Possibilidades de aplicação da temática afro-brasileira em Educação Física escolar

Possibilities for Applying Afro-Brazilian Themes in School Physical Education

Posibilidades de aplicación de la temática afrobrasileña en Educación Física escolar

 

Joselita da Silva Santiago*

josysantiago3006@gmail.com

Francisco Eraldo da Silva Maia*

eraldo2maia@gmail.com

Arliene Stephanie Menezes de Pereira***

stephanie_ce@hotmail.com

 

*Pós-Graduanda em Ensino de Educação Física Escolar, FAVENI

Graduada em Educação Física pelo Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, IFCE

**Pós-Graduando em Ensino de Educação Escolar, FAVENI

Especialista em Didáticas e práticas de ensino, UNIQ

Graduado em Licenciatura em Educação Física pelo Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, IFCE

Tutor no curso de Educação Física, UNOPAR

***Doutoranda em Educação, UECE. Mestra em Educação Física, UFRN

Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, IFCE

(Brasil)

 

Recepção: 27/11/2019 - Aceitação: 04/04/2020

1ª Revisão: 18/02/2020 - 2ª Revisão: 30/03/2020

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

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Resumo

    O presente artigo buscou compreender como as aulas de Educação Física escolar podem contribuir para a inserção da cultura afro-brasileira por meio de seus conteúdos. Para isso foi traçado como objetivo geral apresentar possibilidades de ensino da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física através dos jogos e brincadeiras. E elencaram-se os seguintes objetivos específicos: identificar o papel da Educação Física na inserção da cultura afro-brasileira na escola; documentar possibilidades de ensino da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física escolar através dos jogos e brincadeiras. Ademais, esclarecemos que o presente texto trata-se de um estudo descritivo exploratório, e no que diz respeito aos processos metodológicos destaca-se que este processo se dividiu em dois momentos; sendo o primeiro de revisão bibliográfica onde realizou-se alguns recortes de estudos sobre a temática. E o segundo momento deu-se através da documentação de informações em diário de campo, durante as aulas de Educação Física na escola de Ensino Infantil e Fundamental Turma da Mônica, na cidade de Tabuleiro do Norte, Ceará. Diante disso enfatizamos que a Educação Física pode contribuir através das vivências e contextualização dos conteúdos para a formação de educandos críticos e com uma postura não preconceituosa. Fazendo com que os educandos se sintam representados e conheçam parte de sua história, por encontrarem neste ambiente uma valorização e respeito à cultura afro-brasileira.

    Unitermos: Lei 10.639/03. Lei 11.645/08. Educação física escolar. Cultura africana.

 

Abstract

    This article sought to understand how school Physical Education classes can contribute to the insertion of Afro-Brazilian culture through its contents. For this purpose, it was designed as a general objective to present possibilities of teaching Afro-Brazilian culture in Physical Education classes through games. And the following specific objectives were listed: to identify the role of Physical Education in the insertion of Afro-Brazilian culture in school; document possibilities for teaching Afro-Brazilian culture in school Physical Education classes through games and play. Furthermore, we clarify that this text is an exploratory descriptive study, and with regard to methodological processes, it is highlighted that this process was divided into two moments; the first being a bibliographic review where some clippings of studies on the theme were carried out. And the second moment took place through the documentation of information in a field diary, during Physical Education classes at the Elementary and Elementary School Turma da Monica, in the city of Tabuleiro do Norte, Ceara. Therefore, we emphasize that Physical Education can contribute through the experiences and contextualization of the contents for the formation of critical students and with a non-prejudiced posture. Making the students feel represented and know part of their history, for finding in this environment an appreciation and respect for Afro-Brazilian culture.

    Keywords: Law 10.639/03. Law 11.645/08. School physical education. African culture.

 

Resumen

    Este artículo intenta comprender cómo las clases de Educación Física en la escuela pueden contribuir a la inserción de la cultura afrobrasileña a través de sus contenidos. Con este fin, el objetivo general fue el de presentar posibilidades para enseñar la cultura afrobrasileña en clases de Educación Física a través de juegos. Se enumeraron los siguientes objetivos específicos: identificar el papel de la Educación Física en la inserción de la cultura afrobrasileña en la escuela; documentar las posibilidades para enseñar la cultura afrobrasileña en las clases de Educación Física escolar a través de juegos. Además, aclaramos que este texto es un estudio exploratorio descriptivo, y con respecto a los procesos metodológicos, se destaca que este proceso se dividió en dos momentos: el primero es una revisión bibliográfica donde se realizaron algunos recortes de estudios sobre el tema; y el segundo momento tuvo lugar a través de la documentación de información en un diario de campo, durante las clases de Educación Física en la escuela de nivel inicial y primaria Turma da Mônica, en la ciudad de Tabuleiro do Norte, Ceará. Por lo tanto, enfatizamos que la Educación Física puede contribuir a través de las experiencias y la contextualización de los contenidos para la formación de estudiantes críticos y con una postura sin prejuicios. Esto hace que los estudiantes se sientan representados y conozcan parte de su historia, al encontrar en este entorno una apreciación y respeto por la cultura afrobrasileña.

    Palabras clave: Ley 10.639/03. Ley 11.645/08. Educación física escolar. Cultura africana.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 263, Abr. (2020)


 

Introdução

 

    A formação do povo brasileiro deu-se a partir da miscigenação de diferentes etnias do mundo todo, além dos povos indígenas que já habitavam as terras tupiniquins; antes mesmo do processo colonizador. Diante desse processo de colonização foram traficados diferentes povos africanos para o Brasil (Silva & Borges, 2014). O tráfico negreiro foi realizado entre os séculos XV ao XIX, no período conhecido como Brasil colonial (ou período colonial) associado a instalação da produção açucareira, com a necessidade de mão de obra para os engenhos e com o genocídio da população indígena.

 

    Ou seja, para as classes dominantes o negro, escravo, mulato era apenas força energética que quando desgastada poderia ser facilmente substituída, além de serem culpabilizados por suas desgraças, já que na concepção das classes dominantes isso era uma característica da raça e não consequência da escravidão ou opressão. (Ribeiro, 1995)

 

    No entanto, é devido a escravização que os povos africanos e seus descendentes que nasceram no Brasil (afro-brasileiros) foram estigmatizados pela classe burguesa, havendo resquícios racistas até os dias atuais. (Silva & Borges, 2014)

 

    Por isso, de acordo com Dantas, Mattos e Abreu (2012) tem surgido nos últimos tempos reivindicações por políticas de reparação organizadas por grupos que foram oprimidos durante algum período da sua história.

    Essas reivindicações envolvem não só os direitos a reparações, como também ao que se convencionou chamar de dever de memória. Ou seja, a garantia, por parte do Estado e da sociedade, de que determinados acontecimentos não serão esquecidos, que continuarão lembrados na memória de grupos e nações e registrados na história do país. (Dantas; Mattos & Abreu, 2012, p. 107).

    Assim, relacionando essa temática a educação, Neira e Nunes (2009, p.16) afirmam que a idealização da escola “fez e continua fazendo da instituição educativa um espaço poderoso de exercício e afirmação etnocêntrica da civilização ocidental e dos ideais econômicos da burguesia”.Os autores nos trazem que a escola é um ambiente de longa jornada de convivência, que tem o intuito de compreender a realidade e formar cidadãos para o presente e consequentemente para o futuro, e por isso questionam qual tem sido o papel da escola na caminhada histórica da humanidade.

 

    Relacionando a temática com a Educação Física, reflexionamos neste estudo sobre o seguinte questionamento: De que forma as aulas de Educação Física escolar podem contribuir para inserção da cultura afro-brasileira por meio de seus conteúdos?

 

    Ademais, nossa pesquisa se justifica diante das afirmações contidas na Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996), que traz que a Educação Física integrada à proposta pedagógica da escola é componente curricular obrigatório da educação básica. Onde tal disciplina deverá abordar os seguintes blocos de conteúdos: o primeiro inclui esportes, jogos, lutas e ginásticas; o segundo contém as atividades rítmicas e expressivas; e o terceiro em que são tratados os conhecimentos sobre corpo (Brasil, 1997).

 

    Soares (2015) afirma que atualmente a Educação Física escolar tem se reduzido aos conteúdos de esportes ou atividades recreativas esquecendo dos demais aspectos que devem ser abordados nas aulas desta disciplina. Ainda de acordo com a autora, os reflexos dessa perspectiva conhecida como tradicional esportivista ainda influenciam as práticas pedagógicas de alguns professores de Educação Física. Já que estes não se aprofundaram nos movimentos renovadores que ocorreram a partir de 1980, que tinha como objetivo contestar as práticas e valores do modelo esportivista. Pois, os professores só se importavam com o fazer, deixando de lado os demais elementos da cultura corporal que continham questões históricas, sociais e culturais. A autora ainda enfatiza que a Educação Física deve se ater também ao atendimento da Lei 10.639/03 (Brasil, 2003) que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, e que foi substituída pela Lei nº 11.645/08 (Brasil, 2008), que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena respectivamente, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Assim, o professor (a) responsável por esse componente curricular conseguirá desenvolver um trabalho que busque superar o racismo.

 

    Portanto, para responder o questionamento norteador da pesquisa traçamos como objetivo geral: apresentar possibilidades de ensino da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física através dos jogos e brincadeiras.E elencamos os seguintes objetivos específicos:

Métodos

 

    Esclarecemos que o presente texto trata-se de um estudo descritivo exploratório, o qual segundo Gil (2008) aponta que objetiva respectivamente descrever as características de uma população ou fenômeno e desenvolver, esclarecer e até modificar ideias e conceitos, buscando a formulação de problemas mais precisos e hipóteses para estudos posteriores.

 

    Já no que diz respeito a coleta de dados, enfatizamos que este processo se divide em dois momentos. Sendo o primeiro de revisão bibliográfica, onde foram realizados alguns recortes de estudos sobre a temática em periódicos que possuíam extrato no Qualis A2, B1 e B2 de 2013 a 2016.

 

    Sendo possível assim obter referencial teórico para o presente texto, além de um arcabouço amplo de atividades a serem vivenciadas pelos educandos. E o segundo momento é a documentação de nossas experiências docentes, discorrendo concomitantemente sobre impressões iniciais dos educandos, que ocorreram na escola de Ensino Infantil e Fundamental Turma da Mônica, na cidade de Tabuleiro do Norte, Ceará. Para este segundo momento, foram registradas em diários, o quantitativo de 4 aulas de 50 minutos, que ocorriam uma vez na semana, ministradas por um dos pesquisadores, nas turmas do 3° ao 5° ano do ensino fundamental. Ainda nos diários eram registrados alguns pontos de destaque como algumas falas e reações dos discentes diante da temática e brincadeiras, que serão expostas no decorrer do texto.

 

    Ademais, os exemplos de atividades encontradas foram transcritas para que os autores foram acrescentando as adaptações e contextualizações que se faziam necessárias para a vivência e compreensão dos jogos e brincadeiras e da realidade do povo africano.

 

    No que concerne à realidade da escola, elucidamos que esta é uma instituição de ensino privada, onde a maioria dos educandos possuem como características predominantes olhos e cabelos claros. Destacamos que entre o quantitativo de 45 alunos nas turmas citadas 9 possuem características de afro descendentes.

 

Resultados

 

    Buscamos realizar uma pesquisa em alguns periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e traçamos como critério de escolha destes periódicos os mesmos possuírem extrato no Qualis A2, B1 e B2 de 2013 a 2016.

 

    Os termos utilizados na pesquisa foram “Cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física” e “Lei 10.639/03” “Lei 11.645/08”. Na tabela abaixo elencamos os nomes das revistas e estudos encontrados acerca da temática abordada na presente pesquisa.

 

Tabela 01. Mapeamento dos achados científicos

Revista Movimento

Africanidade e afrobrasilidade em educação física escolar;

Educação física e a aplicação da lei nº 10.639/03: análise da legalidade do ensino da cultura afro-brasileira e africana em uma escola municipal do RS.

Revista Motricidade

Nenhum estudo

Revista Brasileira de Ciências do Esporte

Aplicação das leis 10.639/03 e 11.645/08 nas aulas de educação física: diagnóstico da rede municipal de Fortaleza/CE;

Mojuodara: uma possibilidade de trabalho com as questões étnico-raciais na educação física.

Revista Motrivivência

Nenhum estudo

Motriz: Revista de Educação Física

Nenhum estudo

Fonte: Elaboração própria

 

    Na Revista Movimento encontramos 2 estudos, o primeiro “Africanidade e afrobrasilidade em educação física escolar” traz uma pesquisa qualitativa que examinou as representações dos professores e educandos de uma escola municipal do Rio de Janeiro acerca das relações étnico-raciais. Ao final do estudo, os autores constataram que alguns dos professores entrevistados não conheciam a Lei 10.639/03.

 

    Já o segundo estudo encontrado também na Revista Movimento intitulado de “Educação física e a aplicação da lei nº 10.639/03: análise da legalidade do ensino da cultura afro-brasileira e africana em uma escola municipal do RS”. Este aborda,como o próprio título traz, sobre a legalidade do ensino da cultura afro-brasileira através da aplicabilidade da lei 10.639/03. Assim, os autores chegaram à conclusão que esta lei representa uma política educacional que legitima uma classe social, propondo ainda uma maior inclusão desta na sociedade.

 

    Outros 2 estudos foram encontrados na Revista Brasileira de Ciências dos Esportes. O primeiro intitulado de “Aplicação das leis 10.639/03 e 11.645/08 nas aulas de Educação Física: diagnóstico da rede municipal de Fortaleza/CE”, o qual buscou analisar o conhecimento e aplicação das Leis 10.639/03 e 11.645/08. A pesquisa se baseou através dos resultados obtidos por aplicação de questionários online com professores da rede municipal de educação de Fortaleza. Os autores identificaram que a maioria dos docentes não sabiam do que se tratavam as respectivas leis, e mesmo sem esse conhecimento, alguns ainda aplicavam a temática; e afirmavam que esta faz parte da disciplina de Educação Física.

 

    O segundo estudo intitulado “Mojuodara: uma possibilidade de trabalho com as questões étnico-raciais na educação física” é parte de uma dissertação, e buscou apresentar uma discussão sobre as possibilidades do trato com as questões étnicas nas aulas de Educação Física. O artigo ainda relata a experiência de um docente da rede municipal de Porto Alegre que se utilizava dos valores civilizatórios afro-brasileiros como metodologia de trabalho para estruturar sua prática pedagógica.

 

    Diante dos estudos encontrados e expostos acima, destacamos a importância desta pesquisa para a Educação Física, pois além da discussão acerca da cultura afro-brasileira nas aulas desta disciplina, também abordamos de forma breve as iniciativas que se relacionam com a criação e implantação das Leis 10.639/03 e 11.645/08. Ademais, disponibilizamos aos leitores um arcabouço de atividades que podem ser aplicadas através do conteúdo de jogos e brincadeiras nas aulas de Educação Física.

 

Discussão

 

Educação Física e a cultura afro-brasileira na escola

 

    Para compreendermos a relevância da Educação Física na inserção da cultura afro-brasileira na escola precisamos, mesmo que de forma breve, analisar algumas iniciativas que antecederam a chegada desta temática na escola.

 

    Portanto, destacamos que foi somente a partir do ano de 1950 que o governo, diante do seu “dever de Estado”, começou a tomar iniciativas no que dizia respeito ao povo que foi oprimido durante parte de sua existência no Brasil. (Dantas, Mattos & Abreu, 2012)

 

    Então, em 1951 foi criada a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390) que apontou o preconceito racial como contraversão penal e mais à frente em 1985 esta foi ampliada inserindo a discriminação por sexo ou estado civil também como contraversões penais, passando a ser chamada de Lei Caó (Lei n° 7.437). (Dantas, Mattos & Abreu, 2012)

 

    No entanto, buscando relação dessas iniciativas com a educação, destacamos que foi através da Constituição Federal de 1988 que ficou mais nítido que a educação deveria ser igual para toda a população e que esta é direito de todos sendo dever do Estado e da família. Foi através da Constituição Federal que se tornou possível enxergar a necessidade de implementar medidas que também valorizassem a diversidade étnica e cultural brasileira. (Pires & Souza, 2015; Dantas, Mattos & Abreu, 2012)

 

    Ainda no que tange à educação, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com a qual podemos destacar os princípios que devem servir de base para o ensino como igualdade, para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, a valorização do profissional da educação escolar, dentre outros que podem ser encontrados na referida Lei. (Pires & Souza, 2015)

 

    Em janeiro de 2003, durante o governo do Ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva houve a regulamentação da Lei 10.639 que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira. (Pires & Souza, 2015; Dantas, Mattos & Abreu, 2012)

 

    Para isso, acrescentou-se o seguinte artigo:

    Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

 

    § 1º. O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Brasil, 1996)

    Já no que diz respeito à Lei nº 10.639/03 (Brasil, 2003), Gomes (2011) afirma que é de suma importância compreendermos a força e o caráter desta Lei, pois ela se trata de uma alteração na LDB, ou seja sua regulamentação possui uma abrangência nacional devendo estar presente tanto nas escolas públicas quanto nas privadas.

 

    Ademais, em 2008 surgiu a Lei 11.645 que altera a Lei 9.394/96 modificando a Lei 10.639/03 inserindo além da cultura africana a história e cultura dos povos indígenas de forma obrigatória nas escolas públicas e privadas. (Brasil, 2008)

 

    De forma mais específica, no que se refere à Educação Física, é também no artigo 26, § 3º da LDB de 1996 que a Educação Física passa a ser considerada componente curricular da Educação Básica, devendo assim ser exercida durante toda a escolaridade. (Brasil, 1997)

 

    Ademais, a Educação Física é considerada uma disciplina capaz de fornecer aos educandos subsídios em diversas perspectivas, como por exemplo responsabilidade social, ambiental, relacionamento socioafetivo, dentre outros, ou seja, é uma disciplina de extrema importância na formação do aluno (Fraga & Fernandes, 2016). Sendo a Educação Física responsável

    [...] por tematizar a cultura corporal de movimento, abre espaço para que se pense em elementos dessa cultura, originários da África e sua diáspora, que possam ser problematizados em suas aulas, como forma de atender aos anseios da Lei n° 10.639/03 [...] (Pereira et al., 2019, p. 3)

    Isso pois, segundo o documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física, esta disciplina permite que

    [...] se vivenciem diferentes práticas corporais advindas das mais diversas manifestações culturais e se enxergue como essa variada combinação de influências está presente na vida cotidiana. As danças, esportes, lutas, jogos e ginásticas compõem um vasto patrimônio cultural que deve ser valorizado, conhecido e desfrutado. Além disso, esse conhecimento contribui para a adoção de uma postura não preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e expressões dos diferentes grupos étnicos e sociais e às pessoas que dele fazem parte. (Brasil, 1997, p.28-29)

    Diante das afirmações acima podemos compreender o importante papel que a Educação Física tem na inserção da cultura afro-brasileira na escola, pois esta irá possibilitar diversas vivências que contribuirão na formação dos educandos, desde os aspectos motores até os sociais e afetivos.

 

    Além disso, essas experiências são a possibilidade da contextualização de uma cultura ainda desconhecida para alguns educandos, que contribuirá para formação de uma postura não preconceituosa perante as diversas manifestações culturais que fazem parte do nosso país. Já que de acordo com Fraga e Fernandes (2016, p. 18) a “escola muitas vezes acaba refletindo e perpetuando o modelo monocultural, ou seja, a cultura do branco, muitas vezes negando a contribuição e deixando de valorizar a cultura de outras raças”. Fazendo com que as crianças de origem afro-brasileira não se sintam representadas, mas excluídas ou não pertencentes a este ambiente, já que não encontram referências ligadas à sua cultura e origem.

 

Possibilidades de jogos e brincadeiras referentes à cultura afro-brasileira e africana

 

    Diante da obrigatoriedade de inserir a história e cultura afro-brasileira na escola surge a necessidade de se buscar alternativas para expor este conteúdo nas aulas. Os jogos e brincadeiras são uma possibilidade de imersão na cultura do povo africano, pois, através da ludicidade, os jogos irão permitir um desenvolvimento do conhecimento e diversidade cultural.

 

    A escolha do conteúdo jogos e brincadeiras também foi baseada na afirmação de Trindade (2016, p. 3) de que com os avanços da tecnologia

    [...] nossa sociedade moderniza-se em uma velocidade maior que a décadas passadas, e os jovens, de hoje, procuram novas maneiras de divertimento, pautados nas facilidades tecnológicas, tais como: vídeo games, computadores, celulares, que estão cada vez mais avançados, e que oferecem os mais diversos atrativos à diversão e interação com o imaginário. Esses novos comportamentos, voltados ao entretenimento, tem afastado as crianças das brincadeiras tradicionais e antigas, tais como: pular elástico, pular amarelinha, pular corda, mãe da rua, queimada, bugalha, peteca, alerta, etc.

    Outrossim a autora esclarece que resgatar os jogos e brincadeiras africanas mostrará aos educandos que ainda existem outras formas de diversão e com mais vantagens, como por exemplo os benefícios motores, psicológicos e sociais.

 

    Antes de passarmos para a descrição das atividades destacamos que as mesmas foram realizadas na Escola de Ensino Infantil e Fundamental Turma da Mônica, uma escola privada localizada na cidade de Tabuleiro do Norte, Ceará, com educandos do 3º, 4º e 5º do fundamental I, ou seja, a faixa etária dos sujeitos era entre 8 a 10 anos, cada turma contendo uma média de 15 educandos.

 

    Portanto, na primeira aula, foi feito uma avaliação diagnóstica com os educandos em relação a temática. Para este cenário foram realizadas as seguintes indagações: “Vocês já ouviram falar do continente Africano?” “No Brasil existem pessoas de origem africana?” “Como elas chegaram até o Brasil?” “Vocês possuem origem africana?”. Dentre outras, para que fosse possível compreender até que ponto os educandos já tinham ouvido falar desta temática.

 

    Diante das perguntas acima, pode-se notar que as compreensões que os sujeitos tinham acerca da temática haviam sido construídas nas aulas de história e geografia, além disso, poucos foram os que citaram ter familiares afro descendentes na família.

 

    Feito isso, explicamos que as aulas seriam dedicadas ao trabalho dos jogos e brincadeiras africanas, juntamente com diversas contextualizações que permitiriam aos educandos compreender a origem das vivências que iriam ter.

 

    O primeiro jogo vivenciado é intitulado de “Terra e mar”, mas antes foi realizada uma breve contextualização, explicando como os africanos eram traficados para o Brasil, dentro de navios negreiros em condições degradantes. E como eram forçados a essa viagem que durava mais de 40 dias, onde muito deles preferiam pular do navio em alto mar. (Boelter, 2016)

 

    No momento da apresentação do contexto da brincadeira muitos sujeitos questionavam à educadora se seria uma aula de História ou de Educação Física, já que estes haviam visto toda essa parte histórica nas aulas do componente curricular já citado. Então a docente buscou enfatizar antes de cada atividade que todas as informações eram de extrema importância para a compreensão da criação e realização dos jogos.

 

    Portanto, relacionando a contextualização à brincadeira, a educadora fez um traço reto no chão, onde de um lado foi colocado a palavra “terra” e do outro “mar”.Todos os educandos ficam de um lado do traço e devem mudar de acordo com a orientação da educadora, que irá falar as palavras “terra” e “mar” de forma alternada.

 

    Quando algum educando errava a educadora tinha a opção de tirá-lo da brincadeira, porém durante a experiência preferiu-se fazer perguntas sobre a temática ou colocar uma atividade alternativa,em que ao realizar o sujeito voltaria para o jogo.

 

    O segundo jogo que os educandos experenciaram foi a “Amarelinha africana” também denominada de “Teca teca”, que enfatiza também a influência musical que os africanos trouxeram para o Brasil. (Boelter, 2016)

 

    A brincadeira consiste em desenhar ou usar fita para fazer um quadrado grande no chão, e dentro deste mesmo quadrado são desenhados mais 16 quadrados pequenos. Diferente da nossa amarelinha, esta não é necessariamente competitiva e utiliza música. Ela pode ser realizada em duplas onde cada sujeito fica em uma ponta do quadrado; no entanto, um sendo a diagonal do outro, devendo assim realizarem os movimentos até que consigam finalizar os quadrados e saírem da amarelinha. Existem diversas variações desta brincadeira, onde inclusive na África ocorrem festivais.

 

    O terceiro jogo contou também com uma contextualização. A educadora utilizou recursos tecnológicos (data show e computador) para expor vídeos de locais e pontos turísticos do continente africano, pois essas informações seriam utilizadas no jogo intitulado de “Fui à África”. No qual os educandos ficam em círculo e o docente que conduz a brincadeira diz “Fui à África e vi uma pirâmide”. Em sentido horário no círculo, o educando deve repetir o que foi dito e em seguida dizer o que ele viu na sua viagem à África. E assim, a brincadeira segue sucessivamente. A intenção é que os educandos relembrem os lugares que viram durante a contextualização além de trabalhar a memória dos discentes. (Novais, 2008 apud Fraga; Fernandes, 2016)

 

    Um ponto que merece destaque diante dessa brincadeira, é que durante a contextualização muitos dos sujeitos questionaram se as imagens eram mesmo do continente Africano, já que nunca tinham visto durante os estudos as pirâmides, parques, safaris, etc. Ou seja, esse momento proporcionou aos educandos um maior conhecimento do continente.

 

    Além disso, no momento final das aulas a educadora reunia os alunos em um roda de conversa para discutir sobre as atividades, momento dedicado aos relatos dos educando e avaliação da aula.

 

    Nesse momento, os sujeitos relataram que gostaram das atividades e não tiveram dificuldades em realizar nenhuma. Esclareceram ainda que não haviam vivenciado nenhum dos jogos expostos, no entanto, enfatizaram que a brincadeira “terra e mar” lhes trouxeram lembrança da brincadeira “vivo ou morto”. Destacamos ainda que durante as aulas não houve nenhum episódio de preconceito ou rejeição dos jogos por parte dos alunos.

 

    Por fim, salientamos que essas vivências podem ser adaptadas de acordo com cada realidade. Ensejamos aqui apenas algumas possibilidades, existindo inúmeros jogos e brincadeiras de origem africana e afro-brasileira, e ou outros jogos em que podem ser contextualizados aspectos sociais, culturais e políticos dessa temática.

 

Conclusões

 

    A partir daqui tecemos nossas considerações em relação ao que foi discorrido durante a presente pesquisa. Identificamos o papel da Educação Física na inserção da cultura afro-brasileira, que diante dos autores mencionados pudemos compreender que esta, por ser responsável por uma amplitude de conteúdos possui diversas formas de se trabalhar a história e cultura afro-brasileira.

 

    Além disso, a Educação Física pode contribuir através das vivências e contextualização dos conteúdos para a formação de educandos críticos e com uma postura não preconceituosa. Fazendo com que os educandos se sintam representados e conheçam parte de sua história, por encontrarem neste ambiente uma valorização e respeito a sua cultura.

 

    A partir da exposição das brincadeiras que foram trazidas neste texto documentamos algumas possibilidades com a temática étnico-racial em Educação Física escolar, não para que sejam seguidas de forma rígida ou na mesma ordem que foram descritas, mas para que possamos ampliar o acervo de uma temática ainda pouco explorada na área; servindo de base para que os professores saibam que é possível trabalhar a história e cultura africana e afro-brasileira em suas aulas.

 

    Acreditamos ainda, que é de suma importância a ampliação de pesquisas acerca desta temática, pois vimos diante dos estudos encontrados nas revistas que as Leis10.639/03e 11.645/08 ainda são pouco discutidas no campo da Educação Física, fazendo com que poucos docentes saibam como inserir história e cultura africana e afro-brasileira na escola.

 

Referências

 

Boelter, S. T. S. (2016). O uso de jogos de origem africana e afrodescendentes como estratégia pedagógica nas aulas de educação física. In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. Governo do Estado do Paraná, Secretária de Educação. Paraná.

 

Brasil, S. E. F. (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro07.pdf

 

Brasil. (1996). Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

 

Brasil (2003). Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm

 

Brasil (2008). Lei 11.645, de 10 de marco de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm

 

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Fraga, S. O.; Fernandes, E. V. (2016). Influência das aulas de educação física em relação à cultura afro-brasileira com alunos da educação básica no município de Jacarezinho – PR. In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. Governo do Estado do Paraná, Secretária de Educação. Paraná.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 263, Abr. (2020)