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Imagem corporal na perspectiva de Paul Schilder.
Contribuições para trabalhos corporais nas áreas de
educação física, dança e pedagogia

   
*Mestranda do programa de pós-graduação da
FEF/ UNICAMP
** Mestrando do programa de pós-graduação da
FEF/UNICAMP
***Mestranda em Artes Corporais pelo
IA/UNICAMP
 
 
Rita de Fátima da Silva*
rita_fatima@hotmail.com  
Rubens Venditti Júnior**
rubensjrv@yahoo.com  
Jussara Miller***
jussaramiller@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O objetivo deste estudo consiste em destacar alguns pontos das idéias de Paul Schilder e discuti-las, estabelecendo ligações entre sua perspectiva de corpo existencial e as diversas possibilidades de trabalhos corporais nas áreas da Pedagogia, Dança e Educação Física. Para isto, outros pesquisadores que abordam o tema imagem corporal aparecerão neste estudo. Os textos de Schilder utilizados são: 'A Estrutura Libidinal da Imagem Corporal' e 'Sociologia da Imagem Corporal''. Os mesmos fazem parte de seu livro 'A Imagem do Corpo ', datado de 1935. O autor entende a imagem corporal como sendo multidimensional, lábil e ligada à identidade do indivíduo. A importância desta visão integral do corpo e do reconhecimento da íntima relação dos aspectos fisiológicos, emocionais e sociais na construção da imagem corporal provoca uma inquietação epistemológica em relação às práticas corporais dentro daquelas áreas de atuação e intervenção.
    Unitermos: Imagem Corporal. Identidade. Trabalhos corporais.
 
Abstract
    The aim of this research consists at pointing some Paul Schilder's ideas and discuss them, finding conections between his existencial body perspective and some possibilities of body interventions at Pedagogy, Dance and Physical Education areas. For this, some others researchers of body image will appear in the study. The texts of Paul Schilder used here are: 'The libidinal structure of Body Image' and 'Sociology of Body Image'. Both of them belong to his book titled 'The Body Image', dated from 1935. The autor understands 'body image' as being multidimensional, ephemeral(dinamic/changeable) and associated to individual personality. The importance of this entirelly vision of body and relation of the physiological, emotional and social aspects at body image building brings an epistemologycal unrest about body practices inside the educational areas.
    Keywords: Body Image. Identity. Body practices.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 68 - Enero de 2004

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Introdução

"A arte de conviver não está na aceitação total das
coisas um do outro e sim nos compartilhamentos, pois isso
nos dá o verdadeiro sentido do grau de envolvimento."
(Araújo, 2003)

    Este artigo é o resultado de um estudo interdisciplinar, compartilhado entre profissionais e pesquisadores interessados no entendimento do tema Imagem Corporal, para as áreas de Educação Física, Dança e Pedagogia.

    Esta interdisciplinaridade criou um "corpo autoral" que analisa o tema de maneira plural e sob diversas óticas. Mesmo nas especificidades de aplicação para cada área, temos como eixo comum o corpo- foco de nosso estudo.

    A elaboração de um trabalho sobre Imagem Corporal vem ao encontro de nossas reflexões como educadores(as) e pesquisadores(as) do movimento- através do qual podemos desenvolver trabalhos corporais; fazendo render muitas conclusões e questionamentos positivos, além de possibilidades integradas de intervenção.

    Por meio de discussões e contato com o tema em uma disciplina cursada na Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp)1 e por nossas experiências profissionais, nos deparamos com a necessidade de compreensão de nosso objeto(ou melhor, sujeito de estudo)- o Corpo- e suas manifestações através do movimento.

    Para responder estas inquietações epistemológicas sobre a construção da imagem corporal e suas influências através de e para nossas atuações pedagógicas, efetuamos um estudo teórico do tema e também buscamos associações, impressões e opiniões.

    Com dados coletados em encontros dirigidos acerca dos questionamentos mais pertinentes ao assunto Imagem Corporal para uma professora de Dança, uma Pedagoga e um Educador Físico- o corpo autoral citado anteriormente, cada um(a) com sua respectiva ótica e concepções a respeito do tema.

    De acordo com Turtelli, Tavares & Duarte (2002), que em seus trabalhos investigativos - nos quais consultaram diversas bases de dados disponíveis via internet a respeito das perspectivas de abordagem sobre o tema imagem corporal e suas relações com o movimento- o início das pesquisas em imagem corporal datam da virada do século XX.

    Os estudos tinham grande envolvimento por parte dos neurologistas que desejavam investigar distúrbios de percepção corporal em seus pacientes com lesões cerebrais no sistema nervoso central.

    Henry Head desenvolve o termo "esquema corporal", em 1911. Foi o primeiro a construir detalhadamente uma teoria a respeito da integração e unificação da percepção corporal (Fisher apud CAsh&PruzinskY, 1990, p.05-07).

    Este termo passa a ser compreendido como "um modelo postural padrão que cada pessoa constrói de si mesma e que serviria de referência para que ela pudesse contrapor a esse modelo suas diferentes posturas e movimentos" (Turtelli et al., 2002, p.152).

    Segundo os pesquisadores, Head (1911) enfatizou o papel do esquema corporal em orientar a postura e o movimento corporal.

    Uma grande inovação na temática surge com Paul Schilder, em 1935, que trata da imagem corporal de uma forma até hoje atualizada e aplicável em nossas áreas de atuação, daí nosso interesse em aprofundar-nos na perspectiva deste autor e assim contribuir para os diversos campos de atuação profissional, que envolvam o movimento, a atividade física e trabalhos corporais.

    Schilder passa a atribuir uma nova dimensão, ampliada e integrada da imagem corporal, na qual associa aspectos neurofisiológicos, sociais e afetivos; estabelecendo também estreitas relações entre a imagem corporal e a psicanálise.

    Percebemos este aprofundamento nos estudos sobre Imagem Corporal como sendo necessário para uma atuação profissional segura e qualificada. É de suma importância para que haja melhor compreensão do tema que se pesquise e analise detalhadamente as origens, as influências, e principalmente todo o histórico das idéias de Paul Schilder, considerado por FISHER (1990, p.07) como um dos pesquisadores que mais contribuiu para o desenvolvimento e avanço dos estudos em Imagem Corporal.


Visão panorâmica das idéias de paul schilder

    A obra de Paul Schilder- 'A Imagem do Corpo' (1994)- traz uma abordagem sistêmica do tema "imagem corporal", fruto de seus conhecimentos como neurologista, aliados aos de psicanálise e filosofia, que fortemente influenciaram sua obra.

    Schilder conceitua imagem (esquema) corporal afirmando que "... entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nossos corpos formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós" (Schilder: 1994, p. 11). E ainda:

"O esquema corporal é a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos. Podemos chamá-la de imagem corporal. Esse termo indica que não estamos tratando de uma mera sensação ou imaginação. Existe uma apercepção do corpo. Indica também que, embora nos tenha chegado através dos sentidos dos sentidos, não se trata de uma mera percepção. Existem figurações e representações mentais envolvidas, mas não é uma mera representação".(Schilder, idem)

    São considerações importantes desta sua abordagem sobre o tema:

  1. a imagem corporal, abordada no contexto existencial; no qual o indivíduo é uma personalidade que experimenta a percepção;

  2. a energia libidinal e corpo como inseparáveis;

  3. a conexão intrínseca da postura e do psiquismo (linguagem corporal); e

  4. embasamento na Psicologia Social 2 com base na experiência existencial do corpo.

    O autor tece comentários sobre a Teoria Psicanalítica, que embasa fortemente seus constructos sobre a imagem corporal.


Princípios psicanalíticos relativos à imagem corporal

    Segundo o autor, as primeiras experiências infantis são importantes para a conexão do indivíduo com o mundo e consigo, por toda a vida (influência da corrente psicanalítica, na importância dada às experiências da etapa da primeira infância). Nesta fase, estão acentuadas as experiências de sensações e exploração do corpo próprio. Uma das influências da psicanálise no autor podem ser observadas na ênfase e valorização que o mesmo atribui à fase genital e às questões relacionadas à sexualidade eminente no indivíduo, suas energias e catexias3 atribuídas à libido, dor, prazer e satisfação de necessidades.

    Outra influência psicanalítica é que o desenvolvimento da sexualidade genital passa a ser necessário para uma apreciação total das outras pessoas e de suas integridades somáticas. Segundo Schilder (1994), só experimentamos nosso corpo como unidade- como um todo- quando o nível genital é harmoniosamente alcançado.

    Isto leva a uma compreensão de que os processos de construção da Imagem Corporal se dão nos campos da percepção e também intimamente no emocional e libidinal, sendo estes últimos fortes influenciadores no respectivo processo.

    Uma abordagem interessante deste autor está em sua diferenciação e caracterização dos campos perceptivos e libidinal, através da necessidade do corpo existencial: o campo da percepção seria, para ele, relacionado ao mundo inanimado e aos estímulos externos (ambiente e outros corpos - superfície e pele). Já o campo libidinal caracteriza-se pelo mundo sendo captado em seu aspecto de animação, de movimento, amor e vida; daí ser dinâmico e relacionado às impressões mais pessoais e interiores, sendo o corpo o receptáculo no qual se incutem a animação, o amor e a vida pulsante dentro das energias psíquicas e libidinais.

    Schilder (1994) destaca a labilidade- ou fluidez- da imagem corporal, por estar em plena transformação, se reconstruindo e reestruturando a todo instante.

    A imagem corporal relaciona-se às relações intra e interpessoais, às emoções e sentimentos do indivíduo consigo, com os outros e seu ambiente, com uso de vestimentas e objetos de adorno, além de suas relações com seu próprio corpo na parte externa e interna do mesmo (superfície e interior do corpo).

    Isto pode ser observado quando o autor descreve a alteração do valor relativo ou então a clareza perceptiva de diferentes partes da imagem corporal, na qual uma parte do corpo é enfatizada ou abstraída em certos momentos.

    Este valor relativo de clareza perceptiva - ou ainda a sensibilidade relativa de determinada parte do corpo - sofre influência emocional; sendo também associada ao fenômeno da catexia descrito anteriormente.

    Com a forte influência emocional no processo de percepção da imagem corporal, além da dinâmica estruturação do processo de formação da mesma, podemos também compreender porque o autor identifica a alteração da percepção da gravidade do corpo, principalmente relacionada ao tônus muscular e às sensações de buracos(vazios) no corpo ou consolidações de partes internas, relacionados sempre a protuberâncias ou dobras dentro da percepção corporal.

    Estes "buracos" ou enrijecimentos de órgãos e/ou regiões do corpo têm suas origens neste processo de construção da imagem corporal e também podem ser compreendidos com bases na teoria psicanalítica, fortemente influente neste autor.

    Generalizando, o corpo traz consigo o esboço, o extrato de seu conteúdo. Esse corpo se expande ou se contrai em decorrência de circunstâncias que são psicológicas, influenciadas por fatores sociais e gerenciadas por aspectos fisiológicos.

    Outra ocorrência está ligada ao fenômeno da transposição, ou intercâmbio simbólico de órgãos do corpo, também diretamente relacionados ao foco de energia catéxica (catexia) depositada em certa região, parte ou órgão do corpo em decorrência de outro órgão ou parte do corpo que esteja em conflito ou desconexo de todo o modelo postural.

    Também as doenças e situações desfavoráveis de saúde exercem ações especiais no corpo humano, principalmente no aspecto fisiológico, que repercute diretamente em alteração de modelos posturais. Estas alterações incutem, portanto, em auto-percepções que alteram também a imagem corporal deste indivíduo submetido ao quadro patológico.

    A angústia é destacada por induzir um progressivo "desmembramento do corpo", e assim influir na construção de quadros degenerativos de imagem corporal.

    As principais análises que o autor discorre são relativas à personalização e despersonalização do indivíduo. Na primeira, tem-se a apropriação de partes do corpo alheio por meio de identificação, influência ou modelação sobre este indivíduo.

    Já o segundo termo, a despersonalização é caracterizada quando o indivíduo "foge" e abre mão de sua imagem corporal através da não-aceitação, fuga ou negação da identidade.


Conversão e Difusão

    Alguns processos mentais estão intimamente ligados à construção da imagem corporal, dentre eles a atividade cortical; que interfere no processo perceptivo, transformando-o num todo com partes distintas.

    O córtex simplifica o amontoado de impressões e impulsos intimamente relacionados e característicos do nível mais baixo de percepção e de mentalidade- que são a imagem; a percepção; a memória; o pensamento e o julgamento (Schilder, 1994, p.153).

    Nestas percepções, temos as "figurações", que sintetizam o desejo, a ação e a emoção. Pelas figurações, estabelece-se uma tênue linha entre percepção, imaginação e pensamento, sem contar que imagens perceptivas e mentais ligam-se a impulsos motores, ocasionando simbolizações e condensações.

    A conversão define-se então como a "expressão do conflito psíquico na esfera do corpo, quando a energia psíquica, impedida de se expressar, vai para o campo somático. É acentuação do processo psíquico..."(Schilder, 1994, p. 156), que transforma algumas partes do corpo em zonas sensitivas, isto é, partes do corpo que passam a ser pontos que atraem e refletem a conversão somática.

    Além da conversão, muitas vezes ocorre certa expansão e/ou destruição de partes da imagem corporal, caracterizadas psicologicamente como difusões.

    Schilder (1994) reconhece a importância da psicanálise, todavia, distancia-se de Freud em alguns pontos.

    O quadro-tabela que se segue (figura 02) retrata alguns destes diferenciais e com o mesmo, pode-se traçar um paralelo de análise entre Schilder, Freud e referências de Tavares :


Figura 01- Tabela ilustrativa com comentários de Paul Schilder(1994) sobre a teoria psicanalítica, do reconhecimento de sua importância à discordância de alguns pontos. Paralelo e análise comparativa, a partir de referenciais de Tavares(2003).


O ser no mundo: Influências sócio-culturais na imagem corporal

    Vale ressaltar que o interesse e atenção das pessoas que nos cercam exercem muita influência na elaboração de nossa imagem corporal, o que nos leva a concluir que no processo de estruturação da imagem corporal as experiências e sensações obtidas por ações e reações dos outros em nossas relações sociais são parte integrante do processo e da construção da imagem corporal.

    O ser no mundo ao construir-se constrói também os que o circundam, pois "as experiências visuais que levam à construção da imagem corporal pessoal levam, ao mesmo tempo, à construção da imagem corporal dos outros"(Schilder , 1994, p.188).

    Esta afirmação deixa claro que a imagem corporal não está presa aos limites do próprio corpo, mas, pelo contrário, vai além dele: "é um fenômeno social" (Schilder, 1994, p.189) porque justifica-se na existência deste ser no mundo, sendo que "o espaço interno e externo do modelo postural não é o mesmo da física" (Schilder, 1994, p.185).

    Contudo, a imagem corporal não está ligada apenas a configurações perceptivas estimuladas pelas configurações sensoriais. Há que se reconhecer que o aspecto emocional assume grande importância, aproximando ou afastando elementos deste mundo externo- "espaço específico que circunda a imagem corporal pode tanto aproximar os objetos do corpo quanto o corpo dos objetos. A configuração emocional determina a distância entre os objetos e o corpo" (Schilder, 1994, p.88).

    Isto ocorre porque, no ato de existir a pessoa não apenas se verá, mas verá seu corpo tanto quanto o corpo do outro. Portanto, é possível inferir que a libido da imagem corporal da pessoa que experimenta um desejo se dirige sempre para a imagem corporal do outro, "mesmo na fase narcisista há uma direção para algo presente que está vivendo e se encontra no mundo externo"(Schilder, 1994, p.188).

    Enquanto corpo no mundo há a necessidade de conhecer-se, saber-se. Tem-se curiosidade sobre o próprio corpo, a própria existência, assim mesmo em relação aos corpos e existência dos outros.

    Em relação ao próprio corpo tem-se a atitude de exploradores assim como de expositores: "desejamos expor nosso corpo a nós mesmos. A imagem corporal deve ser conhecida por nós e pelos outros"( Schilder, 1994, p.189).

    No entanto, esta relação se estende àqueles que estão em volta. Perceber o outro, o corpo do outro, como ele sente e manifesta esse sentimento é algo tão elementar quanto perceber a si mesmo e suas próprias emoções. Emoções estas que tanto se dirigem a própria pessoa quanto àquelas que fazem parte do mundo, e neste sentido as emoções também são sociais.

    Todavia, embora haja uma conexão entre os corpos, descobrindo-se um com o auxílio do outro, "a imagem corporal não é um produto da apropriação dos corpos alheios, apesar de podermos incorporar partes de imagens corporais de outras pessoas a nosso modelo postural"(Schilder, 1994, p.204).


Dor e libido4

    Dentro das idéias de Schilder (1994), principalmente ao analisar a estrutura libidinal e suas relações com a Imagem Corporal, cabe aqui discorrermos sobre as associações entre dor, libido e prazer, por serem extremamente pertinentes ao nosso estudo.

    Quando há qualquer dor em um órgão, o indivíduo é induzido a tocar, esfregar ou massagear; devendo-se frisar que, mesmo quando o toque é doloroso, esta tendência se manifesta como uma tendência psíquica da dor.

    Todas as energias fluem para o órgão doente, ou seja, o modelo postural do corpo fica sobrecarregado de libido narcisista5 na parte dolorida. Este órgão torna-se, então, um centro de renovada experimentação com o corpo, cumprindo um papel que normalmente pertence às zonas erógenas. Isto provoca uma regressão à esfera narcisista. Ao sentir dor, objeto e sujeito não ficam bem diferenciados um do outro e o corpo se torna o centro das atenções. O que se pode concluir é que existem vários fatores importantes para a estruturação final da imagem corporal.

    Muitas vezes a dor é sentida em partes do corpo onde, anteriormente, foi experimentado um prazer especialmente grande que não pode mais ser obtido. A dor aparece, sobremaneira, quando a pessoa deseja se punir por um prazer proibido; pode representar uma satisfação perversa como autodefesa e punição por fantasias também perversas.

    Schilder (1994) também faz observações com relação ao fator psicológico e a dor, ressaltando que a forma de lidar com a dor pode estar ligada à maneira que a pessoa vivenciou essas experiências na infância. As imensas diferenças individuais na sensibilidade à dor também podem estar baseadas em diferenças anatômicas, de origens basicamente biofisiológicas.

    Passa-se a considerar que a psicogenia da dor fica provada pelo fato de se basear na história interna do indivíduo. Aparentemente é uma alteração orgânica de base psicogênica, pois o que quer que ocorra no corpo tem significado e importância psicológicos específicos, tendo seus reflexos na psiquê e na estrutura somática entre corpo e emoções.


Desenvolvimento e construção da imagem corporal

    Schilder (1994) afirma que no processo de construção e desenvolvimento da imagem corporal a libido narcisista entrará em contato com as diferentes partes do corpo, sendo que nos vários estágios o modelo postural sofrerá mudanças contínuas. Ou seja, um indivíduo em que um desejo parcial se encontra aumentado sentirá determinado ponto do corpo - a zona erógena particular pertencente ao suposto desejo - no centro de suas imagens corporais, provocando variações na estrutura da imagem corporal segundo tendências psicossexuais desse indivíduo. Estas mudanças contínuas são influenciadas pelos fatores sociais, libidinais e fisiológicos. Uma experiência do indivíduo provoca instantaneamente uma mudança em sua imagem corporal.

    Nesse sentido tudo o que o corpo vivencia é extremamente importante e para estas vivências alguns 'gerenciadores' são fundamentais. Daí a importância e a responsabilidade que devemos ter ao elaborar e aplicar nossos trabalhos corporais, através de nossas intervenções pedagógicas.

    As zonas erógenas e os orifícios do corpo constituem a topografia do modelo postural como base de emoções fortes para o corpo. Através da identificação destes pontos no modelo postural o indivíduo tem contato mais íntimo consigo e com o mundo, preenchendo funções em sua vida. Os olhos, por exemplo, têm grande importância enquanto orifícios simbólicos através dos quais o mundo externo penetra o mundo interno do indivíduo.

    No entanto outras impressões sensoriais e vivências também fazem parte desta construção: os cheiros, os sabores, as sensações térmicas e táteis; que ajudam a compor o quadro de 'gerenciadores'. Contudo, ao lembrar das sensações táteis outro elemento importante de experimentação com o corpo surge: o contato e o toque (Montagu, 1988).


A pele e o toque

    Há sempre sensações contínuas que levam o indivíduo a se tocar ou a fazer as pessoas a sua volta tocarem sua pele. Estes toques enriquecem a imagem corporal, que só se desenvolve sob as diversas experiências consigo e com o mundo (Montagu, 1988, p.279-368).

    É importante considerar, do ponto de vista da estrutura psicológica que as partes do corpo facilmente alcançáveis pelas mãos (para as partes do corpo que tocam representam um mundo externo) são diferentes daquelas que só podem ser tocadas com dificuldade, assim também para as partes que podem ser vistas com maior facilidade.

    O contato com os outros e o interesse que estes demonstram pelas diversas partes do corpo de um indivíduo serão de enorme importância para o desenvolvimento do modelo postural do corpo, assim como o que os outros fazem com seus corpos (psicologia social com base na experiência existencial do corpo).

    O corpo - compreender o sujeito por detrás deste objeto

"O corpo diz para o seu eu: sinta dor aqui!
Então, o eu sofre e pensa em como parar de sofrer. E é isso que faz pensar.
O corpo diz para o seu eu: sinta prazer aqui!
Então, o eu sente prazer e pensa no que fazer
Para ter de novo o prazer. E é isso que o faz pensar. "

(Nietszche) 6

    Desde Descartes, estamos lutando para nos livrarmos do reducionismo que nos submetemos durante toda a nossa educação - seja corporal, escolar, familiar; enfim, toda uma grande vivência mecanicista, de fora para dentro, que quando nos deparamos com uma busca diferente, através de questionamentos, para transformar esta realidade, vem uma impotência muito grande, e tudo não passa de teoria.

    A grande chave para darmos um passo na reflexão e ação da educação do corpo, e do corpo na educação, é vivenciarmos o corpo de dentro para fora, e permitirmos este caminho enquanto educadores da Dança, da Educação Física e da Pedagogia Especial, ou qualquer que seja a área de conhecimento.

    Enquanto o corpo for tratado como algo fora de nós, encontraremos somente valores mercadológicos, de vendas e compras de corpos, tendo como referências a mídia, ou melhor, o capitalismo selvagem, que atinge o corpo com desrespeito.

    Neste sentido Schilder afirma:

"Um corpo é necessariamente um corpo entre corpos. [...] A palavra 'ego' não tem sentido quando não existe um 'tu' [...]. Interessamo-nos tanto por nossa integridade quanto pela dos outros [...]. Não há imagem corporal sem personalidade. Mas o desenvolvimento pleno da personalidade do outro e de seus valores só é possível através da imagem corporal. Assim, a preservação, a construção e a estruturação da imagem corporal deste outro se torna signo, sinal e símbolo do valor de sua personalidade integrada. A este respeito, o estudo da psicologia da imagem corporal pode levar a um sistema ético e a um sistema moral. Portanto, dor, alegria, destruição, mutilação, morte são a preocupação daqueles que estão próximos de nós, mas um reflexo mágico conecta os mais próximos com os mais afastados, e passa até o animal, à planta e ao mundo inanimado. Há profundas conexões entre nossas ações e interesses pessoais e nossos interesses e ações relativos aos outros. A preservação da imagem corporal de outra pessoa é em si, um valor ético. (...) há uma tendência a destruir tanto nossa imagem corporal quanto a alheia. Mas a destruição não é meramente um modo de renovar a construção que, afinal, é o significado da vida ?". (Schilder, 1994, p.243-4)

    O texto "Corpo, a próxima fronteira do capital "(Folha SP, 1997), diz: "a vida está na moda". Esta afirmação é uma reação à falta de qualidade de vida em que vivemos. A atenção dada ao corpo teve um grande alarde na década de 80, com o surgimento de academias de ginástica, aulas que combinavam dança e exercício físico, práticas de "jogging" nos parques (Johnson, 1990), parte também do mesmo princípio: o corpo como mais um filão comercial, resultando na ausência do corpo "vivo" e autêntico, para aquele corpo-objeto e mercadoria de consumo.

    Como devolver o corpo ao homem? Como não ausentar o corpo do próprio homem? A resposta primeira que nos ocorre é: pela educação que prioriza o indivíduo.

    O grande conflito que vivemos hoje é: corpo indivíduo versus corpo massificado.

    O corpo indivíduo busca ser, o corpo massificado busca poder, parecer... ter.

    O corpo é o primeiro e mais natural instrumento do homem (Mauss, 1974).

    Como tocar a nossa música corporal,se não conhecemos o instrumento?...

    Surge em nossa memória um trecho de música muito conhecida - " Serra do Luar" , com interpretação de Leila Pinheiro: "Viver é sempre afinar um instrumento. De dentro pra fora, de fora pra dentro... a toda hora, a todo momento.. de dentro pra fora, de fora pra dentro."(Franco, 1991)7 .

    É de grande importância um aprofundamento neste aspecto tridimensional do corpo apontado por Paul Schilder para uma atuação profissional consciente, em especial para os profissionais da Educação, e principalmente para os que atuam na área da Educação Física Escolar sob o paradigma da inclusão.

    O corpo em seu aspecto tridimensional, neste momento, deve ser considerado. Portanto, não enfatizado como sendo um possível impedidor no processo de construção através da consciência de si e dos outros.

    Desta forma, compreender que cada gesto, cada movimento, está envolto num universo de representações composto pela história de cada um. Portanto, quando o(a) professor(a) pede para que a criança pegue uma parte de seu corpo e em seguida repita o movimento este passa a ser único e envolto em aspectos que englobam questões de pulsões, tendências, desejos e percepções. Pois o imitar tem um sentido diferente e profundo para cada criança; está repleto de representações que escapam a um olhar superficial. É preciso sensibilidade para captar o sentido dessas representações para a criança.

    Todavia, lidar com estas representações do outro remete o professor ao seu mundo interior. Porque este também possui um universo de pulsões, tendências, desejos e percepções que se fazem vivas em sua maneira de lidar ou não com as diferenças. Neste sentido Tavares (2003, p. 121) afirma que "o profissional que tem familiaridade com as próprias sensações, conhecendo o significado delas, tende a ser flexível em suas relações e reconhece com mais facilidade o espaço do outro".

    A esse respeito Schilder faz a seguinte ponderação:"...reflexo do mundo e da vida no corpo do indivíduo [...]. Em toda ação, agimos não apenas como personalidades, mas também com nossos corpos. Nosso corpo e com ele, nossa imagem corporal, fazem necessariamente parte de qualquer experiência vital" (Schilder: 1994, p. 115).

    Sabemos que o desenvolvimento da imagem corporal é possibilitado a partir da integração de percepções variadas desse corpo além da formação de imagens mutáveis de acordo com as novas experiências relacionadas a ele.


Método

Caracterização do Estudo

    Pesquisa qualitativa, cuja técnica utilizada foi a revisão literária e a descrição narrativa.

Procedimentos

    Este trabalho é resultado dos estudos com o grupo que compunha a disciplina Imagem Corporal, da Faculdade de Educação Física, da Universidade Estadual de Campinas;

  1. Relatos de experiências do Grupo autoral (cada qual enfocando sua área);

  2. Apontamentos sobre as questões comumente levantados pelo grupo de estudo envolvendo o tema;

  3. Aporte nas produções teóricas dos autores citados no corpo do trabalho.


Proposições finais

    A importância e necessidade de aprofundamentos e estudos da Imagem Corporal para a Educação Física e para os trabalhos corporais na Dança e na Pedagogia, têm seu valor e justificativa ao entendermos que todos os nossos sentidos participam deste processo de construção, complexo, dinâmico, plástico e volátil. Além desta justificativa, TURTELLI, TAVARES & DUARTE (2002) apontam em suas investigações sobre os enfoques dados aos trabalhos e pesquisas em imagem corporal as grandes divergências conceituais dos termos utilizados no assunto. Assim como estes, também acreditamos na importância de desenvolvimento da perspectiva de maneira ampliada e integradora refletida em nossas abordagens práticas, justamente por meio de aprofundamentos e estudos acadêmicos de modo a disseminar todo o conhecimento acerca do tema.

    Schilder aponta para uma 'estruturalização' de mudanças (mobilidade e ações do mundo externo), determinando a interdependência dos aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais para a composição desta imagem corporal. Daí sua abordagem em sua obra elencando estes três grandes tópicos.

    Isto nos leva a compreender o que o autor defende ao afirmar que a "...imagem corporal não é um fenômeno estático" (Schilder, 1994, p. 152), do ponto de vista fisiológico. Ela é um fenômeno complexo que é adquirido, construído e estruturado num contato contínuo com o mundo e com nós mesmos.

    Segundo o próprio autor (Schilder, 1994), o processo de construção da Imagem Corporal se divide em três aspectos que estão intimamente relacionados: os aspectos fisiológicos, emocionais e sociais.

    Fator muito interessante também é que estes mesmos aspectos destacados por Schilder, por sua vez, são a base da Educação Somática, que pode ser definida como ciência de um processo relacional entre a consciência, o biológico e o meio ambiente, fatores que agem em uníssono, em sinergia ou ainda segundo (Fortin, 1999) um campo de estudo que engloba uma variedade de conhecimentos onde os domínios sensorial, cognitivo, motor, afetivo e espiritual se misturam diferentemente.

    Podemos observar que esta conceituação pode ser facilmente aplicada não apenas no ambiente da Dança e das Artes Corporais, como também permite ser agregada à áreas educacionais da Pedagogia, da Educação Especial e da Educação Física.

    Mais uma vez busca-se um contra-ponto entre Schilder e Tavares, onde esta pesquisadora afirma que:

"Em resumo, consideramos que uma pessoa que tem um desenvolvimento satisfatório de sua imagem corporal vivencia seus movimentos e direciona suas ações no mundo externo de forma conectada com suas sensações e processo fisiológicos referentes a seu corpo conhecendo suas possibilidades e aceitando suas limitações corporais. É um processo que ocorre durante toda a vida, podendo ser facilitado ou dificultado por múltiplos fatores, como idade, traumas, intervenções pedagógicas ou terapêuticas, doenças etc."(Tavares,2003,p. 86)

    Esta busca do próprio movimento, é um caminho de dentro para fora, que é proposto por métodos holísticos de trabalhar o corpo, e não por métodos mecanicistas, que enfatizavam apenas o quão alto, quão rápido, quão grande. Através de exercícios e seqüências que são repetidas várias vezes até se tornarem automáticas (Woodruff, 1999).

    Segundo Paul Schilder as primeiras experiências infantis são fundamentais no processo de desenvolvimento da imagem corporal, mas nunca paramos de ter experiências e de explorar o nosso corpo do nascimento até a morte.

    Isto afirma a característica lábil da Imagem Corporal. Parafraseando a bailarina e pesquisadora do movimento Angel Vianna: "Gente é como nuvem, sempre se transforma!

    Com o movimento e adornos a Imagem Corporal se transforma. Essa concepção de Schilder do desenvolvimento aponta para o significado de nossas experiências corporais por toda a nossa vida. É a nossa preciosa "estória corporal":

"(...) a minha vivência corporal na infância quando brincava com bolas de sabão, pulava corda, andava de bicicleta, subia em árvores, faz parte de um passado que está muito presente no meu corpo. Na adolescência quando buscava modelos de mulher através de adornos que transformavam a minha imagem corporal, com o uso de batons, esmalte, chapéu, salto alto, lenços, penteados, etc. Tudo isto fez e faz parte de mim, criando um intercâmbio contínuo entre a minha imagem corporal e a dos outros"(Miller, 2003).

    Segundo Tavares (2003, p.75), "o modelo corporal é construído, desmanchado e reconstruído. Os processos de identificação, personificação e projeção têm papel importante nesse contínuo desenvolvimento da imagem corporal ". Isto demonstra o quanto "... o modelo postural é lábil"(Schilder: 1994, p. 168), e que as experiências imediatas do corpo podem ser facilmente distorcidas e modificadas a partir de influências psíquicas, nos domínios do campo perceptivo, imaginação e processos intelectivos (Schilder, 1994).

    Mesmo com esta labilidade e fluidez dinâmica de construção, reconstrução e ressignificação da imagem corporal, "quando estruturamos uma imagem corporal coerente e persistente, nós o fazemos a partir de nosso estado emocional, que se baseia em tendências biológicas."(Schilder, 1994: p. 166), portanto sempre que nos deparamos com uma grande modificação na estrutura libidinal, o modelo postural do corpo se altera.

    Buscando suporte em algumas questões apontadas por Schilder e já destacadas anteriormente podemos refletir sobre a Dança, a Pedagogia e Educação Física; levando em conta que a criança é um corpo em movimento, sendo este entendido enquanto corpo existencial e composto de aspectos físicos, psicológicos e sociais.

    Acredita-se que cabe (também) à Educação Física na escola enquanto componente curricular, propiciar o experimentar desse corpo, levando em conta as necessidades educativas especiais de seus educandos. No entanto, os profissionais que atuam com estas pessoas precisam acreditar no ensino inclusivo, nas capacidades remanescentes de seus alunos e em suas próprias qualidades enquanto educadores.

    Fica claro que a Educação Física precisa ser inclusiva, compreendendo o corpo para além do físico e o movimento não como efeito de reprodução ou deslocamento do corpo e dos membros produzidos com uma seqüência do padrão espaço-temporal da construção muscular, mas resultado da integração de um corpo existencial. Um corpo que "... è, necessariamente, um corpo entre corpos" (Schilder, 1994, p. 58).

    A Educação Física quando direcionada às pessoas com necessidades especiais tem sido uma das possibilidades de desenvolvimento dos aspectos físico, psicológico e social por possuir uma linguagem de expressão e através dessas manifestações pode trazer prazer, possibilitando a auto-realização, além de desenvolver aspectos do indivíduo com relação a sua participação nas tarefas do coletivo.

    Por exemplo, com relação aos conteúdos do lazer, do jogo, da dança, da recreação, das artes corporais em geral; bem como o exercício da descoberta, e busca de aceitação e superação de seus limites. Esse corpo existencial, interagindo consigo mesmo e com o mundo mantém a imagem corporal em constante transformação. No entanto, essa representação mental é construída mediante (re)conhecimento do corpo.

    A Educação Física pode contribuir para que este (re)conhecimento ocorra para a criança através de variantes de experimentação e vivências de seu corpo (suas partes, a relação entre estas partes, as percepções), no entanto, o fazer pedagógico em geral deve contemplar esta forma de enxergar o outro.

    Portanto, a Educação Física deve proporcionar que a criança, o adolescente, o adulto tenham atividades estruturadas de forma tal que possam experimentar seu corpo (sensações, pulsões) aprendendo a "ouvi-lo" em suas reações, expressões, mapeando seus limites e familiarizando-se com suas potencialidades. E superando estas questões, ter um "retrato" de si que não se prenda ao esboço estético de padrões "estilizados" e "estilizantes" de corpos ("abdomem tanquinho", físico esquelético de modelos, entre outros), mas que reconhecendo-se como um "corpo entre corpos" permita-se o direito de ser, existindo de forma real, com todas as suas diferenças e semelhanças, sem a preocupação de apenas parecer e "estar fashion".

    Com certeza não é fácil romper com uma Educação Física que estruturou-se a partir de idéias de um "aluno padrão", "corpo perfeito", "rendimento" e "aptidão física" (Freitas, 2003, p. 03).

    Uma Educação Física que esteve sobre a influência da área médica com ênfase na higiene, saúde e eugenia, interesses militares e do nacionalismo.

    Contudo, os profissionais da Educação Física necessitam liberta-la desse 'culto narcísico' ao corpo ideal e promover o conhecimento do corpo real. No entanto, isso só acontecerá se estes profissionais não forem pessoas que "... tomam como referencial de si o ideal cultural e negam seus sentimentos, sua realidade cultural. Esse desvio lhe(s) garante uma inserção no meio social, mas sob uma força esmagadora da manifestação de sua subjetividade."(Tavares, 2003, p. 87)

    Na verdade os profissionais da Educação necessitam conhecer suas próprias limitações e potencialidades, mantendo um eterno diálogo entre os seus sentimentos e o mundo de forma consciente, buscando compreender o significado de cada uma de suas sensações pelo reconhecimento da importância delas no cotidiano e na estruturação de ações flexíveis em relação aos seus educandos (Freire, 2002).

    Para crianças com necessidades educativas especiais o contato com este tipo de profissionais pode representar a diferença entre buscar alternativas para superar suas dificuldades (físicas, sensoriais, mentais e outras) através da possibilidade de reconhecer não apenas os seus limites, mas as suas potencialidades, pois "... a experiência do próprio corpo é uma unidade em construção" (Tavares, 2003, p. 77).

    Todavia, para que essas crianças com necessidades educativas especiais tenham a oportunidade de vivenciar estes conteúdos é fundamental que os professores de Educação Física e os educadores em geral tenham uma forte crença de que são capazes de educar com êxito todo e qualquer aluno, seja ele obeso, lento, extremamente ágil, cadeirante, surdo, desinteressado, desmotivado, cego, entre outros.

    É necessária a crença em suas próprias capacidades enquanto educadores, na capacidade dos que estão à volta, sejam eles colegas interessados em compartilhar experiências, pais e mães, alunos(as), cujas crenças em suas capacidades particulares estão diretamente ligadas às sugestões dos olhares e atitudes de seus professores.

    Isto tudo é também válido para os profissionais que atuam na área da dança, diretamente ligada á expressão corporal, integrando arte, educação e auto-conhecimento.

    Assim, a ligação dança/vida aponta para a atividade fora da sala de aula como um permanente campo de testes das experiências que se realizam dentro destas "aulas-laboratório". Encarar a aula como um 'locus' de pesquisas é uma característica explicitamente colocada no trabalho de Vianna (Navas, 1992), referencial significativo para a área da Dança.

    Entrar em contato com as idéias de Paul Schilder clareou muito nosso campo de pesquisa, porque na área do movimento, os termos vão surgindo desordenadamente.

    E os profissionais do corpo - quer sejam da educação física, da dança ou das artes cênicas - por falta de informação e/ou oportunidade de formação, vão seguindo o fluxo do modismo, usando os nomes que são mais atraentes para os seus cursos, prejudicando desta forma, os profissionais, que trabalham com seriedade, e com a responsabilidade do conteúdo adequado ao tema proposto.

    A partir daí, devemos procurar desenvolver uma linguagem de movimento, em que pudéssemos expressar através de nossos corpos, tudo o que não se conseguiria expressar em palavras. Aprendendo com Vianna (1990) que o que confere personalidade a um dado movimento coreográfico é o poder que este tem de expressar emoções.

    Esta é a base da Técnica Klauss Vianna, que enfoca o bailarino enquanto ser humano. Klauss enfatiza que sem o ser humano não existe dança: primeiro tem que haver o ser humano, para depois haver a dança.8

    Um caminho "de dentro para fora, de fora para dentro... A toda hora, a todo momento... de dentro para fora, de fora para dentro..."

    Aqui, finalizamos este artigo destacando a necessidade e importância da Imagem Corporal no processo de conhecimento, possibilitado em trabalhos corporais em nossas respectivas áreas, quer seja isoladamente, quer seja por trabalhos pluridisciplinares.

    Estes trabalhos permitem a ampliação destas experiências sensoriais, contato com outros corpos e podem levar os indivíduos a aprenderem experiências de um corpo existencial, único, indivisível e componente de um todo social e cultural, conforme a perspectiva de Paul Schilder; que contribui para a labilidade dos processos individuais e coletivos de construção da imagem corporal, sendo transformado e transformando, ou ainda que vive, vivencia e participa do fabuloso processo de transcendência. Parafraseamos agora um pequeno trecho de Merleau-Ponty (1994: p.195), que sintetiza este trabalho:

Não estou no espaço e no tempo, não penso o espaço e o tempo; meu corpo aplica-se a ele e o abarca. A amplitude dessa apreensão mede a amplitude de minha existência; mais de qualquer maneira ela nunca pode ser total. O espaço que habita de todos os lados tem horizontes indeterminados que encerram outros pontos de vista. A síntese do tempo como o espaço são sempre para se recomeçar.

    Notas

  1. Disciplina FF132 - IMAGEM CORPORAL, oferecida no programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, sob responsabilidade dos docentes Prof.ª Dr.ª Maria da Consolação G. Cunha da F. Tavares e Prof.º Dr. Edison Duarte, ambos do Departamento de Atividade Física Adaptada (DEAFA- FEF/ Unicamp).

  2. Psicologia Social: "ramo da psicologia particularmente interessado na natureza e forma de interação social e no modo como as pessoas influenciam o comportamento uma da outra. Estuda os fenômenos sociais e aspectos de cognição social- percepção social, atitudes e atribuição" (STRATTON & HAYES, 1994).

  3. CATEXIS ou catexia é o "termo empregado na teoria psicanalítica para referir-se ao investimento de muita energia, desejo ou significação em uma pessoa, objeto ou evento" (STRATTON & HAYES, 1994). No nosso caso, pode ser a energia investida, a certa(s) parte(s) do corpo de um indivíduo. A catexia interfere intimamente na construção da imagem corporal.

  4. Libido: termo originalmente empregado por Freud, referindo-se à energia sexual derivada do id, disponível para energizar o poder da mente e as atividades físicas. Mais tarde, o autor reconsiderou a libido como uma energia geral de vida. Cotidianamente, o termo está associado à conotação de energia sexual (STRATTON & HAYES, 1994).

  5. Narcisismo: amor de si próprio (STRATTON & HAYES, 1994). Há evidências de que um grau saudável de afeição para consigo mesmo seja essencial para a manutenção da auto-estima e um funcionamento produtivo. Daí sua ligação com a construção da imagem corporal.

  6. Nietzsche, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2000. In: GALLARDO, J.S.P. et all. Didática de Educação Física. São Paulo: FTD, 1998. p. 15 ( Capítulo 1- "Do adestramento a cultura corporal").

  7. FRANCO, W. Serra do Luar. In: PINHEIRO, Leila. Outras Caras (CD-música). Faixa 03. São Paulo: Polygram, 1991. Registro Fonográfico n.º 510267-2.

  8. Depoimento no vídeo Memória Presente: Klauss Vianna . São Paulo: TV Anhembi/Secretaria Municipal de Cultura, 1992.


Referências bibliográficas

  • ARAÚJO, P. F. Poemas, frases e reflexões. Campinas, 2003 (xerox).

  • FISHER, S. The evolution of Psychological Concepts about the Body. In: CASH, T.F. & PRUZINSKY, T. Body Images: development, deviance and change, p. 03-20. New York: The Guilford Press, 1990.

  • FORTIN, S. Cadernos do GIPE-CIT. Salvador, n. 02, p. 40-55, fev.1999.

  • FOLHA DE SÃO PAULO(jornal). Ponto Crítico. São Paulo: Folha SP. 1997. In: Caderno Mais! Domingo, 16 de março, 1997.

  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 27.ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

  • GALLARDO, J.S.P. et al. Didática de Educação Física. São Paulo: FTD, 1998, p.15.

  • HEAD, Sir H. & HOLMES, G. Sensory disturbances from cerebral lesions. Brain, 34, 1911-1912, p.102.

  • JOHNSON, D. Corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

  • MAUSS, M. As Técnicas Corporais: sociologia e antropologia. São Paulo: editora, 1974.

  • MILLER, J. Fichamento técnico da apresentação e trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina Imagem Corporal. In: VENDITTI JR., R. Imagem Corporal- FEF/Unicamp (pós-graduação). Campinas, 2003 (Apostila).

  • MONTAGU, A. Tocar. São Paulo: Summus, 1988.

  • NAVAS, C.; DIAS, L. Dança Moderna. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 179.

  • FREITAS, R. F. S. A educação física e as pessoas com necessidades especiais físicas não sensoriais: alguns entendimentos e sua realidade - um estudo de caso. 2002. Monografia (Especialização em Educação Especial Generalista). Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal, Campo Grande, 2002.

  • SCHILDER, P. A Imagem do Corpo: as energias construtivas da psique. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

  • STRATTON, P.; HAYES, N. Dicionário de psicologia. São Paulo: Pioneira, 1994.

  • TAVARES, M.A.C.G. C.F. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. São Paulo: Manole, 2003.

  • TURTELLI, L.S.; TAVARES, M.C.G.C.F.; DUARTE, E. Caminhos da pesquisa em imagem corporal na sua relação com o movimento. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas: v. 24, n. 01, p. 151-166, set./2002.

  • VIANNA, K. A dança . São Paulo: Siciliano, 1990, 102p.

  • WOODRUFF, D. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 02, p. 31-39, fev. 1999.


Fontes complementares

  • Depoimento no vídeo Memória Presente: Klauss Vianna . São Paulo: TV Anhembi/Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

  • FRANCO, W. Serra do Luar. Faixa 03. São Paulo: Polygram, 1991. In: PINHEIRO, Leila. Outras Caras (CD). Registro Fonográfico n.º 510267-2.

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revista digital · Año 10 · N° 68 | Buenos Aires, Enero 2004  
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