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A Psicanálise enquanto elemento das ciências desportivas
Fernanda de Aragão e Ramirez

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 35 - Abril de 2001

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    Neste trabalho, uma tentativa de integrar alguns conceitos da psicanálise na prática desportiva, acredita-se no quanto de contribuições à psicanálise pode levar à prática desportiva, principalmente quando se fala em jovens em formação. A utilização de estratégias diversificadas também se fazem necessárias e são artifícios que facilitam as manifestações de subjetividade do atleta. Assim, deixar o desportista falar (estratégia a serviço da subjetividade) e propiciar espaço para que verbalize suas sensações, suas razões e suas experiências corporais, contribui para evidenciar a significação simbólica dos comportamentos motores espontâneos. Além disso, segundo Rocha (s/d), o recurso de outras técnicas mediadoras, quando bem conduzidas, podem permitir uma reativação das marcas, permitir uma estrutura e ajudar o sujeito a advir. Isso considerando que a constituição psíquica do sujeito se dá através de marcas adquiridas desde o nascimento e que nunca cessam. Neste sentido, o corpo, como linguagem, não seria somente um meio de expressão; mas sim um receptáculo de marcas de estímulos internos e externos que mesmo quando ainda o sujeito não se encontrar constituído inscrevem a harmonia, desarmonia, frustrações e satisfações. (Reforça-se aqui que tais marcas podem intervir positiva ou negativamente na prática desportiva). Este deixar falar ou este verbalizar tudo em alguns momentos se traduz, neste estudo, numa associação livre como recurso metodológico de leitura psicanalítica. É deixando livre o curso das associações que o sujeito poderá estabelecer novas conexões, no caso, do contexto desportivo.

    Se para a psicanálise a idéia está em se trabalhar no nível do próprio corpo (que é simbólico e se apresenta pela linguagem) e na espontaneidade de suas reações, ao se utilizar artifícios que permitam a verbalização, possibilita-se também um reajustamento das próprias manifestações psíquicas, isso porque através desta verbalização o adolescente terá a chance de se deparar com seus conflitos, atualizando-os ou ressignificando-os, transformando as experiências que se manifestam através dos comportamentos simbólicos que dela decorrem e que não fazem senão exprimi-los. Este verbalizar fortalece também a equipe, uma vez que, com um campo livre para a manifestação de desejo (que estrutura qualquer relacionamento), o jovem perde, aos poucos, o medo do outro, do julgamento do outro, do temor de não ser aceito. Se além de um corpo instrumental, existe toda uma organização tônica involuntária, espontânea, parte integrante da experiência afetiva e emocional ligada ao inconsciente e dotada de uma significação simbólica que não pode ser ignorada; a aceitação de um corpo pulsional, local de prazeres e desejos e a significação simbólica dos comportamentos motores espontâneos não pode deixar de despertar resistências que não tardam a se manifestarem e influenciarem a prática desportiva.

    Segundo Lacombe (s/d), as manifestações do corpo se apresentam na raiz de qualquer fala já que ele, em si próprio, também é uma linguagem. Se por um lado, um campo livre para a manifestação dos desejos dos jovens se esbarra na autoridade institucional; por outro, a presença do mesmo, acolhe o discurso cotidiano, de maneira a focalizar suas brechas, esperando a emergência do inconsciente. Assim, o diálogo e a expressão verbal, que são da ordem do simbólico, vão ajudar a estruturar uma vivência emocional que se arriscaria em permanecer muito informal. Segundo Lapierre (1984), quando se permite uma produção espontânea das pulsões ou uma produção imaginária inconsciente com a qual não se tem contato direto e, conseqüentemente, da qual não se pode ser considerado responsável, o sujeito fica livre em sua decisão e assume completamente a responsabilidade de seus atos.


Considerações finais

    Acredita-se que um maior envolvimento dos profissionais com as questões psíquicas relacionadas à prática desportiva, principalmente no que diz respeito às categorias de base, técnicos e professores poderiam evitar as falhas decorrentes da especialização precoce que geralmente é o responsável por ocasionar várias frustrações e conseqüente abandono do desporte pelo jovem atleta. Se para Phil Jackson (1997), a primeira providência de um técnico está em formular uma visão para o time, que pode ser elevada, mas não impossível, devendo levar em consideração não apenas o que se quer, mas como chegar a algum lugar, neste estudo, o principal ponto está em manter a prática desportiva prazerosa, respeitando-se a individualidade de cada um, sendo que o importante está focalizar um corpo que produz comportamentos dotados de significação simbólica e ligados às experiências espontâneas vivenciadas em sua relação com o outro, com o mundo e dotadas de um imaginário inconsciente que condiciona toda uma vida relacional. Entende-se por fim, que se torna necessário para a evolução do processo desportivo, em qualquer nível, preocupações com as ciências humanas, inserindo-as no contexto de forma a constituir um saber não só calcado nos valores práticos tão pouco conduzido pelo vencer.


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