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O Judô como atividade pedagógica desportiva
complementar, em um processo de orientação e
mobilidade para portadores de deficiência visual

   
*Mestrando em Ciências do Desporto - IEFD/UERJ;
Pós-graduado em Judô - CCFEx/UFRJ/FJERJ;
Professor de Educação Física do Instituto Benjamin Constant;
Pesquisador do Departamento de Ciência, Projetos e Pesquisas
da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro (FJERJ)
 
**Pós-graduado em Judô - CCFEx/UFRJ/FJERJ,
Treinamento de RH - ABT, Docência Superior - UCAM;
Professor Visitante e Coordenador do Grupo de
Estudos em Saúde Pública Aplicados à Atividade Física - EEFD / UFRJ;
Pesquisador do Departamento de Ciência, Projetos e Pesquisas da FJERJ
(Brasil)
 
Walter Russo Júnior*
walterrussojr@uol.com.br
 
Leonardo José Mataruna dos Santos**
mataruna@ruralrj.com.br

 

 

 

 
Resumo
    Deve-se entender orientação e mobilidade, como um conjunto de técnicas que visam organizar as noções de espaço, tempo, movimento e distância. O portador de deficiência visual, através de um intenso treinamento senso-perceptivo, buscará desenvolver uma locomoção mais desembaraçada e uma inter-relação entre o seu corpo e os objetos circundantes, que permitam orientar-se com segurança.
    O presente artigo procura abordar uma nova proposta de atuação do desporto, em relação a um processo de orientação e mobilidade para deficientes visuais. O Judô pode atuar como uma via determinante para a auto-descoberta, bem como, um meio de desenvolvimento da mobilidade independente e uma orientação segura, para que os deficientes visuais possam ir além dos esquemas a eles preconizados.
    Palavras-chaves: Judô. Deficiente visual. Atividade Pedagógica Desportiva.
 

Judo as a pedagogic and sport complementary activity
in a process of orientation and mobility to blind people

Abstract
    Mobility and orientation must be understood as a group of techniques that aim to organize the notions o space, time, movement and distance where blind people, through an intense training and perceptive sense will try to develop more independent locomotion and interrelation between his body and the objects around, permitting him to orientate safely.
    The present article tries to focus a new proposal of sport action, in relation to a process of orientation and mobility to blind people. Very specifically the judo, as an important factor to self - discovery as well as a preponderant to the independent mobility and a safe orientation in which the blind may go beyond the schemes preconceived to them.
    Unitermos: Judo. Blind people. Pedagogic and Sport Activity.

 
“(...) infinitas são as possibilidades de movimento humano, pois infinitas são as emoções humanas”
FEIJÓ (1999)

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 35 - Abril de 2001

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Introdução

    No mundo moderno, a maior parte das informações que chegam ao indivíduo são trazidas por estímulos captados pela visão. Desde o seu primeiro contato com a vida, acompanhando todo o seu desenvolvimento, seu relacionamento familiar, sua vida acadêmica, sua integração social até a sua emancipação profissional, o homem utiliza a visão como um dos principais sentidos receptores.

    A falta do sentido da visão ou a diminuição deste, coloca o indivíduo deficiente visual em uma posição de desvantagem, sob certos aspectos, especialmente os psicomotores, emocionais e sociais, se comparado ao de visão normal. Contudo, o deficiente visual é um ser mentalmente são e potencialmente ávido por informações que possam contribuir no seu desenvolvimento geral.

    Contudo, antes de se detalhar os comprometimentos psicomotores dessa população, bem como, os conceitos que norteiam o trabalho de orientação e mobilidade com os deficientes visuais, deve-se pormenorizar as diferenças e características que essa parcela da população possui.

O Deficiente Visual e suas Principais Características

    Quanto ao conceito educacional, os deficientes da visão são classificados como portadores de cegueira e portadores da visão subnormal, tendo por fundamento as seguintes características:

  1. A capacidade de ver é inata, mas resultante de habilidades aprendidas em cada estágio do desenvolvimento;

  2. A deficiência da visão não depende diretamente da acuidade visual, pois um resíduo visual pode ter sua eficiência funcional aumentada pelo uso e pela estimulação apropriada;

  3. A experiência educacional tem demonstrado que 75% a 80% dos educandos com acuidade inferior a 0,1 Snellen têm visão residual susceptível de ter sua eficiência funcional desenvolvida.

    Também FAY (1970) e BARRAGRA (1976), com base nas características mencionadas classificaram os deficientes visuais para fins educacionais, propondo os seguintes conceitos:

  • Portadores de cegueira - educandos que apresentam ausência total de visão residual, até a perda de projeção de luz, necessitando utilizar o Sistema Braille como principal veículo de comunicação do processo ensino-aprendizagem e não utilizam qualquer resíduo visual que possam ter para aquisição de conhecimentos, mesmo que a percepção da luz os auxilie na orientação e mobilidade.

  • Portadores de visão subnormal - educando que apresentam desde condições de indicar a projeção de luz, até o grau em que a redução de sua acuidade visual limite seu desempenho, distribuindo-se em dois grupos:

    1. aqueles que podem ver objetos a poucos centímetros (dois a três) e utilizam a visão para muitas atividades escolares, alguns para ler e escrever com ou sem auxílios ópticos e outros, complementando essas atividades com o Sistema Braille;

    2. aqueles que em algum grau, estão limitados no uso de sua visão, mas utilizam-na, porém, no processo ensino-aprendizagem, quando poderão precisar de iluminação apropriada, auxílios ópticos e / ou texto com letras ampliadas.

    Quanto aos meios de identificação, os educadores e os profissionais da área social, em geral, devem sempre estar atentos para problemas visuais que podem ocorrer com as pessoas. Esses problemas nem sempre são identificados com facilidade, a não ser quando se trata de um portador de cegueira comprovada. Deste modo, os portadores de visão subnormal, em especial as crianças, podem permanecer na família e na escola por muito tempo, sem que seja detectada a sua deficiência.

    Segundo FAY (1970), os mais comuns sintomas de deficiência visual são:

  • irritações crônicas dos olhos, indicadas por olhos lacrimejantes, pálpebras, inchadas ou remelosas;

  • náuseas, dupla visão ou névoas durante ou após a leitura;

  • ato de esfregar com freqüência os olhos, franzir ou contrair o rosto quando olha objetos distantes;

  • cautela no andar para evitar tropeços e dificuldades para correr;

  • desatenção anormal durante trabalhos no quadro de giz, mapas de paredes, entre outros.;

  • queixas de embaçamento visual e tentativas de afastar com as mãos os impedimentos visuais;

  • inquietação, irritabilidade ou nervosismos excessivos depois de um prolongado e atento trabalho visual;

  • ato de pestanejar excessivamente, sobretudo durante a leitura;

  • ato de segurar habitualmente o livro ou muito perto ou muito distante, procurando a melhor posição para a leitura;

  • ato de inclinar a cabeça para o lado durante a leitura;

  • capacidade de leitura por apenas um período curto de cada vez;

  • ato de fechar ou tampar um olho durante a leitura.

    Além desses meios de identificação, podem ser aplicados também testes de acuidade visual. Assim, o Teste de Snellen, por exemplo, permite uma avaliação simples e imediata que leva a um primeiro diagnóstico do estado oftalmológico.

    Na educação dos deficientes visuais há dois fatores conectados com a deficiência que são de suma importância: o primeiro é a idade na qual ocorreu a deficiência e o segundo é a maneira pela qual ocorreu.

    A cegueira em si, não é uma enfermidade, mas a conseqüência de uma enfermidade, um acidente ou ambos. Daí, serem múltiplas e variadas as suas causas e diversificados os momentos de sua ocorrência. Podendo ocorrer antes do nascimento, logo após o mesmo ou nos primeiros anos de vida; ao longo da vida e por meio de enfermidades ou acidentes.

    No caso da cegueira ocorrer durante o período de gestação até os primeiros anos de vida (05 a 07 anos), os deficientes visuais não retêm imagens visuais úteis nem idéias de cores. São classificados como portadores de cegueira congênita ou precoce e confiam plenamente em seus conceitos e experiências não visuais, devendo ser educandos por métodos que se adaptam às suas necessidades.

    No caso da cegueira ocorrer após os 07 anos de idade, os deficientes visuais retêm geralmente a maioria das imagens, formas e cores de suas experiências visuais, sendo classificados como portadores de cegueira adquirida; utilizam, na maioria das vezes os conceitos e as experiências adquiridas e vivenciadas no mundo visual, que devem ser aproveitadas como suporte durante o processo educacional.

    LOWENFELD (1964), assinala também outras situações da cegueira a serem consideradas nos deficientes visuais: no caso da perda repentina da visão, verifica-se geralmente um choque, caracterizado por desajustes sensório-motores e instabilidade emocional, com grande repercussão psicológica, trazendo em conseqüência, modificações nítidas em seu comportamento.

    No caso da perda gradual da visão, verifica-se um perturbação no comportamento, caracterizada por um estado de medo e ansiedade em relação ao futuro, permitindo no entanto, um processo de adaptação progressiva à vida de cego, conforme experiências de observações com educandos deficientes da visão.

    É importante assinalar que quanto mais cedo for feito o diagnóstico oftalmológico, mais fácil será minimizar ou evitar as conseqüência que possam ocorrer no desenvolvimento dos portadores de deficiência visual.

O Deficiente Visual e os Comprometimentos Psicomotores

    Deve-se observar que os problemas emocionais e físicos da criança cega são induzidos pela atitude dos videntes. CUTSFORTH (1969), discorre sobre a necessidade de não se buscar “compensações” substitutivas e sim, de se desenvolver as faculdades existentes de forma unitária.

"enquanto a vida de uma criança de visão normal se desenvolve no sentido de incluir um campo de estimulação cada vez maior, a criança cega deve encontrar a própria estimulação dentro do âmbito corporal. Daí em diante ela constitui a maior parte do seu meio ambiente e encontra em si mesma o que a criança dotada visualmente encontra no meio ambiente: o estímulo e motivação para a ação.” CUTSFORTH (1969).

    KIRK (1972), em estudo realizado, ressalta que “o indivíduo dotado de visão subnormal apresenta, geralmente, um desenvolvimento motor superior ao do indivíduo cego e inferior ao indivíduo de visão normal”.

    LOWENFELD (1964), comenta que:

“freqüentemente, no indivíduo deficiente visual, verifica-se medo de situações não conhecidas, insegurança em relação as sua possibilidades, dependência, isolamento social, apatia, desinteresse pela ação motora e dificuldade no estabelecimento de relações básicas do seu “Eu” com os que o cercam e com o ambiente em que vive.”

    A deficiências na lateralidade, a ausência de liberdade corporal, equilíbrio falho, mobilidade bastante prejudicada, esquema corporal e cinestésico não internalizados, locomoção dependente, postura defeituosa, expressão corporal muito rara, coordenação motora bastante defasada, inibição voluntária não controlada, falta de resistência física e de iniciativa para ação motora, constituem um quadro geral dessa parcela da população.

    Assim, verifica-se que a caracterização geral do indivíduo deficiente visual, pela própria problemática apresentada, o coloca mais exposto a situações geradoras do comprometimento psicomotor. Quando isto acontece, surge uma modificação no rendimento geral, levando o indivíduo a um descontrole de todo o sistema psíquico. Com medo de situações não conhecidas, insegurança em relação as suas possibilidades, dependência, isolamento social, apatia e desinteresse pela ação motora, o deficiente visual altera seu comportamento, o que certamente o torna diferente do seu grupo.

    Mais do que um simples atendimento que o reabilite a superar essas dificuldades, o deficiente visual necessita de um conjunto de ações ou methodos que permita construir um novo posicionamento em relação a sua realidade, não sendo mais abordados como objetos defeituosos, mas a partir de um princípio epistemológico, como sujeitos cognoscivos, superando os comprometimentos físicos, e estabelecendo um comportamento de interação e integração com a sociedade.

Orientação e Mobilidade

    A imagem do corpo, bem como, sua relação com o meio ambiente, são conceitos abstratos para os deficientes visuais, porque eles não dispõe de referências visuais. Estes constroem seu universo através de sensações táteis. A representação do esquema do próprio corpo dirige o indivíduo deficiente visual à construção perceptiva do espaço em que se acha e no qual deve se orientar.

    O comprometimento da visão, impõe ao indivíduo, dentre outras limitações, uma série de dificuldades com todas as implicações decorrentes, dificultando sua locomoção. Desta forma a ausência da visão, aliada ao não conhecimento da organização dos objetos e pessoas no ambiente, dificulta-lhe o deslocamento, ocasionando por vezes, tombos, esbarros, entre outros acidentes, que podem resultar em frustrações que retardam a auto-confiança em conquistar o espaço. Segundo LOWENFELD (1964), “a mobilidade engloba dois aspectos: orientação mental, envolvendo capacidades intelectiva e perceptiva; e locomoção, envolvendo fatores físicos.” Ainda, de acordo com o mesmo autor, “a orientação é a habilidade do indivíduo para reconhecer o ambiente que o cerca e o relacionamento espacial e temporal do ambiente em relação a ele próprio.”

    No que diz respeito a locomoção, ele afirma que, “é o movimento de um organismo de um lugar para outro através de seu próprio mecanismo orgânico.” Sendo assim, orientação e mobilidade implicam na interação indivíduo-ambiente, onde o indivíduo sofre influência ou influencia o meio.

    A literatura sobre Orientação e Mobilidade preconiza como um programa eficiente aquele que se vale de técnicas específicas levando em consideração as necessidades globais do indivíduo, além de possibilitar a exploração, auto-realização, independência pessoal e formação de conceitos calcados na realidade.Destacando-se alguns pontos, como:

  • Conhecimento do esquema corporal;

  • Treinamento dos sentidos;

  • Postura;

  • Equilíbrio;

  • Desenvolvimento de técnicas específicas de mobilidade.

    Busca-se então, a partir de técnicas específicas, auxiliar o portador de deficiência visual a adquirir um grau de independência funcional dentro de seu ambiente, permitindo a exploração com maior facilidade e segurança.

    Contudo, essas técnicas ficam circunscritas ao aspecto de reproduzir posturas ou movimentos indicativos. Impossibilitando o indivíduo de interagir direta ou indiretamente com o seu meio, contrariando desta forma, todas as situações que possam possibilitar sua autonomia.

    Neste caso, o Judô, pode estabelecer fatores determinantes para a auto-descoberta, bem como, o favorecimento para uma mobilidade independente e uma orientação segura, em que os deficientes visuais, podem ir além dos esquemas a eles preconizados,.desenvolvendo “movimentos e ações que propicem o princípio da ação e reação sob o aspecto do desequilíbrio surtido em função de uma força” (SEISENBACHER & KERR, 1997).

O Deficiente Visual e a Educação Física no Brasil

    Antes de aprofundarmos o processo pedagógico desportivo que irá atuar na superação de algumas defasagens, assim como, o histórico do Judô, devemos resgatar um pouco do que foi a Educação Física para cegos no Brasil, sua história, características e desenvolvimento.


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