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A homofobia nas aulas de Educação Física: com a palavra os alunos

Homophobia in Physical Education classes: with the word students

La homofobia en las clases de Educación Física: la consideración de los alumnos

 

Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará

Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação

da Universidade Federal do Pará – PPGED-UFPA

Anderson Patrick Rodrigues

andersonptk.rodrigues@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho visa investigar as influências da Homofobia nas aulas de Educação Física em uma escola técnica federal da cidade de Belém do Pará, a partir da fala de alunos homossexuais, submetidos a grupo de discussão, segundo Pollok (1955) e Loos & Schäffer (2001). Trata-se, portanto, de uma pesquisa de enfoque Crítico-Dialético, pois busca o conhecimento da realidade, do mundo, das dinâmicas sociais e superação das contradições humanas, contribuindo assim para formação histórica do indivíduo (Gamboa, 2006). Os resultados apontam para a presença da homofobia velada, e ao mesmo tempo explicita, em diferentes momentos durante a observação realizada e ratificam a necessidade de repensarmos as práticas de ensino da Educação Física, ressaltando o debate dos temas transversais da educação, dentre eles a sexualidade, sem desmerecer as identidades sexuais individuais dos sujeitos envolvidos.

          Unitermos: Educação Física. Homossexualidade. Homofobia. Escola.

 

Abstract

          This work aims to investigate the influence of homophobia in Physical Education classes at a federal technical school in the city of Belem do Para, based on the talk of homosexual students, submitted to a discussion group, according to Pollok (1955) and Loos & Schäffer (2001). It is therefore a research of a Critical-Dialectic approach, since it seeks knowledge of reality, the world, social dynamics and overcoming human contradictions, thus contributing to the historical formation of the individual (Gamboa, 2006). The results point to the presence of veiled and at the same time explicit homophobia at different moments during the observation made and ratify the need to rethink the teaching practices of Physical Education, highlighting the debate on the transversal themes of education, among them sexuality, without demeaning the individual sexual identities of the subjects involved.

          Keywords: Physical Education. Homosexuality. Homophobia. School.

 

Resumen

          Este trabajo tiene como objetivo investigar las influencias de la Homofobia en las clases de Educación Física en una escuela técnica federal de la ciudad de Belém do Pará, a partir de los comentarios sobre alumnos homosexuales, sometidos a un grupo de discusión, según Pollok (1955) y Loos & Schäffer (2001) ). Se trata, pues, de una investigación de enfoque Crítico-Dialéctico, pues busca el conocimiento de la realidad, del mundo, de las dinámicas sociales y superación de las contradicciones humanas, contribuyendo así a la formación histórica del individuo (Gamboa, 2006). Los resultados apuntan a la presencia de la homofobia velada, y al mismo tiempo explícita, en diferentes momentos durante la observación realizada y ratifican la necesidad de repensar las prácticas de enseñanza de la Educación Física, resaltando el debate de los temas transversales de la educación, entre ellos la sexualidad, sin desmerecer las identidades sexuales individuales de los sujetos involucrados.

          Palabras clave: Educación Física. Homosexualidad. Homofobia. Escuela.

 

          O presente artigo originou-se do trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado do Pará, intitulado “’Que time é teu?’: um debate sobre homofobia na Educação Física”, defendido em dezembro de 2013, na cidade de Belém do Pará, norte do Brasil.

 

Recepção: 30/09/2016 - Aceitação: 28/05/2017

 

1ª Revisão: 02/05/2017 - 2ª Revisão: 25/05/2017

 

 
Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires - Año 22 - Nº 228 - Mayo de 2017. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Quem de nós nunca ouviu e/ou certamente repetiu expressões do tipo: “Menino que não joga bola é Veadinho!”Mulher que joga bola é sapatão!” Queimada é pra bichinha!” entre outras que, permeadas de preconceito de gênero, são usadas para humilhar e excluir seus alvos da convivência social do grupo?

    Iniciamos este artigo com apenas algumas frases que permeiam a herança ideológica que absorvemos culturalmente em nossas famílias e levamos para as interações cotidianas na rua e nos ambientes escolares, vivificadas talvez com força ampliada nas interações das aulas de Educação Física de nossas escolas, em especial nas atividades esportivas, e isso nos permite questionar até que ponto esta prática preconceituosa interfere nas vivências das aulas de Educação Física.

    Para responder a esta pergunta submetemos alunos homossexuais de uma escola técnica profissionalizante da cidade de Belém do Pará, que vivenciam identidades autodeclaradas homossexuais, a grupo de discussão, segundo Pollok (1955) e Loos & Schäffer (2001), com o objetivo de investigar as influências da Homofobia nas aulas de Educação Física na referida escola. Nossas reflexões, portanto, complementam a fala dos sujeitos deste trabalho.

    O referencial teórico que norteia esta pesquisa é composto por Foucault (2007a; 2007b); Louro (2008, 2007a, 2007b); e as leituras especializadas, utilizadas como suporte teórico, perpassam por Moreira Filho e Madrid (2008); Spencer (1999). A metodologia desenvolvida dividiu-se em três momentos distintos e complementares: estudo da literatura; grupo de discussão; e análise dos dados com posterior socialização dos resultados.

    Este trabalho está estruturado em quatro tópicos, onde o primeiro introduz as discussões desta pesquisa; o segundo aborda como os documentos nacionais de educação pretendem combater a homofobia na Escola Básica, para garantir o direito à igualdade e às diversidades; e o quarto tópico, por sua vez, apresentará a análise das falas dos alunos integrantes do grupo de discussão, em busca de elementos que comprovem ou não, as influências da Homofobia nas práticas de Educação Física na referida escola.

    Acreditamos que esta pesquisa encontra-se coerente com o atual processo histórico e político no qual perpassa a legislação educacional brasileira em busca de igualdade e valorização das diversidades dentro e fora do espaço escolar, pois trata-se de um estudo voltado para o debate das relações de poder que nos impedem de chegar à Educação que queremos e merecemos. Os resultados obtidos ratificam o exposto, ao comprovar, na fala dos sujeitos desta pesquisa, influências de preconceito de gênero e homofobia, dentro e fora das aulas de Educação Física na escola investigada.

A regra é clara! O que dizem os manuais pedagógicos sobre o combate à homofobia escolar?

    Não podemos falar em leis educacionais sem começarmos por nossa Constituição Federal (Brasil, 1998), que subordina a si todas as leis posteriores a ela e garante o respeito ao cumprimento de todos os direitos do cidadão brasileiro, dentre eles os chamados fundamentais, como a Cidadania e a Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1, II e III); cujos objetivos fundamentais (Art. 3.), dentre suas prioridades, destaca, em seu inciso IV, a promoção do “bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É a Constituição que garante a igualdade legal entre todos os brasileiros, sem distinção de qualquer natureza (Art. 5). Isso implica dizer que, ao menos em teoria, o Brasil é um país que respeita os direitos políticos, sociais, sexuais e religiosos de seu povo independentemente de “escolhas” da maioria.

    A Constituição dedica o tratamento à Educação nos artigos 205 a 214, neles, a Educação é afirmada como direito coletivo, porém de responsabilidade do Estado, voltada para a formação plena do desenvolvimento de pessoas que devem aprender na escola como exercer a cidadania. A realidade, porém, destoa das condições do ensino básico brasileiro, pautado muitas vezes na reprodução de valores que acorrentam os alunos à condição de reprodutores de conteúdo, este por si fragmentado e fragilizado, em vez de produtores reais de conhecimento.

    Seguindo nossa linha de pensamento, chegamos aos Parâmetros Curriculares Nacionais de Temas Transversais de “Pluralidade Cultural, Orientação Sexual” (Brasil, 1997), aos quais, dentre seus objetivos, defendem o ensino capaz de formar alunos aptos a

    Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais, de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais de classe social, de crenças, de sexo, de etnia, ou outras características individuais e sociais. (...)

    Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício de cidadania. (Brasil, 1997, não paginado).

    Debatida como um tema transversal curricular, a sexualidade, nos PCNs, é tratada com excessos de cuidados, que aumentam ainda mais, ao tratar sobre a ação de professores e sobre a postura pedagógica da escola, assumidas diante do tema. Sobre sexualidade, os PCNs, afirmam visar transformar a escola em um espaço de informações que amplie o conhecimento familiar dos alunos. No entanto, ao propor o trabalho da sexualidade, o documento menciona apenas os tópicos: gravidez na adolescência e o risco de contágio de DSTs e HIV/Aids; ficando a homossexualidade e a homofobia de fora do trabalho sugerido. Orienta, portanto, o trabalho da sexualidade através de debates sobre virgindade, gravidez indesejada, DSTs, HIV e abuso sexual, ou seja, restringe-se a sexualidade ao ato sexual e excluem-se as relações afetivas entre os indivíduos que as vivenciam, criando, assim, uma lacuna a ser investigada com responsabilidade e vagar.

    Diante desta lacuna, ficamos frente ao desafio de trazer para o currículo da Educação Física a contextualização dos temas “sexualidade”, “homossexualidade” e o “combate à homofobia”. Como? No cotidiano da disciplina, através de atividades voltadas para a democratização, da cooperação e da inclusão no espaço de suas aulas. Isso porque, segundo o Coletivo de autores (2012, p.62) por ser uma disciplina que trata da cultura corporal, esta “será configurada com temas ou formas de atividades, particularmente corporais”, o que não impede o trabalho de conscientização político social dos envolvidos, já que há uma intencionalidade atrelada ao Programa de Educação Física que, supõe-se, estar diretamente influenciado pelos problemas sociais trabalhados de forma lúdica no desempenho das atividades coletivas de jogos, lazer, ginástica, dança e esportes em geral.

    Utilizado como leitura obrigatória de todos os cursos de formação de professores de Educação Física, o Coletivo de Autores (2012), também se ocupa do trabalho com a sexualidade, porém, apenas a menciona quanto aos papéis sexuais dos alunos, ou seja, aos estereótipos, funcionalidades, direitos e deveres sociais impostos culturalmente aos gêneros masculino e feminino.

    Para nós incomoda profundamente a afirmação de uma leitura parcial da realidade, deixando aparente a influência de interesses políticos, sociais e de gênero voltadas para a formação ou manutenção da consciência social vigente e seus significantes. É como se implícita e contraditoriamente, os autores do livro “Metodologia do Ensino de Educação Física” defendessem a tese de que o preconceito contra homossexuais não fosse um problema social relevante e merecedor de superação, pois a não afirmação do contrário de forma clara e explícita reafirma a negação do fato (Louro, 2008) e a invisibilização (Prado & Machado, 2012) a qual a sociedade condena pessoas homossexuais.

    A escola deve, portanto, partir do princípio constitucional de igualdade entre todos, sem distinção de qualquer tipo, para propor momentos de reflexão e instrumentalização do tema e buscando a transformação do pensamento homofóbico em pensamento democrático, de aceitação do outro por sua condição humana, como sujeito histórico-político e social que exerce sua cidadania plena e não apenas como um ser natural rotulado pela forma que vive sua sexualidade.

As aulas de Educação Física em uma escola técnica federal da cidade de Belém do Pará

    Como mencionado anteriormente, o universo de nossa pesquisa é composto por uma escola de ensino técnico da cidade de Belém do Pará. Nesta escola são ofertados ensino fundamental, ensino médio-técnico (nas modalidades integrado -junção entre curso técnico e nível médio, com duração média de dois anos e meio; e subsequente - curso técnico para alunos que já concluíram o Ensino Médio, com duração média de um ano e meio); e ensino superior, nos turnos da manhã, tarde e noite.

    Optamos por trabalhar com adolescentes do Ensino médio Técnico e durante as observações das aulas de Educação Física da modalidade integrada, na referida escola, um curso nos chamou atenção pela grande quantidade de alunos homossexuais. Deste curso, pois, surgiram os sujeitos entrevistados nesta pesquisa.

    É importante salientar que não nos limitamos a simples observação do universo, mas, ao contrário, escolhemos viver o mesmo, e, para isso, este autor submeteu-se a processo seletivo comum, e ingressou na referida escola, como aluno regular do referido curso, o que permitiu uma observação antropológica participante, contínua e duradoura, do conjunto de hábitos e práticas sociais do grupo com o qual desenvolvemos esta pesquisa; o que possibilitou maior domínio etnográfico do cotidiano do curso e da própria escola. Deste modo, acreditamos que a observação participante nos permitiu tecer um retrato mais fiel da realidade educacional desta escola no que diz respeito ao trato às questões relativas a gênero e a sexualidade e de como os alunos homossexuais se relacionam com os demais sujeitos que habitam o mesmo universo.

    A observação participante implica, necessariamente, um processo longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para "negociar" sua entrada na área. Uma fase exploratória é, assim, essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e não num único momento (WHYTE, 2005,p. 320)

    As observações aconteceram em 2013. Com o início das aulas, iniciamos também a observação participante deste estudo, onde podemos identificar imediatamente os possíveis sujeitos desta pesquisa: dez alunos homossexuais masculinos e três alunas lésbicas. Posteriormente, já com a confiança do grupo, podemos também identificar a presença de dois alunos bissexuais.

    Ao todo, portanto, contamos com quinze sujeitos identificados para a esta pesquisa. O contato com tais sujeitos aconteceu de forma lenta e respeitosa. Somente após estabelecer uma relação de confiança com os mesmos, mencionamos o objetivo desta pesquisa, que foi muito bem aceito pelo grupo em questão. Nosso intuito, porém, só foi alcançado com as primeiras aulas de Educação Física que ocorreram durante as terças-feiras e vistas quase como tortura por estes sujeitos, pois, estas aulas pautavam-se em práticas esportivas, especialmente futsal e vôlei, modalidades esperadas por alunos heterossexuais, mas não tão bem aceitas pelos alunos e alunas homossexuais em questão.

    Os alunos e as alunas selecionados foram submetidos a grupo de discussão, onde foram provocados a responder às seguintes perguntas: como você se define quanto a gênero? Você já sofreu algum tipo de homofobia na escola ou fora dela? Você tem amigos homossexuais? Você conhece alguém que já sofreu violência física ou verbal, motivada por preconceito de gênero? Dentro da Educação Física, você notou interesse do professor por metodologia favorável ao debate de gênero ou não? Como a Educação Física poderia se tornar mais inclusiva para alunos homossexuais e transgêneros? E, no caso da escola, Você acha que a escola esta preparada para receber alunos homossexuais e transgêneros? Estas perguntas nos ajudaram a mapear o número de alunos vitimados de violência motivada por preconceito por suas identidades sexuais; e excluídos do processo de Ensino Aprendizagem da Educação Física na referida escola.

    A escolha por trabalhar com grupos de discussão justifica-se pelo fato de trabalharmos com alunos e alunas menores de idade, logo, a entrevista individual estaria condicionada à autorização dos pais ou responsáveis destes, o que poderia gerar impedimentos para a conclusão do trabalho.

    Os grupos de discussão passaram a ser utilizados na pesquisa social empírica pelos integrantes da Escola de Frankfurt a partir dos anos 50 do século passado, especificamente em um estudo realizado em 1950-51 e coordenado por Friedrich Pollok, no qual foram realizados grupos de discussão com 1.800 pessoas de diferentes classes sociais (Pollok, 1955; Loos; Schäffer, 2001).

    Sobre as respostas obtidas, todos os entrevistados foram categóricos em afirmar já ter sofrido algum tipo de violência, seja física ou verbal, motivada por preconceito de gênero em algum período de sua vida, principalmente durante a vida escolar. “Começa sempre com as piadinhas, apelidos, depois a exclusão dos grupos, a perseguição até chegar na agressão física e na tortura psicológica”. Alguns alunos, inclusive, afirmaram que um dos motivos para adiarem a vivência de suas homossexualidades na escola era o medo de tronarem-se alvo de Bullying por parte dos colegas.

    A maioria dos alunos afirma não gostar de participar das aulas de Educação Física devido ao privilégio dado ao futebol e sua ligação direta com os desportos, em especial como vôlei e handebol. Dos meninos entrevistados, apenas um gosta de jogar futebol. A raiva de futebol é tanta que alguns alunos, mesmo saudáveis, escondiam-se atrás de atestados médicos para não participarem das aulas, pois como não sabiam jogar ou não se sentiam a vontade para jogar, tornavam-se alvos de piadas e apelidos que o constrangiam diante de seus colegas de turma.

    O futebol aparece como principal agente a favor do preconceito de gênero nas aulas de educação física desta escola, talvez por ser, culturalmente classificado em nossa sociedade como esporte masculino (Darido, 2002), pois, querendo ou não, ainda vivemos sob a ideologia dicotômica das atividades masculinas diferentes das atividades femininas, essa realidade não é diferente dentro dos muros das escolas ainda marcadas pelo sistema educacional patriarcal e machista ainda em processo (Darido, 2002; Ferreira, 2010).

    A Educação Física, por sua vez, é apontada como uma disciplina que não consegue aceitar a identidade sexual de seus alunos, e isso se reflete em suas metodologias que procuram tratá-los de forma unificada, onde meninos devem gostar e exercitar os saberes socialmente determinados para o desenvolvimento pessoal e social do gênero masculino; e meninas devem gostar e exercitar os saberes socialmente determinados para o desenvolvimento pessoal e social do gênero feminino.

    Como podemos observar, a dicotomia de gêneros interfere diretamente nas aulas de Educação Física desta escola, é ela quem demarca os limites do gênero no campo esportivo e condena à estranheza e à exclusão quem ousa ultrapassá-los. Ao privilegiar o futebol e o futsal, de forma intencional ou não, a escola ratifica o sexismo no esporte, já afirmado por autores como Darido (2002) e Ferreira (2010), e suas influencias na disseminação do preconceito de gênero dentro e fora das aulas de Educação Física. Algo então precisa ser mudado, não falamos aqui em acabar com o futebol na escola, mas em tornar as aulas de Educação Física mais democráticas e agradáveis. Os alunos entrevistados norteiam uma possível direção para atingirmos essa democracia metodológica nas aulas de Educação Física.

    Para os sujeitos desta pesquisa, a Educação Física deve pautar-se em uma metodologia participativa, onde os alunos também tem voz de decisão; e vão além, acreditam que diversificar os conteúdos da disciplina é essencial para torná-la mais atrativa, especialmente para o público LGBT, já que assim como o futebol não pode ser visto como privilégio de alunos heterossexuais, a queimada não pode ser vista como a única atividade comum de gêneros dentro da escola. Aliás, os alunos entrevistados condenam a delimitação dos esportes por gênero e acreditam que os professores de Educação Física podem e devem estudar mais a respeito do trato com alunos LGBTs, pois, assim como existem alunos LGBTs que fogem dos esportes, há aqueles que são exímios praticantes destes mesmos esportes.

    A fala dos alunos entrevistados nos levam ao desprendimento do currículo tradicional e nos fazem pensar em Educação Física, que pode sim manter suas atividades esportivas, porém, abertas à novas possibilidades metodológicas que valorizem a Cultura Corporal como um todo, sem demarcações impostas por limites corporais e de gênero. Talvez esteja ai o caminho para tornar a disciplina mais agradável, democrática e, ainda, efetivamente mais inclusiva, pois representariam a coletividade e abandonaria de vez o determinismo sexista ainda em vigor em muitas escolas brasileiras.

Conclusão

    Manifestada cotidianamente no trato social entre os alunos e reafirmada pelas escolhas metodológicas dos professores, podemos perceber a homofobia velada e ao mesmo tempo explicita em diferentes momentos durante a observação realizada para este trabalho. De forma involuntária, identificamos o futebol como um esporte castrador das sexualidades na referida escola, visto que todos os entrevistados afirmaram que a imposição do futebol nas aulas de Educação Física acaba sendo uma forma de manter a hegemonia heterossexual, pois os alunos que não jogam futebol ou futsal são, automaticamente, vistos com outros olhos e sendo tratados, consequentemente, de forma diferenciada, inclusive com alcunhas pejorativas: os meninos são chamados de “bibinhas do vôlei”; “fresquinhos”, etc.; e as meninas que gostam de futebol são chamadas de “Maria homem”, “sapatilha 42” ou “sapatão”, etc. Durante nossa permanência no universo desta pesquisa, podemos perceber que esse tratamento excludente sai da quadra e chega aos relacionamentos interpessoais dos alunos, fortalecendo a divisão da turma em grupos onde homossexuais e heterossexuais convivem no mesmo ambiente, porém pouco se relacionam e muito se combatem.

    Para concluir, os sujeitos que compuseram esta pesquisa ajudaram-nos a traçar um paralelo entre passado e presente, o que nos habilita afirmar o caráter excludente que a escola e a Educação Física assumem em determinados momentos através de suas práticas metodológicas. O que, por sua vez, nos condiciona a reafirmar a necessidade de repensar as práticas de ensino da Educação Física, ressaltando o debate dos temas transversais da educação, dentre eles a sexualidade, sem desmerecer as identidades sexuais individuais dos sujeitos envolvidos. Claro que as metodologias sempre esbarrarão em obstáculos impostos por questões pessoais dos professores e pelo tradicionalismo da sociedade, principalmente no que diz respeito a gênero e identidade sexual, mas não debatê-los é condená-los à invisibilização; é ratificar o preconceito e reafirmar a homofobia nossa de cada dia.

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