Medidas socioeducativas e Educação Física: uma análise sobre a proposta pedagógica para jovens infratores

Socio-educational measures and Physical Education: an analysis of the pedagogical proposal for young offenders

Medidas socioeducativas y Educación Física: un análisis sobre la propuesta pedagógica para jóvenes infractores

 

Rafael Mactavisch Correa*

mactavischsp@hotmail.com

Cristiane Makida Dyonisio**

cristiane.makida@gmail.com

Mauricio da Silva Lazzarin***

peritomauricio@yahoo.com.br

Roberto Gimenez****

roberto.gimenez@unicid.edu.br

 

*Licenciado em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo

Cursando Bacharel em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo

Participante do grupo de estudos de comportamento motor (GECOM)

**Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo

Especializada em Educação Física Escolar pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU)

Licenciada em Educação Física pela Universidade Cruzeiro do Sul

Bacharel em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo

***Mestre em Formação de Gestores Educacionais

Pós graduado em Docência no Cenário do Ensino para a Compreensão

Graduado em Bacharelado em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo

Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade São Judas Tadeu - SP

****Graduado em Bacharelado Em Educação Física pela Universidade de São Paulo

Graduado em Licenciatura Em Educação Física pela Universidade de São Paulo

Mestrado e Doutorado em Educação Física pela Universidade de São Paulo

 

Recepção: 25/01/2018 - Aceitação: 06/06/2018

1ª Revisão: 31/05/2018 - 2ª Revisão: 03/06/2018

 

Resumo

    Este artigo teve por objetivo discutir alternativas para o jovem infrator da Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) e o processo de educação oferecido a este grupo de indivíduos por meio da Educação Física. Para tanto, foram analisadas as propostas educacionais associadas ao jovem infrator visualizando os diferentes contextos. Além disso, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre referencial teórico que teve como base o atendimento socioeducativo orientado ao jovem infrator no Estado de São Paulo. Discutiu-se que o direito dos jovens e como o Estado e a sociedade devem garantir esses diretos. Também salientou-se a formação educacional e as atividades referentes à Educação Física. O entendimento do presente ensaio é o de que o modelo das propostas pautado em mecanismos de punição deva ser repensando a partir de uma concepção que amplie a visão de mundo do jovem sobre os outros e seu futuro.

    Unitermos: Violência. Sociedade. Mídia. Cidadania. Educação Física.

 

Abstract

    This article aimed to discuss alternatives for the young offender of the CASA Foundation (Center for Socio-Educational Assistance to Adolescents) and the education process offered to this group of individuals through physical education. For that, the educational proposals associated to the young offender were analyzed, visualizing the different contexts. In addition, bibliographical research was carried out on a theoretical framework that was based on the socio-educational care directed at young offenders in the State of São Paulo. It was argued that the right of young people and how the state and society should guarantee these rights. Also emphasized the educational formation and the activities related to Physical Education. The understanding of this essay is that the model of proposals based on mechanisms of punishment should be rethought from a conception that broadens the world view of the young person about others and their future.

    Keywords: Violence. Society. Media. Citizenship. Physical Education.

 

Resumen

    Este artículo tuvo por objetivo discutir alternativas para el joven infractor de la Fundación CASA (Centro de Atención Socioeducativa al Adolescente) y el proceso de educación ofrecido a este grupo de personas a través de la Educación Física. Para ello, se analizaron las propuestas educativas asociadas al joven infractor visualizando los diferentes contextos. Además, se realizaron investigaciones bibliográficas sobre el referencial teórico que tuvo como base la atención socioeducativa orientada al joven infractor en el Estado de Sao Paulo. Se debatió sobre los derechos de los jóvenes y cómo el Estado y la sociedad deben garantizar esos derechos. También se destacó la formación educativa y las actividades referentes a la Educación Física. El sentido del presente ensayo es que el modelo de las propuestas basadas en mecanismos de castigo debe ser repensando a partir de una concepción que amplíe la visión de mundo del joven sobre los demás y su futuro.

    Palabras clave: Violencia. Sociedad. Medios de comunicación. Ciudadanía. Educación Física.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 241, Jun. (2018)


 

Introdução

 

    Um dos maiores problemas enfrentados hoje pela sociedade brasileira corresponde à violência. De modo geral, os meios utilizados pelo Estado correspondem à repressão, os quais não têm se mostrado como estratégia eficaz diante do atual cenário. Em especial, no que tange ao grupo de jovens envolvidos em atos infracionais, um levantamento realizado SDH (2014) aponta que o número de adolescentes em Privação e Restrição de Liberdade dos jovens internados aumentou aproximadamente 6 vezes em 20 anos, uma vez que correspondia a 4.245 em 1996 e passou a 24.628 em 2014.

 

    Tal problemática atinge todos os níveis sociais e remete à famigerada discussão sobre a redução de maioridade penal. Apesar de não se tratar de uma temática abordada recentemente (Hoffmann, 1992), esse assunto ainda apresenta grande repercussão. Uma pesquisa realizada em 15 de abril de 2015 pelo Instituto Data Folha1 avaliou a opinião pública que se dizia favorável à redução da maioridade penal, ou seja, 87% aprovavam a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e 73% achavam que deveria ser para qualquer crime4.

 

    Cita a legislação especial e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)2 em seu artigo 103 como ato infracional a conduta delituosa da criança e do adolescente3, abrangendo tanto o crime como a contravenção penal.

 

    É assegurado por lei que nenhum adolescente poderá ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Além disso, são asseguradas aos adolescentes as garantias de conhecer de forma plena ou formal, o conhecimento da atribuição do ato infracional, a igualdade na relação processual, confrontos com vítimas e testemunhas e produzir provas necessárias à sua defesa, podendo ter defesa técnica por meio de advogado constituído, bem como, assistência judiciária gratuita, ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente, e o direito de solicitar a presença de seus pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento.

 

    Uma corrente de pensamento discute a questão de que talvez o problema não esteja na maioridade penal, mas sim como nosso adolescente infrator é tratado pelo sistema governamental, ou seja, se há ou não uma preocupação na sua recuperação ou simplesmente em aplicar medidas socioeducativas como forma de sanção aos atos infracionais praticados. Desse modo o ECA, em seu artigo 4 determina que:

    É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

    Sem sombra de dúvida, um dos temas que merecem discussão é o das propostas para o acompanhamento desses jovens infratores que se encontra em idade escolar. O adolescente não poderá ser submetido à prestação de trabalho forçado, e os que possuem doença ou deficiência intelectual, deverão receber tratamento diferenciado, podendo ser individual e especializado.

 

    No Estado de São Paulo, o órgão responsável pelo acolhimento do adolescente infratores, é a Fundação CASA. Em 2006 houve uma reformulação, pois, o sistema anterior encontrava-se em colapso, a antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) desapareceu dando lugar a atual Fundação CASA (Centro de Atendimento socioeducativo ao adolescente).

 

    Fundamentalmente, esta alteração correspondeu a uma reforma administrativa e estrutural, contudo, implicou consideravelmente nos padrões de atendimento realizados. Um dos índices é o atendimento que antes era concentrado, cerca de 82% na Capital e 18% no interior (Brasil, 2006). Atualmente, 38,7% estão na Capital e 61,3% no interior, litoral e Grande São Paulo. Com a descentralização, parcerias com a sociedade civil, capacitação de funcionários e outras medidas administrativas empregadas. Um dos grandes resultados foi a redução da reincidência na medida de internação, que caiu dos 29% (2006) para 14% (2014) (Brasil, 2006).

 

    A Fundação CASA tem parceria com a Secretaria Estadual de Educação, que por meio das Diretorias de Ensino, determina que as Escolas Vinculadoras sejam próximas, responsáveis pela abertura de classes, pela atribuição dos professores, material didático pedagógico e certificação, de modo a garantir a matrícula e a elevação de escolaridade dos alunos/internos da Instituição. As salas de aula são divididas por em três grupos: nível 1 -1° ao 5° ano do Ensino Fundamental; nível 2 - 5° ao 9° ano do Ensino Fundamental; nível 3 1° a 3° ano do Ensino Médio.

 

    Além disso, há um programa de qualificação profissional básico, que possui carga horária de 45 horas, abrigando 73 cursos diferentes distribuídos nas seguintes áreas: Administração, Alimentação, Artesanato, Construção e Reparos, Esporte e Lazer, Informática, Serviços, Serviço Pessoal (Estética) e Turismo e Hotelaria; Arte e cultura; Esporte.

 

    Como forma de sanção, aparecem as medidas socioeducativas estabelecidas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente): advertência, prestação de serviço à comunidade (PSC); liberdade assistida; regime semiliberdade e internação. Sendo que as sanções as irregularidades mais graves, ficam ao encargo da Fundação CASA. Diante de todas as medidas socioeducativas, discute-se se o adolescente deve ou não ser privado da convivência com a sociedade e levado para o ambiente de internação.

 

    Em face da possibilidade de internação, ainda carece de esclarecimento, a proposta pedagógica desenvolvida pelas diferentes áreas. Por exemplo, as propostas vinculadas à Educação Física envolveriam desde a prática esportiva e realização de campeonatos, até a participação em oficinas culturais e esportivas. Em primeiro lugar não é evidente a existência de alguma abordagem que permeie a intervenção, visto que a área da Educação Física apresenta várias, as quais são diferentes não somente no que tange à concepção, mas substancialmente conflitantes em seus conteúdos e metodologias (Gimenez, 2004; 2011).

 

    Apesar da escassez de publicações voltadas à Educação Física na Fundação CASA, Andrade (1997) pesquisou sobre o tema. Neste trabalho, identificou que a Educação Física tinha papel de controle social, “educação” voltada ao conformismo e manutenção da ordem, acreditava-se que o adolescente ocupando o tempo ócio não teria tempo para pensar na situação de interno, assim evitaria fugas e rebeliões.

 

    Em 1992, após uma grande rebelião dos adolescentes, houve uma reformulação na proposta pedagógica da Educação Física, uma vez que antes se priorizava o rendimento esportivo, em especial, o futebol. Em face desta conturbada conjuntura, ampliou-se as manifestações da cultura com dança, recreação, esporte adaptados, que passaram a ser denominadas como “atividades recreativas” (Andrade, 1997).

 

    Porém, as aulas pouco aconteciam, em razão da falta de funcionários para acompanhamento das aulas e garantia de segurança do professor, falta de materiais, e a proibição de utilizar materiais adaptados, pois se entendia que todo material estranho poderia ser perigoso, mesmo assim, havia registros das aulas, por obrigatoriedade burocrática (Andrade, 1997).

Diante de tais constatações, percebe-se a relevância de se investigar o papel da Educação Física na atualidade para esta instituição. Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo investigar se existe algum tipo de orientação pedagógica para a área de Educação Física na Fundação CASA, bem como, qual a percepção de seus professores acerca da proposta pedagógica.

 

Metodologia

 

    O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID com o protocolo número. 1.368.482.

 

    Foi escolhido como recurso metodológico a Análise do Fenômeno (Andrade, 1997). Esta análise leva o pesquisador à procura pelo desconhecido, sem a preocupação de explicar como o fenômeno ocorre (causa e efeito). Busca-se esclarecer o fenômeno, considerar a percepção dos sujeitos. Para tanto, foram elaboradas algumas questões que nortearam a pesquisa:

  1. Em qual Centro de Internação/ Provisória atua/ou atuou?

  2. Segue alguma abordagem? Se sim, qual? Por que?

  3. Existe relação entre a proposta pedagógica da Fundação CASA e alguma abordagem da Educação Física?

  4. Existe algum estilo de ensino predominante?

  5. que proporia nos estilos ou tipos de abordagens para a atuação na Fundação CASA?

    Os sujeitos da pesquisa foram dois professores de Educação Física que atuaram na Fundação CASA, e que aceitaram participar, após explicação do estudo e assinatura do termo de consentimento livre esclarecido. As entrevistas foram realizadas por meio eletrônico.

 

    Para análise de dados foi empregado o procedimento de redução fenomenológica das Unidades de Significado em três etapas, quais sejam: Redução Fenomenológica I, que significa a transcrição na íntegra, segunda etapa Redução Fenomenológica II, agrupamento dos significados das falas dos sujeitos. Para a formação da terceira etapa Síntese de Unidade Transformada, que busca analisar as convergências, divergências e idiossincrasias dos dois sujeitos entrevistados (Andrade, 1997).

 

Resultados e Discussões

 

Redução Fenomenológica II

 

    Professor (a): J. H.

 

    Atuou na Fundação CASA, Unidade de SP, durante mais de dez anos consecutivos. Em razão da necessidade de preservação da sua identidade, seus dados pessoais não são revelados.

 

    Há documentos norteadores para a Educação Física, porém efetivamente a prática não acontece. Isto ocorreria devido às salas “multisseriadas”, cancelamento de aula por falta de funcionários, adolescentes sob efeito de drogas, domínio de organizações criminosas e a quadra ser espaço de contato externo. Fica a critério de cada profissional de Educação Física elaborar um plano de trabalho. Nas UIP (Unidades de Internação Provisória), muitos jovens são obrigados a participar das atividades, por meio da violência. As práticas esportivas acontecem, por vezes, envolvendo disputas ou aposta (drogas, carros, motos, alimentação/sobremesa, etc. Prevalece a participação predominante dos mais habilidosos. Há diferença de Unidades do Interior e Centralizadas, destaca-se ainda a participação de familiares no crime.

 

    Professor (a): D. N.

 

    Trabalhou em uma unidade provisória do município de SP. Não seguiam nenhuma abordagem ou proposta pedagógica. Não há estilo de ensino, a Educação Física é vista como descontração, e o professor têm o papel de organizador do material. Propõem uma abordagem que envolva diversos aspectos, a saúde, um posicionamento crítico sobre a prática e as relações sociais, esporte como uma oportunidade.

 

Síntese de Unidade Transformada

 

    Após a realização das Unidades de Significados, Reduções Fenomenológicas e Unidades Transformadas de cada sujeito da pesquisa, chegou-se a três Sínteses de Para fins de análise as Unidades Transformadas foram agrupadas em três dimensões:1- Planejamento e efetivação da proposta, 2- limitações dos professores e 3- Interferência do crime organizado.

Planejamento e efetivação da proposta:

 

    Na fala dos professores, torna-se evidente que não há nenhuma abordagem e/ou estilo de ensino nas aulas de Educação Física. Professor J.H.: “[...] Então, não há prática contundente e específica para cada adolescente, apesar de constar em documentos”, esse contexto é bem semelhante ao apresentado por Andrade (1997), cujo o papel da Educação Física deixou de priorizar o esporte ou rendimento esportivo e passou a utilizar atividades denominadas como recreativas.

 

    Professor (a) D, N. contribui com a discussão quando diz: “[...] A Educação Física era um momento esperado, até como forma de descontração devido à rotina, tinha que ficar muito atento com o tipo de material usado. Tudo que estava sendo usado era contado pelo agente que acompanhava a aula, e assim que terminava contava novamente, para não ocorrer uma situação onde algum interno pudesse sumir algum material. Tudo que entrava tinha que sair, se houvesse falta de algo os internos eram comunicados e tinham que devolver antes de voltar para sala de aula[..].

 

    Portanto, o papel do professor se restringia a organizar materiais ou vigiar, o que reforça os achados da pesquisa de Andrade (1997) que identificou que o único propósito da Educação Física seria manter a ordem do sistema, vigiar, punir e organizar. Tais ações não são efetivas na transformação dos adolescentes, pois apenas estão lá para ocupar o tempo ocioso. Esta descrição nos remete a uma abordagem recreacionista, descrita por Darido (2003), a qual teria como fator principal a centralidade no aluno, na tomada de decisão para escolher as atividades. O professor se restringe a disponibilizar o material, organizar e controlar o tempo.

 

    Uma Educação Física que tem como base essa abordagem apenas reproduz práticas corporais existentes num determinado contexto cultural. Além da ampliação do acervo cultural. Entende-se ser necessário ter algum tipo de referência, no início e decorrer da vida, para que se crie significado em aprendizado, ética. O pressuposto seria o de que os espaços escolares, sobretudo de natureza conteudista não seriam suficientes para sensibilizar os adolescentes em rever suas atitudes e valores (Rodrigues, 2001).

 

    A maioria dos infratores não tem referências, que vão além do seu contexto cultural, marcado por familiares e parceiros envolvidos no mundo do crime. Diante disto, os agentes e professores da Fundação CASA, encontram dificuldades para concretizar suas intenções.

 

Limitações apresentadas pelos professores

 

    Apesar de acreditarem no esporte como ferramenta de transformação social, possuem dificuldade no trato pedagógico, Professor (a) J.H. “ [...]Acredito de fato que o esporte é uma ferramenta de transformação social, mas não consigo aplicar na fundação, pois nosso trabalho depende do apoio de outros setores e isso não ocorre, a falta de disciplina dos alunos colabora para que o trabalho fique emperrado, a falta de cumprimento das atribuições necessárias dos funcionários[...]”. Andrade (1997) também relata a interferência de monitores na tentativa de controlar as aulas de Educação Física, com a finalidade de contribuir para manter a ordem e o controle dos adolescentes.

 

    O terceiro ponto de discussão corresponde à presença do crime organizado na Unidade.

 

    Professor (a) J. H. “[...] Além disso, há fatores externos que contribuem para que as atividades esportivas não ocorram, como por exemplo, quando os adolescentes estão sob efeito de drogas (prática ilegal dentro da unidade). Outro fator é que as leis do crime imperam dentro das unidades e eles fazem o que bem entendem. A quadra é um espaço onde eles têm comunicação com pessoas de fora, geralmente com horário marcado para a entrega de entorpecentes. Citei alguns, mas existem outros fatores[...]”.

Olic (2009) investigou Fundação CASA no Complexo Raposo Tavares, unidade na qual alguns setores são “dominadas” pelo crime organizado. Um indicativo é a presença de objetos do “mundão”, vão desde roupas e sapatos, até armas de fogo e drogas ilícitas. Tais objetos possuem relação direta com status e poder dentro das Unidades e obedecem a uma hierarquia instituída entre os jovens.

 

    Diante dos dados levantados, identifica-se a necessidade de uma compreensão do fenômeno a partir de diferentes níveis de análise. Estes níveis iriam desde as políticas públicas, bem como, recursos para a diminuição da desigualdade social, até na elaboração de propostas que sejam coerentes com uma proposta emancipatória e pautada numa formação mais ampla do jovem infrator recluso nas unidades da fundação casa.

 

    Em que pese a natureza ampla da discussão, foram elencados alguns elementos que podem ser considerados cruciais para o desenvolvimento de propostas de intervenção nas unidades, em especial, no tocante à área de educação física.

 

    Levando-se em consideração a proposta teórica elaborada por Kohlberg apud Bataglia, Morais e Lepre (2010) sobre o raciocínio moral, existiriam seis estágios de raciocínio moral, os quais podem ser agrupados em três níveis: o pré-convencional, o convencional e o pós-convencional. Esses estágios apresentam relação direta com o nível de desenvolvimento cognitivo. Desse modo, esperar-se-ia que quanto maior for o nível de desenvolvimento cognitivo e a consequente visão sobre o mundo, maior preocupação existiria com os outros e com o futuro.

O adolescente age de acordo com seus sentimentos, então seria necessário fazê-lo rever os conceitos do que é certo e errado, a partir de uma constante reflexão sobre os efetivos impactos dos seus atos no tempo (presente e futuro) e no espaço (para si mesmo e para os outros).

 

    Na sociedade os valores éticos e morais são constituídos a partir das interações entre seus membros, a família então se torna o primeiro grupo social no qual o indivíduo toma contato. Para Dias (2011):

    Seja qual for o modelo de família ele é sempre um conjunto de pessoas consideradas como unidade social, como um todo sistêmico onde se estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior. Compreende-se, que a família constitui um sistema dinâmico, contém outros subsistemas em relação, desempenhando funções importantes na sociedade, como sejam, por exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a função reprodutora. Ora, a família como sistema comunicacional contribui para a construção de soluções integradoras dos seus membros no sistema como um todo (Dias, 2011, p.3).

    Assim, seria fundamental que a família também fizesse parte deste contexto de construção de uma nova identidade (Aquino, 1997).

 

    No que diz respeito à educação física, em linhas gerais, parte-se do pressuposto de que os projetos baseados em propostas de empoderamento social, e com viés mais crítico seriam melhores para nortear a intervenção junto a esses jovens, visto que proporiam formas mais maduras de lidar com os temas, adotariam como premissa a criticidade do jovem (Freire, 1978; 1981). Além disso, seria interessante que esses projetos considerassem esse jovem como protagonista do seu futuro, tendo condições de opinar acerca das propostas pedagógicas desenvolvidas. Outro aspecto importante refere-se ao significado das propostas desenvolvidas, o que por sua vez poderia assegurar condições mais favoráveis para a sua aprendizagem (Gimenez, 2015).

 

    Uma das formas de colocar esses elementos em prática seria justamente pela possibilidade de conhecer diferentes práticas corporais, seja por meio de pesquisa, ou visitas monitoradas. Esta condição poderia levá-los a diferentes contextos e contribuiria para a formação de outras referências sociais e interesses pessoais. Vale ressaltar a constante necessidade de se despertar um olhar para o futuro vislumbrando sistematicamente os impactos de suas ações atuais.

 

Conclusões

 

    Este estudo mapeou alguns indícios da ação pedagógica dos professores de Educação Física em duas unidades da Fundação CASA. Foi possível constatar que não há uma abordagem especifica por conta de a proposta curricular ser divergente da realidade. Há uma desestruturação do ambiente, havendo domínio do tráfico, apesar de ser proibido.

 

    O ambiente da quadra exerce uma forma de comunicação com o lado externo, ou seja, recebimento de entorpecentes. Muitas vezes, também acontece a impossibilidade da aula devido falta de agentes sócios educativos (seguranças), ou por conta de os alunos estarem sobre o efeito de entorpecentes, etc.

 

    Por meio deste trabalho entende-se a necessidade de se repensar a proposta pedagógica dos centros de atendimento, tendo em vista considerar aspectos comportamentais do jovem infrator, bem como, levar em consideração sua necessidade de expandir seu olhar sobre o contexto social que o cerca e sobre o seu futuro.

 

Notas

  1. Jornal do Advogado, OAB- ano XL abril/2015, nº 404

  2. Lei 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

  3. art. 2º: considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

  4. Vale o esclarecimento que aos menores de 18 (dezoito) anos não são punidos como criminoso ou bandido, por não preencherem aos requisitos de culpabilidade, porque a imputabilidade penal (discernimento do caráter ilícito do fato praticado) se inicia somente aos 18 (dezoito) anos, entendimento este da Lei máxima a que estamos sujeitos, a Constituição Federal, que em seu artigo 228 (Brasil, 1988).

Referências

 

    Aquino, J. G. (1997). A indisciplina e a escola atual: texto ampliado do roteiro empregado no vídeo-palestra "A indisciplina e a escola atual", produzido pela FOE/SP.

 

    Andrade, M. P. D. (1997). Educação física na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor-FEBEM/SP: uma análise da proposta de 1992 a 1994 segundo os discursos dos professores.

 

    Bataglia, P. U. R &; Morais, A & Lepre, R. M. (2010). A teoria de Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos de avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil: Estudos de Psicologia, v.15, n.1, p.25-32.

 

    Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.

 

    Brasil. Lei Federal 8069 de 13 de julho 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

 

    Brasil. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE. Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília: CONANDA.

 

    Darido, S. C. (2003). Educação Física na escola: questões e reflexões. Guanabara Koogan.

 

    Dias, M. O. (2011). Um olhar sobre a família na perspectiva sistémica – o processo de comunicação no sistema familiar. Gestão e Desenvolvimento. Viseu. ISSN 0872-0215. 19, p. 139-156.

 

    Freire, P. (1978). Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

 

    Freire, P. (1981). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra.

 

    Gimenez, R. (2004). Preparação profissional em educação física: chegamos na idade adulta (v. 3, p. 75-86), Dialogia.

 

    Gimenez, R. (2011). Século XXI: conquistas e desafios na formação de professores de Educação Física. In: R. Gimenez, & M. T. Souza (1ª ed.) (Org.). Ensaios sobre contextos da formação profissional em Educação Física (v. 1, pp. 73-82). Várzea Paulista: Fontoura.

 

    Gimenez, R. & Leo, R. L. (2015). Adolescência e Juventude: considerações para a Educação Física e Inclusão Social. In: R. Gimenez, & A. Freitas (1ª ed.) (Org.). Educação Física Inclusiva na Educação Básica: reflexões propostas e ações (v.1, pp. 101-114). Curitiba: CRV.

 

    Hoffmann, R. (1992). Desigualdade, pobreza e condições de vida no Brasil. Revista Brasileira de Saúde Escolar. Porto Alegre, v.2, pp.158-169.

 

    Jornal, D. A. (2015). OAB/SP, n. 272. São Paulo, jun.

 

    Olic, M. B. (2009). A casa está na mão de quem? Hierarquia e relações de poder no interior de Unidades de Internação destinadas a jovens infratores. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), v.18, pp.107-125.

 

    Rodrigues, N. (2001). Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educação e Sociedade, v. 22(76), pp.232-257.

 

    SDH – Secretaria de Direitos Humanos. (2014). Atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei: levantamento nacional 2014. Brasília. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/noticias/pdf/levantamento-sinase-2014. Acesso em: 10 dez. 2017.


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 241, Jun. (2018)