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Produção midiática nas aulas de Educação Física:

 possibilidades para um ensino dialógico e significativo

Media production in Physical Education classes: possibilities for a dialogic an meaning teaching

Producción de medios de comunicación en clases de Educación Física: posibilidades para la enseñanza dialógica y significativa

 

Professor Assistente – Universidade Federal do Amazonas

Mestre em Educação Física – UFSC

(Brasil)

Marcelo Rocha Radicchi

marcelo.radicchi@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Considerando o pensamento do educador Paulo Freire, o professor para estabelecer um ambiente significativo de ensino-aprendizagem deve promover o diálogo entre o conteúdo trabalhado e o “mundo” próprio que os educandos trazem à escola. Buscamos relatar uma estratégia metodológica que possibilite a este professor a compreensão sobre este “mundo” de seus educandos e, portanto o ensino dialógico ou problematizador. A estratégia sugerida propõe a utilização dos recursos midiáticos em seu sentido produtivo e pode constituir por si só um conteúdo de ensino, além de possibilitar esta compreensão do “mundo” dos educandos.

          Unitermos: Leitura de mundo. Paulo Freire. Mídia-educação.

 

Resumen

          Mientras que el pensamiento del educador Paulo Freire, el profesor para establecer un entorno para la enseñanza y el aprendizaje significativo debe fomentar el diálogo entre lo trabajado y "mundo" que los estudiantes traen a la escuela. Tratamos de informar de una metodología que permite la comprensión de este "mundo" de sus alumnos y por lo tanto la enseñanza dialógica o la resolución de problemas. La estrategia propuesta se propone la utilización de los recursos de los medios de comunicación en su sentido productivo y se puede constituir en sí misma un contenido de la educación, además de permitir la comprensión de este "mundo" de los estudiantes.

          Palabras clave: Lectura de mundo. Paulo Freire. Medios-educación.

 

Abstract

          Whereas the thought of educator Paulo Freire, the teacher in order to establish an environment for meaningful teaching and learning should promote dialogue between what is worked and the "world" itself that students bring to school. We seek to report a methodology that enables understanding of this "world" of their students and therefore, using dialogic or problem-solving teaching. The suggested strategy proposes the use of media resources in the productive direction and can in itself constitute a topic of study, besides enabling understanding of this "world" of the students.

          Keywords: Reading of the world. Paulo Freire. Media education.

 

          O trabalho contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/FAPEAM, Edital nº 013/2008, RH-Interiorização.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195, Agosto de 2014. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    O meu bom senso me adverte de que há algo a ser compreendido no comportamento de Pedrinho, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo. O bom senso me faz ver que o problema não está nos outros meninos, na sua inquietação, no seu alvoroço, na sua vitalidade. O meu bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há algo que precisa ser sabido. Esta é a tarefa da ciência que, sem o bom senso do cientista, pode se desviar e se perder. Não tenho dúvida do insucesso do cientista a quem falte a capacidade de adivinhar, o sentido da desconfiança, a abertura à dúvida, a inquietação de quem não se acha demasiado certo das certezas.

    É com esta citação de Paulo Freire (2007, p. 63) que iniciamos nossa reflexão. Na obra de onde foi extraído o trecho acima, Paulo Freire relata algumas qualidades exigidas ao educador no ato de ensinar. Dentre elas, está a necessidade do docente reconhecer-se também enquanto pesquisador de seus alunos e de suas realidades – seus mundos – trazidas consigo à sala de aula (ou pátio, ou quadra). O professor pesquisador seria aquele que consegue estabelecer o diálogo entre o conteúdo trabalhado e a realidade educacional presente, concreta com que se defronta e que é trazida á tona por seus alunos (educandos). Tal qualidade do professor está relacionada com sua capacidade de compreender a forma como o educando compreende e significa seu mundo, podendo auxiliá-lo no processo de (re)inserção crítica deste educando em seu mundo (já problematizado durante as aulas).

    O professor pesquisador, segundo Freire (2007) tem no diálogo a base da investigação que é capaz de fazer emergir os chamados temas geradores (FREIRE, 2005) a partir da realidade vivida pelos educandos, sendo a identificação destes temas o passo fundamental na adequação dos conteúdos a serem trabalhados de maneira crítica e contextualizada na perspectiva de educação libertadora defendida pelo educador Paulo Freire. Para este educador, interessava não só a leitura da palavra, mas a leitura do mundo que possibilitava a inserção crítica dos sujeitos no mundo.

    Com base em alguns conceitos do pensamento de Paulo Freire, iremos propor uma estratégia investigativa, partindo da utilização das mídias e seus recursos (FANTIN, 2006), que possibilite ao professor de Educação Física a abertura ao diálogo com seus alunos (educandos), melhor compreendendo seus mundos e possibilitando o ensino significativo e crítico, porque contextualizado.

    Propomos então o questionamento que norteará o trabalho: Qual estratégia pode ser utilizada pelo professor pesquisador na abertura ao diálogo com seus alunos? Esclarecemos de antemão que nossa resposta está baseada em uma experiência prática bem sucedida com alguns alunos em escolas municipais de São José, SC e que constituiu parte dos procedimentos empíricos de uma pesquisa de mestrado por nós conduzida (RADICCHI, 2013).

A busca pelo diálogo no ato educativo

    É por meio do diálogo que o educador poderá compreender o mundo do educando, a forma como ele interpreta sua própria inserção neste mundo e, interessado no ensino crítico e emancipador, poderá realizar as conexões entre o conteúdo que deseja trabalhar e a realidade dos educandos que se apresenta nas aulas. Tal ação por parte do educador visa imprimir significado ao conteúdo que é trabalhado, ou como considera Freire em seu conceito de como o “ato de encharcar de sentido o conteúdo trabalhado” (PAULO, s/d). Fazer sentido – ou possuir significado – em Freire é justamente este estabelecimento de diálogo do mundo (da escola, por exemplo) com os valores e percepções internas do sujeito (a “leitura de mundo” do educando, por exemplo), proporcionando a relação significativa do ser com o mundo, religando esta unidade crucial que considera o ser humano na sua relação objetiva e subjetiva com o mundo (e vice-versa).

    Retomando a citação de Paulo Freire no início do trabalho (FREIRE, 2007, p. 63), entendemos que partir da “leitura de mundo” do educando, pode ser entendida com uma busca por parte do professor pesquisador em compreender “o comportamento de Pedrinho, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo”, bem como o possível significado que algumas atitudes cotidianas de “inquietação”, de “alvoroço” e de demonstrações da “vitalidade” (FREIRE, 2007, p. 63) possuem considerando-se os “mundos” que estes educandos trazem para a sala de aula (quadra de esportes, ou pátio, em nosso caso da Educação Física). Longe de buscar pacificar os educandos, o pensamento educacional de Paulo Freire busca o diálogo instigante e problematizador da realidade do sujeito1, a fim de possibilitar a este uma inserção ativa e crítica em sua realidade:

    Nosso papel [como educadores] não é falar ao povo sobre nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (FREIRE, 2005, p. 100)

    O professor pesquisador ao buscar compreender as diferentes visões de mundo que os educandos trazem à aula, dá o passo inicial para o estabelecimento da relação dialógica que tornará o trabalho docente realmente significativo, e que possibilitará aos educandos buscarem sua própria autonomia, no sentido de serem capazes de compreenderem seus próprios atos e ações, sabendo também comunicá-los perante os outros. Pensamos estar aí, uma grande possibilidade de formação do sujeito (educando) para a autonomia, mediada pela relação ensino-aprendizagem pautada no caráter dialógico e que busca o sentido como princípio nesta relação. Paulo Freire, em uma fala em um evento internacional sobre alfabetização comenta sobre o processo de formação da conscientização emancipadora que o aprendizado da leitura (de mundo) deva proporcionar no diálogo conteúdo-realidade (mundo) do educando:

    O aprendizado da leitura e da escrita, como um ato criador, envolve, aqui, necessariamente, a compreensão crítica da realidade. O conhecimento do conhecimento anterior a que os alfabetizandos chegam a analisar a sua prática concreta abre-lhes a possibilidade de um novo conhecimento. Conhecimento novo, que indo mais além dos limites do anterior, desvela a razão de ser dos fatos, desmistificando assim as falsas interpretações dos mesmos. Agora, nenhuma separação entre pensamento-linguagem e realidade; daí que a leitura de um texto demande a “leitura” do contexto social a que se refere. (GADOTTI, 2008, p. 255).

    É através do diálogo que o professor pesquisador poderá vir a conhecer o mundo de seus educandos e a partir daí, propor aproximações e problematizações no conteúdo a ser trabalhado. A forma como pode ser estimulado este diálogo exige uma postura diferenciada por parte do educador e meios de acesso a este mundo do educando, que deve mostrar-se a partir de si mesmo, pelo próprio interesse do educando em integrar-se no ato educativo. Silva (2009) analisando o pensamento de Paulo Freire no âmbito das teorias de currículo considera essencial a participação de ambos os sujeitos, educador e educando, na educação problematizadora proposta por Paulo Freire:

    Na perspectiva da educação problematizadora (...) todos os sujeitos estão ativamente envolvidos no ato de conhecimento. O mundo – objeto a ser conhecido – não é simplesmente “comunicado”; o ato pedagógico não consiste em simplesmente “comunicar o mundo”. Em vez disso, educador e educandos criam, dialogicamente, um conhecimento do mundo. (SILVA, 2009, p. 60).

    Tendo buscado esclarecer a importância do diálogo em uma concepção de educação para a emancipação conforme o pensamento de Paulo Freire – diálogo este que parte do entendimento e problematização pelo professor pesquisador da realidade, ou mundo, dos educandos, no trabalho com seus conteúdos – iremos agora expor uma estratégia metodológica que poderá ser utilizada em uma aula de Educação Física na escola a fim de melhor conhecer e acessar os diversos “mundos” dos educandos.

Considerações sobre a construção do método de acesso ao mundo que propomos

    Conforme informamos anteriormente, o que iremos aqui sugerir como estratégia metodológica de acesso ao mundo dos educandos constituiu a parte empírica da pesquisa de mestrado dos autores (RADICCHI, 2013) e foi aplicada com alunos de duas escolas municipais de São José (SC) entre o 4º e 7º ano e utilizamos algumas ferramentas tradicionalmente relacionadas à mídia-educação no sentido da produção midiática (FANTIN, 2006), tais como fotos, elaboração e edição de vídeos.

    Na elaboração deste método tivemos como inspiração inicial o trabalho de Kunz (2001), quando, em sua pesquisa de doutoramento, buscou compreender o conceito de mundo vivido acompanhando um dia completo dos alunos que pesquisara, desde o momento em que estes acordaram, até o momento em que foram deitar-se, realizando as devidas anotações e gravações de áudio.

    No contexto da pesquisa de mestrado que serviu de base ao presente texto, consideramos as restrições de tempo, bem como dificuldades éticas para a realização destes procedimentos na atualidade. Buscamos então, outra forma para acessar tal conceito no campo de investigação. Tivemos acesso a alguns estudos empíricos com referencial teórico de bases fenomenológicas na área de enfermagem (TERRA et al., 2006; CARVALHO; VALE, 2006; PAULA et al., 2004; COELHO; MOTTA, 2005). Tais estudos evidenciavam o mundo dos sujeitos (paciente) por meio de métodos que privilegiavam o diálogo, especialmente através de entrevistas (TERRA et al., 2006). Pretendíamos abarcar outras estratégias de acesso ao mundo dos sujeitos que não somente através da entrevista tradicional – com perguntas e respostas – tendo em vista a faixa etária que queríamos pesquisar (jovens e crianças), pensamos em uma estratégia mais interativa e condizente com os anseios dos sujeitos naquela faixa etária.

    No entanto, achamos necessário utilizarmos diferentes estratégias para melhor conhecermos os “mundos” dos alunos pesquisados e resolvemos manter as entrevistas, que foram realizadas em sua forma tradicional, com os pais e/ou responsáveis pelos alunos que pesquisamos. Para isso, fomos nas residências dos alunos pesquisados com a finalidade de conhecer mais de perto a realidade, o mundo, de cada um deles.

    Consideramos pertinente aqui salientar que tais procedimentos no contexto da educação formal, podem ser proporcionados no contato diário estabelecido na relação dialógica professor-aluno no ambiente das aulas e fora delas, como nas ocasiões de reuniões com a família dos alunos, nos diálogos entre professor e equipe pedagógica sobre a situação dos alunos e mesmo nas conversas informais entre os professores e com os alunos no dia-dia da escola. Pensamos que estas ocasiões constituem-se em espaços fornecedores de importantes informações sobre o “mundo”, o contexto geral relacionado aos alunos da escola. Isso é claro, para aqueles professores interessados em realmente conhecer um pouco mais a “leitura de mundo” de seus alunos, professores que assumem para si a postura de pesquisador de sua práxis, conforme mencionamos no início deste trabalho.

    Um fato que cabe colocar, pois foi determinante na construção do caminho metodológico trilhado na ocasião da pesquisa de mestrado, foi o contato com alguns trabalhos e reflexões teóricas relacionadas à temática de mídia-educação (MUNARIN, 2007; OLIVEIRA; PIRES, 2005).

    A contribuição da pesquisa de Munarin (2007) deu-se na riqueza e detalhamento metodológico, sugerindo uma estratégia para acessar o entendimento e visão de mundo das crianças no momento em que a pesquisadora, além de fotografar as crianças com sua máquina digital – com o intuito de identificar em que medida o imaginário midiático influenciaria o brincar e Se-movimentar dos alunos de duas escolas de ensino infantil de Florianópolis/SC, sendo uma particular e outra pública – sentiu a necessidade de fornecer uma máquina descartável (de filme fotográfico, analógica) às crianças para que elas mesmas fotografassem as brincadeiras e o que desejassem no pátio em que brincavam.

    Outro estudo que resultou em um artigo científico (OLIVEIRA; PIRES, 2005), auxiliou na construção do método por se tratar de uma pesquisa-ação baseada no entendimento de mídia-educação em seu contexto produtivo (FANTIN, 2006), ou, segundo palavras do autor, entendendo-a em duas dimensões (OLIVEIRA; PIRES, 2005, p. 119): “a) enquanto recurso didático; b) como objeto de estudo; e a integração de ambos, na perspectiva da produção midiática pelas crianças/jovens”. O citado estudo buscou investigar as possibilidades de inserção e utilização dos meios técnicos de produção de imagens (com câmeras de filmagem, fotografia digital e programas de edição de vídeo) no ambiente escolar, bem como das possibilidades de utilização destes conhecimentos e estratégias na Educação Física escolar.

    Ambas experiências bem-sucedidas auxiliaram na construção do método que utilizamos em nossa pesquisa (RADICCHI, 2013). Tanto a experiência conduzida por Munarin (2007), com as crianças que pesquisara, entregando a elas câmeras fotográficas com a finalidade de deslocar o foco de análise da realidade sendo observada apenas pelo pesquisador, e proporcionando assim um evidenciar-se a partir de si mesmo, dos fenômenos considerados significativos pelos sujeitos-alunos – ao serem sujeitos conscientes das fotos que desejavam captar – quanto à iniciativa de produção midiática desenvolvida na “Oficina de Experiências no Olhar” (OLIVEIRA; PIRES, 2005, p. 120), onde objetivava-se a construção de um vídeo pelas crianças participantes da pesquisa, forneceram a inspiração para realização de algo semelhante, porém adaptado ao contexto observado, bem como aos objetivos propostos quando da pesquisa de mestrado.

    Dadas estas contribuições, propusemos então um método para acessar este mundo mais próximo aos sujeitos (alunos) por meio dos procedimentos midiáticos, que dividimos em duas etapas: a primeira constituída da tomada das fotos pelos alunos e a segunda, onde elaboramos um roteiro a partir das fotos tiradas e confeccionamos um filme ficcional (pesquisador e alunos).

A proposição do método e sua discussão para utilização na escola

    A primeira etapa da produção midiática constituiu-se inicialmente pela tomada de fotos pelo sujeito-aluno de seu cotidiano. Para isso, foi disponibilizada uma câmera fotográfica do modelo descartável (com filme de 27 poses em cada máquina), para cada um dos alunos-sujeitos, acompanhada da seguinte orientação básica: “- Como é o seu dia-dia? Mostre com as fotos!”, complementada por “-O que você gosta e o que você não gosta no seu dia-dia?”. Instruções foram dadas para o correto manuseio das máquinas. Depois de terminadas as poses dos filmes de cada máquina, procedemos à revelação destes e posteriormente entregamos as fotos reveladas a cada sujeito-aluno para que pudessem significar, ou seja, explicar o motivo pelo qual tiraram aquela foto, o que desejaram mostrar com aquela foto?

    Este “significar as fotos”, diz respeito ao direcionamento da intencionalidade para aspectos do mundo que o sujeito (educando) deseja demonstrar e significar aos outros. Obviamente, o contexto de pesquisa, mais individual e selecionado não poderia ser aplicado em um contexto de sala de aula, há menos que o professor estivesse disposto a gastos financeiros que compreendem, além da compra das máquinas, especialmente, revelar estes filmes. Pensando por este lado, tornar-se-ia impossível tal estratégia. Porém, oferecemos aqui uma saída a este impasse na possibilidade de os alunos trazerem para sala de aula fotos já tiradas e reveladas que possuam, tais como as fotos de família, por exemplo (com o devido consentimento dos pais ou responsáveis). Destacamos ainda a solução deste impasse pela emergência de uma realidade (ora vilã, ora heroína) nas escolas, que diz respeito ao atual contexto de massificação das antes restritas tecnologias de gravação de áudio e vídeo em aparelhos de telefonia móvel. Trata-se de uma realidade presente cada vez mais (e mais cedo) nas salas de aula.

    As sugestões para o impasse aqui descritas não inviabilizam nem desconsideram outras sugestões e estratégias didáticas e metodológicas que o professor geralmente desenvolve frente à realidade complexa e específica com que se depara diariamente em sua profissão, no contexto da escola e nos dia a dia da sala de aula. Tais estratégias são específicas e relacionadas à solução dos problemas que surgem e que dizem respeito à própria complexidade que constitui o ato educativo e o ambiente e contexto onde este se desenvolve: as escolas. Sobre esta assunto, cabe lembrar, como nos alerta Bracht et al. (2007, p. 124), em uma análise do processo de formação continuada de professores da rede básica de ensino no Espírito Santo, da singularidade da prática docente no que diz respeito aos seus diferentes contextos apresentados e as formas de resoluções dos problemas adotadas pelos professores em cada uma das turmas em que este trabalha:

    (...) a prática docente envolve a vivência de situações e problemas não-solucionáveis com a simples aplicação do conhecimento técnico-teórico disponível e, por outro, expõe o professor a demandas que se modificam. Tais circunstâncias exigem a tomada de decisões e a construção de soluções por parte dos próprios professores e não simplesmente a aplicação de soluções pré-conformadas.

    A segunda etapa dos procedimentos para acesso ao mundo dos alunos que utilizamos foi realizada com base nas fotos já tiradas anteriormente pelos alunos. Cada aluno pesquisado escolheu algumas fotos que havia tirado na etapa anterior e propusemos então a construção conjunta de um filme no formato de uma história de ficção. Por meio de uma narração realizada pelo próprio aluno, este filme trataria da descrição de um dia na vida deles: seja como um “super-herói”, ou “em um futuro longínquo”, ou mesmo imaginando-se quando fosse adulto, por exemplo. A partir destas fotos então, criamos juntos os roteiros com as histórias que seriam contadas nos filmes de cada sujeito-aluno.

    Observamos aqui a possibilidade didático-pedagógica de apropriação dos recursos midiáticos em seu sentido produtivo, a exemplo de Oliveira e Pires (2005), possibilitando a educação através da mídia (FANTIN, 2006, p. 86). Pensamos que esta apropriação torna-se positiva ao aluno possibilitando a este compreender os mecanismos e dispositivos de seleção, de alteração e de manipulação da realidade que pode ocorrer a partir da produção (e divulgação) da mídia, no caso, a reflexão estaria na modificação do que é veiculado na mídia através da edição das cenas e das imagens, resultando no vídeo final (FANTIN, 2006). Proporciona também ao aluno a apropriação de um saber instrumental e tecnológico relacionado às mídias caso o aluno participe ativamente do processo de edição de seu vídeo. Neste sentido, com esta ação, além de possibilitar o diálogo e conhecimento do mundo dos educandos, esta ação educativa poderá estimular a reflexão sobre as possibilidades de manipulação daquilo que é veiculado, com os desdobramentos teóricos e possibilidades de aprofundamento pelo professor em temáticas tais como ideologia ou mesmo na análise crítica de materiais produzidos no âmbito da mídia corrente: impressa, televisiva ou digital. Ou seja, esta etapa de edição, no sentido produtivo da mídia-educação (FANTIN, 2006) é por si só, e a depender de como o professor realiza o trabalho, uma rica potencialidade educativa na aula de Educação Física.

    Com relação às possibilidades de efetivação prática no contexto das escolas desta ação sugerida na segunda etapa, cabe lembrar, além da já citada singularidade de cada situação relacionada à prática docente, demandando do professor estratégias contextuais e específicas para a resolução dos problemas (BRACHT et al., 2007), que para a realização do processo de edição pelos próprios alunos, seja necessário a instrumentalização destes na utilização de programas de edição de vídeos que podem, entretanto, ser facilmente encontrados em qualquer microcomputador2 de uso pessoal ou nos laboratórios de informática que algumas escolas possuem.

    O processo de edição dos vídeos pelos alunos pode ser enriquecido ainda com a utilização de fotos, músicas, figuras, pequenas animações e filmes extraídos da internet pelos alunos, sugerindo assim uma maior possibilidade expressiva e criativa por parte destes na confecção de seus filmes. Em nossa pesquisa de mestrado (RADICCHI, 2011), realizamos o filme na forma da narração das cenas, a partir do roteiro elaborado, ocorrendo os efeitos sonoros ou visuais conforme a história que ia sendo contada pelo próprio aluno (gravada digitalmente e transferida como arquivo áudio ao programa de edição de vídeos, o que possibilitou inserir a narração no filme); porém, outras formas podem ser encontradas pelos alunos, ou elaboradas pelo professor (ou dialogicamente construídas por ambos), seja sem narração, no estilo de um filme sem áudio, evidenciando a força das imagens que “falam por si”, por exemplo. Cabe aí ao professor decidir conforme o contexto em que trabalhe e os objetivos educacionais que planeje alcançar com esta atividade.

    Tendo sugerido formas de acesso ao mundo dos educandos através de procedimentos midiáticos sendo utilizados no sentido produtivo (FANTIN, 2006), buscaremos agora sintetizar as possibilidades e limitações desta proposta como viabilizadora de um ensino dialógico conforme o pensamento de Paulo Freire.

Finalizando

    Buscamos oferecer ao professor de Educação Física formas de utilização dos recursos midiáticos no sentido produtivo, para que este possa melhor entender o “mundo” de seus alunos, sendo tal entendimento necessário ao estabelecimento de um ensino dialógico, significativo e emancipador conforme o pensamento de Freire (2005; 2007).

    A sugestão desta estratégia metodológica contempla também o educar através da mídia, que Fantin (2006, p. 86) considera como uma forma de realização da mídia-educação em seu “contexto produtivo”, ou seja, utilizando as mídias “como linguagem, como forma de expressão e produção”. Tal utilização possibilita uma apropriação pelo sujeito das mídias ao atuar na sua produção, promovendo o “conhecimento criativo e crítico” das linguagens midiáticas utilizadas (FANTIN, 2006). Poderia, portanto, ser tanto uma estratégia metodológica a ser utilizada para um objetivo educacional (conhecer os educandos e seus mundos a fim de significar o conteúdo a ser trabalhado) quanto um conteúdo por si só, no sentido da educação através das mídias (FANTIN, 2006).

    Finalizamos retomando o pensamento de Paulo Freire, que compreende que o professor engajado em uma concepção emancipadora de educação deve tornar-se também pesquisador, no dia a dia de sala de aula (ou pátio, ou quadra). Deve ser capaz de desenvolver suas próprias estratégias para tornar seu trabalho docente efetivo, porque significativo aos educandos. Significado aqui diz respeito a conseguir proporcionar aos alunos, enquanto professor, as possibilidades para que seja estabelecida a conexão, o diálogo entre o que está sendo trabalhado como conteúdo em uma aula e os próprios entendimentos de mundo do aluno. Assegurada tal relação de diálogo, é estabelecida a possibilidade de o ato educativo tornar-se algo significativo para o aluno. Significado sem o qual torna-se impossível e improdutivo o trabalho do professor interessado na formação crítica e emancipada de seus alunos; significado sem o qual continuarão a existir (e subsistir) aos milhares (milhões), os chamados alunos “problema”, ou ainda os inúmeros “Pedrinhos”, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo”, ou mesmo naqueles alunos muito “inquietos”, “alvoroçados” e “cheios de vitalidade”, como nos alerta Paulo Freire (2007).

Notas

  1. Cabe reforçar aqui que Paulo Freire entende o caráter político do ato educativo, conforme pode ser verificado diretamente na citação logo abaixo reproduzida no trecho. Este pensamento está bastante presente em sua obra “Pedagogia do oprimido” (FREIRE, 2005).

  2. Referimo-nos aqui ao programa Windows® Movie Maker® que está presente no pacote operacional das diversas versões (das mais antigas às mais recentes) do Windows®, da empresa Microsoft™.

Referências

  • BRACHT, V. et al. Pesquisa em ação: Educação Física na escola. 3ª Ed. Ijuí: Unijuí, 2007.

  • CARVALHO, M. D. B.; VALLE, E. R. M. A pesquisa fenomenológica e a enfermagem. Acta Scientiarum. Maringá, v. 24, n. 3, p. 843-847, 2002.

  • COELHO, D. F.; MOTTA, M. G. C. A compreensão do mundo vivido pelas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Revista Gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre, v. 26, n. 1, p. 31-34, Abr. 2005.

  • FANTIN, M. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.

  • FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 46ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

  • ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

  • GADOTTI, M. História das idéias pedagógicas. 8ª Ed. São Paulo: Ática, 2008.

  • KUNZ, E. Educação Física: Ensino e Mudanças. 2ª Ed. Ijuí: Unijuí, 2001.

  • MUNARIN, I. Brincando na escola: o imaginário midiático na cultura de movimento das crianças. Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Ciências da Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007.

  • OLIVEIRA, M. R. R.; PIRES, G. L. O primeiro olhar: experiência com imagens na educação física escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 26, n.2, p. 117-133, jan. 2005.

  • PAULA, C. C. et al. O cuidado como encontro vivido e dialogado na Teoria de Enfermagem Humanística de Paterson e Zderad. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 17, n. 4, Out./Dez. 2004.

  • PAULO Freire. Produção de Paulo Aspis. DVD, Instituto Paulo Freire, Atta: Mídia e Educação, s/d. Filme-documentário, 56 min.

  • RADICCHI, M. R. Capoeira e escola: significados da participação. Várzea Paulista: Fontoura, 2013.

  • SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução ás teorias do currículo. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

  • TERRA, M. G. et al. Na trilha da fenomenologia: um caminho para a pesquisa em enfermagem. Texto Contexto Enfermagem. Florianópolis, v 15, n.4, p. 672-878. Out./Dez. 2006.

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