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A inserção da disciplina de Educação Física na 

Educação Infantil: uma opção ou uma condição?

La inserción de la Educación Física en Educación Infantil. ¿Una opción o una condición?

 

Licenciado Pleno em Educação Física pela UFRRJ. Especialista em Gestão Educacional

pela UFES. Mestrando em Educação Física pela UFES. Professor da Rede Municipal

de Vitória/ES, atuando na Educação Infantil e Professor da Rede Estadual do Espírito Santo

Prof. Mstd. Rodrigo Lema Del Rio Martins

rodrigoefrural@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A Educação Infantil se constitui por força de lei como sendo a primeira etapa da Educação básica brasileira. Embora a promulgação da chamada Lei do Piso tenha catalisado esse processo, no estado do Espírito Santo configuram-se experiências variadas acerca da inserção da área de conhecimento da Educação Física, tanto descolada da legislação, quanto pro ocasião dessa normativa legal. O desafio posto está no processo de legitimação desse componente curricular em consonância com uma abordagem que respeite as singularidades da infância, bem como compreenda as crianças como sujeito social, ator protagonista de seu desenvolvimento, respeitando suas subjetividades e detentor de uma potência criativa. O artigo se dedicou a debater essa relação entre a legalização x legitimação da Educação Física na Educação Infantil e a proposta de uma abordagem curricular pautada na Sociologia da Infância, entremeando os desafios, possibilidades e limites dessa proposta.

          Unitermos: Educação Física. Educação Infantil. Protagonismo. Legitimidade. Legalidade.

 

Recepção: 22/01/2015 - Aceitação: 24/02/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 202, Marzo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Recentemente é possível notar a inserção da disciplina de Educação Física no âmbito dos Centros Municipais de Educação Infantil de diversos municípios do estado do Espírito Santo, muito em função da entrada em vigor no ano de 2008 da lei do Piso Salarial de Professores (PSPN) que, entre outras coisas, exige a garantia de um terço da jornada de trabalho do professor como sendo destinadas ao planejamento de suas atividades específicas docentes (JESUS, 2014).

    No que pese a legislação citada não mencionar a maneira como se procederia essa garantia de tempo de planejamento, nem que caberia a disciplina da Educação Física ser inserida na etapa da Educação Infantil para tal finalidade, Coco (2009) na pesquisa “Mapeamento da Educação Infantil no Espírito Santo”, mostra a partir dos dados coletados no ano de 2007, junto aos municípios respondentes – 41 no total – que existe uma predominância do professor com formação em Educação Física em relação aos demais docentes “especialistas” com atuação na etapa da Educação Infantil.

    “Temos, junto à docência na EI, um processo de articulação da gestão das instituições (com a designação de direção e coordenação) e de criação de novos cargos tais como professores de áreas de conhecimento (dinamizadores), berçaristas, auxiliares de turmas e recreadores indicando uma ampliação do número total de profissionais atuantes nas instituições.” (COCO, 2009 p.6)

    Não há indícios postos na lei que correlacione o cumprimento da carga horária de planejamento ao trabalho pedagógico da Educação Física com crianças de zero a cinco anos. O que há, é apenas o dispositivo legal da Lei nº 9394/96 considerando a Educação Física como “componente curricular obrigatório da educação básica”. Intriga esse “aparecimento” em curso da Educação Física como área do conhecimento agregando-se a etapa da educação infantil de forma tão significativa numericamente nos municípios.

    A inserção da Educação Física nessa etapa carrega em si questões importantes acerca das razões pelas quais a Educação Física, como área do conhecimento, foi eleita como sendo ela, a mais proeminente na citada pesquisa. Ao que parece, com a vigência da Lei do PSPN ocorreu um efeito catalisador dessa inserção, pois muitos sistemas municipais de educação, a partir de então, precisaram ampliar o número de profissionais com vistas a responder frente a normatização do tempo de planejamento docente.

    Se como visto, existem municípios que a entrada da Educação Física na educação infantil se deu anteriormente a publicação de “lei do piso” e, em outros, foi justamente a referida lei que oportunizou o ingresso desta área de conhecimento, percebemos uma diferenciação clara, onde a entrada da Educação Física se configurava como uma opção por parte da municipalidade e quando a mesma é demandada como uma condição para o cumprimento da legislação.

    No caso da condição em atender o texto da Lei, notabiliza-se uma espécie de imitação natural do que historicamente vem acontecendo no seio do ensino fundamental. Ou seja, é necessário recair sobre alguém a “função” de cobrir os tempos de planejamento destinados a professora “regente”. Portanto, o professor de Educação Física é aquele que está associado, na formatação organizativa da escola fundamental, em garantir esses tempos de planejamento juntamente com os licenciados em Artes e Música. Embora a sua atuação docente não se resuma a um mero “cobridor de Planejamentos”, vemos nesse fato, uma aproximação para resolver essa nova demanda posta à educação infantil. Ou seja, como garantir nessa etapa de ensino, o tempo necessário para que as professoras de pedagogia possam produzir suas atividades laborais docentes?

    Noutra análise, se considerarmos que o “convite” para a Educação Física se somar a etapa da educação infantil, como campo do saber específico, num momento anterior e, portanto, fora da vigência da legislação citada, nos permite empreender diversas interpretações, entre as quais, podemos apontar para um reconhecimento, talvez, das contribuições específicas e valiosas do movimento – eixo de trabalho específico da Educação Física – à primeira infância. Não obstante, é fácil notar que a institucionalização da Educação Física no ambiente da educação infantil não se distancia muito da reprodução quase ipsis litteris do vivenciado no ensino fundamental. Essa afirmação converge com o entendimento de Sayão (1999), onde a mesma:

    “não acredita que o problema esteja na ausência ou presença do professor de Educação Física na Educação Infantil, ou de outros professores especializados, mas sim no modelo de ensino escolar que tem orientado as ações curriculares da Educação Infantil, o qual se assemelha ao do Ensino Fundamental.” (SAYÃO, 1999, p.224)

    Segundo a autora, este modelo acaba fragmentando os saberes. Desta forma, a inserção da Educação Física como componente curricular acentua a parcelização do conhecimento porque o professor de Educação Física é quem recebe formação em conhecimentos específicos. Portanto, sua presença pode tornar o conhecimento ainda mais compartimentalizado, dentro de um modelo “escolarizante” que tem a disciplina como eixo.

    Em municípios onde o percurso do atendimento às crianças dos grupos menores ocorre a mais tempo, certamente, já ocorreram oportunidades de se pensar, pesquisar, experienciar, avaliar e ressignificar práticas metodológicas e proposições pedagógicas distintas; entretanto, em sistemas de ensino de municípios que só mais recentemente, por pressão da lei, decidiram intensificar o atendimento às crianças desses mesmos grupos é de se supor que tal trajetória revele-se incipiente.

    Os conhecimentos específicos da Educação Física na etapa da Educação Infantil, seja como uma maneira de atender requisitos legais relativos a tempo de planejamento, numa concepção fortemente consolidada no Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano, seja como uma medida que objetiva qualificar o trabalho pedagógico das unidades de ensino, precisam ser melhor problematizadas, a luz de concepções que respeitem as crianças e suas singularidades. Ou seja, que a organização do trabalho pedagógico atenda seus desejos e necessidades. Neste sentido, autores como Mello e Santos (2012) e Andrade Filho (2011), vem buscando apontar caminhos acerca das possibilidades de trabalho pedagógico da Educação Física na Educação Infantil que atendam esses requisitos citados. Isso implica uma necessária revisão nos modos como a área de conhecimento vem se consolidando, muito calcado em pressupostos que não foram concebidos para essa etapa de ensino, como por exemplo, a abordagem crítico-superadora, exposta no Coletivo de Autores (1992).

    Este trabalho visa, portanto, eleger a Sociologia da Infância como base teórica que oferece suporte teórico-metodológico para situar o debate atual sobre a infância e convergir para a uma proposta de Educação Física Infantil que leve em conta as necessidades das crianças e as respeite como sujeito de direitos e produtoras de cultura.

Revisão de literatura

    Historicamente a infância vem sendo rediscutida no âmbito da sociologia geral, mesmo que ainda muito vinculada a perspectiva da sociologia da educação. Segundo Sarmento (2000) (In: QUINTEIRO 2009, p. 20) surge “um olhar caleidoscópico sobre a sociologia, no sentido de identificar a presença da infância no desenvolvimento do pensamento sociológico e descortinar as razões da sua gritante ausência nas correntes da sociologia clássica”. Não era para ser diferente, tendo em vista que o interstício etário a que se refere essa fase da vida humana está associada ao processo de escolarização, ou pré-escolarização, se considerarmos a nomenclatura oficial e concepção de educação atual. Daí decorrem questões caríssimas para os estudiosos dedicados pensar e pesquisar sobre a infância.

    Seria natural resumir o debate acadêmico-científico acerca da infância à análise do sujeito no meio escolar? A escola como produtora/reprodutora de cultura é lócus único de percepção do sujeito infante? Ou seja, pensar em criança associada ao ambiente escolar não reduz a compreensão de infância? Diante destas e outras inquietações decorrem uma revisão no campo da sociologia geral e da educação, apontando para um novo paradigma que ousa se constituir como um campo próprio, denominado sociologia da infância. Portanto, interessa adentrar nos apontamentos mencionados por Sirota 2001 (In: QUINTEIRO, 2009), metier d´enfant – também denominado de “ofício de criança” – na constituição de um campo sociológico de pesquisa e análise específico da infância.

    A idéia de criança confunde-se com a de aluno e, a infância, acaba por ser observada e problematizada a partir da participação do indivíduo no seu processo de inserção escolar. Talvez porque, a escolaridade é socialmente aceita como sendo a “ocupação principal da infância” Sirota, 2001 (In: QUINTEIRO, 2009), como o “resíduo de um tempo que está acabando”, logo, primeiro as crianças estudam – cumprem sua tarefa institucional empenhada – e brincam no tempo que restar Martins, 1993 (In: QUINTEIRO, 2009). Tal noção é fortalecida pela “legitimidade da escola no processo de socialização das crianças” QUINTEIRO (2009). Por esse viés, a instituição escolar exerce ampla influência no pensamento do senso comum das ciências sociais como lugar privilegiado das relações de socialização das crianças, e portanto, de prioridade na análise dessas relações. Vejamos a contribuição de Narodowski 2001:

    “no campo dos estudos pedagógicos, mas de forma independente à Sociologia da Infância, assinalou que, se "criança" e "aluno" correspondem a um mesmo ser, constituem, epistemologicamente, objetos diferentes. Ou seja, ocorre aqui uma "diferenciação" - no nível do objeto - entre as disciplinas que tomam a "infância em seu sentido geral" (psicologia, psicanálise, pediatria) e as que se ocupam da "infância em situação escolar" (psicologia educacional, pedagogia). No caso destas últimas, o seu objeto é a criança "enquanto aluno." (In: QUINTEIRO, 2009 p. 22)

    Ao ampliarmos os conceitos relativos ao significado do que vem a ser infância, percebemos a necessária revisão do olhar metodológico acerca do entendimento da criança e as quais contextos a mesma vivência nesse período da vida e as formas de produção cultural típicas do momento histórico experimentados pela infância.

    A Educação Infantil, enquanto primeira etapa da Educação Básica precisa construir sua própria identidade educativa a partir das especificidades e necessidades das crianças pequenas, construindo uma “Pedagogia da Educação Infantil” AGOSTINHO (2005). Pedagogia essa que poderá abarcar a presença de professores especialistas e de disciplinas específicas que tratam de conhecimentos determinados?

    Tentando responder, Sayão (2002) quando aborda questões da especificidade da Educação Física na Educação Infantil enfatiza que:

    “só se justifica a necessidade de um/a professor/a dessa área na Educação Infantil se as propostas educativas que dizem respeito ao corpo e ao movimento estiverem plenamente integradas ao projeto da instituição, de forma que o trabalho dos adultos envolvidos se complete e se amplie visando possibilitar cada vez mais experiências inovadoras que desafiem as crianças.” (SAYÃO, 2002 p.59).

    Assim o/a Professor/a de Educação Física e o/a Professor/a Regente devem ter concepções de trabalho pedagógico que não fragmentem as funções de uns/as e de outros/as, não se isolando em seus próprios campos, devem compartilhar da mesma abordagem educacional, apreendendo uns/as com os outros/as. Onde o/a professor/a de Educação Física seja mais um adulto com quem as crianças estabelecem interações na creche ou pré-escola.

    A inserção da Educação Física reforça, em certa medida, um processo de escolarização da etapa da educação infantil e gera determinadas tensões no cotidiano e fragmentações do conhecimento a ser construído com as crianças, conforme verifica-se em Ayoub (2001):

    “A organização curricular em disciplinas com a presença de “especialistas” na educação infantil é uma discussão extremamente complexa que necessita contemplar, de um lado, as hierarquizações presentes entre os(as) profissionais da educação, as quais geram disputas por espaços político-pedagógicos e, de outro, os riscos de uma abordagem fragmentária de conhecimento que tende a compartimentar a criança.” (AYOUB, 2001, p.54)

    Muitas das vezes, o trabalho técnico da alfabetização é super-estimado em detrimento do lúdico, da brincadeira, das experiências de movimento das crianças, demarcando uma clara diferença entre o reconhecimento, ou ao status, do trabalho pedagógico desenvolvido por quem é responsável pela alfabetização e por quem se incumbe de desenvolver suas aulas com ênfase no movimento humano.

    Por outro lado, a compreensão acerca das especificidades e singularidades da área de conhecimento da Educação Física na educação infantil vem sendo percebidas e valorizadas. Porém, é necessário abrir o debate sobre o papel do brincar, do movimentar-se e da expressividade corporal no contexto da infância, pois são esses os elementos que constituem o objeto de ensino da Educação Física escolar. Assim como, ao focar na instituição de educação infantil atual, impactada pelas novas pressões sociais e demandas legais, faz-se necessário (re)significar e compreender essas novas invenções do cotidiano (CERTEAU, 1994)

    De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009), percebe-se a importância do brincar, do movimentar-se e da expressividade corporal no contexto da infância, pois são esses os elementos que constituem o eixo apropriado para caracterizar o objeto de ensino da Educação Física na educação infantil. E nem sempre, esses elementos são compreendidos pelos demais educadores como necessários e importantes.

Considerações finais

    Neste artigo procuramos evidenciar a maneira como a Educação Física vem se consolidando no âmbito da educação infantil. Esta entendida como primeira etapa da educação básica, vem por força da lei promovendo um reposicionamento da Educação Física enquanto área do conhecimento escolar, ampliando sua ressonância face a entrada em vigor da Lei do Piso Salarial Nacional Profissional. Entretanto, em alguns casos a Educação Física é incorporada a essa etapa de ensino descolado da demanda legalista, abrindo espaço para um debate acerca das contribuições específicas da linguagem corporal na constituição curricular da educação infantil.

    Independente de ser uma opção ou uma condição, fato é, que a Educação Física na educação infantil já é uma realidade e tem oportunizado a ampliação do campo de trabalho para profissionais licenciados, especialmente no Estado do Espírito Santo, como bem mostrou a pesquisa de COCO (2009). Não obstante, carece de maior discussão acerca dos modos como essa “disciplina” é compreendida e operada pelos professores. Em nossa revisão de literatura procuramos apontar um caminho possível de ser adotado enquanto referencial teórico-metodológico voltado para o respeito aos sujeitos infantis e suas singularidades e potencialidades criativas. Além de mostrar os limites, desafios e possibilidades dessa abordagem conceitual.

    Acreditamos ser necessário a realização de outras pesquisas que abordem essa temática e contribuam para ampliação desse debate. Cientes do desafio posto, pensamos ser oportuno e proveitoso, estudos que apontem para a construção de uma pedagogia própria da educação infantil e que mais produções se dediquem a problematizar a infância e a linguagem corporal.

Referências bibliográficas

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Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados