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Avaliação nas aulas de Educação Física da
Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: um estudo de caso

   
Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Prática
Pedagógica na Educação Física e Ciências do Esporte (F3P-EFICE)
Escola de Educação Física
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Brasil)
 
 
Lusana Raquel de Oliveira
Vicente Molina Neto
Elisandro Schultz Wittizorecki
Fabiano Bossle

vicente.neto@ufrgs.br
 

 

 

 

 
Resumo
    O presente estudo trata da avaliação nas aulas de Educação Física realizado pelos professores da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre/RS (RME/POA). Através de um estudo de caso em uma escola dessa Rede de Ensino, buscamos compreender como ocorre a avaliação por esse coletivo docente na perspectiva do ensino organizado por ciclos de formação. Nossas interpretações das informações coletadas através dos registros das observações, das entrevistas, dos documentos e da literatura sobre o tema nos permitiram construir duas categorias de análise que discutem o conhecimento sobre avaliação e a prática de avaliar.
    Palavras-Chave: Avaliação; Educação Física Escolar; Ciclos de Formação.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 97 - Junio de 2006

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Introdução

    Este estudo trata da Avaliação na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, a partir da perspectiva dos professores de Educação Física. O interesse pela realização dessa investigação nesse contexto se dá pela singularidade do Projeto Político-Pedagógico adotado desde 1995 com a implantação de reestruturações curriculares tendo nos ciclos de formação o principal ícone dessas mudanças.

    Desde então, a Educação Básica na RMEPOA tem se estruturado em três Ciclos de Formação, tendo cada Ciclo a duração de três anos, ampliando de oito para nove anos a escolaridade básica obrigatória do Ensino Fundamental (BRASIL, 1996), o que permite uma continuação no processo de ensino-aprendizagem, do planejamento e da prática pedagógica dos educadores, que compartilham a responsabilidade pela aprendizagem com todo o grupo de docentes. O primeiro Ciclo agrupa os estudantes dos 6 aos 8 anos e 11 meses, onde as crianças estão se adaptando à escola e iniciando seu processo de socialização. O segundo Ciclo vai dos 9 aos 11 anos e 11 meses, período em que as crianças diminuem o egocentrismo social, passam a formar grupos e a respeitar os outros em suas diferenças. O terceiro Ciclo vai dos 12 aos 14 anos e 11 meses, onde o adolescente já constrói sistemas e teorias, usando abstrações e testando insistentemente suas capacidades (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1996).

    Os Ciclos de Formação se caracterizam pela realização de atividades pedagógicas a partir das vivências, saberes e experiências, com os alunos "enturmados" através de sua faixa etária, com diferentes ritmos, tempos, dificuldades e facilidades de aprendizagem. Ocorre um aumento da exigência sobre estudantes e a escola, considerando cada um como parâmetro de si mesmo. Coloca-se a interdisciplinaridade no centro do fazer, pensar e sentir, implementando novas modalidades de ações e estratégias que comprometem toda comunidade educativa no sucesso do educando (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1999).

    O ensino por Ciclos busca romper com a lógica da retenção, promovendo o avanço permanente do estudante entre ciclos, transformando e construindo uma sociedade diferente, mais justa, desenvolvendo potencialidades dos alunos, sua autonomia, auto-organização, trabalho, consciência e socialização (KRUG, 2001).

    Diante dessa breve apresentação sobre os ciclos de formação na perspectiva da RMEPOA, apresentamos a seguinte questão de pesquisa: como se constitui a avaliação nas aulas de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre? Com este problema, buscamos compreender o que é avaliado e como é feita a avaliação nas aulas de Educação Física da RMEPOA, buscando compreender, também, a avaliação no contexto escolar por Ciclos de Formação.


Decisões metodológicas

    Para a construção dessa pesquisa realizamos um estudo de caso. O estudo de caso é, sobretudo, a eleição de um objeto a estudar (MOLINA, 2004). Constitui-se em uma unidade dentro de um sistema mais amplo, desenvolvido em uma situação natural, rico em dados descritivos, com um plano aberto e flexível e focalizando a realidade de forma complexa e contextualizada durante um período de tempo. Dessa forma, a pesquisa foi realizada em uma escola da RMEPOA.

    A Escola Municipal de Ensino Fundamental São Pedro está localizada na Rua Beco da Taquara, sem número, na Lomba do Pinheiro, no município de Porto Alegre/RS. A escolha desta escola se deu pelo fato de já termos visitado em outra ocasião, por já conhecermos a escola e os professores de Educação Física, pela facilidade de acesso e disponibilidade dos professores em participar. Para preservar a identidade dos colaboradores, seus nomes foram trocados por outros nomes fictícios, que figuram no decorrer deste trabalho.

    Iniciamos o estudo em agosto de 2004 realizando a revisão de literatura sobre o tema avaliação. O trabalho de campo teve duração de três meses onde foram realizadas 26 observações de aulas de Educação Física. Além disso, houve participação em reuniões e em diferentes momentos na escola, como por exemplo, os recreios - registrados em diário de campo. Foram realizadas quatro entrevistas (gravadas e transcritas) com os quatro professores de Educação Física participantes da pesquisa.

    Além destes instrumentos de coleta das informações - observação participante, entrevistas semi-estruturadas e diário de campo - adotamos, também, a análise de documentos oficiais como a Proposta Político-Pedagógica, cadernos de chamada dos professores e um informativo da escola.


Análise das informações

     Construímos duas categorias de análise, cujo substrato emergiu das informações dos diferentes instrumentos de coleta de informações. A primeira delas refere-se aos "Conhecimentos sobre Avaliação", apresentando as concepções dos professores de Educação Física sobre Avaliação. A segunda categoria trata da "Prática de Avaliar", buscando compreender a avaliação a partir da prática dos professores de Educação Física.


Conhecimentos sobre Avaliação

    Por que avaliamos? Segundo Hadji (1994), avaliamos porque nosso conhecimento das coisas é imperfeito, porque não nos contentamos com o próprio ser e também porque temos a idéia de uma "perfeição possível", com um sentimento de que é necessário nos aproximarmos dela o mais possível.

    Os professores colaboradores manifestaram neste estudo não ter havido "preocupação" com a avaliação escolar no curso de graduação. Segundo eles, "a graduação não dava muita atenção pra área escolar" (Rafael - professor colaborador), "não era uma exigência, ninguém cobrava, ninguém comentava muito" (Ana - professora colaboradora). Seria precipitado interpretar que o ensino superior não se envolve muito com a questão avaliativa, mas que, talvez, tenha tratado muito superficialmente o assunto. Segundo o professor Paulo (professor colaborador), a graduação se constituiu como "um processo de muita discussão, mas de pouca interferência direta de como se avaliaria, como se faria avaliação". A professora Luísa (professora colaboradora) também se refere a pouca referência que teve sobre avaliação na graduação, citando que a realidade da avaliação escolar, ela só foi conhecer na escola, avaliando através do exemplo dos outros colegas.

     Essa diferença, entre o conhecimento construído na graduação e o conhecimento necessário para atuar nas escolas, foi identificado também por Bossle (2003). Para o autor - que realizou sua investigação na mesma Rede de Ensino - os professores estão submetidos ao "impacto" entre os conhecimentos construídos na formação inicial e a "realidade concreta das Escolas da RMEPOA", em que, esses conhecimentos parecem não dar conta das demandas da prática pedagógica efetiva nas escolas. Outro aspecto seria o "impacto" entre os conhecimentos da graduação sobre avaliação e a avaliação nos ciclos de formação.

     Pereira (2004) cita que a falta de entendimento ou a ausência na busca do entendimento sobre a nova forma de avaliação pode ser interpretada como estratégia de resistência ao ensino por ciclos. Segundo o autor, a dificuldade em entender a nova forma de avaliar, aliada à incerteza sobre se esta é a melhor maneira de encaminhar o processo avaliativo, promove resistência à mudança e leva os professores a desejarem as práticas avaliativas anteriormente realizadas, como se pode perceber pelo trecho da entrevista do professor Paulo (professor colaborador): "o grande problema é que existe uma questão teórica e uma questão prática.

    E aí tu entras com um envolvimento muito grande dos profissionais... de quererem ou não fazer o tipo de avaliação que é proposta para os ciclos, e até mesmo de entendimento da proposta dos ciclos".

    Na escola onde foi realizado o estudo, a avaliação é feita no conjunto do coletivo docente, através de um parecer descritivo dos alunos, construído por todos os professores daquele ano-ciclo. A professora Luísa (professora colaboradora) acha que a avaliação nos ciclos foi um avanço: "não digo que... tudo seja um mar de rosas nos ciclos porque tem algumas coisas que eu discordo, né, mas avaliação, maneira de entregar o relatório por escrito, mais detalhado do que o aluno está fazendo, principalmente com os pequenos eu acho que deu uma acrescida boa". Os professores colaboradores do estudo concordam que o parecer descritivo é a melhor maneira de avaliar os alunos, acompanhando seu desenvolvimento ao longo do ano, não restringindo a avaliação - conforme cita Faggion (2000) em seu estudo - que não se trata de avaliar somente a participação do aluno em aula, se ele joga ou não, mas ao seu envolvimento como grupo, crescimento individual e a outros aspectos inerentes à sua formação como cidadão.

    Apesar de aprovarem o uso do parecer descritivo, o que confere certa autonomia à escola para criar seu instrumento de avaliação, os colaboradores se mostram um pouco confusos quanto a sua compreensão e utilização. A construção coletiva dos instrumentos de avaliação esbarra na avaliação individual feita por cada professor de sua turma - o querer ou não fazer do Paulo (professor colaborador), mostrando que os professores estão habituados a reconhecer individualmente o valor de suas áreas de conhecimento.

    A avaliação realizada no ensino por ciclos de formação é tratada de maneira diferenciada pelos professores, de acordo com cada ano-ciclo. Os instrumentos utilizados variam de acordo com os conteúdos que o professor selecionou em seu planejamento e o ciclo trabalhado. Ana (professora colaboradora) esclarece que no terceiro ciclo a avaliação é bem mais específica, enquanto que no primeiro ciclo ela é mais focada no desenvolvimento geral da criança. Luísa (professora colaboradora) reflete que a avaliação por nota também tem seus méritos, principalmente com os alunos maiores, já que a quantidade de conteúdos e matérias é maior, mas concorda com Ana (professora colaboradora) quanto ao parecer descritivo para os alunos do primeiro ciclo, pois a avaliação por escrito, em forma de relatório, proporciona um melhor entendimento e crescimento do aluno (VASCONCELLOS, 2005).

    Lüdke (2005) diz que são muitas as razões para a falta de sucesso, que se localiza mais no âmbito da escola e do sistema educativo do que propriamente do aluno, que, no entanto, é quem recebe o rótulo de fracassado. Não se pode responsabilizar a avaliação pelo fracasso escolar, mas também não se pode isentá-la dessa responsabilidade, pois ela representa um conjunto de mecanismos através dos quais se sanciona o sucesso ou insucesso do aluno. O professor Paulo (professor colaborador) mostra expectativas quanto à maneira de avaliar nos ciclos, esperando que ela consiga exercer sua função, que, segundo ele, é oferecer um retorno para o aluno, para os pais e poder, a partir dessa avaliação, trabalhar de maneira diferente. O conjunto de professores pode, segundo Lüdke (2005), buscar meios de satisfazer as necessidades e os estilos de cada aluno em seu percurso individual, garantindo condições de acompanhamento e atendimento do aluno e evitando o fracasso escolar.

    Mainardes (2001) cita que algumas limitações ainda permanecem, como a fragmentação do processo de formação contínua dos professores, a indiferença dos professores à proposta, as dificuldades no atendimento da heterogeneidade das classes, o desempenho insuficiente de muitos alunos, as estratégias de retenção dos alunos, a fragmentada organização do trabalho pedagógico nas escolas, a ausência de trabalho coletivo e de planejamentos e intervenções sistemáticas e planejadas. A professora Ana (professora colaboradora) desabafa, dizendo conhecer pouco sobre os ciclos e mostrando seu sentimento em relação a essa proposta de ensino: "Eu me sinto insegura, ainda, apesar, né, de tudo, todo tempo e... em relação a... colocações verdadeiras, é verdadeiro, eu não... eu, sinceramente até hoje não sei. Não sei se vou chegar a saber se é, né, mas eu tenho essa insegurança".

    Hadji (1994) levanta a hipótese de que se a avaliação contribui para resolver certos problemas, há a dúvida se ela deve ser exercida em proveito daqueles sobre as quais ela é exercida ou sobre seus agentes ou método de ensino. A lógica seria que servisse para a facilitação da aprendizagem e orientação tanto dos professores quanto dos alunos. No entanto, segundo o professor Rafael (professor colaborador), o que ainda existe é uma grande confusão tanto na prática pedagógica quanto na avaliação, porque os professores continuam avaliando como no ensino seriado, quantitativamente. Segundo ele, falta tempo para colocar a avaliação no papel, para pensar e escrever sobre o aluno. Paulo (professor colaborador) também cita a dificuldade de avaliar devido à heterogeneidade dentro da estrutura escolar, o que acaba criando situações que levam os professores a avaliar pontualmente, atrapalhando a comunicação entre os parceiros sociais do ato educativo.

    Os colaboradores citaram que apesar das constantes mudanças no campo da educação, o principal foco de discussão continua sendo a avaliação, que hoje é um reflexo do que está sendo exigido na sociedade e provavelmente continuará sendo uma discussão atual porque não se tem a "fórmula correta" de avaliar. A professora Ana (professora colaboradora) se questiona se é preciso ter um objetivo ao avaliar, em cima de quê deve ser criado esse objetivo, se ele vem pronto ou se é preciso criá-lo: para que serve possuir objetivo e em cima de quê deve-se avaliar. Segundo ela, a avaliação deve ser feita em cima de objetivos, independente de o ensino ser por ciclos ou seriado, concordando com Hadji (2005a) que diz que a primeira grande fonte de desvios ao avaliar, é ignorar o questionamento que dá sentido ao trabalho de avaliação.


A prática de avaliar

     Lüdke (2005) fala que a expansão da escola, ao acolher crianças provindas de outros grupos não favorecidos historicamente, representa um inegável ganho em nossos tempos. No entanto, antigos mecanismos continuam a imperar no interior das instituições escolares, entre eles a avaliação, que em vez de servir à função integradora, é usada como recurso para manter os alunos em posições desfavorecidas, contribuindo para que futuramente eles venham a exercer funções correspondentes.

    A proposta do ensino por ciclos traz a idéia de trabalho coletivo, onde os professores deixam de ser os responsáveis exclusivos pelos alunos de um ano-ciclo e passam a compartilhar com os colegas do estágio anterior de onde vem o aluno e também com os colegas do estágio posterior, ao qual ele se destina, a responsabilidade pelo seu desempenho e aprendizagem (LÜDKE, 2005). Mas conforme Luísa (professora colaboradora), cada professor faz a sua avaliação, já que cada professor é diferente e tem maneiras diferentes da avaliar, elaborando sua avaliação de acordo com o que trabalhou naquele trimestre.

    Isso mostra que ainda há limitações na aplicação prática da proposta dos ciclos, ou talvez no entendimento da proposta. Trabalhar em equipe, identificando objetos de avaliação e escolher ferramentas de modo coerente com o contexto ainda não é uma realidade vivenciada pelo ensino por ciclos, já que cada professor avalia conforme o andamento de seu trabalho e objetivos que gostariam que seus alunos alcançassem, sem que ocorra um planejamento coletivo. Pereira (2004) cita em seu estudo que parece haver um problema de comunicação no esclarecimento do que seja a forma de avaliação e a forma como se dá a progressão dos alunos dentro de uma lógica de ensino ciclado, o que gera tensão. Segundo ele, os professores não compreendem o que devem fazer, pois estão acostumados a reter os alunos, como faziam no ensino tradicional seriado.

    Na grande maioria dos processos avaliativos é freqüente a valorização exclusiva das respostas certas, havendo uma expectativa muito grande de que a criança seja capaz de um rendimento satisfatório. Mas o erro é parte importante da aprendizagem, já que expressa uma hipótese de elaboração de conhecimento, podendo ser considerado um erro construtivo (RABELO, 1998). Podemos perceber, de acordo com a fala de Luísa (professora colaboradora), que os alunos ainda são avaliados pelo método tradicional, com aspectos a serem seguidos: "conta participação, comportamento, se eles vêm sempre à aula, a maneira de tratar o colega, a maneira com que trata o material, o cuidado com as coisas da escola, né, maneira de se relacionar com os colegas".

    O maior desafio do professor, de acordo com Hadji (2005), é perceber e compreender onde está entrando e o que se espera dele ao envolvê-lo nesta ou naquela avaliação, de maneira a não participar de avaliações que estejam além de suas competências, para poder escolher as ferramentas de modo coerente com o contexto e evitar a contaminação de um tipo de avaliação por outro. O professor precisa ter em mente qual função procura servir, a da integração ou a da seleção.

    Os principais itens avaliados pelos colaboradores são: a participação, o relacionamento com os colegas, a socialização, o comprometimento durante as aulas e a parte prática, utilizando principalmente a observação durante as atividades desenvolvidas nas aulas. Segundo a professora Ana (professora colaboradora), não existe um instrumento, um teste, por exemplo, que possa avaliar o desenvolvimento do aluno de forma eficiente e proveitosa, contribuindo para a sua formação como cidadão. O professor Paulo (professor colaborador) explica que os instrumentos variam desde trabalhos e provas específicas até observação do aluno ao longo do ano, apresentada em forma de anotações em um dossiê.

    Os instrumentos de avaliação da escola onde ocorreu a pesquisa foram construídos coletivamente, dentro da proposta dos ciclos. Segundo Paulo (professor colaborador), foram feitas adaptações para que se pudesse chegar a um instrumento que contemplasse todos os anseios dos professores e que pudesse ser de fácil entendimento para quem estivesse sendo avaliado. Através desse documento (dossiê) que é emitido ao final do ano, o aluno e sua família conseguem acompanhar o processo de aprendizagem e os avanços do aluno, apesar de ainda questionarem a "nota" tirada. No entanto, Rafael (professor colaborador) afirma que esse instrumento não agrada a maioria dos professores, já que ele foi confeccionado na idéia de facilitar a maneira de fazer, de operacionalizar e entregar o dossiê.

    Para alguns ciclos a avaliação é descritiva e para outros não. No primeiro ciclo é feito um relatório através de observações (parecer descritivo) e no segundo e terceiro ciclos é utilizado um documento com alguns pontos determinados e itens a serem avaliados, segundo Paulo (professor colaborador). Ana (professora colaboradora) explica o funcionamento do documento utilizado no segundo e terceiro ciclos: "a gente traça objetivos, né, então nesses objetivos a gente assinala se atingiu parcialmente, se não conseguiu atingir, ou se atingiu, né, e... eu sempre procuro colocar atrás uma o... alguma observação que eu fiz, caso eu ache que seja necessário colocar essa observação".

    A maneira encontrada por Ana (professora colaboradora) para complementar a avaliação mostra a insatisfação com o atual instrumento utilizado. Na concepção de Rafael (professor colaborador), o que é feito hoje em dia é colocar "letrinha ou número" em categorias elaboradas pelos professores, e os alunos vão sendo classificados como iguais dentro dessas categorias para serem promovidos ou não ao final do ano. Vasconcellos (2005) cita que há um desvio dos objetivos:

"Em vez de se estar preocupado com a aprendizagem, com o desenvolvimento, com o crescimento, tudo passa a girar em torno da classificação, da constatação de que determinada realidade está adequada ou não, e pára-se por aí (p. 21)".

    Desde o início das observações, foi possível perceber que a prática do esporte em suas diversas modalidades era uma constante durante as aulas dos professores. Rafael (professor colaborador) confirma essa prevalência, comentando que procura avaliar dentro de atividades corporais que planeja, como jogos e esportes. A ênfase atribuída à prática do jogo levava a crer que os professores não planejavam suas aulas. No entanto, conforme a fala dos professores, há planejamento. No caso de Luísa (professora colaboradora), ela afirma seguir à risca o que planeja - e ele é coerente com o que é avaliado, apesar de, segundo Paulo (professor colaborador), o planejamento não dar certo quase nunca e ter que ser sempre readequado e até mesmo refeito.

    Faggion (2000) cita em seu trabalho que os professores devem proporcionar aos seus alunos momentos de reflexão e de orientação sobre como a atividade física está relacionada com a saúde. Para Paulo (professor colaborador), "o objetivo é que o aluno crie um conceito de atividade física em cima de algumas estruturas existentes na Educação Física". Como se pode perceber pela fala deste colaborador, não se pode exigir apenas desempenho e performance de uma criança, avaliar se ela participa ou não da aula, e sim, se ela entende a proposta do trabalho que vai ser feito, se ela está engajada no que está sendo colocado e, ainda, segundo Faggion (2000), seu envolvimento com o grupo, seu crescimento individual e outros aspectos inerentes à sua formação.

    Por trabalhar principalmente com os alunos de primeiro ciclo, Luísa utiliza-se muito da observação como forma de avaliar seus alunos, verificando o que eles conseguiram alcançar até o final do ano e se eles estão fazendo determinadas coisas próprias de seu estágio de desenvolvimento motor. Segundo ela, só se pode observar a criança no movimento, verificando seus progressos. No início do ano há uma conversa com as crianças e explicado para elas como será feita a avaliação e o que elas devem ter desenvolvido até o final do ano de acordo com sua faixa etária. Desse modo, a avaliação ajuda o aluno a aprender mais e melhor, assumindo uma dimensão orientadora a fim de permitir que ele tome consciência de seu progresso e de suas dificuldades para buscar novos conhecimentos.


Considerações finais

    Apesar de fazerem muitas críticas ao ensino por ciclos, os professores entendem como positiva a proposta da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Os colaboradores aprovam a maneira de avaliar o processo de ensino-aprendizagem considerando o aluno como parte do processo, e não como um produto, apesar de apresentarem dúvidas de como fazê-lo.

    Há muitas dúvidas dos professores participantes do estudo sobre como avaliar. Para grande parte desses professores a avaliação está direcionada à participação em atividades físicas desenvolvidas em aula. Esse aspecto parece carecer de mais reflexões. Para esse coletivo docente as limitações para realizar uma avaliação que contemple a Proposta Político-Pedagógica tem conseqüências como, por exemplo, a autonomia e a individualização. Trabalhar sozinho, planejando e avaliando cada um do seu modo, sem clareza de como poderia construir o processo de avaliação, poderia promover práticas que não são as que contemplam a Proposta.

    Destaco que os critérios utilizados para avaliar recaem, invariavelmente, na participação e comprometimento. Esses aspectos comportamentais podem, por um lado, expressar a ausência de compreensão do que poderia ser avaliado, da limitação para a realização de um trabalho coletivo - que permitisse maior diálogo entre os professores desse coletivo sobre os critérios de avaliação e, por outro lado, de uma possível limitação da área de conhecimento da Educação Física nos campos teórico e prático sobre a avaliação, em que os debates construídos ainda não esclarecem - de maneira significativa - os professores nas Escolas.

    A relação entre planejamento e avaliação pode revelar uma outra limitação, como aponta Bossle (2003). Ao investigar o planejamento de ensino desse coletivo docente, o autor identificou um silêncio com relação à avaliação. Esse silêncio pode revelar a falta de compreensão sobre o processo de ensino-aprendizagem como um todo, em que planejamento e avaliação seriam partes distintas de um mesmo processo. A relação entre planejamento e avaliação pode ser interpretada a partir de limitações, talvez, da formação, da ausência de orientações e encaminhamentos pedagógicos e de aspectos que envolvem a singularidade da cultura docente dos professores de Educação Física (MOLINA NETO, 1996).

    Embora a Proposta Político-Pedagógica da RMEPOA busque a construção de uma avaliação específica para o ensino organizado em ciclos de formação, os professores parecem realizar avaliações a partir de práticas anteriores na escola. Essa interpretação é construída a partir do contato com os professores na Escola, dos diálogos e das entrevistas em que foram observadas e/ou verbalizadas práticas identificadas com o ensino da Educação Física construído em escolas seriadas.

    Por fim, consideramos que esta pesquisa proporcionou a busca da compreensão sobre um tema que inquieta os estudantes de Educação Física em formação inicial - a avaliação. Em muitos momentos lidamos com pré-conceitos sobre avaliação ao nos deparar com as informações obtidas na revisão de literatura e, de maneira significativa, com a interpretação das informações coletadas junto aos professores de Educação Física e sua prática pedagógica na RMEPOA. Esse movimento possibilitou que compreendêssemos melhor o ensino por ciclos na perspectiva da RMEPOA e a prática pedagógica dos professores de Educação Física nas Escolas.


Referências

  • BOSSLE, F. Planejamento de Ensino dos Professores de Educação Física do 2º e 3º Ciclos da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: Um estudo do tipo etnográfico em quatro Escolas dessa Rede de Ensino. (Dissertação de Mestrado). Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS: 2003.

  • BRASIL. Lei 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

  • FAGGION, Carlos A. A prática docente dos professores de educação física do ensino médio das escolas públicas de Caxias do Sul. (Dissertação de Mestrado). Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS: 2000.

  • HADJI, Charles. Avaliação, regras do jogo: das intenções aos instrumentos. Portugal: Porto Editora, 1994.

  • _______. Por uma avaliação mais inteligente. In: Pátio. Porto Alegre: Artmed Editora, nº 34, maio/jul 2005a.

  • KRUG, A. Ciclos de Formação: uma proposta político-pedagógica transformadora. Porto Alegre: Mediação, 2001.

  • LÜDKE, M. A trama da avaliação escolar. In: Pátio. Porto Alegre: Artmed Editora, nº 34, mai/jul 2005.

  • MAINARDES, Jefferson. A organização da escolaridade em ciclos: ainda um desafio para os sistemas de ensino. In: FRANCO, Creso (Org.). Avaliação, ciclos e promoção na educação. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

  • MOLINA, Rosane M. K. O enfoque teórico metodológico qualitativo e o estudo de caso: uma reflexão introdutória. In: MOLINA NETO, V.; TRIVIÑOS, A. N. S. A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas. 2ªed. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Sulina, 2004.

  • MOLINA NETO, Vicente. La Cultura Docente del Profesorado de Educación Fisica de Las Escuelas Públicas de Porto Alegre. (Tese Doutorado). Universitat de Barcelona. 1996.

  • PEREIRA, Ricardo Reuter. A interdisciplinaridade na ação pedagógica do professor de educação física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. (Dissertação de Mestrado). Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS: 2004.

  • RABELO, Edmar H. Avaliação: novos tempos, novas práticas. Petrópolis: Vozes, 1998.

  • SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Ciclos de Formação: Proposta Político - pedagógica da Escola Cidadã. Cadernos Pedagógicos SMED nº 9. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Dezembro, 1996.

  • ______. Escola Cidadã: Construindo sua Identidade. A Paixão de Aprender. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, nº 9, Dezembro, 1999.

  • VASCONCELLOS, Celso S. A avaliação e o desafio da aprendizagem e do desenvolvimento humano. In: Pátio. Porto Alegre: Artmed Editora, nº 34, mai/jul 2005.

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