Passeios na Colônia do Vale do Taquari, RS, Brasil: 

significados das vivências para os participantes

Tours in Colonia do Vale do Taquari, RS, Brazil: 

meanings of experiences for participants

Recorridos en Colonia do Vale do Taquari, RS, Brasil: 

significado de las vivencias para los participantes

 

Claiton Telles*

ctelles@universo.univates.br

Derli Juliano Neuenfeldt**

derlijul@univates.br

 

*Graduado em Educação Física - Licenciatura

Universidade do Vale do Taquari - Univates

*Graduado em Educação Física - Licenciatura - UFSM

Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento

Universidade do Vale do Taquari - Univates

Docente dos Cursos de Educação Física Licenciatura

e Bacharelado da Universidade do Vale do Taquari - Univates

 

Recepção: 21/03/2019 - Aceitação: 11/09/2019

1ª Revisão: 12/08/2019 - 2ª Revisão: 26/08/2019

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

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Resumo

    Este estudo procura compreender e analisar junto aos participantes dos Passeios na Colônia do Vale do Taquari, RS, BR os significados dessas vivências. Este estudo é qualitativo e descritivo. A coleta de informações foi realizada em três Passeios na Colônia. As observações foram registradas em diário de campo, também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o coordenador e participantes. Constatamos junto aos participantes que o principal motivo pela escolha pelos Passeios é poder estar em contato com a natureza. Ao analisarmos junto ao coordenador as razões da criação dos Passeios encontramos: apresentar aos participantes um espaço de aproximação com a natureza, sensibilizar para a Educação Ambiental quanto à conservação e respeito com a natureza, bem como procurar causar o mínimo impacto possível na natureza. Entre os significados criados podemos citar: gostar da natureza, estar em contato com a natureza, ouvir os sons proporcionados, fazer uma atividade corporal em meio à natureza (caminhada), encontrar amigos, constituindo-se em momentos de reflexão e de afetividade.

    Unitermos: Ecoturismo. Passeios na Colônia. Vivências. Natureza.

 

Abstract

    This study seeks to understand and analyze the meanings of the experience for the participants of Tours in Colonia Vale do Taquari, RS, Brazil. This study is qualitative and descriptive. Data collection was performed in three tours in Colonia through observations recorded in a field diary, and semi-structured interviews with the organizer and the participants. Among the participants we found out that the main reason for choosing the tour is being in contact with nature. When analyzing the reasons of the creation of the tours we found out that it was in order to present to the participants a space were they could be close to nature, to raise awareness on environmental education about conservation and respect for nature and to seek causing the least possible impact in nature. Among the created meanings we can cite: appreciation of nature, being in touch with nature, listening to the surrounding sounds, practicing a body activity in the midst of nature (walking), and meeting friends.

    Keywords: Ecotourism. Tours in Colonia. Experiences. Nature.

 

Resumen

    Este estudio busca comprender y analizar con los participantes de Colonia do Vale do Taquari, RS, BR los significados de estas experiencias. Este estudio es cualitativo y descriptivo. La recopilación de información se llevó a cabo en tres recorridos en tres recorridos en Colonia. Las observaciones se registraron en un diario de campo, también se realizaron entrevistas semiestructuradas con el coordinador y los participantes. Descubrimos con los participantes que la razón principal para elegir los recorridos es estar en contacto con la naturaleza. Al analizar con el coordinador los motivos de la creación de los recorridos que encontramos: presentar a los participantes un espacio de aproximación con la naturaleza, crear conciencia sobre la educación ambiental en relación con la conservación y el respeto por la naturaleza, y buscar tener el menor impacto posible en la naturaleza. Entre los significados creados podemos mencionar: gustar la naturaleza, estar en contacto con la naturaleza, escuchar los sonidos del ambiente, hacer una actividad corporal en medio de la naturaleza (caminar), encontrarse con amigos, constituir momentos de reflexión y afecto.

    Palabras clave: Ecoturismo. Recorridos en Colonia. Experiencias. Naturaleza.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 257, Oct. (2019)


 

Introdução

 

    Vivemos num mundo no qual o crescimento urbano ocorre de forma desordenada, comprometendo a harmonia do planeta. Além disso, estamos na Era da Informática, tempo em que conhecemos as coisas virtualmente, mas, por outro lado, nos distanciamos de um mundo que também tem paladar, tato e odores.

 

    Nesse contexto, há pessoas que estão dispostas a criar propostas que possibilitem à população urbana e à geração tecnológica conhecer e apreender o mundo em que vivem através da experiência direta. O corpo, como diz Gonçalves (2011), é o lugar onde o sentir, o pensar e o agir fundem-se na experiência do homem, como ser-no-mundo. E, acrescentando, Duarte Júnior (2010) esclarece que sentir tem a ver com tudo aquilo que foi adquirido pelo corpo de modo direto, sensível, sem passar pelas representações simbólicas que permitem os processos de raciocínio e de reflexão. O saber sensível é fundador dos demais; é corporal. Reconhecer a existência de um saber sensível é entender que “o mundo, antes de ser tomado como matéria inteligível, surge a nós como objeto sensível”. (Duarte Júnior, 2010, p. 13)

 

    Logo, o distanciamento do homem dos ambientes naturais fez com que, em 2011, na cidade de Marques de Souza, no Vale do Taquari, RS, Brasil, se estruturasse os “Passeios na Colônia”. Neles as pessoas conhecem zonas rurais fazendo caminhadas de sete, dez, doze e até quarenta quilômetros, passando por rios, montanhas, vilarejos, visando contemplar paisagens e conhecer as pessoas que residem nos locais percorridos.

 

    No Brasil, a prática do Ecoturismo é uma atividade ainda recente. A experiência mais antiga, registrada em áreas rurais, ocorreu no município de Lages, no Estado de Santa Catarina (SC) no ano de 1984 no qual foi realizada uma vivência na Fazenda Pedras Brancas. A partir desta atividade, que surgiu como forma de aproveitamento da estrutura existente na fazenda, foi constituída uma Comissão Municipal de Turismo que apoiou um estudo sobre o potencial do no meio rural para práticas de Ecoturismo. Essa iniciativa abriu caminho para o Ecoturismo brasileiro (Santos, 2010).

 

    Dessa forma, esse artigo investigou junto aos participantes dos “Passeios na Colônia” significados dessas vivências e os motivos que os fazem optar por essa experiência. Além disso, apresenta como se deu o surgimento dessa proposta de Ecoturismo.

 

Método

 

    O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa e descritiva (Minayo; Deslandes & Gomes, 2008). O contexto do estudo foi o Vale do Taquari, RS, Brasil, onde os “Passeios na Colônia” são realizados mensalmente.

 

    Para a coleta de informações acompanhamos três Passeios no ano de 2015. Eles ocorreram no município de Progresso/RS, no dia dezesseis de agosto; no Município de Arroio do Meio, RS, no dia vinte e sete de setembro e nos municípios de Colinas e Estrela/RS, no dia dezoito de outubro.

 

    Em relação aos sujeitos do estudo entrevistou-se o coordenador e idealizador e mais doze pessoas, quatro participantes por Passeio, com idades entre 25 e 60 anos, contemplando homens e mulheres. Além da entrevista, também realizamos observações que foram registradas em diário de campo.

 

    Para garantir o sigilo dos participantes da pesquisa nenhum nome foi divulgado. Nesse artigo usamos códigos, tais como participante um; participante dois; participantes três... e coordenador. O coordenador e os participantes da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando o uso das informações. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Taquari - Univates em 27/07/2015.

 

    A análise e a interpretação dos dados coletados foram realizadas por meio de leitura e reflexão dos registros das observações e das entrevistas. A partir dos objetivos traçados, organizou-se uma categoria de análise, que conforme Moraes (2007, p. 91) “categorização é um processo de classificação das unidades de análise produzidas a partir do corpus. É com base nela que se constrói a estrutura de compreensão e de explicação dos fenômenos investigados”. A seguir apresentamos a categoria e os resultados encontrados.

 

Origem dos Passeios na Colônia, motivos da escolha por essa vivência e significados para os participantes

 

    O coordenador dos Passeios na Colônia relatou que teve a ideia de organizá-los após observar que pessoas caminhavam pela zona rural sem nenhum propósito e de maneira desorganizada. Ao perceber que na região do Vale Taquari, RS, Brasil existe uma natureza exuberante, composta por matas nativas, quedas d’água, paisagens lindíssimas, além de encontrar comunidades que mantém traços culturais da colonização portuguesa, alemã e italiana, idealizou o projeto “Passeios na Colônia” (entrevista, coordenador, 16/08/2015).

 

    Niccolini e Marzo (2015), defendem que, na Europa, onde o patrimônio natural representa um pedaço de um mosaico cheio de recursos também de natureza cultural, histórica e arqueológica, o Ecoturismo pode servir como uma força motriz para estimular de maneira responsável mais desenvolvimento econômico, social e cultural. Os autores ainda destacam que o fortalecimento da oferta do Ecoturismo pode oferecer oportunidades significativas para elevar a qualidade da vida das populações das regiões envolvidas. Nesse sentido, percebemos que a articulação, nos Passeios na Colônia, com as comunidades locais demonstra potencial para o desenvolvimento delas.

 

    Os Passeios na Colônia iniciaram em novembro de dois mil e onze. O primeiro contou com a participação de trinta pessoas. O percurso foi de oito quilômetros entre Tamanduá, interior de Marques de Souza até Alto Tamanduá, interior de Progresso, em outro município. Eles consistem em caminhadas contemplativas e orientadas por guias que ocorrem nos finais de semana. O percurso varia de oito, doze ou até quarenta quilômetros1. Passeia-se por propriedades rurais, passando por pinguelas, arroios, matas, estradas de chão e também ocorre interação com os moradores locais. “A interação com a comunidade local foi evidenciada no primeiro Passeio no qual nos serviram um café colonial em uma fazenda. De lá partimos para posterior caminhada em meio à mata numa propriedade rural em Progresso/RS” (diário de campo nº 1, 16/08/2015).

 

    Moletta e Goidanich (2002), ao tratar sobre o turismo ecológico ou Ecoturismo, mencionam que essas atividades ocorrem em áreas naturais, pouco alteradas ou já recuperadas, buscando-se utilizar o patrimônio natural de forma sustentável, incentivando a sua conservação, promovendo a formação de uma consciência ambientalista e garantindo o bem-estar das populações envolvidas. Logo, “o turismo ecológico torna-se uma opção atraente para as regiões em desenvolvimento, já que utiliza os recursos naturais e a mão de obra local”. (Moletta & Goidanich, 2002, p. 09)

 

    Os Passeios na Colônia investigados também são divulgados pela Associação de Turismo dos Municípios dos Vales através de folders. Além disso, o coordenador dos Passeios atua num meio de comunicação da imprensa regional o que contribui para que as pessoas tomem conhecimento da proposta. É o coordenador que define e organiza os locais dos Passeios. Ele também acompanha os participantes nos trajetos. Os almoços e cafés coloniais, assim como a venda de produtos coloniais típicos dos lugares percorridos ficam a cargo das comunidades locais.

 

    Os Passeios acontecem uma vez por mês, em um domingo. Todos se reúnem em frente ao shopping da cidade de Lajeado, RS, Brasil, para se deslocarem até o lugar onde acontecerá a caminhada. Normalmente, a saída ocorre às 7 horas e 30 minutos, tendo seu retorno por volta das 14 horas.

 

    Na chegada do ônibus todos pagam a taxa para o coordenador. Ela oscila de R$ 60,00 a R$ 90,00, dependendo da distância do local onde acontecerá o Passeio e inclui café, almoço e uma garrafa de água mineral. Durante os Passeios há um carro de apoio para que, caso algum participante se sinta mal ou canse no trajeto, possa ser levado rapidamente para atendimento ou descanso, conforme for a necessidade.

 

    Os trajetos são modificados a cada caminhada para que assim, quem participa com regularidade, possa interagir com algo novo em cada Passeio. Segundo o coordenador “a ideia é poder chegar aos municípios de Fontoura Xavier, Santa Clara do Sul e Arroio do Meio, expandindo para outras localidades da região” (entrevista, coordenador, 16/08/2015).

 

    Enquanto ocorria um dos Passeios escutávamos o que as pessoas comentavam sobre o lugar, sobre o porquê de estarem neste local. Diversas são as falas dos participantes. Uma que se destacou foi: “gosto da natureza, como é bom sentir o vento soprando e movimentando os galhos das árvores, sentir o ar puro que tem no local, olhar uma teia de aranha em meio às folhas, escutar o som do pássaro, do riacho que corre” (Diário de campo nº 1, 16/08/2015). A figura abaixo apresenta paisagens contempladas nos Passeios.

 

Figura 1. Registro de paisagens contempladas nos Passeios na Colônia

Fonte: Autores

 

    Schwartz (2006) menciona que entre as possibilidades de vivência do lazer contemporâneo, identifica-se a necessidade do reencontro do homem consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Os Passeios na Colônia se diferem das atividades físicas na natureza (rapel, rafting, tirolesa...) nas quais a busca pela adrenalina é objetivo central e, muitas vezes, a natureza se apresenta como algo a ser superado/dominado. Betrán e Betrán (2006), tratando das atividades físicas de aventura na natureza, sugerem a superação do caráter hedonista-ecológico, no qual a lógica mercantil e tecnológica prevalece, ou seja, essas atividades são buscadas para ter sensações prazerosas, para viver riscos controlados e perigos imaginários, sem fazer delas uma forma de rever a relação homem-natureza. Acrescentando Dunkley (2018) destaca que independentemente do contexto espacial específico, as experiências de aprendizagem conscientes do espaço-tempo oferecem encontros tácteis nas quais as dimensões sensoriais e afetivas da experiência de paisagens mostram-se cruciais para encorajar a inter-relatividade natureza-cultura para os participantes.

 

    Contudo, algumas atitudes observadas nos Passeios nos fazem pensar sobre a relação homem–natureza. Em uma delas, um participante ascendeu um cigarro e começou a fumar, sendo que a fumaça afetava as demais pessoas. Os demais participantes solicitaram que o cigarro fosse apagado e descartado, conforme registro: “Estamos em meio à natureza para sentir ar puro e você vem poluir com cigarro! Ponha já fora! Não vai jogar no chão, pois a natureza não precisa ser danificada’’ (Diário de campo nº 1, 16/18/2015).

 

    Essa atitude, do participante fumante, nos permite perceber que há necessidade de uma educação ambiental que trabalhe a relação homem-natureza e a interdependência existente entre todos os seres vivos e elementos inanimados. Por outro lado, os demais participantes nos revelaram nas entrevistas como motivos que o levaram aos Passeios: o gosto pela natureza, poder estar em contato com ela, mas não a danificar, apenas contemplá-la e admirá-la. Isso pode ser percebido nas falas a seguir:

    Gosto da natureza, ela faz lembrar-me da minha infância, do interior onde nasci e vivi (participante nº 1, 16/08/2015).

 

    Gosto da natureza, ouvir o som dos pássaros, o sopro do vento, é muito emocionante (participante nº 4, 16/08/2015).

 

    Poder ver paisagens exuberantes, sair da rotina do trabalho e contemplar este momento na natureza é emocionante (participante nº 6, 27/09/2015)

 

    Escutar e ver a água cair da cascata ou escutar o canto do pássaro em meio às folhas é muito gratificante, faz aumentar minha autoestima para enfrentar o dia a dia da cidade (participante nº 11, 18/10/2015).

    Essas respostas nos fazem refletir: é possível uma proposta de turismo em que o meio ambiente não seja agredido? Por um longo período, acreditava-se que o processo de desenvolvimento estaria livre das consequências praticadas à natureza. Assim, mencionam Neuenfeldt e Mazzarino (2013), foi construída uma sociedade que explora sem limites os recursos naturais, considerando a natureza como objeto, sem relação com o homem, consequentemente, como recurso a ser explorado. Logo, o Ecoturismo, para Sancho (2001, p. 230) “surgiu como uma opção de desenvolvimento sustentável a países, regiões e comunidades locais, para proporcionar um incentivo à conservação e à administração de regiões naturais e da fauna selvagem e, em consequência, à biodiversidade”. Contudo, segundo Pires e Philippi (2004, p 147)

    É muito importante ressaltar o papel que a educação tem para o ambiente nesta construção, pois ela é um processo que deve incentivar a sensibilidade das pessoas em relação ao global, privilegiando o local, e estabelecendo uma ligação dos indivíduos entre si e com a natureza. Assim, cada visitante, ao mirar uma paisagem, poderá nela ver revelada a sua natureza, a sua história, a beleza e a cultura.

    O principal momento, no primeiro Passeio, foi a chegada numa cascata (figura 1) em que a água caía fina e sem força, mas que formava uma bela piscina natural aos pés de quem por ali estava. É neste momento que todos fizeram silêncio para ouvir o som da água que corria riacho abaixo, indo embora por dentro do mato. Podemos, neste caso, perceber que foi um momento de reflexão lembrado pelo participante n.º cinco em sua fala: “Este momento é único, poder ouvir o som da água caindo dessa bela cascata me traz uma emoção tão forte, pois me faz lembrar a minha infância. É hora de parar, ver e refletir” (participante nº 5, 16/08/2015).

 

    Conservação e respeito ao meio ambiente também fazem parte dos objetivos dos Passeios, assim comentou o coordenador quando o questionamos sobre ações de Educação Ambiental, pois, “toda educação ou é ambiental, ou não é educação; toda ação ambientalista ou é educadora, ou não é ambientalista; toda educação ambiental ou é transformadora e popular, ou não é educação ambiental” (Cornell, 2008a, p. 9). Ainda, em relação à Educação Ambiental, devemos nos preocupar com o futuro da vida e com a qualidade da existência das presentes e futuras gerações. (Carvalho, 2014)

 

    No segundo Passeio na Colônia o trajeto foi conhecer o Morro Gaúcho, no município de Arroio do Meio, RS, Brasil, e como no outro nos foi servido um café colonial no galpão da integração que fica no trajeto do morro (Diário de campo nº 2, 27/09/2015). Antes da partida, uma estudante de Educação Física orientou um alongamento para nos preparar para posterior caminhada. O passeio começou, inicialmente, pela estrada de acesso ao Morro (Diário de campo nº 2, 27/09/2015).

 

    Inicialmente, todos contemplaram uma ovelha (figura 1) que estava em seu cercado, em seguida uma grande árvore que promoveu a admiração de quem por ali estava passando (Diário de campo nº 2, 27/09/2015). Mais uma vez teve-se um relato de admiração de um participante: “Esta é uma sensação única. Depois do café, ver esta bela árvore e esta ovelha tranquila logo no início do passeio. Imagina o que vem pela frente!” (participante nº 9).

 

    No passeio três foi entregue um lembrete com algumas dicas, tais como: seja cortês com as pessoas e dissemine as práticas de mínimo impacto; seja discreto, não faça ruídos desnecessários, lembre-se que seu companheiro de passeio pode desejar curtir o trajeto em silêncio; deixe apenas pegadas pelo caminho e traga todos os seus resíduos de volta; seja pacífico, não cometa nenhuma agressão contra a fauna e a flora (Diário de campo nº 3 18/10/2015).

 

    Ainda, em cada comunidade visitada, além das pegadas, os participantes deixam suas marcas através do plantio de árvores nativas (figura 2), que foi possível observar e que foi um relato unânime entre os entrevistados quanto as ações de Educação Ambiental que os Passeios proporcionam.

 

    Foi nos momentos de contemplação (figuras 1 e 2) da natureza, que pudemos apreender os significados para os participantes: a formação de uma teia de aranha, o nascer do sol escondido entre a neblina, ouvir o canto do pássaro. Vimos cada participante contemplar a natureza a sua maneira, uns olhando as paisagens, escutando os sons do vento nas folhas, o canto dos pássaros, outros tirando fotos, seja de uma árvore, de um tucano escondido entre folhas e árvores, ou de uma ovelha em meio a pastagens, cavalos, córregos... “Tudo isto mostra a emoção que se sente em estar fazendo este passeio, conforme falas dos participantes nº dois, quatro, seis, sete, oito nove, dez e onze em relação a pergunta: se pudessem expressar com palavras os sentimentos quais seriam: Emoção” (Diário de campo nº 3, 18/10/2015).

 

Figura 2. Registro de lugares pelos quais as participantes passaram e plantio de mudas de árvores

Fonte: Autores

 

    Nesse sentido, os Passeios na Colônia possibilitam experiências que se aproximam da proposta australiana “Slow pedadogy of place” (ecopedagogia) defendida por Payne e Wattchow (2009). Os autores defendem a valorização da educação experiencial a partir da experimentação da paisagem, auxiliando as pessoas a compreenderem as relações do seu corpo e da natureza, no tempo e no espaço, fenomenologicamente. A partir do destaque à importância do corpo, procura-se fazer uma pausa ou habitar em espaços por mais tempo do que um breve momento; portanto, incentiva-se as pessoas a se unirem e a receberem o significado daquele lugar.

 

    A slow pedagogy traz para a "experiência vivida" um sentido diferente de "tempo". Esta proposta ecopedagógica funciona como forma de desconstrução fenomenológica das camadas pessoais, sociais, culturais e ecológicos de experiência. As experiências de aprendizagem ocorrem através de inúmeras oportunidades de intensiva sensação corporal e consciência/percepção, descoberta e redescoberta (Payne & Wattchow, 2019). Somando a esta proposta, Neuenfeldt e Mazzarino (2016, p. 34) nos dizem:

    [...] pensar o corpo como lugar onde a experiência da Educação Ambiental nos toca pode ser uma alternativa para conseguir mudanças de atitudes frente à atual crise ambiental. Isso implica reconhecer que o homem é parte constituinte da natureza, opondo-se à perspectiva de objetificação da natureza e do próprio corpo. É compreender que cada sujeito constrói a sua própria experiência.

    Para muitos praticantes dos Passeios, os significados relacionam-se a um momento de reflexão, uma possibilidade de contato com a natureza sem precisar destruí-la, mas também fica claro nas falas que é um momento de sair da rotina do trabalho e do dia a dia da cidade, de movimentar-se, procurando o bem-estar através de uma caminhada em meio à natureza. Sabendo-se que tudo “o que o ser humano pode fazer tem um potencial para gerar satisfação, os profissionais do lazer procuram oferecer atividades nas quais a experiência corpórea, por exemplo, vai além dos exercícios físicos’’ (Chao, 2004, p. 216). Abaixo falas dos participantes quanto aos significados dos Passeios:

    Poder fazer algo diferente, sair da rotina do trabalho, do dia a dia da cidade, exercitar o corpo na natureza respirando o ar puro é uma sensação emocionante (participante nº 9,18/10/2015).

 

    Tivemos um momento de paz só nosso, de liberdade, ficamos em silêncio e observamos o que a natureza tem para nos oferecer (participante nº 7, 18/10/2015).

 

    Sair do barulho da cidade e escutar o som da natureza renova minha energia, aumenta minha autoestima (participante nº 2, 16/08/2015).

 

    Ver o nascer do sol escondido na neblina, essa hora da manhã é lindo demais (participante nº 10, 18/10/2015).

    Bruhns (2006) propõe a prática da caminhada pois possibilita a reflexão sobre o espaço e sobre o envolvimento do caminhante com esse espaço, bem como, colabora com processos de revisão e de redimensionamento de aspectos da realidade. “O envolvimento com o ambiente no qual ocorre a caminhada torna-se mais acentuado e duradouro quando comparado com atividades em que o impacto do instantâneo faz-se presente, casos das descidas em corredeiras com botes infláveis” (Bruhns, 2006, p. 27). Os benefícios da caminhada apontadas por Bruhns foram evidenciadas nos Passeios na Colônia e potencializadas em razão do tempo permitir a contemplação, a interação com a natureza e com a cultura dos moradores locais.

 

    Na caminhada, de acordo com Bruhns (2006), a experiência sensível é pessoal, combinando prazer estético e desejo de conhecimento. Aguçam-se os sentidos num meio ambiente que rompe regras formais de eufonia e estéticas e induz a contemplação. Na caminhada, um corpo move-se com liberdade, a qual permite a escolha para perceber, sentir e tocar o meio ambiente. Essa proposta busca rever a relação homem-natureza, que não precisa ser permeada pelos princípios agonísticos, tal como ocorre nas atividades físicas de aventura na natureza que, quando desenvolvidas de forma competitiva, dificulta a construção de uma relação de parceria entre homem e natureza.

 

    Também se evidenciou nos outros Passeios que em cada comunidade visitada foram plantadas mudas de árvores nativas para que cada participante pudesse refletir, compartilhar, experimentar o contato com a natureza, produzindo uma sensibilização nas pessoas sobre os cuidados necessário com a natureza. Cornell (2008b) defende que devemos criar situações de aprendizagem em que a natureza se torna a educadora:

    A indescritível beleza de uma flor A graça de um pássaro voando alto. O som de vento nas árvores. Em algum momento de nossas vidas, a natureza nos toca, a você, a mim, e a todos nós de alguma maneira pessoal e especial. Seu imenso mistério nos revela um pouco de sua pureza, e nos faz lembrar-se de uma vida que é maior de que os pequenos afazeres humanos. (Cornell, 2008b, p. 19)

    Todos nós estamos em busca de uma construção de valores, conhecimentos, e amadurecimento da própria identidade. Sendo assim, os Passeios são uma forma das pessoas refletirem sobre seu cotidiano e a relação que estabelecem com o meio em que vivem. Ao longo da trajetória da humanidade perdemos a capacidade de sentir e emocionar-se. As pessoas passaram a viver isoladas dos ambientes naturais, deixando de fazer parte destes. Nos Passeios constatamos que os participantes buscam esta relação perdida, este sentimento guardado dentro de si, que foi deixado para traz, sufocados pelos afazeres do dia a dia, da rotina do trabalho da modernidade. Isso está presente na fala do participante 3: “Venho buscar um sentimento esquecido por causa da rotina do trabalho, um pouco de silêncio. Ouvir somente o som da natureza”.

    Talvez a busca exacerbada pela natureza ocorra não tanto pela devastação ocorrida ou pela prática indiscriminada desta, o que resultou em grande extinção e desequilíbrios complicados do planeta, como também pelo sentimento de abstenção gerado nas cidades, onde o cimento prevalece juntamente com todos os desníveis gerados pelo crescimento indiscriminado dos centros urbanos, provocando uma série de problemas estressantes, como congestionamentos, barulho, poluição do ar, infraestrutura escassa de abastecimentos, dentre outros. (Bruhns, 2006, p. 37)

    Portanto, os Passeios na Colônia são uma opção atraente para as pessoas que buscam inspiração, estímulo e o bem-estar para suas vidas, pois se sentirão privilegiadas diante da possibilidade de interação com a natureza e com as comunidades locais. Contudo, no que diz respeito a formação ecológica, os passeios podem potencializá-la se buscar inspiração nas experiências desenvolvidas com trilhas interpretativas. Blengini et. al. (2019) mencionam que as trilhas interpretativas transformam a interação de uma caminhada em um momento de ensino e aprendizagem marcado pela reflexão e pelo empoderamento da importância dessas localidades. “É uma possiblidade para trabalhar temas que muitas vezes não são conhecidos por pessoas que não tiveram a oportunidade de vivenciar uma experiência em uma área natural, principalmente em contextos atuais, nos quais a vida cotidiana se passa, majoritariamente, em áreas urbanas”. (Blengini et al., 2019, p. 158)

 

Conclusão

 

    Com este estudo constatamos que os Passeios na Colônia proporcionam a aproximação da relação homem–natureza. Hoje, vivemos num mundo norteado pelos afazeres do trabalho, de casa, dos estudos, o que dificulta termos contato direto com a natureza. Dessa forma, os Passeios na Colônia, que acontecem no Vale Taquari, RS, Brasil, possibilitam aos participantes refletirem sobre o seu cotidiano.

 

    Nada substitui a experiência propriamente dita e essa se dá pelo corpo. Os Passeios resgatam relembranças da infância, renovam energias, elevam a autoestima e possibilitam movimentação corporal. O principal aspecto destacado pelos participantes não é o gasto calórico ou a melhoria da aptidão física, mas “dar um tempo para si”, poder contemplar, admirar, deixar seduzir-se pelas belezas naturais e pela simplicidade da vida do campo.

 

    Os Passeios na Colônia são momentos de sensibilização, em que pequenas ações como o plantio de uma árvore, o cuidado que devemos ter com a fauna e a flora, a preocupação em não poluir a natureza e a relação de cordialidade com as outras pessoas, possibilitam a conscientização das consequências das nossas ações para gerações futuras. Eles são uma possibilidade para se ter contato com a natureza, sentir o vento, escutar o som dos pássaros, o som da água correndo e caindo da cascata, admirar a estrutura da teia de uma aranha, o horizonte que se vê do alto do morro, enfim, momento de refletir, compartilhar, experimentar e estabelecer afetos.

 

    Portanto, em tempos em que o crescimento econômico, na maioria das vezes, tem contribuído para a crise ambiental, o Ecoturismo apresenta-se como uma alternativa em que interesse econômico e sustentabilidade podem andar juntos. Nesse sentido, ele desperta não apenas para o cuidado que devemos ter com o patrimônio ambiental, mas também com o patrimônio cultural. Os Passeios na Colônia possibilitam que as comunidades locais sejam valorizadas e consigam gerar uma renda a partir dos produtos que produzem da terra.

 

    Por outro lado, mesmo constatando ações voltadas à Educação Ambiental, tais como o plantio de árvores, percebemos que há espaço para potencializá-las e inserir novas práticas educativas, tais como o desenvolvimento de vivências com a natureza já difundidas por diversos educadores ambientais (Matarezi, 2006; Cornell, 2008a; Blengini et al., 2019) que exploram os sentidos corporais como forma de promover uma relação aprofundada entre homem e natureza, destacando-se a compreensão de o homem também ser natureza.

 

Nota

  1. Os Passeios de 40 km ocorrem em mais de um dia e há participantes que os fazem como uma preparação para a peregrinação de Santiago de Compostela, Espanha.

Referências

 

Betrán, J. O., & Betrán, A. O. (2006). Proposta Pedagógica para as atividades físicas de aventura na natureza (AFAN) na Educação Física do Ensino Médio. In: A. Marinho, & H. T. Bruhns, (Org.). Viagens, lazer e esporte. Barueri: Manole, p. 180-210.

 

Blengini, I. A. D.; Lima, L. B.; Silva, I. S. M., & Rodrigues, C. (2019). Trilha interpretativa como proposta de Educação Ambiental: um estudo na RPPN do Caju (SE). Revista Brasileira de Ecoturismo, 1, (2), p. 142–161.

 

Bruhns, H. T. (2006). Ecoturismo e caminhada: na trilha das ideias. In: A. Marinho, & H. T. Bruhns (Org.). Viagens, lazer e esporte. Barueri: Manole, p. 27-42.

 

Carvalho, I. C. de M. (2014). Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico (6ª ed.). São Paulo: Cortez.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 257, Oct. (2019)