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O transtorno de estresse pós-traumático e sua 

relação com o processo de extinção de memória

El trastorno de estrés postraumático y su relación con el proceso de pérdida de la memoria

 

Neuropsicóloga, Mestre e Doutoranda em Neurociências pela PUCRS

Especialista em neuropsicologia pela Projecto, Especialista em Docência

no Ensino Superior pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci

Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental

pela WP- Porto Alegre, RS

Roberta de Figueiredo Gomes

robfggomes@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O transtorno de estresse pós-traumático é uma patologia psiquiátrica que vem sendo estudada há anos. Caracteriza-se por um padrão de sintomas ansiosos que são subseqüentes à exposição em uma situação traumática, em que o indivíduo a vivencia de forma catastrófica e ameaçadora. As manifestações clínicas envolvem os processos de memória associativa, as quais necessitam serem extintas para a cura do indivíduo. Porém, em razão das estruturas neuroanatômicas envolvidas na consolidação das memórias de medo, as lembranças da situação traumática perduram por um tempo além do que é geralmente esperado em uma situação de consolidação de memória. Ainda, existem teorias que tentam explicar o funcionamento desse transtorno, entre elas estão o condicionamento clássico e o condicionamento operante que contribuem para o entendimento e para o tratamento eficaz, através da inibição da resposta condicionada. O presente artigo discute a sintomatologia do transtorno, as estruturas cerebrais envolvidas e o mecanismo de extinção de memórias.

          Unitermos: Estresse pós-traumático. Condicionamento. Memória. Extinção.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195, Agosto de 2014. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    As respostas emocionais a situações aversivas, constrangedoras ou ameaçadoras são comuns em seres humanos e possuem grande importância para os indivíduos (LEDOUX, 1998). Esses comportamentos relacionados às emoções apresentam um grande valor adaptativo, assim como a ansiedade, que motiva os indivíduos para o crescimento, sendo necessária para a aprendizagem e criação de reações de autoproteção.

    No entanto, em certos momentos elas podem se tornar exageradas ou começarem a ocorrer em situações inapropriadas, caracterizando um distúrbio de ansiedade, dentre eles o estresse pós-traumático (LEDOUX, 1998). Esse transtorno acomete pessoas que passam por uma situação estressante e que desencadeia uma resposta de medo perante a recordação do evento, trazendo problemas para o estado psicológico, social e fisiológico.

    As memórias relacionadas ao medo estão intimamente relacionadas com essas respostas de estresse extremo e originam-se basicamente na amígdala. Diversos experimentos sugerem que os neurônios da amígdala aprendem a responder a estímulos associados à dor e, após haver esse aprendizado, os estímulos passam a evocar uma resposta de medo (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002).

    O objetivo deste artigo é descrever a sintomatologia do transtorno de estresse pós-traumático, as estruturas cerebrais envolvidas e a sua relação com o mecanismo de extinção de memórias.

Estresse pós-traumático

    O transtorno de estresse pós- traumático (TEPT) caracteriza-se por um padrão de sintomas que podem desenvolver-se em indivíduos que sofreram estímulos traumáticos estressantes. As manifestações clínicas englobam lembranças intrusivas, evitação, falta de sensibilidade e hiperexcitação fisiológica (CABALLO, 2003). Ainda, podem ocorrer alterações no sono, agressividade e dificuldades de concentração (FERREIRA, 2006).

    Geralmente, as recordações da situação traumática invadem a consciência de forma repentina, sem sinais desencadeadores que as provoquem. Essas recordações podem ocorrem em vigília, como lembranças retrospectivas (flashbacks) ou intensas e vívidas experiências do medo traumático original; e em sono, sob a forma de pesadelos contendo conteúdos da situação traumática. Essas recordações são experimentadas como desconfortáveis e intrusivas, pois o indivíduo não tem controle sobre quando, como ocorrem e são provocadas as emoções negativas associadas ao trauma original. O aumento da excitação fisiológica faz com que o indivíduo fique em constante estado de “luta e fuga”, o que durante uma crise é adaptativo porque favorece a sobrevivência, mas como estado constante, interfere no funcionamento diário e leva ao esgotamento (CABALLO, 2003).

    Ainda, podem ocorrer evitações de contextos sociais relacionados com o trauma original, apresentando desinteresse na participação de diversas atividades com o estabelecimento de padrões comportamentais que levam à disfunção social do indivíduo (FERREIRA, 2006).

    Os critérios diagnósticos do TEPT incluem experimentação, testemunho ou enfrentamento de um acontecimento que represente uma ameaça de morte, uma morte real, uma lesão grave ou uma ameaça à integridade física. Esse acontecimento deve despertar uma resposta de medo intenso, terror ou impossibilidade de defesa (APA, 2002).

    O início segue o trauma com um período de latência que pode variar de poucas semanas a meses (raramente excede seis meses). O curso é flutuante, mas a recuperação é esperada na maioria dos casos (OMS, 1993).

Condicionamento clássico e operante

    Diversas memórias são adquiridas por associação de um estímulo com um outro estímulo ou com uma resposta (condicionamento clássico). Essas memórias associativas envolvem a associação entre dois estímulos, um incondicionado, evocando uma resposta independente de outros estímulos, e um condicionado, sendo um estímulo neutro cuja resposta muda por sua associação com outro estímulo (IZQUIERDO, 2002).

    O condicionamento operante constitui outro tipo de aprendizagem, envolvendo também a contingência entre uma resposta e suas conseqüências, ou seja, estímulos que aumentam a freqüência de uma resposta operante (estímulos reforçadores). Os estímulos reforçadores são incondicionados e produzem conseqüências altamente adaptativas (alimento, sexo, abrigo, etc.). Para haver uma aprendizagem associativa, os estímulos reforçadores condicionados dependem de um estímulo reforçador incondicionado para o aumento da freqüência de uma resposta operante (CALLEGARO; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2007).

    A teoria do condicionamento clássico foi empregada na explicação do desenvolvimento da sintomatologia do TEPT, em especial os sintomas de excitação e mal-estar. Nesse modelo, o trauma é o estímulo incondicionado (EI), que provoca um medo extremo, a resposta incondicionada (RI). O EI está associado à lembrança do trauma, que se converte no estímulo condicionado (EC) (CABALLO, 2003).

    Assim, cada vez que há uma recordação do trauma, o EC provoca um medo extremo que se transforma na resposta condicionada (RC). Então, por meio da generalização do estímulo e do condicionamento de segunda ordem, a lembrança do trauma, os sinais associados à lembrança e os sinais neutros evocados por esses estímulos desencadeadores, convertem-se em estímulos condicionados, que provocam um temor extremo (RC) (CABALLO, 2003). Pode-se supor que a resposta emocional gerada pela hiperatividade na amígdala causa a hiperexcitação fisiológica e, conseqüentemente, a sensação de mal-estar que desencadeará um comportamento de esquiva.

    Geralmente, no modelo de condicionamento clássico, esperar-se-ia que a associação entre EC e a RC se extinguisse com o tempo sem a apresentação do EI original. Porém, o condicionamento do medo por meio de associação é uma memória implícita e de longo prazo, cujos efeitos perduram (CAMMAROTA, et al., 2007; CALLEGARO; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2007). A memória gerada sobre a situação traumática poderá ser extinta, mas não esquecida. Assim, qualquer estímulo que traga lembranças do trauma original, desencadeará a recuperação dessa memória.

    Ainda, de acordo com Caballo (2003), para a explicação dos sintomas de evitação utiliza-se o condicionamento operante, mesmo que o EI não volte a ocorrer: como as lembranças do trauma (EC) desencadeiam ansiedade extrema (RC), há uma evitação da lembrança do trauma (EC), resultando na redução da ansiedade (RC). Assim, a evitação da recordação do trauma (EC) é reforçada negativamente, impedindo a extinção da associação entre a lembrança do trauma (EC) e a ansiedade (RC). Essa hipótese pode ser associada com uma possível hipoatividade do córtex pré-frontal no TEPT, pois não há um impedimento das memórias implícitas associativas traumáticas relacionadas à situação de estresse.

    Profissionais que seguem o condicionamento clássico afirmam que, no processo terapêutico, satisfazem-se requerimentos derivados do estudo com este tipo de fenômeno no laboratório, ou seja, número de ensaios, tempo entre os estímulos, intensidade da estimulação, entre outras, pois esses mecanismos produziriam efeitos de mudanças nas respostas, na estimulação desempenhada pelos mecanismos utilizados ou nas mudanças produzidas no estado do indivíduo (CABALLO, 2007). Cada indivíduo terá uma aderência e uma resposta ao tratamento do TEPT, o que vai depender muito do quão agravante é essa lembrança traumática.

Achados neuropatológicos

    Do ponto de vista neuropatológico, os estudos de ressonância magnética (RM) em pacientes com TEPT apresentaram reduções no volume do hipocampo (PERES; NASELLO, 2005). Exames de PET (tomografia por emissão de pósitrons) evidenciaram uma redução do fluxo sanguíneo no hipocampo esquerdo, no córtex temporal médio e frontal inferior esquerdo; um aumento do fluxo sanguíneo na amígdala direita e uma diminuição do metabolismo orbitofrontal. Esses achados sugerem que as áreas orbitofrontais suprimem a amígdala e que a disfunção dessas áreas poderia desinibi-la. Também pode haver um sistema noradrenérgico superativo (PLISZKA, 2004).

    A amígdala, principalmente o complexo basolateral, desempenha um papel central nos processos de aprendizado e memória, isto é, no condicionamento do medo (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002; BERLESE, 2004; CAMERA, 2006). Estudos em neuroimagem funcional demonstram um padrão de resposta exacerbada da amígdala, ocorrendo possivelmente pelo feedback negativo ao córtex pré-frontal e giro do cíngulo anterior (PERES; NASELLO, 2005).

    É importante destacar que as alterações neuropatológicas descritas acima não se mostram seguramente consistentes, pois nem todas as pessoas com TEPT as apresentam, além de estarem presentes em outras condições sintomatológicas. Dentre as características anátomo e fisiopatológicas, o que se supõe é uma disfunção nessas áreas citadas, com ênfase nas características de hipofunção do córtex pré-frontal e uma hiperatividade da amígdala, o que não descarta que esses indivíduos, antes de apresentarem sintomas de TEPT, já as apresentavam.

A extinção de memórias

    O esquecimento é um mecanismo da memória que tem um importante valor adaptativo, pois impede a insistência na realização de comportamentos ou pensamentos que não se ligam mais com a realidade, impedindo que a memória se torne um emaranhado de conhecimentos dispensáveis que iriam dificultar o acesso a determinadas informações (IZQUIERDO; BEVILAQUA; CAMMAROTA, 2006; PERGHER; STEIN, 2003). Existem muitos tipos de esquecimento, dentre eles a extinção.

    O processo de extinção caracteriza-se por desvinculação de um estímulo condicionado (EC) do estímulo incondicionado (EI) com o qual tinha associação e gerou uma resposta aprendida, isto é, o estímulo passa a se vincular com a ausência desse último estímulo (IZQUIERDO; BEVILAQUA; CAMMAROTA, 2006). Com a repetida exposição do EC sem a presença de um EI ocorre a extinção, isto é, a resposta condicionada produzida pelo EC vai enfraquecendo. Embora esse tipo de aprendizagem seja extremamente adaptativa, pois proporciona uma economia cognitiva, os transtornos de ansiedade estão relacionados a ela (CALLEGARO; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2007; PERGHER; STEIN, 2003).

    Nos transtornos ansiosos, geralmente há generalizações quanto à condição biopsicossocial, pois a tendência é evitar passar pela situação novamente (comportamento evitativo, medo). Essa evitação apresenta um valor adaptativo para a autoproteção, mas parece prejudicar o desenvolvimento de habilidades cognitivas de enfrentamento das situações geradoras de ansiedade extrema.

    A extinção fornece a base de algumas formas de terapia comportamental, as quais são utilizadas para o tratamento de transtornos de ansiedade. Em relação ao condicionamento do medo, as estruturas relacionadas com a inibição da resposta condicionada (córtex) podem inibir a atividade da amígdala. Para alguns profissionais da área de saúde mental, nesse transtorno há um déficit na capacidade de extinguir memórias de medo, o que deve ser tratado com uma intensificação da extinção (CAMMAROTA et al., 2007).

    Essa hipótese é plausível, mas a intensificação da extinção por si só parece não ter valor terapêutico duradouro, se não houver ação farmacológica que ative a neuroquímica. Uma vez extinguida a memória, o tratamento terá que ser voltado para a reorganização e reforço cognitivo (córtex pré-frontal), para que uma situação que relembre o trauma não volte com a memória extinguida. Assim, pode-se inferir que um transtorno de ansiedade pode apresentar remissão de sintomas, mas pode reaparecer quando os sistemas corticais perderem a força.

    Muitas evidências apontam que a extinção distingue do esquecimento, pois em experiências com ratos, quando há um intervalo de tempo entre uma sessão de extinção e a próxima, a resposta extinta pode aparecer espontaneamente. Assim, pode-se dizer que a extinção é uma forma de aprendizagem, permitindo a aquisição de novas associações (CAMMAROTA et al., 2007).

    Os aspectos neuroquímicos da extinção incluem a ativação de receptores glutamatérgicos tipo N-metil-D-aspartato (NMDA), proteína-quinases ativadas extracelularmente, proteína-quinase dependente da adenosina mono-fosfato (AMP) cíclico e a expressão gênica e síntese protéica em cada uma das estruturas citadas. Quanto aos aspectos neuroanatômicos, as áreas são o córtex frontal corticomedial, a amígdala basolateral, o córtex entorrinal e o hipocampo (CAMMAROTA et al., 2007; IZQUIERDO, 2006).

Considerações finais

    Apesar dos avanços nas pesquisas acerca dos sintomas e tratamento do TEPT nos últimos anos, ainda há muito a ser descoberto sobre a biologia desse transtorno.

    Para que haja a extinção de memórias, são necessárias ativações de receptores, proteínas e expressão gênica. A hipótese de um déficit no processo de extinção se torna plausível se o tratamento for voltado para a reestruturação cognitiva, pois a memória extinta, vinculada a um evento que lembre o trauma, pode vir à tona até mesmo logo após a recordação.

    Os condicionamentos clássico e operante possibilitam um entendimento de como o medo é aprendido e associado aos estímulos estressores de uma situação.

    A hipoativação da amígdala pode vir a explicar a hiperexcitação fisiológica e os flashbacks com fortes conteúdos emocionais, onde o córtex pré-frontal parece apresentar um déficit de processamento das informações provindas da amígdala.

    É de extrema relevância para a psicoterapia levarem-se em consideração os achados das disfunções cerebrais do TEPT para um tratamento promissor.

Referências

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