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Metacognição: o processo do pensar

Metacognición: el proceso de pensar

 

*Psicóloga, Especialista em Avaliação Psicológica

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre, RS

**Neuropsicóloga, Mestre e Doutoranda em Medicina e Ciências da Saúde – Neurociências

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS, Porto Alegre, RS

Docente no Programa de pós-graduação de Neuropsicologia na Projecto-Centro Cultural

e de Formação, Porto Alegre, RS

Cristina Meiner*

Roberta de Figueiredo Gomes**

robfg@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A metacognição é um processo derivado da cognição. Este engloba uma gama de processos mentais, onde o indivíduo apresenta a capacidade de pensar sobre seu pensamento, antecipando conseqüências e elaborando metas para haver um desempenho dentro do esperado em suas atividades, através do automonitoramento e autorregulação. Esse processo depende de muitos fatores, conscientes e se dá através da potencialização do próprio sistema, que possibilita a interação com o meio e adquire consciência através de seu pensamento e comportamento. Este artigo visa confrontar algumas idéias a respeito do processamento de informação e da metacognição, englobando alguns pressupostos teóricos e mecanismos envolvidos no processo.

          Unitermos: Cognição. Metacognição. Processamento de informação.

 

Recepção: 16/09/2014 - Aceitação:12/12/2014.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 199, Diciembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A mente é um sistema cognitivo, que tem a capacidade de monitoramento e autorregulação, possibilitando a interação do ser humano com o ambiente e proporcionando a capacidade do pensar sobre si mesmo (FLAVELL,1987). A compreensão deste processo é denominada metacognição (JOU; SPERB, 2006).

    A cognição refere-se a tipos específicos de representações de fatos e objetos, incluindo todos os tipos de representações multidimensionais (ex.: imagens espaciais) e abrangem qualquer tipo de informação provinda do ambiente (KUHL; KRASKA, 1989). Já a metacognição é o conhecimento do próprio conhecimento e inclui a avaliação, a regulação e a organização dos próprios processos cognitivos. De acordo com Weinert (1987), as metacognições podem ser consideradas cognições de segunda ordem, ou seja, pensamentos sobre pensamentos, conhecimentos sobre conhecimentos e reflexões sobre ações.

    A metacognição parece ser de crucial importância para aprendizagem. Porém, não há uma definição única. Conforme a literatura existente há uma dificuldade de reflexão sobre dois aspectos relevantes: o estabelecimento de uma distinção do que é meta e o que é cognição e a confusão em relação à utilização do termo (BROWN, 1997).

    Flavell e Wellman (1977) foram os pioneiros em considerar a metacognição como uma área a ser pesquisada. Tulving (1996), citando trabalho de Hart (1965) sobre feeling of knowing (sentimento de saber), elaborou os primeiros conceitos de diferenciação entre cognição e metacognição, ou seja, o processo cognitivo por si só seria diferente da cognição além da cognição, onde o produto que emerge para além de simples processos cognitivos seria a função metacognitiva (JOU; SPERB, 2006).

    A pesquisa experimental de Hart (1965) contribuiu para a ruptura do paradigma behaviorista e foi considerado um ponto de partida dos estudos sobre metacognição. O autor enfocou os “paradigmas experimentais para examinar as relações entre índices objetivos e subjetivos de conhecimento”, descrevendo tentativas, inclusive místicas dos seres humanos (KORIAT, 1996). Ainda, investigou que o sentimento de conhecer não poderia mais ser refletido em terceira pessoa, como no behaviorismo clássico e sim fazendo parte primeiramente do eu.

    Brown (1997) reconhece que no processamento de informação, onde estão inseridos os mecanismos executivos do sistema cognitivo para a aprendizagem (autorregulação) e para instrução (heterorregulação) está a metacognição (JOU; SPERB, 2006).

    De acordo com Neves (2006), o processamento da informação pesquisa paradigmas da compreensão textual como uma atividade cognitiva onde estão envolvidas funções de percepção, memória, inferência e dedução. Este processo ocorre a partir de prévios conhecimentos ambientais e da familiaridade com os diversos tipos de textos, necessitando de consciência semântica e pragmática.

    Estas capacidades intelectuais são estudadas por psicólogos que crêem na teoria do processamento de informação, analisando a maneira como os indivíduos processam suas tarefas mentais e as desempenham, construindo a partir desse pressuposto modelos artificiais para a compreensão desses processos, estratégias e representações mentais (NEVES, 2006).

    Conforme Flavell (1987), para que exista atividade metacognitiva, são necessários alguns tipos de conhecimentos adquiridos prévios, características psicológicas e mentais. Estes conhecimentos subdividem-se em três categorias, apresentando uma variabilidade pessoal, isto é, cada pessoa apresenta níveis particulares de conhecimentos que são adquiridos através das vivências. O resultado de uma tarefa e a eficiência de resultados cognitivos e metacognitivos dependem da variabilidade de tarefas, de estratégias, da capacidade de lidar e de adquirir informações (JOU; SPERB, 2006).

    De acordo com classificações mais especificas, o construto metacognitivo abrange três aspectos: o conhecimento, que seria o produto dos processos cognitivos; o conhecimento das propriedades relativas à aprendizagem da informação ou de dados e a regulação dos processos cognitivos (RIBEIRO, 2003).

    Nelson e Narens (1996) estudaram os mecanismos reflexivos envolvidos em respostas obtidas em situações cotidianas, enfocando os processos de monitoração e autorregulação da habilidade metacognitiva. Foi proposto um sistema metacognitivo eficiente, que monitora e controla o processamento de informação.

    Neste modelo, o sistema metacognitivo apresenta dois níveis que são: o nível objeto (nível de atuação cognitiva) e o nível meta (nível de atuação metacognitiva); e duas relações de fluxo de informação entre esses níveis (controle e monitoramento), havendo uma relação hierárquica no sistema metacognitivo. O nível meta modificaria o nível objeto em relação às informações obtidas. Esse sistema metacognitivo quando eficaz possibilita um "salto" entre os níveis inter-relacionados, sendo monitorado pela direção do fluxo da informação (NELSON; NARENS,1996).

    Sendo assim, o funcionamento do sistema metacognitivo se daria da seguinte maneira: quando a cognição “salta” para o nível meta, ocorre o monitoramento do nível objeto por meio da construção de um modelo de representação. Neste caso, o modelo refere-se à representação mental da realidade desse processo cognitivo. Quando a cognição "salta" para o nível objeto, ocorre um controle mediante a regulação do processo cognitivo em função da informação provinda do nível meta (do modelo ou representação mental). A cognição, quando está no nível objeto, tem condições de autorregulação e atende às exigências das atividades cognitivas como um todo (NELSON; NARENS, 1996).

    Assim, para que ocorra o monitoramento, se faz necessário uma fluidez da informação do objeto para a meta, ocorrendo assim uma autorregulação e conseqüentemente uma fluência da informação (JOU; SPERB, 2006).

    No modelo hierárquico de metacognição definido por Tobias e Everson (2002) e ilustrado na Figura 1, o monitoramento dos conhecimentos prévios na base da pirâmide é um processo metacognitivo fundamental. Segundo Bransford (2003), se os indivíduos não conseguem diferenciar precisamente os seus conhecimentos prévios dos estímulos desconhecidos, dificilmente conseguirão comprometer-se em atividades metacognitivas avançadas como avaliar, planejar e controlar a própria aprendizagem.

Figura 1. Modelo hierárquico metacognitivo de Tobias e Everson (2002)

    Flavell (1981a, 1981b), primeiramente caracterizou as experiências metacognitivas como sendo somente conscientes. Mais tarde, revisou seus conceitos e considerou que as mesmas podem incluir também aspectos que não são acessados na consciência (FLAVELL, 1985). Jacobs e Paris (2003), por outro lado, referem que a metacognição só pode ser acessada a nível consciente: "o conhecimento acerca da cognição pode ser demonstrado, comunicado, examinado e discutido" (p. 258). Deste modo, a atividade cognitiva que não é consciente, como, por exemplo, os automatismos, não podem ser incluídos no conceito de metacognição.

    Weinert (1987) enfoca que a metacognição abrange não só tomadas de consciência dos processos cognitivos, mas também o controle deliberado e consciente dos mesmos e hipotetiza os atributos do pensamento metacognitivo: o conhecimento sobre os próprios processos cognitivos; a tomada de consciência desses processos; e o seu controle. A palavra consciência possui múltiplos significados. Dentre estes, estão a vigília, que é o estar consciente; a função superegóica, que são os princípios morais que regem o indivíduo e o self, o qual remete a percepção do indivíduo de sua própria existência.

    O self se relacionaria ao que Damasio (1996) chamou de consciência ampliada, referindo-se à capacidade do indivíduo de ter a consciência de grandes quantidades de eventos e entidades subjetivas que geram uma perspectiva única, individual (JOU; SPERB, 2006). Quando se remete a afetividade, as experiências metacognitivas consistem em impressões ou percepções conscientes que podem ocorrer antes, durante ou após a realização de uma tarefa. Geralmente, estão relacionadas com a percepção do grau de sucesso que o indivíduo terá e ocorrem em situações onde há estimulação do pensar cuidadoso e altamente consciente, fornecendo assim oportunidades para pensamentos e sentimentos acerca do próprio pensamento (RIBEIRO, 2003).

    Flavell (1987) acrescenta que o conhecimento e a experiência metacognitiva são desenvolvidos na medida em que ocorre o desenvolvimento cognitivo, o qual vai possibilitar o aparecimento de novas operações cognitivas. Essas operações são cruciais para a aquisição de conhecimentos metacognitivos e facilitam a maturação de outros já existentes, criando assim condições para a aquisição de novas experiências metacognitivas.

    Exemplificando, na adolescência ocorrem pensamentos hipotético-dedutivos que possibilitam novas alternativas para o planejamento de uma atividade, permitindo assim a consideração de diferentes meios para atingir um objetivo. À medida que o indivíduo vai assimilando determinadas aprendizagens escolares, vai se tornando capaz de ter domínio sobre certas tarefas. Este controle irá lhe facilitar quando houver a ocorrência de experiências metacognitivas que, por sua vez, irão possibilitar a tomada de consciência das dificuldades encontradas na realização daquelas tarefas e das estratégias para superá-las (SILVA; SÁ, 2003).

Considerações finais

    A psicologia cognitiva enfoca que a mente humana é a processadora de informações. O indivíduo recebe inúmeros estímulos vindos do meio externo e também através de seus próprios registros. Com isso, a capacidade de processar toda informação fica limitada, ocorrendo assim uma seleção referente à informação que é prioridade conforme sua necessidade. Através desse processo, a pessoa busca solucionar as tarefas mentais, esperando obter resultados frente à demanda exigida, tentando alcançar ao mesmo tempo, as metas estipuladas para que neste contexto a metacognição entre em ação.

    A metacognição é o processo do pensar sobre o pensamento. É um importante componente no processo do aprendizado, havendo diversas habilidades e capacidades de monitorar, regular, planejar e predizer de forma consciente as atividades desempenhadas, refletindo diretamente no comportamento do indivíduo. Ela auxilia não só no processamento das informações, mas também tem um valor adaptativo, possibilitando a evitação de atitudes que não foram eficazes em experiências anteriores.

    Acredita-se que quanto mais consciência houver em um pensamento, maior a metacognição, pois os processos mentais preservados promovem maior cautela em relação à antecipação de conseqüências, metas a serem alcançadas, evitação de comportamentos de risco, planejamento, tomada de decisões, organização e prevenção das ações para atingir uma meta e um desempenho efetivo.

    A cognição é relevante, pois faz com que o indivíduo adquira estratégias de pensamento, adquirindo habilidades metacognitivas que são acessadas para promover o sucesso, tanto pessoal quanto profissional, mediante ao enfrentamento de uma resolução de problema que busca a eficácia de um resultado. Por esse motivo o processo é fundamental para um desenvolvimento interpessoal, pois pensar sobre o pensamento remete ao fato de experiências passadas intervirem em comportamentos futuros, podendo evitar estratégias mal sucedidas.

    Contudo, acredita-se que a metacognição é um assunto amplo e ainda precisa de estudos acerca da sua relação entre indivíduo-meio.

Referências

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