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As políticas para o esporte nos anos iniciais da União 

das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS (1917-1924)

Las políticas para el deporte en los primeros años de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS (1917-1924)

Policies for sport in the early years of the Union of Soviet Socialist Republics - USSR (1917-1924)

 

Estudante do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, na linha
de Políticas e Gestão em Educação. Formada em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)
no ano de 2014. Foi participante do PET/DEF (Programa de Educação Tutorial da Educação Física) e também do PIBID (Programa
de Bolsas de Iniciação a Docência). Atualmente participa do Projeto de Ensino “Educação Física, Educação e Marxismo” (EFEMARX)
e também do Projeto de Extensão “Educação e Educação Física: Aproximações de Análise à Luz da Crítica marxiana da Economia Política”

Ana Claudia Rodrigues Russi

ana.russi@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo principal deste texto é apresentar como se constituíram algumas das políticas e ações para o esporte no período inicial da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS (1917-1924). Assim, neste estudo de caráter bibliográfico buscamos a compreensão do contexto político, econômico e social que caracterizou este período e a compreensão das políticas e ações do governo soviético referentes ao esporte. Neste estudo, observamos que o governo soviético organizou suas próprias instituições e competições esportivas desvinculando-se das organizações esportivas capitalistas e utilizou o esporte como uma ferramenta estratégica de auxílio na busca da instauração do socialismo.

          Unitermos: Esporte soviético. Governo soviético. Socialismo.

 

Abstract

          The aim of this paper is to present as if constituted the policies and actions for the sport in the early period of the Union of Soviet Socialist Republics - the USSR (1917-1924). So in this bibliographical study aims to understand the political, economic and social context that characterized this period and the understanding of the policies and actions of the Soviet government for the sport. Thus, we see that the Soviet government organized its own institutions and sports competitions detaching themselves from capitalist sports organizations and used the sport as a strategic tool to aid in the search of the establishment of socialism.

          Keywords: Soviet sport. Soviet government. Socialism.

 

Recepção: 27/11/2015 - Aceitação: 14/01/2016

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 213, Febrero de 2016. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Rússia, entre 1894 e 1917, foi governada pelo imperador despótico Czar Nicolau II (1868-1918), após a morte de seu pai, o Alexandre III (1845-1894). Tratava-se de um Império economicamente atrasado em relação aos outros países europeus como Inglaterra, França, Alemanha e Bélgica. Segundo Reis Filho (1983, p. 9) “A Rússia czarista era uma sociedade agrária, constituída por múltiplas nacionalidades, roída por dentro pelo desenvolvimento do capitalismo e dominada por um Estado autocrático todo-poderoso”.

    A Rússia iniciou, neste período, seu processo de industrialização criando uma massa significativa de operários que viviam em condições precárias caracterizadas por muita miséria e pobreza. Foi essa classe operária descontente, unida aos camponeses, e organizada pelos Bolcheviques (organização partidária liderada pelas idéias de Vladimir Ilyitch Uliánov, conhecido como Lênin (1871-1924)) que iniciou um processo de insurgência contra o Imperador Czar e que devido a outros inúmeros fatores (que não podemos expor devido aos limites deste trabalho) levou aos processos revolucionários no ano de 1917.

    A partir dessa tomada revolucionária do poder ocorreram diversas mudanças na estrutura de organização da Rússia que atingiram os mais diversos setores da sociedade. Neste trabalho, trataremos única e exclusivamente de um aspecto dessas mudanças, ou seja, das ações políticas desse novo governo revolucionário/bolchevique no que tange ao esporte na Rússia.

    Primeiramente, como aponta Jesus (2010), no período que antecede a Revolução Bolchevique de 1917 já existia certa preocupação acerca da prática de atividades físicas, especificamente dos esportes. O Czar, sob a influência européia, criou clubes esportivos na Rússia e incluiu o país nas competições esportivas internacionais. Segundo Jesus (2010, p. 04):

    No início do século XIX, a difusão da prática do halterofilismo, da luta amadora e do ciclismo na Europa também se fez sentir na Rússia, em que grupos privados formaram centenas de clubes esportivos. A Rússia czarista participou das primeiras competições esportivas internacionais modernas. Em 1894, os russos estavam entre os membros fundadores do Comitê Olímpico Internacional, e atletas desse país competiram nos Jogos Olímpicos de Londres em 1908. O regime czarista reconhecia o valor do esporte e da educação física para o prestígio internacional e para a saúde da população, mas o nível de interesse do Estado e de envolvimento da classe trabalhadora no esporte ainda era menor do que em outros locais da Europa. Contudo, a Revolução Bolchevique de 1917 e a guerra civil abalaram as relações da Rússia com o mundo capitalista, inclusive nos temas esportivos. Ao relegar em segundo plano as organizações esportivas da era czarista e substituí-las por novos órgãos comunistas, os bolcheviques redefiniram as relações estabelecidas entre as organizações russas/soviéticas e capitalistas e procuraram criar sua estrutura separada e distinta para o “esporte proletário” (grifos nossos).

    Desse modo, o governo Bolchevique rompeu, nesse primeiro momento, a vinculação entre a Rússia e as organizações esportivas internacionais, implementada pelo governo czarista e estabeleceu novos objetivos ao esporte na URSS. Segundo Jesus (2010), esses novos objetivos eram os seguintes: ampliar a produtividade do trabalho, o preparo dos trabalhadores para as atividades de defesa e a difusão de hábitos de coletivismo, higiene e disciplina. Ainda segundo este autor, muitos condenavam o esporte como um todo, afirmando que ele era essencialmente capitalista e corrupto, enquanto outros acreditavam que certos esportes poderiam ser usados em prol dos objetivos da URSS. Contudo, todos concordavam que o individualismo e os hábitos de competição, estimulados pelas competições esportivas capitalistas, deveriam ser desencorajados.

    Observamos que, a partir desses novos objetivos vinculados ao esporte, a URSS estabeleceu novas diretrizes e políticas para o esporte russo. Com isso, surge a inquietação desta pesquisa: quais eram as políticas e ações para o esporte russo no período inicial da URSS (1917-1924)? Ao responder esta questão, nosso intuito é compreender como a URSS enquanto nação comandada pelo governo soviético tratou as questões referentes ao esporte e, respectivamente, a educação física (EF).

Metodologia

    Esta pesquisa se caracteriza como um estudo de caráter bibliográfico, que, segundo Gil (1994), trata-se de pesquisas elaboradas a partir de um material já publicado, como artigos, livros, etc. Inicialmente selecionamos um período específico do contexto da URSS (1917-1924) devido aos limites deste e estudo e, também, por compreender que este período inicial buscou a instauração de princípios ao esporte extremamente opostos aos princípios estabelecidos pelos outros países do mundo naquele momento.

    Com isso, para atender nosso objetivo principal, que é apresentar como se constituíram as políticas e ações para o esporte no período inicial da URSS (1917-1924), buscamos a compreensão do momento histórico em que a URSS estava inserida, nacional e internacionalmente, neste período. A partir desta compreensão acerca do contexto de forma global (envolvendo os aspectos sociais, políticos e econômicos), buscamos captar quais eram as características do esporte na URSS e quais foram as ações e políticas esportivas realizadas pelo poder revolucionário.

Resultados

    A partir da análise empreendida neste estudo pudemos obter alguns resultados importantes. Primeiramente podemos observar que, com a ascensão dos bolcheviques ao poder, buscou-se modificar o sentido da EF e do esporte para que eles estivessem interligados aos objetivos socialistas, assim como foi feito com a instituição escolar e outras instituições. Por mais que a URSS não tivesse instaurado realmente o socialismo, ainda fora possível realizar algumas modificações nos valores e objetivos das diversas instituições e atividades que se desenvolviam na Rússia neste momento, mesmo que isso tenha se dado de forma parcial. Na citação a seguir podemos observar uma modificação nas características do novo atleta russo, ou seja, o atleta soviético, e a diferença entre o esporte desenvolvido no âmbito capitalista e no âmbito revolucionário:

    [...] o atleta soviético deveria ser um participante consciente da sociedade, que estudaria e conheceria não apenas seu esporte, mas as lições básicas de marxismo e de leninismo. O esporte na sociedade socialista diferiria, assim, em estrutura organizacional e em natureza fundamental daquele desenvolvido na capitalista. Se na primeira o esporte e a cultura física tinham como objetivo o desenvolvimento de qualidades morais, éticas e estéticas do povo e a preparação para o trabalho e a defesa, o esporte competitivo na segunda era concebido como inerentemente corrupto, num momento em que era parte de uma estrutura socioeconômica na qual era usado como meio para explorar os indivíduos, desviar as massas do esforço de luta por justiça social e preparar as pessoas para a conquista imperialista (Peppard apud Jesus, 2010, p. 05-06).

    Sendo assim, no período analisado neste estudo a URSS boicotou e criticou os eventos esportivos burgueses internacionais e buscou realizar seus próprios eventos, de modo a promover uma integração entre os trabalhadores soviéticos e os trabalhadores de outros países. Jesus (2010) nos apresenta elementos importantes sobre estas questões:

    Entre 1917 e 1928, observa-se a preocupação soviética com a promoção do internacionalismo proletário por meio do esporte e a condenação da autoridade burguesa e social-democrata na área esportiva. Nos anos 1920, a difusão do comunismo pelo mundo foi considerada uma necessidade prática que dependia da existência do Estado soviético, de forma que, na área esportiva, os líderes desse Estado relegaram em segundo plano as organizações esportivas burguesas, recusaram-se a se afiliar a federações internacionais de esporte e boicotaram seus campeonatos e competições, em particular os Jogos Olímpicos, vistos com a finalidade de desviar os trabalhadores da luta de classe para o treinamento para novas guerras imperialistas. Internamente, para o grupo dos “higienistas”, o esporte capitalista trazia competição e poderia trazer prejuízos para a saúde física e mental. Para os membros da Proletkult (Cultura Proletária), os esportes organizados que vinham da sociedade burguesa eram relíquias de um passado decadente e degenerações da cultura capitalista. Assim, um novo começo seria trazido pela inovação revolucionária com a cultura física proletária, uma nova forma de cultura física que refletiria os requisitos e os valores da classe trabalhadora e do novo Estado socialista e que não deveria ser governada pelos tipos de esporte, regras e regulamentos inclusos nos Jogos Olímpicos, que refletiam as distinções sociais e os privilégios da sociedade burguesa. Nesse sentido, as excursões esportivas dos atletas além das fronteiras da União Soviética limitavam-se a jogos de futebol contra times de trabalhadores estrangeiros (p. 06-07, grifos nossos).

    Desse modo, neste período, o poder Bolchevique definiu três principais objetivos em que o sistema esportivo soviético deveria basear-se: defesa, saúde e integração. Os revolucionários no poder neste período, orientados pelas idéias de Lênin, tinham clareza de que a integração, no sentido de incitar insurreições proletárias em outros países, era primordial para a sobrevivência da URSS e futura construção de uma revolução socialista mundial. Lênin tinha clareza de que não era possível realizar a revolução socialista em um país só. Dessa forma, os revolucionários buscavam a todo custo contribuir com a tomada revolucionária em outros países e o esporte servia como um instrumento importante na realização desta tarefa.

    Além dessa integração, a defesa da URSS contra os ataques dos países capitalistas era imensamente importante, bem como ter revolucionários saudáveis e fortes para trabalhar nessa defesa. Na citação a seguir podemos obter mais elementos sobre essa questão:

    Após a Revolução de Outubro, os clubes existentes foram dissolvidos, e seus equipamentos, confiscados para serem usados com fins de preparação militar para a defesa da União Soviética. O Exército Vermelho precisava de um grande número de homens jovens fisicamente saudáveis e fortes. Em relação à educação quanto à saúde, à higiene e à nutrição, o governo desenvolvia campanhas voltadas para o apoio à população soviética nas questões cotidianas e na luta contra o alcoolismo e o comportamento “não-civilizado”, em especial na população rural. Já na busca pela integração, esportes como o vôlei, o futebol e o atletismo eram estimulados em todas as regiões da União Soviética na tentativa de estimular atividades conjuntas (Mertin, 2008, p. 166-167 apud Jesus, 2010, p. 08, grifos nossos).

    Com isso, de acordo com Jesus (2010), em 23 de junho de 1921 surgiu a Associação Internacional Vermelha dos Desportos e das Associações de Ginástica, conhecida popularmente como a Internacional Vermelha do Desporto - IDV (afiliada da Internacional Comunista, atuou até 1937). Ela foi criada no Primeiro Congresso Internacional das Organizações Revolucionárias de Esportes dos Trabalhadores e contou com a participação de delegados de diversos países. Seu intuito era criar uma organização esportiva proletária (oposta às organizações burguesas) e proporcionar um desenvolvimento físico saudável dos jovens, antes de seu alistamento no Exército Vermelho.

    Conforme os apontamentos feitos no Manifesto da Internacional Vermelha do Desporto (2014), a proposta para a criação da IVD surgiu de Nikolai Podvoisky (1880-1948), especialista militar, responsável pela organização do treino militar da Rússia Soviética. Podvoisky afirmava que era preciso coordenar sistematicamente o treino físico da juventude, pois isto traria benefícios para as necessidades do Exército Vermelho e para a formação de jovens saudáveis. Além disso, ele apontava que uma organização proletária dos desportos poderia ser um potencial contrapeso ideológico aos Jogos Olímpicos da burguesia. Assim, a IVD elegeu um Comitê Executivo com representantes da Rússia Soviética, Alemanha, Checoslováquia, França, Suécia, Itália e Alsácia-Lorena, que deveria planejar e coordenar suas atividades.

    Desse modo, a IVD realizou três jogos de verão e um de inverso, que receberam o nome de Spartakiads, como referência ao líder da revolta dos escravos romanos, o escravo Spartacus, e às “Repúblicas Espartaquistas” de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Afirma-se que a escolha deste nome buscava reforçar a caracterização proletária destes eventos. Estes tinham o objetivo de transmitir as idéias e valores revolucionários por meio de um programa esportivo baseado no internacionalismo proletário (Manifesto da Internacional Vermelha do Desporto, 2014).

    A IVD era responsável por conduzir a política externa soviética para o esporte e patrocinou as primeiras Olimpíadas Proletárias Mundiais (realizadas em 1925) e as edições da Spartakiad Trabalhadora. No quadro abaixo reunimos informações que encontramos nos estudos, artigos e livros consultados acerca dos eventos esportivos realizados pela IVD:

Tabela 1. Eventos realizados pela Internacional Desportiva Vermelha (1921-1937)

    No entanto, é importante ressaltar que com a morte de Lênin em 1924 e a posterior ascensão de Stalin ao poder da URSS, houve diversas modificações na condução das ações do governo soviético, que obviamente atingiram as questões esportivas. Essas modificações começam a ganhar força após 1928, quando o esporte passou a ter um sentido nacionalista em vez de ser uma busca pela promoção do internacionalismo proletário.

Conclusões

    A partir das informações apresentadas neste estudo podemos constatar que os objetivos que o governo soviético tinha em relação ao esporte eram opostos aos objetivos dos países capitalistas. Esse fato fez com que a URSS se desvinculasse totalmente das organizações e competições esportivas dominantes, como as Olimpíadas mundiais, e criasse a sua própria política e forma de organização esportiva, nacional e internacional.

    Observamos que os objetivos do sistema esportivo soviético eram a integração proletária mundial, a promoção da saúde dos trabalhadores e combatentes soviéticos e a preparação física para a defesa contra os ataques externos e internos que ameaçavam a instauração do socialismo. Baseados nestas finalidades o governo soviético modificou as políticas para o esporte na Rússia. Dentre as suas principais ações destacamos a realização do Congresso Internacional das Organizações Revolucionárias de Esportes dos Trabalhadores onde foi criada a Internacional Vermelha do Desporto (IDV), organização esportiva afiliada à Internacional Comunista. Por meio dessa organização foram realizados diversos eventos esportivos, nacionais e internacionais, desvinculados dos eventos do mundo capitalista e voltados aos objetivos socialistas.

    Por fim, destacamos que o objetivo principal do governo soviético era a instauração do regime socialista. Todos os esforços, ações, práticas e políticas deste governo se voltavam para este objetivo (no período do qual este estudo se refere) e, com isso, o esporte exerceu certa importância ao se constituir como uma ferramenta estratégica de auxílio no atendimento dos objetivos do governo revolucionário.

Bibliografia

  • Gil, A.C. (1994). Métodos e técnicas de pesquisa social. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 207 p.

  • Jesus, D. (2010) Foices e Martelos no Olimpo: a política esportiva da União Soviética e as relações com o mundo capitalista. Recorde: Revista de História e Esporte. Vol. 03, nº 02, dez.

  • Lênin, V. I. (1983). Aliança da Classe Operária e do Campesinato. Moscovo: Edições Progresso.

  • Manifesto da Internacional Vermelha do Desporto. (2014). Disponível em: http://ciml.250x.com/archive/comintern/red_sport_international_portuguese.html. Acesso em: 26 set. 2014.

  • Netto, J. P. (2011). Introdução ao Estudo do Método de Marx. 1ª Edição. São Paulo: Expressão Popular.

  • Reis Filho, D. A. R. (1983). Rússia (1917 – 1921) os anos vermelhos. São Paulo: Editora Brasiliense.

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