RELAÇOES DE INTERCAMBIO ENTRE BRASIL, URUGUAI E ARGENTINA
NO AMBITO DA EDUCAÇAO FISICA/CIENCIAS DO ESPORTE:
REFLEXOES A PARTIR DA VIAGEM DE 1945
Prof. Ms. Victor Andrade de Melo (Brazil)
victor@marlin.com.br

1. Introduçao.
Nos últimos anos, a criaçao de um mercado comum (Mercosul) parece se apresentar como uma possibilidade efetiva de colaboraçao internacional entre países que historicamente têm mantido suas rivalidades para além dos gramados de futebol. A própria criaçao do Mercado durante muitos anos ficou inviabilizada, fruto das grandes intransigências que se estabeleciam entre as partes envolvidas.

Aparentemente, o Mercosul tem agora caminhado evolutivamente, embora ainda de maneira lenta. A despeito de suas preocupaçoes serem fundamentalmente direcionadas à esfera econômica, já é possível sentir os primeiros impactos desse novo relacionamento em outros âmbitos. Em algumas áreas parece até mesmo já ser observável, em grau significativo, o envolvimento e troca de conhecimentos/experiências entre pares desses países.

Na área de Educaçao Física/Ciências do Esporte, contudo, tal aproximaçao ainda se apresenta bastante embrionária, embora algumas iniciativas já tenham sido encaminhadas, como a realizaçao de congressos. Normalmente, tais iniciativas têm ocorrido na regiao Sul do país, regiao que historicamente já vem mantendo alguma relaçao com os países platinos, até mesmo devido a proximidade geográfica e a coincidência de certas práticas e costumes culturais.

A despeito de sua importância, essas iniciativas nao parecem estar significando uma mudança estrutural nas relaçoes entre Brasil, Argentina e Uruguai. O intercâmbio tem se dado fundamentalmente em torno de pessoas e nao de instituiçoes; além do que poucas açoes realmente em comum podem ser identificadas. Simplistamente, intercâmbio, na área de Educaçao Física/Ciências do Esporte, tem significado algum pesquisador uruguaio ou argentino que vem ao Brasil, eventualmente algum brasileiro que vai, somente apresentar seu trabalho, sem a preocupaçao de algo mais sistemático, conjunto e efetivo.

Tal situaçao precisa ser repensada.

Curiosamente, entre os artigos publicados nos 'Arquivos da Escola Nacional de Educaçao Física e Desportos (ENEFD)', periódico oficial daquela importante Instituiçao, encontrei informaçoes bastante interessantes sobre uma viagem de intercâmbio para a Argentina e para o Uruguai, realizada no ano de 1945 por dois insignes professores da ENEFD: Antônio Pereira Lira, na ocasiao diretor da Escola, e Alfredo Colombo, alguns anos mais tarde diretor da Divisao de Educaçao Física (DEF) do Ministério da Educaçao e Saúde (MES).

Creio ser possível retirar desta viagem alguns indicadores para que possamos repensar as hodiernas relaçoes entre os três países. Obviamente, nao liçoes a serem seguidas como uma cartilha, mas possíveis apontamentos acerca das possibilidades. Assim, mais do que somente recuperar um curioso acontecimento da memória da Educaçao Física brasileira, este estudo espera encontrar neste fato algumas possibilidades de rever e reorientar nosso presente.

2. Intercâmbios entre os países americanos - Antecedentes.
Na área de Educaçao Física/Ciências do Esporte, as primeiras iniciativas mais estruturadas de intercâmbio e trocas de experiências entre países da América do Sul parecem ter surgido no início da década de 1940, bastante influenciadas pela idéia de Panamericanismo veiculada pelo Estados Unidos. Resumidamente, podemos considerar o Panamericanismo como uma estratégia norte-americana para manter controle sobre os países americanos, utilizando o argumento de que havia uma identidade em comum entre esses países que deveria ser valorizada e priorizada 1 .

Um dos mais identificáveis reflexos de tal política em nossa área foi a realizaçao de Congressos Panamericanos de Educaçao Física e de Medicina Desportiva 2 , sempre cercados de grande divulgaçao e sucesso. Nesses congressos também foram criados o Instituto Panamericano de Educaçao Física 3 e a Confederaçao Panamericana de Professores de Educaçao Física, dois outros exemplos de açoes Panamericanistas.

Especificamente, os primeiros passos de relacionamento entre o Brasil e os países do Prata (Argentina e Uruguai) parecem ter sido dados em 1941, quando César S. Vasquez, diretor geral de Educaçao Física da Argentina, fez uma visita para conhecer a Educaçao Física brasileira.

Em 1942, Joao Barbosa Leite, na ocasiao diretor da DEF do MES, retribuiu a visita de César. Dessas visitas saíram uma série de açoes em conjunto a serem desenvolvidas entre os dois países, como o envio de professores bolsistas da Argentina para o Brasil 4 e o estímulo à presença constante de professores de ambos os países nos eventos científicos realizados 5 . Enfim, em 1945:

"Até mesmo no campo ainda tao pouco explorado da Educaçao Física, essas atividades (de intercâmbio) têm sido incrementadas pela administraçao pública brasileira e os seus resultados já se fazem sentir através de relatórios, publicaçoes diversas, traduçoes etc..." (LEITE, 1945, p. 1).
É nesse contexto que foi realizada a Viagem de Estudos de 1945, motivo central de nosso estudo.
[seguinte]

Lecturas: Educación Física y Deportes. Año 2, Nº 5. Buenos Aires. Junio 1997