão social de que o ato de se movimentar é um dos fatores mais importantes para manutenção da saúde e prevenção de riscos à saúde estimulando assim o fluxo das pessoas para as academias. Entretanto, pela exacerbada preocupação em se exercitar, inúmeras lesões, traumas, estresses, uso de drogas para aliviar a dor ou aumentar o rendimento, especialmente na área de Educação Física, multiplicam os debates em torno do próprio movimento sanitário e suas relações com as práticas corporais (Benedetti, Silva, Silva, & Nascimento, 2014; Gomes, Fraga, & Carvalho, 2015; Farias & Nascimento, 2016; Wachs, Almeida, & Brandão, 2016). Esses aspectos passam a ser interesse também do profissional de Educação Física e consequentemente as academias começam a se enquadrar mais efetivamente como um espaço voltado às práticas de saúde.

 

    O corpo substancial de pesquisas vinculadas ao discurso científico de profissionais de saúde e de especialistas em exercícios físico apontou a ligação direta entre se exercitar e a melhora de uma suposta “boa saúde”, embora ainda não seja de completa evidência a dose-resposta fisiológica de frequência, duração, intensidade e tipo de atividade para determinado objetivo (Carvalho, 2019). Portanto, para além do culto ao corpo, entende-se que a academia nos últimos anos tenta voltar-se à saúde dos sujeitos (Silva, 2017a).

 

    A promoção da atividade física nesses espaços no Brasil serve de modelo para grande parte do cenário mundial (Revista Acad Brasil, 2017). Devido a esta crescente preocupação com o corpo e os riscos à saúde, bem como a ampliação do número de academias no Brasil, o país continua posicionado no segundo maior mercado desses estabelecimentos no mundo (Revista Acad Brasil, 2017). Por isso, a atual expansão mercadológica de produtos médicos para a saúde, a aparência e o bem-estar (Conrad, 2007), pode ser vista também no ramo do fitness, mais precisamente no aumento do número de academias.

 

    Para além da realidade das academias privadas brasileiras, pode-se notar cada vez mais a relevância e o impacto social das academias como “espaços de saúde” nas iniciativas públicas, por exemplo. Nos anos 2000, as aproximações desses estabelecimentos com a saúde se fortaleceram especialmente pela Política Nacional de Promoção da Saúde (Brasil, 2006) e, por consequência, gerando uma série de programas de academias gratuitas para a população (Sá, Dornelles, Cruz, Amorim, Andrade, Oliveira, & Silva et al., 2016).

 

    Em suma, considera-se a academia como um território, palco de relações sociais, indispensável “[...] para investigar a apropriação/dominação do espaço e sua relação com a saúde, de outro, torna-se importante para o planejamento de ações que permitam diminuir os impactos dessa apropriação na vida das pessoas” (Faria & Bortolozzi, 2009, p. 36). Por isso, destaca-se a importância de compreender como estes estabelecimentos “tornam-se espaços de saúde” permitindo vislumbrar noções de corpo, saúde e doença (Ferreira & Fleischer, 2014) e a forma como os profissionais da área de Educação Física envolvidos podem se relacionar com os seus públicos.

 

Conclusões

 

    As academias de ginástica caracterizam-se por um espaço demarcado pelo seu desenvolvimento sociocultural. Em outras palavras, estes tipos de estabelecimentos foram e são construídos processualmente em suas atribuições sociais para/com/no corpo.

 

    Foi possível compreender a constituição das academias de ginástica no Brasil e problematizar o lugar desses estabelecimentos como promotores de saúde. Esse aspecto deve ser especialmente enfatizado no caso das academias privadas por serem essas um importante espaço de mercado de trabalho na Educação Física. Nesse sentido, observou-se que as academias de ginástica brasileiras concretizaram-se enquanto “espaços de saúde” mais efetivamente a partir da década de 1990. Antes desse período, esses estabelecimentos eram compreendidos majoritariamente pela população como “espaços de beleza”. Esse panorama histórico-contextual indica uma “versão” de como diversos discursos e práticas constituíram esses espaços. Em síntese, foi possível notar como a constituição das academias brasileiras estabeleceu-se por inúmeros aspectos de ordem social, cultural, econômica, tecnológica e científica.

 

    Destaca-se, assim, que o panorama aqui delineado acerca da constituição das academias de ginástica brasileiras mobiliza criticamente o que se entende como “espaço de saúde” na área de Educação Física composta por diferentes pressupostos epistemológicos. Estimula-se, portanto, novas investigações e reflexões acerca desses locais de práticas corporais e espaços de sociabilidade que são tão representativos do cenário acadêmico-profissional em Educação Física, especialmente em interface com o campo da Saúde. Igualmente é preciso levar em consideração os diferentes perfis profissionais que permeiam esses espaços de práticas corporais e o seu papel como promotores da saúde, entendendo aqui saúde em um sentido mais amplo do que somente o bem estar físico.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 262, Mar. (2020)