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1. Fundamentação Teórica

    Nas mais variadas modalidades esportivas, o fato de se "jogar em casa" pode ser determinante para o resultado final dos jogos. Isto é defendido pelos mais variados autores, e se aplica tanto no futebol como no beisebol, voleibol, futebol americano entre outros, por exemplo (Courneya e Carron, 1992; Nevill e Holder, 1999; De Rose Jr, 2002; Pollard, 2002). Ao longo da história da análise estatística de situações competitivas, as equipes da "casa" têm obtido vantagens que variam de 64% a 67%, considerando o aproveitamento "em casa" em relação ao total dos pontos decorrentes em uma determinada competição (Pollard, 1986).

    São vários os fatores que conferem à equipe mandante tais vantagens. Fatores estes que podem modificar a importância relativa da técnica, da velocidade, da força e da resistência aeróbica/anaeróbica dos jogadores (Pollard, 1986; Barnett e Hilditch, 1993; Reilly e Gilbourne, 2003; Drubscky, 2003), por exemplo. Influem inclusive nas táticas e no estilo técnico do jogo em disputa. As dimensões do campo de jogo fazem parte de um desses fatores que tem influencia sobre o resultado da partida. De acordo com a FIFA (2005), as medidas do campo devem estar entre 90 a 120 metros no comprimento e 45 a 90 metros na largura para jogos de caráter nacional (aqui avaliados), com a ressalva de que em hipótese de alguma o campo pode ter formato retangular.

    Acrescenta-se ainda o aspecto de familiaridade com este campo e estádio, sendo afirmado por Courneya e Carron (1992), Pollard (2002) e por Nevill e Holder (1999), que há uma maior consciência espacial do atleta da "casa", o que lhe permite uma orientação/reorientação mais eficaz nas ações decorrentes e exigidas na partida.

    O regulamento da competição pode evitar jogos seguidos para um time "em casa", ou impedir que o time da "casa" mude de campo sem aviso prévio, mas infelizmente não controla alguns fatores manipulativos que, segundo Silva (2004), podem ocorrer, como: dificultar indiretamente o adversário a se alojar em tempo previsto e/ou alojar em hotéis distantes e em locais barulhentos, ou deixar de garantir condições e horários adequados para o seu treinamento e reconhecimento do campo de jogo, e até mesmo interferir na condição do gramado minutos antes da partida. Com isso, pode-se considerar que o programa de competição estabelecido também é um fator influente.

    Alguns outros fatores ainda são citados como determinantes na obtenção dessa vantagem: a viagem realizada pelo visitante e sua decorrente fadiga, e a influência negativa da torcida local antes e durante os jogos. Sendo este último aspecto ressaltado por Agnew e Carron (1994), Nevill et al. (1996) e por Nevill e Holder (1999) como o de maior evidência, onde em seus estudos encontrou-se uma maior influência na "vantagem da casa" na medida em que aumenta a multidão.

    A resposta protetora para uma invasão territorial, sugere que há um incentivo motivacional importante nesta defesa, podendo haver alterações hormonais favoráveis ao desempenho desportivo nos competidores da "casa", e ainda mais se a rivalidade for exacerbada, é uma outra explicação que é documentada em estudos (Alcock, 1998; Neave e Wolfson, 2003).

    Outro fator importante é naturalmente o árbitro, sobre quem se exerce boa parte da pressão e contra quem se dirigem muitas tentativas de intimidação pelo ambiente "caseiro" propenso. Seja pelo quadro de atletas, comissão técnica, dirigentes ou pela torcida. De acordo com os estudos de Nevill et al. (1996) e Nevill et al. (2002), quando se trata de decisões importantes no aspecto arbitral, eles exercem forte influência a favor dos times da "casa".

    Acredita-se, porém, que o desempenho dos melhores times é menos influenciado pelo mando de jogo em detrimento aos piores, e que uma das conseqüências da experiência e da profissionalização é a maior independência em relação aos fatores que podem ser intervenientes no preparatório para a partida e nela em si. Desta forma, o presente estudo objetiva verificar se tal vantagem ocorre de forma significativa no atual futebol profissional de elite, dada a eqüidade de disputa de suas competições e ao equilíbrio e semelhanças que as equipes tem apresentado ultimamente nos diversos aspectos que envolvem sua composição e preparação ou treinamento, e da mesma forma poder traçar o perfil de sua incidência em diferentes países.

2. Metodologia

    Considerou-se como critério de inclusão os campeonatos nacionais profissionais de futebol disputados nas temporadas de 2002 a 2005 que apresentassem formas de disputas semelhantes e que tenham forte prestígio por parte da comunidade envolvida neste desporto, e também midiático, por questão de qualidade e facilidade no acompanhamento de seu andamento.

    Houve divisão das equipes em função do mando de campo: mandantes (M) e visitantes (V). Apuraram-se os resultados das partidas na relação vitória-empate e por distribuição de pontos "em casa" e "fora de casa". Apoiou-se no método proposto por Pollard (1986) para quantificar a "vantagem da casa", no qual considera que há tal vantagem quando o aproveitamento excede a 50% do total de pontos acumulados em todas as partidas.

    Os dados foram extraídos a partir do acompanhamento dos resultados oficiais dos jogos através de jornais, televisão e via internet, em sites especializados e nas respectivas confederações e associações nacionais de futebol. Estes dados foram processados em um programa Excel, Windows versão 2003, de onde foram obtidos os resultados dos indicadores analisados. Utilizou-se da estatística descritiva para tratamentos dos dados.

3. Resultados e discussões

    Foram observadas 9037 partidas de nove (09) campeonatos nacionais profissionais de futebol, que atenderam os critérios de inclusão com relação à semelhança na forma de disputa e a prestígio por parte da comunidade envolvida. A relação das competições que fizeram parte do estudo e o número de partidas analisadas, do total observada em cada uma, segue na Quadro 1 abaixo.

Quadro 1: Relação dos campeonatos e de suas respectivas temporadas e número de partidas que fizeram parte do estudo.

    Considerando o total de pontos decorrentes das 9037 partidas analisadas, verificou-se que o valor de aproveitamento em casa é de 61,70 ± 3,19% (Figura 1), que esta, portanto, acima do valor de 50% proposto pelo método de Pollard (1986), podendo afirmar que houve vantagem de "jogar em casa" nas partidas analisadas neste estudo.

Figura 1. Atribuição percentual do total de pontos decorrentes das partidas analisadas na condição "em casa" e "fora de casa".

    Na literatura pesquisada encontraram-se resultados percentuais próximos ao deste estudo. No estudo retrospectivo de Pollard (1986), analisando a liga inglesa de futebol em suas diversas divisões do período de 1888-1986, ficou evidenciado que o valor percentual da vantagem de "jogar em casa" não mudou ao longo destes anos, e que as diferenças entre as divisões são insignificantes. Esta vantagem ocorreu em torno de 64%, tendo como critério os pontos acumulados ao longo destas temporadas.

    Num outro estudo envolvendo a liga inglesa de futebol, Clarke e Norman (1995) analisando o comportamento individual de 94 clubes, componentes das quatro divisões da temporada de 1981-1982 a 1990-1991, encontraram um resultado de 62,1% na forma de média geral para a vantagem de "jogar em casa". Esta vantagem, analisada de forma individual por clube, ocorreu na proporção de 52,1%, 52,9%, 52,9% e de 53,3%, respectivamente, da primeira a quarta divisão.

    Analisando 2885 jogos da divisão de elite nos períodos compreendidos entre 1995 a 1998 na Itália (1044 jogos) e Inglaterra (999 jogos), e de 1996 a 1998 na Espanha (842 jogos), Palomino et. al. (2000) encontrou um valor médio de 63,16% na vantagem de "jogar em casa".

    Também considerando a distribuição de pontos "em casa" e "fora de casa", Cunha (2003) observou um resultado de 62,54% de aproveitamento "em casa", estudo este que envolveu a análise de 239 partidas de diversos campeonatos profissionais de futebol, de âmbito nacional e internacional. Neave e Wolfson (2003) encontraram valores maiores na liga Inglesa de futebol na temporada de 2000-2001, com valores de proporção de vitória "em casa" de 66%; 64%; 61% e 70% para a Divisão Especial; 1º Divisão; 2º Divisão e 3º Divisão respectivamente.

    Observa-se, a partir destes achados, que há uma tendência de redução da vantagem de "jogar em casa". Nas últimas décadas o futebol passou por profundas mudanças, quer seja no aspecto tático, físico ou técnico. Isto trouxe muito equilíbrio entre as equipes e que podem contrapor resistência a esta citada vantagem. Segundo Köning (2000) e Palomino et. al. (2000) há uma tendência de melhoria no desempenho das equipes quando elas jogam "fora de casa", ao se observar principalmente o aumento de resultados na forma de empates.

    Na Figura 2, abaixo, são apresentadas as médias das vantagens de "jogar em casa" das três temporadas nos diferentes países estudados.

Figura 2. Representação gráfica das vantagens de "jogar em casa" nos diversos países que fizeram parte do estudo.

    As características peculiares de um país, e por conseqüência de sua "escola de futebol", são elementos importantes e que podem interferir diretamente na forma de uma disputa esportiva e nos resultados de campo, podendo proporcionar também um impacto diferenciado e caracterizador na vantagem de jogar "em casa".

    Observou-se que o Brasil apresentou o maior valor médio da vantagem de "jogar em casa" (65,12% ± 5,38%). Já em contrapartida o menor valor médio foi da Argentina (58,57% ± 2,74%).

    Para o Brasil podem ser levantadas diversas hipóteses explicativas. Entre elas estão as dificuldades em termos de calendário competitivo e não padronização, ou a grande diferença nas dimensões dos campos de jogo e de seu piso. Destaca-se também a grande dimensão territorial do Brasil que leva os adversários visitantes a encontrarem dificuldades de deslocamentos para as partidas e nos preparatórios para ela em si.

    Segundo Leal (2001) e Drubscky (2003), o futebol brasileiro é caracterizado por pouca obediência tática, mas em contrapartida apresenta atletas com bons níveis de habilidade técnica, de bom repertório de dribles e fintas, de boa capacidade de improvisação, que podem ser fatores importantes quando se quer superar ou suportar o adversário em seus domínios. Diferentemente do futebol europeu, que conserva ao longo dos anos um estilo de jogar mais tático e estratégico que podem favorecer na disputa "fora de casa", fato que foi evidenciado na equidade dos valores da vantagem de "jogar em casa", encontrado neste estudo.

    Na Argentina a justificativa pode estar embasada nos fatores levantados por Damo (1999) para o futebol gaúcho, que tem região geográfica próximo aos países portenhos, como o clima hostil - frio chuvoso etc. - e, por extensão, os gramados mais pesados, exigem mais ênfase na preparação física dos jogadores e, conseqüentemente, isso dá um caráter mais competitivo de "pegada" e mais aguerrido nas disputas. Salienta-se ainda que na Argentina preservam-se muitos laços culturais com a Europa e seu futebol, por conseqüência, apresenta também uma cultura futebolística de bastante respaldo tático, principalmente no que tange ao sistema defensivo que pode proporcionar um maior equilíbrio nas disputas. Outro fator que se deve levar em conta, é que no campeonato argentino as maiorias das equipes se encontram na província de Buenos Aires. Com isso, ocorre um menor deslocamento da equipe visitante, diminuindo assim um dos fatores que ajudam a manter a vantagem de "jogar em casa".

     Brizzi (2002) coloca que o fato de um "bom nível de igualdade", relacionado ao futebol europeu, é freqüentemente associado com um nível técnico alto das equipes encontradas nas competições de países como Espanha, Itália, França, Inglaterra e Alemanha, que compuseram também esta pesquisa e que apresentaram valores bem próximos na vantagem de "jogar em casa". Soma-se a isto o grande poderio financeiro das equipes européias, que podem se estruturar e fortalecer os elencos com atletas de qualquer parte do mundo, além dos aspectos geográficos que facilitam em termos de deslocamentos e de preparação para as partidas.

    Pela Figura 3 verifica-se também haver uma predominância de vitórias das equipes mandantes (47,93 ± 3,82%) sobre as visitantes (25,52 ± 3,50%), com 27,38 ± 4,45% de empates, onde o critério de apuração dos resultados das partidas foi na relação vitória-empate.

Figura 3. Distribuição percentual dos resultados encontrados nas partidas analisadas tendo
como critério vitórias de mandantes, visitantes e empates.

    Palomino et. al. (2000) ao estudar 2885 jogos nos períodos compreendidos entre 1995 a 1998 na Itália (1044 jogos) e Inglaterra (999 jogos), e de 1996 a 1998 na Espanha (842 jogos), encontrou valores de 27,73% de empates e 48,08% e 24,19% de vitórias para mandantes e visitantes respectivamente.

    Seguindo também o critério da relação vitória-empate, o estudo de Marques (2002) sobre a liga portuguesa das temporadas de 1960 a 2001, apresenta uma tendência para a redução do desempenho comum dos times, ocasionado um aumento significativo de empates. Ao mesmo tempo, neste mesmo estudo, observa-se uma melhoria no desempenho das equipes quando elas jogam fora de "casa", principalmente depois do começo dos anos noventa. Os resultados percentuais apresentados por este autor nas temporadas de 1990 a 2001 para vitórias das equipes mandantes, das visitantes e empates são respectivamente: 51,7%; 22,0% e 26,3%. Estes dados seguem a tendência internacional, onde Dobson e Goddard (2001) confirmaram tal disposição nas últimas dez estações européias, com ritmo acentuado desta tendência nos campeonatos espanhol, alemão, francês e inglês.

    Para Marques (2002) o fator psicológico de "jogar em casa" vem perdendo a importância ao longo dos tempos a partir do momento em que as disputas passaram a ser de três pontos. Ao mesmo tempo, a melhoria dos modos de comunicações e de transportes diminuiu a fadiga dos jogadores no deslocamento até a casa do mandante.

    A presença percentual considerável de empates (27,38 ± 4,45%) na Figura 3 pode ser explicada ainda, pelo fato de que as equipes visitantes geralmente adotam táticas especiais de cunho defensivo (Pollard, 1986; Fernandes, 1994; Drubscky, 2003).

    Quando a vantagem de "jogar em casa" não sobressai e/ou é anulada pelos adversários, ocorre um forte equilibro competitivo entre as equipes, e a partir daí o que se segue é a tendência do futebol moderno, em que os detalhes circunstanciais podem estar decidindo muitas partidas. Estes detalhes estão nas esferas físicas, técnicas, táticas e psicológicas, sendo que as duas últimas e com suas diversas inter-relações, têm apresentado um peso especial ultimamente, e é onde os técnicos podem buscar um diferencial competitivo para suas equipes (Fernandes, 1994; Elliot e Mester, 2000; Bompa, 2002; Drubscky, 2003).

    Desta forma, a aplicação de estatística no futebol pode ajudar estrategicamente um time a buscar melhores resultados em campo. Ao observar certos padrões de comportamento das equipes em determinada competição e também as características de sua "casa", permite-se levantar informações que, se olhadas isoladamente podem não aparentar que têm algum significado. Mas se analisadas em sucessivas repetições, permitem buscar e desenvolver estratégias e táticas de jogo mais realistas para uma equipe na busca de resultados positivos.

4. Conclusões

    Com a realização deste estudo, pode-se concluir que a vantagem de "jogar em casa" está presente no futebol profissional de elite, proporcionando um alto percentual de aproveitamento dos pontos decorrentes das partidas analisadas nesta condição. No entanto, é possível observar em alguns estudos que esta vantagem vem diminuindo ao longo dos tempos.

    Os resultados também indicaram presença considerável de empates, fator que demonstra a forte tendência do futebol moderno, que é a aproximação ou mesmo equilíbrio das equipes nos diversos fatores que o compõe.

    Os diferentes países em sua "escola de futebol" podem apresentar concepções diferenciadas na forma de uma disputa esportiva, sendo determinante e caracterizador na vantagem de "jogar em casa" tudo que gira em volta de uma disputa desportiva.

    O time da "casa" pode ter as maiores possibilidades de vitória e um alto aproveitamento de pontos jogando "em casa", e isto deve ser uma regra a ser seguida pelas equipes que buscam eficácia competitiva.

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