Primeira geração de estudantes do curso de Pedagogia

First generation of students of the Pedagogy course

Primera generación de estudiantes del curso de Pedagogía

 

Josiel da Rosa Moura*

eh.josielmoura@hotmail.com

Fabio Assis Darski**

fabiodarski@gmail.com

 

*Mestre em Educação PUCRS. Especialista em Educação para Sustentabilidade

Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, UERGS

**Especialização em Atendimento Educacional Especializado

Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, UERGS

(Brasil)

 

Recepção: 14/04/2019 - Aceitação: 27/10/2019

1ª Revisão: 20/09/2019 - 2ª Revisão: 19/10/2019

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

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Resumo

    O presente artigo tem como objetivo compreender como se constitui o perfil da primeira geração de egressos do curso de Pedagogia de instituições públicas e privadas, bem como compreender o que revelam quanto à escolha do curso, as dificuldades e o que representou para si e suas famílias ser a primeira pessoa a concluir o curso superior. Trata-se de uma pesquisa exploratória apoiada em estudo de caso, de natureza qualitativa por utilizar dados não mensuráveis; como instrumentos de coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas tendo como metodologia de análise a Análise Textual Discursiva, a partir da qual foram constituídas categorias. Os dados nos revelaram que o processo de democratização da educação vem transformando o perfil e o campus universitário, no entanto esses alunos carecem de inúmeras políticas afirmativas para manterem-se estudando, além disso apresenta uma dicotomia no acesso a cursos destinados as camadas populares e as favorecidas.

    Unitermos: Primeira geração. Pedagogia. Democratização. Ensino Superior. Trabalho docente.

 

Abstract

    This article aims to understanding how the profile of the first generation of graduates of the Pedagogy course of public and private institutions is understood, as well as to understand what they reveal about the choice of course, the difficulties and what they represented for themselves and their families to be the first person to complete college. This is an exploratory research supported by a case study, qualitative in nature because it uses non-measurable data; as instruments of data collection were used semi structured interviews having as methodology of analysis the Discursive Textual Analysis, from which categories were constituted. The data revealed to us that the process of democratization of Education has been transforming the profile and the university campus, however these students lack numerous affirmative policies to keep studying, besides presenting a dichotomy in the access to courses destined to the popular classes and the favored.

    Keywords: First generation. Pedagogy. Democratization. Higher Education. Teaching work.

 

Resumen

    El presente artículo tiene como objetivo comprender cómo se constituye el perfil de la primera generación de egresados ​​del curso de Pedagogía de instituciones públicas y privadas, así como comprender lo que revelan en cuanto a la elección del curso, las dificultades y lo que representó para sí y sus las familias ser la primera persona en completar los estudios superiores. Se trata de una investigación exploratoria apoyada en un estudio de caso, de naturaleza cualitativa por utilizar datos no mensurables; como instrumentos de recolección de datos se utilizaron entrevistas semiestructuradas teniendo como metodología el Análisis Textual Discursivo, a partir del cual se constituyeron categorías. Los datos revelan que el proceso de democratización de la educación ha estado transformando el perfil y el campus universitario; sin embargo, estos estudiantes carecen de numerosas políticas afirmativas para seguir estudiando, además de presentar una dicotomía en el acceso a los cursos destinados a las clases populares y a las favorecidas.

    Palabras clave: Primera generación. Pedagogía. Democratización. Enseñanza Superior. Trabajo docente.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 258, Nov. (2019)


 

Introdução

 

    Minha força esta na solidão. Não tenho medo de chuvas tempestivas nem 

de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

(Clarice Lispector)

 

    Iniciamos esta introdução com a epigrafe extraída do poema de Clarice Lispector pois vivemos tempos de crescente instabilidade no cenário político nacional, os quais colocam em jogo importantes avanços no que tange o acesso de estudantes oriundos das camadas populares ao Ensino Superior, apesar desses projeto neoliberal subserviente da classe empresarial, não teremos medo, nem nos calaremos. No ano de 2014 o Ministério da Educação apresentou 20 metas para serem alcançadas na próxima década, que visam à melhoria da educação em todos os seus níveis e o acesso a população, entre as quais destaca-se a meta número 12, a qual prevê democratização do acesso à educação superior, com inclusão e qualidade.

 

    O Plano Nacional de Educação (2001-2010) estabelecia, para o fim da década, o provimento da oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da população de 18 a 24 anos. Apesar do avanço observado, o salto projetado pela Meta 12 do novo PNE de 2014, define a elevação da taxa bruta para 50% e da líquida para 33%.

 

    A ampliação das vagas para a educação superior para pessoas tidas como em “desvantagens iniciais” coloca uma nova situação para as IES, ou seja, a diversidade do perfil estudantil, com uma pluralidade social, cultural, racial, cognitiva, ideológica, dentre outras no contexto acadêmico. Neste sentido, este estudo visa contribuir para ressaltar a importância da democratização do Ensino Superior a qual precisa ser compreendida e consolidada como uma conquista social fundamental na diminuição das desigualdades sociais existentes no Brasil.

 

    Morosini e Felicetti (2019, p.106) destacam que no ENADE-2015, participaram 549.487 concluintes dos quais 32,4% foram considerados estudantes de P-Ger. Em 2016, participaram do ENADE 216.044, dos quais 38,8% eram de primeira geração. Do ENADE-2017 participaram 537.436 concluintes, dos quais 34,1% corresponderam a estudantes de primeira geração.

 

    Estudos realizados, primeiramente nos Estados Unidos, e em seguida no Brasil, destacam a importância de pesquisas sobre estudantes que representam os primeiros de sua família a entrarem para a universidade. De acordo com Somers, Woodhouse e Cofer (2004) há, em seu país, duas razões importantes para que esses estudos sejam realizados:

    Primeiro com a mudança de subvenções para empréstimos como a principal fonte de ajuda financeira federal, há um aumento da consciência de que a carga de empréstimo pode ser insuportável para estudantes de baixa renda. A segunda razão é que, com a análise jurídica de bolsas para acessos da população minoritaria, através de ações afirmativas para o ingresso desses alunos, está sendo buscada uma ação que substitua o que se tem tido para facilitar o acesso de pessoas de outras etnias. (Somers et al., 2004, p.419)

    O estudo citado demonstra além do acesso de alunos de primeira geração na universidade, fatores como a persistência desta população específica para continuarem os estudos, em comparação com a população contínua de alunos; suas aspirações, realizações e sua experiência nos quatro anos de faculdade.

 

    Outro estudo que trouxe informações significativas que poderão orientar ou, pelo menos, servir de parâmetro aos estudos a serem realizados no Brasil, foi feito pelo Instituto de Ciências da Educação do Departamento de Educação Americano e relatado por Chen e Carrol (2005). No relatório de pesquisa é destacada a visível desvantagem que os estudantes que são os primeiros de suas famílias a entrarem para o ensino médio, ou a universidade, têm, quando comparados aos demais estudantes.

    Pesquisas recentes têm gerado um significativo corpo de conhecimento sobreos estudantes que sãoos primeiros membros da sua família a frequentar a universidade (referido como "estudantes de primeira geração" neste relatório). Os resultados mostram queesses estudantesestão em clara desvantagemno acesso à educação pós-secundária. Mesmo aqueles que conseguem superar as barreiras e se matriculam tem dificuldade em permanecer na instituição e conseguir o diploma. (Chen & Carrol, 2005, p. 5)

    No Brasil o que se observa é que são implementadas ações governamentais para facilitar o acesso e permanência dos estudantes de baixa rendaem universidades públicas e privadas. Para isso são utilizados programas de Governo como SISU - Sistema de Seleção Unificada- que utiliza as notas do Enem – Exame Nacional de Ensino Médio - como forma de seleção parcial ou integral para ingresso na universidade; o PROUNI - Programa Universidade para Todos – que oferece, para estudantes de baixa renda, são bolsas de estudo integrais ou parciais - quando o estudante precisa arcar com 50% das mensalidades do curso - em faculdades ou universidades particulares e o FIES -Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior- destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas.

 

    As ações do Governo Brasileiro, definidas como ações afirmativas, incluem a implementação de cotas, assim cada vez mais ingressantes são de primeira geração, oriundos de famílias baixa renda, negras ou indígenas. Conforme analisa Ristoff (2014, p. 724):

    Nas duas últimas décadas, a educação superior brasileira foi marcada por forte expansão sob todos os aspectos: cresceu o número de instituições, de cursos, de vagas, de ingressantes, de matrículas e de concluintes. (...) Nos doze anos dos governos Lula-Dilma, o crescimento se manteve constante, embora em ritmo mais moderado, e mais em sintonia com as políticas globais de inclusão social, passando a expansão a estar visceralmente associada à democratização do campus brasileiro e orientada por um conjunto de políticas estruturantes implantadas nos últimos anos.

    Estudantes de primeira geração acabam por serem contemplados por essas políticas governamentais, pois muitas vezes, como mostra a pesquisa ora relatada, suas famílias não cursaram os estudos superiores por dificuldades de acesso às instituições públicas –concentradas em cidades de médio e grande porte – ou por restrição do acesso às instituições privadas devido às dificuldades econômicas.

 

    Inicialmente, pretendemos demonstrar a relevância da consolidação do processo de democratização do Ensino Superior como uma conquista social que promove a diminuição das desigualdades sociais e a ascensão da classe trabalhadora a espaços antes ocupados apenas por uma pequena parcela da população favorecida por melhores condições econômicas os quais foram condicionados desde o início da Educação Básica a estarem preparados para os mais disputados cursos e para as carreiras profissionais mais lucrativas. Nesta perspectiva, é necessário compreender as demandas ainda existentes no sentido de ampliar cada vez mais as possibilidades de entrada e permanecia dos sujeitos pertencentes a camadas populares ao Ensino Superior.

    La universidad, si no crea es que repite y solo puede aspirar a mantenerse em una especie de stand by de mera reproducción de procesos formativos desalineados de las necesidades y demandas de una sociedad cada vez más exigente. (Zabalza, 2015, p. 172)

    A partir da citação de Zabalza (2015), compreendemos que o Ensino Superior precisa manter-se em crescente inovação, mesmo em um contexto de crise econômica e instabilidade política, como o que estamos vivendo atualmente. É de extrema urgência que as Universidades e seus representantes intelectuais posicionem-se em defesa de melhorias e avanços favoráveis ao processo de formação, acesso e permanência ao Ensino Superior.

 

    Deste modo é nas universidades que poderão surgir importantes debates acerca das necessidades reais que se apresentam dentro do cenário educacional, compreendendo a lesividade das intervenções políticas que visem à diminuição dos recursos investidos na qualidade do ensino, e que ponha em risco o processo de democratização do Ensino Superior o qual necessita consolidar-se como um patrimônio sociocultural o qual necessita estar em constante evolução.

 

    As primeiras políticas de cotas de acesso à universidade para a população negra e parda foram implementadas a partir de 2001, através da Lei 3.078 quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro aderiu a tais políticas a fim de possibilitar o início do processo de democratização do Ensino Superior através do acesso destas minorias identitárias até então excluídas deste nível de ensino.

 

    Além do sistema de reserva de vagas referido acima existem outras ações baseadas em critérios socioeconômicos através do qual os estudantes oriundos de escolas públicas recebem uma bonificação sobre a nota do vestibular para que atinjam a pontuação necessária para que tenham acesso ao ensino superior. A Universidade de São Paulo (USP) recorre a este modelo para promover a inclusão social de estudantes de baixa renda.

 

    Em 2012, a Lei nº 12.711, institui que as instituições Federais de Ensino Superior deverão preencher suas vagas por estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Além disso, 50% das vagas passaram a ser reservadas, após a implementação da Lei, aos estudantes considerados de baixa renda (renda per capita familiar de até um salário mínimo e meio).

 

    Vale ressaltar que as políticas afirmativas de implementação de cotas destinadas a população de negros e indígenas do Brasil tem por objetivo diminuir as desigualdades e resgatar uma defasagem histórica na oferta de direitos que foram, por tanto tempo, negados a esta população. Apesar do reconhecimento desta defasagem, que a partir das cotas passa a ser reconhecida como uma questão social a ser tratada no âmbito educacional. Muitas críticas ainda envolvem tais ações, considerando as cotas como privilégios, ou ainda, como uma forma de subjugar esta população ao considerá-los carentes da utilização de cotas para o acesso ao Ensino Superior.

 

    Bourdieu e Patrick (2001) analisam a estrutura social e suas relações com o sistema de ensino mencionando a escola como uma instituição legitimadora das desigualdades sociais, as quais, segundo ele, não são frutos simplesmente das diferenças biológicas ou da capacidade individual, mas são reforçadas pelos modelos educacionais vigentes. As transformações sociais merecem ser tratadas em sua base: desde os primeiros anos escolares, fazendo-se necessário ainda que tais questões sejam problematizadas nos cursos de formação de professores.

 

    Morosini (2001) aborda a relação da qualidade no Ensino Superior registrando que a noção de qualidade na educação apresenta três tipos ideais que poderiam ser encarados como modelos para a realidade brasileira: a qualidade isomórfica, a qualidade da diversidade e a qualidade da equidade. A qualidade da diversidade traz consigo indicadores de preservação das especificidades. Vale ressaltar que para a UNESCO qualidade e diversidade são os eixos das políticas educativas. A qualidade da equidade responsabiliza a equipe educativa pela aplicabilidade das políticas educacionais que visam garantir justiça social e diminuir as desigualdades sociais.

 

    Neste sentido esta pesquisa tem como objetivo compreender como se constitui o perfil da primeira geração de egressos do curso de Pedagogia de instituições públicas e privadas, bem como compreender o que revelam quanto à escolha do curso, as dificuldades e o que representou para si e suas famílias ser a primeira pessoa a concluir o curso superior.

 

Metodologia

 

    A fim de melhor atender sobre do fenômeno estudado, realizamos uma pesquisa com característica do estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, uma vez que esta possibilita maior aproximação com o cotidiano e as experiências vividas pelos próprios sujeitos (Minayo, 1993). Gil (2007) aponta que o estudo exploratório tem como objetivo familiarizar com o problema com vista a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. O objeto a ser estudado são os alunos de primeira geração no curso de Pedagogia Licenciatura de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas.

 

    Para acessar as informações foi utilizado como ferramenta metodológica entrevistas semiestruturadas, as quais permite um diálogo informal com os/as entrevistados (as) e o surgimento de novas perguntas. As entrevistas foram gravadas em equipamento de áudio e posteriormente transcritas, foram realizadas seis entrevistas. As transcrições foram apresentadas aos informantes que concordaram com as respectivas utilizações, conforme Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

 

    Os dados foram analisados utilizando a metodologia da Análise Textual Discursiva (ATD), a qual é caracterizada (Moraes & Galiazzi, 2011) como “uma abordagem de análise de dados que transita entre duas formas consagradas de análise de pesquisa qualitativa, que são a análise de conteúdo e análise de discurso”. Moraes e Gagliazzi (2011) afirmam que a termo ATD assume um sentido específico, expresso em síntese a seguir:

    A análise textual discursiva é descrita como um processo que se inicia com uma unitarização em que os textos são separados em unidades de significado. Depois da realização desta unitarização, que precisa ser feita com intensidade e profundidade, passa-se a fazer a articulação de significados semelhantes em um processo denominado de categorização. (Moraes & Galiazzi, 2011, p. 118)

    Após a realização das entrevistas e das transcrições, cada texto do corpus, concedida pelos sujeitos recebeu um código, definido por S1, S2, S3, S4, S5 eS6 para preservar a identidade.

 

Quadro 1. Sujeitos da pesquisa

Grupo

IDADE

Conclusão do curso

Instituição

Modalidade

Ações Afirmativas

G1

S1-27 anos

S2-35 anos

2014-2013

Publica

Presencial

PIBIC – PIBID

G2

S3-34 anos

S4-42 anos

2014-2010

Privada

Semipresencial

PROUNI

G3

S5-30 anos

S6-39anos

2010-2012

Privada

Presencial

PROUNI

Fonte: Autores (2019)

 

    Logo em seguida iniciamos o processo de análise pela unitarização (processo de desconstrução e reconstrução do texto), o qual implicou no exame do material em seus detalhes (leitura e interpretação do texto) fragmentando com a finalidade de atingir sua unidade de sentido, para “atingir um profundo envolvimento com os materiais submetidos à análise, condição para a emergência de novas compreensões”. (Moraes & Galiazzi, 2011, p. 20)

 

    A fragmentação do texto foi realizada a partir das leituras, identificando unidades de sentido. Cada unidade corresponde a um significado atribuído ao fenômeno. Seguindo os movimentos que compreendem a ATD, foram categorias, que emergiram das informações coletadas: perfil das entrevistadas; influência da família e inserção no mercado de trabalho..

 

Resultados e discussões

 

    Quanto ao perfil das entrevistadas o primeiro dado relevante foi o fato de serem todas mulheres, em suas falas não referirem colegas do sexo masculino durante seu processo de formação inicial e tampouco durante sua inserção no mercado de trabalho. Diferentes são os estudos que se dedicam a questão de gênero na educação, encontramos em Chamon (2015) uma indicação quanto ao processo de feminização do magistério, segundo a autora, esse processo não é um fenômeno novo e nem isolado, vem se desenvolvendo desde a segunda metade do século XIX na maioria dos países ocidentais e está relacionado com as mudanças na forma de relação com o trabalho, proporcionadas pela revolução industrial primeiramente e outras mudanças nos sistemas de produção, com o avanço do capitalismo.

 

    A partir do momento em que as exigências do mundo do industrializado necessitam de educação para as massas, a educação passa a ser responsabilidade do Estado e destinado para os filhos dos trabalhadores, a partir dessas mudanças significativas, cada vez mais o gênero da docência vai se tornando o feminino. Ainda hoje, por este e por outros motivos que este estudo não comporta explorar a docência, principalmente no ensino fundamental é protagonizada por docentes mulheres.

 

    A profissão docente permitiu às mulheres o acesso a um dos espaços públicos anteriormente frequentado pelos homens. No entanto, essa profissão vai ser representada como similar ao trabalho no lar: o cuidar das crianças. Essa concepção é utilizada para naturalizar/reforçar o magistério, especialmente das séries iniciais, como uma profissão feminina.

 

    Quanto à idade das entrevistadas, de acordo com os dados do INEPE divulgados no Resumo Técnico Censo da Educação Superior de 2012 (último disponível no site do Instituto) elas apresentam idade acima do padrão para concluintes, tanto as duas entrevistadas que realizaram o curso presencialmente, quanto à entrevistada que realizou o curso majoritariamente à distância.

 

    Quanto a trabalho anterior e a renda familiar às entrevistadas revelaram marcas de uma infâncias com restrições econômicas bem significativas e até mesmo com relatos de trabalho infantil em dois casos. A situação econômica dessas famílias fica evidente nas falas das entrevistadas:

    Eles sempre se esforçaram muito, sempre disseram para nós que o único caminho que a gente tinha, a única coisa que eles podiam deixa para a gente era a educação que eles não tiveram, e aí foi uma batalha muito grande, a gente foi muito pobre durante muito tempo assim, e depois a gente melhorou. (S.2)

 

    O meu pai ele trabalha com motorista de ônibus e a minha mãe ela é dona de casa. Dava mal para sustentar a gente. Tanto que a gente trabalhava no verão para poder comprar as roupas para usar no inverno. Eu sempre trabalhei desde pequenininha a gente vendia fruta e rosquetes nas casas. (S.6)

    A situação econômica das famílias das egressas entrevistadas revelou que todas tinham uma situação financeira desfavorável. Acompanhando essa característica a educação das egressas foi toda realizada em instituições públicas de ensino durante a educação básica, e realizando sua graduação em instituição privada como bolsista do PROUNI, em dois casos, ou em uma instituição pública, mas também com bolsa.

 

    Todas as entrevistadas afirmaram veementemente que sem os recursos recebidos como incentivo do governo para que pudessem realizar o curso de graduação não conseguiriam ter realizado o mesmo pela situação familiar já relatada.

    No meio do curso eu fiquei desempregada, foi difícil para mim. Sabe algumas vezes eu pensava em não ir à aula para não gastar o dinheiro da passagem. Eu recebia a bolsa do PIBID, o que é quase nada, mas se não fosse ela, acho que eu teria que desistir ou eu passaria fome. (S.1)

    Pode-se afirmar, então que o perfil do egresso de primeira geração do curso de pedagogia no universo explorado é de sujeitos do sexo feminino, que tiveram baixa renda familiar e talvez por esse motivo atrasaram seu ingresso no Ensino Superior, sendo assim, esse perfil também expõe pessoas com idade acima do esperado para concluintes de curso superior. Nierotka e Trevisol (2016) ao analisarem o acesso e a permanência dos jovens das camadas populares na Educação Superior apontam um público totalmente novo, mais mulheres, mais negros e mais pobres em relação ao público tradicional do campus universitário.

    As políticas implantadas trouxeram para a instituição novos públicos estudantis, pertencentes a grupos sociais, econômicos, étnicos e geracionais historicamente excluídos. Entre os estudantes pesquisados, em termos quantitativos, há mulheres (63,5%), jovens (71,5% entre 18 a 24 anos), brancos (85,5%), urbanos (73,2%), trabalhadores (52,7%), de baixa renda (69,3% com renda familiar de até três salários mínimos), oriundos da escola pública (acima de 90%) e pertencentes a famílias com baixa escolaridade (apenas 4,9% e 7,9% dos pais e das mães, respectivamente, possuem ensino superior). (Nierotka & Trevisol, 2016, p.30)

    Levando os aspectos mencionados em consideração é preciso enfatizar também, a relevância das políticas afirmativas para a inserção destas pessoas no cenário da Educação Superior, garantindo não apenas o ingresso, como também a permanência das estudantes até a conclusão do curso. Todas as entrevistadas afirmaram veementemente que sem os recursos recebidos não conseguiriam ter realizado.

 

    Quanto à categoria influência da família, destacada pela análise das entrevistas, é relacionada à relação das entrevistadas com suas famílias, suas expectativas futuras e o apoio familiar para o desenvolvimento de sua vida acadêmica. A família representou para duas entrevistadas um suporte e incentivo muito importante tanto na questão financeira quanto emocional, no sentido de motivação. Quanto à terceira entrevistada, relata não ter tido apoio, e ao contrário, a família representou um empecilho. Isto demonstra o quão importante que é a participação da família na e para as estudantes.

 

    Observou-se que nem sempre a família tem influência positiva no ingresso do aluno de primeira geração, no ensino superior. Analisando os relatos das entrevistadas, podem ser destacadas, no quadro a seguir, afirmações que corroboram este dado observado:

    Os meus avós que sempre me incentivaram a estudar e achavam que, naquela época, alguém da família deles entrar na universidade era algo inesperado. Então alguém entrar na universidade e terminar seria uma maravilha. É um orgulho para eles ter alguém formado na família. (S.2)

 

    Sempre se esforçaram muito, sempre disseram para nós que o único caminho que a gente tinha a única coisa que eles podiam deixa para a gente era a educação que eles não tiveram. (S.3)

    Teixeira, Castro e Piccolo (2007, p.212) destacam que o apoio familiar se desdobram tanto no desempenho escolar como no preparo para a universidade:

    [...] um bom desempenho escolar, de um senso de desenvolvimento intelectual (como a percepção de que a universidade tem ajudado a desenvolver o raciocínio crítico) e de congruência de valores com professores e pares (ou seja, perceber que partilha valores de trabalho com os demais no contexto do curso). (Teixeira et al., 2007, p.212)

    Wintre e Yaffe (2000, p. 36) observaram a importância deste apoio, especialmente no caso de alunos que residiam com seus familiares: “A reciprocidade mútua e as frequentes trocas de ideias com os pais foram fatores que se mostraram associados a menores índices de estresse e de depressão nos estudantes”. Para Ristoff (2014, p. 7) “a universidade precisa romper com o elitismo que a concebeu e engajar-se num projeto nacional que promova o acesso das populações hoje excluídas e transforme as universidades brasileiras em universidades do povo".

    [...] estudo não é uma cultura familiar na minha família.[...] É necessário só a formação básica para saber ler e escrever. E tem que ser trabalhador. Eu noto, que para minha família, o estudo não é para gente que trabalha. (S.5)

    A questão cultural, mencionada nas entrevistas, demonstra que algumas situações difíceis enfrentadas no contexto familiar servem de inspiração para que as entrevistadas sigam o caminho oposto. Se reconheçam como pertencentes à classe trabalhadora, mas que tal vinculo não impeça que outros rumos sejam percorridos, diferentes dos demais membros de sua família. A baixa escolaridade não precisa ser uma herança deixada para os filhos dos trabalhadores.

 

    Evidencia-se nas entrevistas, que ao contrário disso, as entrevistadas depositam em sua formação suas próprias expectativas, traçam seus próprios objetivos os quais se renovam quanto mais avançam no processo de formação, percebem que não termina com a colação de Grau, mas é constante e valioso para a qualificação profissional. Mesmo não tendo sido sua primeira opção para ingressar no ensino superior, as entrevistadas passam a se reconhecer com a educação e com o curso de Pedagogia e na questão social e política da educação, conforme relatam:

    O professor, bem ou mal, por menor que seja ainda é uma das profissões que ainda consegue fazer a diferença. Dá para ti trabalhar de forma positiva e melhorar a vida de alguém e a tua. E aí foi isso, eu fui trabalhar na escola e me apaixonei. (S.4)

    No entanto, as entrevistadas relatam a desrealização no trabalho na educação, apontam duras jornadas de trabalho, remuneração baixa, falta de materiais e incentivos. Os quais demonstram todo um descontentamento com o trabalho atual.

    A pouca remuneração que o professor tem e ao trabalho que é bastante sofrido devido às questões que envolvem a sala de aula e a carga de trabalho. (S1)

    Desta forma, apontam para um trabalho desgastante e não realizado, muitas indicam uma vontade de trocar de trabalho, tanto por melhores condições e uma remuneração melhor quanto para poder continuar os estudos.

    Eu penso em não continuar a dar aula, eu penso em passar em um concurso melhor com remuneração melhor e continuar os estudos. (S.3)

    É possível perceber que os alunos e alunas pertencentes a camadas populares encontram-se em um quadro complexo enquanto estudante. Há um conflito entre mundo do trabalho e o mundo universitário; o que gostariam de fazer e o que é possível fazer. O curso em seus diferentes momentos materializada em uma gama variada de situações: carga de trabalho, tempo insuficiente para dar conta das solicitações do curso e outras, de ordem social e cultural, condicionadas pelos baixos recursos financeiros e porque muitos são os provedores de suas famílias.

    Atualmente eu tenho sentido um pouco de dificuldade, primeiro pelo fato do tempo, e segundo, acaba sendo um pouco oneroso, porque além da faculdade, no meu caso eu tenho o trabalho, tenho as responsabilidades de casa, estágio, e tudo isso onera tempo e tudo isso faz com que o tempo de dedicação acabe encurtando. Nesse caso, assim a experiência não é das melhores. Então tá sendo mais ou menos assim a experiência talvez não seja das melhores, mas pensando por outro lado, é uma boa experiência pra depois. (S.4)

    Diante dessas circunstâncias é preciso problematizar as condições do aluno e a natureza do curso. Uma vez que, a seletividade social se reproduz nos cursos pretendidos. Desta forma, o curso de Pedagogia não aparece como “um sonho”, mas a possibilidade existente.

    Na verdade quando eu entrei no curso de Pedagogia eu não sabia se eu queria fazer. Aí eu fui fazendo, fui fazendo e pensava em desistir eu tinha apoio da mãe que dizia: tem que fazer, tem que aproveitar o ensino gratuito, depois tu faz a graduação dos teus sonhos. (S. 2)

    Nesses relatos é possível constatar que as entrevistadas não demonstravam entusiasmo em iniciar o curso, pensavam em desistir e ambas tinham outras preferências. Esta seletividade do ensino superior pode estar criando uma dicotomia entre cursos destinados ao público economicamente favorecido e as classes populares. Não obstante, pode-se perceber que muitos alunos, todos oriundos da escola pública e sem tradição no Ensino Superior trazem inúmeras dificuldades para à sala de aula universitária:

    Zago (2006) ao analisar o perfil dos alunos de diferentes cursos aponta um certo mal estar discente e um processo de democratização segregativa, uma vez que nos cursos de Filosofia e Pedagogia os alunos enfrentam situações semelhantes, são oriundos da escola pública, trabalham durante o dia, sem muita diferença social. Conforme Zago (2006) há, portanto, cursos cujo público tende a se homogeneizar, confirmando uma situação que tem sido denominada de democratização segregativa.

    Em suma, os dados revelam que o perfil dos estudantes de primeira geração de pedagogia constitui um público com poder socioeconômico baixo, oriundos de escolas públicas, do sexo feminino, com idade acima da média de concluintes do Ensino Superior, conciliam o estudo com o trabalho, são beneficiários de ações afirmativas do governo e sem elas enfrentariam dificuldades para formarem-se. Ainda que encharcados por desafios e barreiras apresentam como positiva o sentimento de conquista pessoal e para a sua família de terem conseguido se formar no Ensino Superior.

 

Conclusões

 

    O presente artigo demonstrou o panorama geral acerca do perfil dos estudantes de Primeira Geração do Curso de Pedagogia, evidenciando a importância do processo de democratização da Educação Superior para o acesso e permanência dos estudantes, os quais são em sua grande maioria, pertencentes à classe trabalhadora, cujas famílias de baixa renda não tiveram nenhum outro membro a concluir a formação.

 

    Evidenciou-se inúmeras dificuldades associadas às condições econômicas, dentre eles a própria questão cultural, considerando as expectativas familiares que não viam na formação possibilidades viáveis de inserção ao mercado de trabalho. Formar-se em meio a tantas adversidades é um desafio constante que muitos estudantes não conseguem enfrentar até o fim ocasionando inúmeras desistências ao longo do processo.

 

    É importante registrar a necessidade de ampliar e qualificar a oferta de vagas na Educação Superior, com o propósito de diminuir as desigualdades sociais. E que estes não se restrinjam as licenciaturas, de modo que não se constituam em novas formas de exclusão: dos estudantes pobres, negros, com idades mais avançadas.

 

    Destaca-se que estes novos sujeitos que invadem o campus universitário trazem profundas modificações para as instituições, sem dúvida o maior delas é o choque cultural o qual coloca xeque velhas estruturas e expõe inúmeras fragilidades institucionais, exigindo cada vez mais políticas afirmativas que vivifiquem a permanência da classe popular no ensino superior para concretizar o processo de democratização. Outra questão que é importante destacar, que o perfil do aluno de Pedagogia reflete uma sociedade de mulheres trabalhadoras pobres, diferente de cursos de auto rendimento como Medicina e Direito, o qual reflete inversamente a sociedade brasileira, ou seja, ganham mais, são mais brancos, no entanto apresentam uma relação de gênero igualitária. Em outra ponta, apresenta-se os cursos de Engenharias, os quais, além de mais valorizados, apresentam em sua maioria alunos do sexo masculino. Diante disso, é possível notar que a tradição histórica do ensino superior ainda é muito presente no campus universitário.

 

    Enfim, o estudo da primeira geração de estudantes não pode ser eclipsado, é preciso ampliar as pesquisas relacionadas com esta categoria que vem forçosamente desafiando a democratização desse grau de ensino, dadas as mudanças e enfrentamentos que provocam, tanto no plano político como no cultural universitário.

 

Referências

 

Bourdieu, P., Champagne, P. (2001). Os excluídos do interior. In: ______. (Orgs.). A miséria do mundo. (4ª ed.). Petrópolis: Vozes.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 258, Nov. (2019)