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O corpo que somos: uma breve incursão na história para pensar o corpo

El cuerpo que somos: una breve incursión en la historia para pensar el cuerpo

 

*Docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas. PPGCISH/UERN

**Docente do Curso de Educação Física. CEF/CAMEAM/UERN

Discente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas. PPGCISH/UERN

***Graduado em Educação Física. CEF/CAMEAM/UERN

****Docente do Curso de Educação Física. CEF/CAMEAM/UERN

Discente do Programa de Pós-graduação em Educação. POSEDUC/UERN

(Brasil)

Dr. Ailton Siqueira de Sousa Fonseca*

ailtonsiqueira@uol.com.br

Helder Cavalcante Câmara**

redlehcc@gmail.com

Roberto Fernando Lopes Rocha***

roberto.10rocha@hotmail.com

Suênia de Lima Duarte****

limaduarte-uern@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Na sociedade atual, diversos estudos tem procurado entender o corpo, seja numa perspectiva social, biológica, psicológica ou antropológica. Não é objetivo deste, a análise destes estudos hodiernos, mas sim fazer um breve “retrato” do percurso que o corpo teve ao longo da história e alguns determinantes que o definiram. Discutir esses aspectos é essencial para podermos entender o corpo que somos. Para o alcance deste objetivo realizamos uma pesquisa bibliográfica, na qual dialogamos com vários autores. O que se percebeu neste recorte é que o corpo foi tratado de diferentes formas de acordo com os períodos históricos, mas que, de forma geral, sempre esteve atrelado a visão e utilização do corpo como produto ou a serviço da sociedade, seja para controle social e ou legitimação política. Dessa forma, podemos dizer que o corpo que predominou foi o corpo dócil, alvo do poder, controlado pelos ditamos de alguns. Dessa forma, servindo para obedecer e para fazer, portanto entendido numa visão instrumental e dualista.

          Unitermos: Corpo. Sociedade. História.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 181 - Junio de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Eis o corpo: primeiras aproximações

    O corpo é, talvez, o que temos mais próximos de nós, contudo nos indagamos: que corpo é esse que temos? Se fazemos esse questionamento é porque mesmo o corpo sendo a nossa realidade mais próxima é também bastante desconhecida. Para pensarmos sobre esse questionamento, procuramos fazer uma análise do trato dado ao corpo ao longo da história, compreensões essas que podem facilitar entendimento desse corpo que temos e pensamos.

    Ao realizar uma revisão na literatura acerca do assunto percebe-se que no decorrer da história o corpo sofreu vários abusos, repressões, controle, manipulações para que esse se comportasse de acordo com a ideologia vigente de cada época. Abusos esses oriundos de preconceitos, incompreensões ou visões mutilantes e fragmentadoras, presentes e atuantes em todos os lugares, principalmente nas igrejas.

    Na baixa idade média, a Igreja Católica ortodoxa dispunha de uma “legislação” que punia aqueles que não comungavam com seus princípios. Essas foram se tornando cada vez mais radicais ao longo da História (VIOLA, s.d.)1.

    Tendo como um dos expoentes máximo o Santo Ofício da Inquisição que, segundo Viola (s.d.), foi criado pelo Papa Gregório IX, em 1233 para reprimir as doutrinas heréticas, ou seja, qualquer movimento pensante que pudesse ser considerado afronta à visão oficial do Catolicismo.

    Adquirindo um status de representante de Deus, a igreja esteve presente nos diversos espaços da época, determinando em grande medida a cultura, os mitos, os costumes, a tradição e os corpos. (MONTEIRO, 2009)

    Ver-se aí, nitidamente, uma necessidade de dominação dos corpos, por parte da igreja, para uma sociedade alienada a seus interesses. “Para as monarquias absolutistas da época moderna, a Igreja era, ou deverá vir a ser, um verdadeiro aparelho ideológico do Estado realizando as funções de controle social e de legitimação política”. (HARADA)2.

    O Poder em todas as sociedades, está fundamentalmente ligado ao corpo, uma vez que é sobre ele que se impõem as obrigações, as limitações e as proibições. É dócil o corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado, aperfeiçoado em função do Poder. (DALDEGAN, 2007, p. 19)

    Reforçando essa idéia, Freire (1999, p. 113-114), alerta que “para o poder é fundamental que os indivíduos possam ser controlados”. O controle corporal é um tema bastante discutido e, a nosso ver, não poderíamos fazer isso sem considerar as reflexões de Michel Foucault. Em sua vasta obra discutiu em grande medida três elementos essenciais: o saber, o poder e a subjetividade. Tratou do corpo no livro Vigiar e Punir, dando um capítulo especial ao corpo, intitulado Corpos Dóceis. Refletiu sobre mecanismos de controle corporal que estariam presentes nos diversos espaços, como a prisão, a escola, a igreja e o hospital. Vale destacar que estes mecanismo estariam inseridos na relação saber e poder. Contudo, não se pode dizer que o trato dado a corpo se restrinja a esta obra. Na fase final de sua vida abordou o corpo a partir do conceito de cuidado do si, dando ao individuo a possibilidade de se constituir como sujeito e não sendo uma mera determinação.

    Michel Foucault (2000) ressalta que durante a época clássica, o corpo foi descoberto enquanto objeto e alvo do poder. Poderíamos aí encontrar facilmente sinais de uma dedicação acentuada ao corpo. Corpo que se manipula, se molda, se ensina/treina, que obedece, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam.

    Retornamos um pouco na história para ressaltar que A época clássica foi marcada por um forte dualismo: corpo/mente. De acordo com a história, neste período, os homens eram educados não só intelectualmente, mas também, fisicamente, o que os favorecia a defender seu povo na guerra.

    Para Nóbrega (2009) a Grécia clássica foi fecunda para pensar questões relativas ao corpo. Também poder-se dizer que foi o local onde a filosofia encontrou berço. Nesse sentido, a filosofia, na busca por compreender o real, passa a ordenar os dados sensíveis a partir de uma racionalidade, se distinguindo das explicações pautadas em forças divinas, sobrenaturais ou míticas (NÓBREGA, 2009)

    Expressa-se assim, a separação do homem em dois planos, o inteligível e o sensível. Segundo Nóbrega (2009), é a separação entre a realidade sensível e inteligível, portanto, entre corpo e alma, que é denominada de dualismo. Além do mais não se constituía numa separação, simples, mas hierarquizada. O corpo, nessa perspectiva, era inferiorizado.

    O pensamento dualista influência tanto o pensamento medieval como o moderno, em especial Descartes.

    O dualismo cartesiano corpo/mente criou condições para que o corpo fosse encarado simplesmente como um amontoado de engrenagens, as quais formariam uma máquina que poderia ser desmontada e operada como um equipamento de produção. (GONÇALVES, 2007).

    Como observou Medina (2006, p. 46):

    Quando se fala em corpo, a idéia que prevalece costuma ainda ser a de um corpo que se opõe ou contrapõe a uma mente ou a uma alma. (...) tal visão representa, a meu ver, um erro de percepção com prejuízos à compreensão do ser humano. Apesar de serem essas divisões interpretadas como procedimentos didáticos para auxiliar o entendimento, na verdade, o prejudicam se estacionarmos nesse processo divisório. A divisão só é válida na medida em que não se perca de vista a totalidade na qual a particularidade se manifesta.

    Ao refletir sobre a maneira de pensar o corpo, dualisticamente, Morais (1999, p. 77) nos faz perceber que “caminhou até nós, vindos de remotos tempos, um dualismo ontológico que distingue o corpo da consciência, o organismo físico da alma (ou essência interior)”.

    Nesta perspectiva, cabe a afirmação de que “temos um corpo” e não “somos um corpo”. Sendo assim, compete a este ser dirigido pela alma que seria então a nossa parte pensante, inteligente. “Apesar de não ter inventado o dualismo, Descartes acentuou drasticamente certa concepção instrumentalista de corpo, que já caminhava com movimentos de pensamento nascidos na antiguidade.” (idem, ibidem, p. 77, grifos do autor).

    Monteiro (2009), ratifica esse entendimento ao afirmar que Descartes foi o grande represente dessa dualidade, na qual foi delineado e se construiu um entendimento de corpo e mente que se tornou referencia no século XVII. Poderíamos dizer, até na atualidade.

    A dualidade ainda era hierarquizada e o corpo, instrumento, deveria servir tão somente para tal, portanto torná-lo operacional era essencial. Mas o corpo poderia ser controlado? Foucault (2000), em vigia e punir, responde de forma afirmativa.

    Cita inclusive um exemplo desses mecanismos de controle, quando apresenta o sistema penitenciário de Bentham, denominado panóptico. Bentham pensou este como

    (...) uma construção circular que abrigaria prisioneiros, com a seguinte disposição: as celas fariam fronteiras umas com as outras, todas voltadas de frente para uma torre localizada no centro do presídio. Para a torre central e para o mundo exterior eram abertas, portanto, vazadas pela luz natural e iluminada por ela, tornando impossível a privacidade dos prisioneiros. Todos os condenados enxergavam o guarda que os vigiava da torre. Nenhum companheiro podia enxergar os companheiros do lado. (FOUCAULT apud FREIRE, 1999, p. 110)

    Essa vigília constante se tornava tão forte que, com o tempo, o ser vigiado não precisaria mais do vigia, pois já teria incorporado a “impossibilidade” de transgredir. Ver-se, então, mais um método de controle sobre o homem, através trato dado ao corpo, mas principalmente por meio do olhar. Uma forma de olhar o corpo que se interioriza no sujeito. O panoptismo é um sistema sentinela anômino interiorizado pelo sujeito. O sujeito se olha, se vigia e se pune porque o olhar sobre si mesmo se vestiu com as ferramentas de controle externo, se vestiu com o controle exercido pelo olhar dos outros. Esses métodos minam paulatinamente a individualidade das pessoas e as fazem reféns do seu próprio medo.

    Embora o panóptico seja apresentado para organização de um presídio, poderíamos dizer que não se materializam só neste espaço. Como se pautam na vigilância, no medo, no controle, não seria equívoco nenhum dizer que há panópticos também nas escolas, nos hospitais e nas igrejas, tão eficientes como o que Benthan apresenta.

    Essa não é uma realidade moderna. Desde a Idade Média o corpo da mulher, por exemplo, vem sendo vigiado, perseguido, controlado, punido e reprimido.

    é exatamente a partir do século XIII que acontece o fenômeno de repressão sistemática ao feminino e ao corpo, pois, elas começaram a representar uma ameaça ao “Poder Médico” que vinha tomando corpo nas universidades que começavam a se formar e as quais apenas os homens tinham acesso. Em geral as mulheres formavam associações onde trocavam os “segredos” da cura do corpo e atuavam nas revoltas camponesas que antecederam à centralização dos feudos e nas quais os homens não tinham acesso. Com o surgimento do protestantismo a inquisição foi eficaz instrumento de controle para submeter os camponeses e principalmente as mulheres. É a ascensão do sistema capitalista que começava a se formar exigindo o controle do corpo e da sexualidade evidenciando a vontade da classe dominante de então (ALMEIDA apud SANTOS, 2007, p. 49).

    Segundo Althusser (1985), o poder atua à base de ideologia e da repressão. Neste caso vemos que a atuação do poder repressivo como forma de conter a ascensão das mulheres e, conseqüentemente, a ameaça que estas apresentavam ao poder do Estado e dos homens.

    Podemos perceber, portanto, que o corpo foi utilizado de diversas maneiras. Várias foram as formas de controle corporal visando a “educação” do ser. A educação de uma pessoa passava pela maneira como o corpo era exposto socialmente, pois uma “boa educação” deveria fazer o corpo se adequar as normas da sociedade vigente. A educação funcionava aqui como adestramento, alienação, controle. O saber sobre o corpo construía um poder contra o corpo. A “vontade de saber” estava a serviço da “vontade de poder” e esta, ao vigiar e punir todas as transgressões dos usos dos prazeres corporais, construía disciplina e obediência.

    A ideologia participa dessa forma da constituição de um pensar coletivo – o imaginário social, o qual atua de forma tão efetiva que “naturaliza” as coisas. Dessa maneira, poderíamos dizer que nossos interesses, desejos, convicções, embora pareçam, nem sempre são “nosso”, mas parte de interesses ideológicos que nos constituem. Maraun (apud Kunz, 2004, p. 26) afirma que “O mais significativo nas atividades humanas, não é mais aquilo que um sujeito na sua singularidade individual realiza, mas aquilo que é simples cópia ou aproximação de soluções encontradas por especialistas e aceito como correto por uma maioria”.

O corpo e a sociedade capitalista: um breve olhar

    A partir das reflexões iniciais que ora apresentamos, passaremos discutir, o sistema capitalista, enquanto “formador” de corpos. É necessário apontar que o capitalismo tem como principal objetivo o rendimento e, consequentemente, o lucro. O corpo, nesse contexto, pode ser “considerado” uma máquina, formada por um amontoado de engrenagens, o qual é fabricado para trabalhar e dar lucro.

    O corpo tem de ser útil e, aprender a ser útil, é algo que não pode ser despercebido. Sem querer absolutizar, poderíamos dizer que a utilidade é apreendida, portanto as maneiras de pensar e ser corpo também o são. É bem verdade que Marx (apud ALTHUSSER, 1985, p. 53) afirma que “que uma formação social que não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo que produz, não sobreviverá nem por um ano. Portanto a condição última da produção é a reprodução das condições de produção”.

    Os valores que priorizam o capital se tornam aprendizagens essenciais, de tal maneira que os defendemos e não conseguimos visualizar outras possibilidades de ser, como se o sistema fosse algo natural e não houvesse possibilidade de fugir a ordem. Nossos pensamentos se naturalizam. As relações entre os indivíduos passam a ser mediadas em grande medida pelo capital.

    Simmel (apud SOUZA e OLZE, 1998) ao discutir a formação do sujeito moderno, indica o dinheiro como elemento que permitiu a inserção e solidificação da liberdade. Se antes, as relações eram pautadas em círculos de interesse prático e sociais, com a modernidade, os aspectos individuais se postam numa relação superior aos coletivos, individualidade essa, fundada no argumento da conquista da liberdade. Ser livre e desprender-se, de certo modo, das responsabilidades comunitárias é ver, em primeiro lugar, o eu em relação ao coletivo.

    O dinheiro participa efetivamente dessa “conquista da liberdade”, destruindo a unidade da relação entre os indivíduos, pois passam a mediá-la, agora como algo totalmente objetivo e não-qualitativo. O Dinheiro é assim, a distância entre os indivíduos e a posse. (idem, ibidem)

    Simmel (apud STECHER, 1995, p. 181) afirma que “a relação monetária conecta estreitamente o indivíduo com o grupo como um todo abstrato, mas coloca-o na mesma dimensão dos objetos, dissolvendo-o como personalidade própria”.

    As relações agora objetivas, ampliam o dualismo, e o corpo, instrumento, tem no reforço a necessidade da ausência da sensibilidade - uma marca. Podemos assim dizer que o que somos não é fruto apenas de um passando constitutivo, mas também é produto das relações que no mundo vivido ocorrem. O aqui e o agora, bem como os valores que o tem, não podem ser desconsiderando ao se pensar a formação dos corpos hodiernos.

    Assim, os valores de nossa sociedade que privilegiam a produtividade/rendimento, a competição exacerbada, o consumo, o utilitarismo, o “TER em detrimento do SER” são determinantes em nosso agir.

    Sugimoto (2005, p. 9), relata que:

    [...] antes da revolução, durante séculos, os corpos trabalharam integrados com suas ferramentas, como os teares, num urdir e tecer em ritmo natural, onde estavam presentes as sensações corporais, a imaginação e as emoções. “Podia-se parar, conversar, rir e recomeçar. Era o homo laborens, que estava em inter-relação com as pessoas, os objetos e a natureza”.

    Mas não são as teorias que controlam os corpos. O controle só é possível na vivência, nos atos. São nas ações e nas relações que nos constituímos e não podemos ser formados fora delas. Freire (1999, p. 114) nos lembra que

    (...) o corpo tem que se conformar aos métodos de controle, caso contrário, as idéias não podem ser controladas. O fascismo, que nunca desapareceu, sabe que idéias e ações corporais são a mesma coisa e, se quiser controlar as idéias, basta controlar os corpos.

    Diante do que vimos até agora, fica claro que, implícita ou explicitamente, os cidadãos sofrem significativa influência do poder vigente, seja ele político, social ou econômico. Somos constantemente atravessados por construções sociais ideológicas. Althusser (1985) nos deixa entender que o poder, por meio do estado, age através de ideologia ou repressão para colocar os indivíduos em suas respectivas condições – opressores ou oprimidos - frente à sociedade. “Determina”, de certo modo, que posição social cada indivíduo deve ocupar e, por fim, limita o acesso aos conhecimentos que poderiam “libertá-lo”3, ou os faz perceber como algo desnecessário.

    Talvez se queira fazer o mesmo que queria Gmork, terrível monstro de A história sem, fim de Michel Ende (2001), ao tentar convencer o herói Atreiú a passar para o lado do mal. De forma incisiva, Gmork dizia

    Quem sabe para o que vai servir. É possível que, com sua ajuda, se possam convencer os homens a comprar o que não necessitam, a odiar o que não conhecem, a acredita no que os domina ou a duvidar de quem os podia salvar. Por seu intermédio, pequenos seres de Fantasia, fazem-se grandes negócios no mundo dos homens, desencadeiam-se guerras, fundam-se impérios...’

    Poderíamos pensar que essa ação não seria tão incisiva, todavia, por menos orquestrada que seja, as ações se reproduzem e cada vez mais nos tornamos corpos objeto, instrumentos, mercadoria.

    De todo modo, no capitalismo é necessário que a classe dominante mantenha sua hegemonia, para tanto seria necessário criar as condições objetivas. Dessa maneira, conforme afirma Carmen Soares (2006, p. 05), seria necessário

    [...] investir na construção de um novo homem, um homem que possa suportar a ordem política, econômica e social, um novo modo de reproduzir a vida sob novas bases. A construção desse homem novo, portanto, será “integral”, ela “cuidará” igualmente dos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos.

    É preciso deixar claro que a formação da consciência se processa em diversos espaços, como por exemplo, o familiar, o escolar e o religioso, mas estaria na escola, de acordo com Cambi (apud MONTEIRO, 2009) a incumbência de “recuperar todos os cidadãos para a produtividade social, de construir em cada homem a consciência do cidadão (sobretudo intelectual) [...]”.

    Segundo Monteiro (2009, p. 28) a educação se constituía como condição fundamental para as mudanças sociais, visto que “seria a maneira mais rápida e eficaz de incutir na sociedade comportamentos hegemônicos e que contribuam para o bom funcionamento da mesma”.

    Nesse espírito racionalista moderno, ao corpo é dado especial atenção e, é nele que serão construídos os métodos ginásticos, os quais de um modo geral, visariam adaptar o corpo às necessidades da emergente sociedade industrial, o que promoveria a aquisição de hábitos saudáveis e controle das energias corporais para o aprendizado intelectual. (NÓBREGA, 2009)

    Ratifica-se assim, de acordo com Monteiro (2009) a necessidade da disseminação de certos corpos pela escola, dicotomizados, manipulados, fragmentados, consumidores de produtos e serviços, a fim de que estes, consequentemente, assumissem características de corpo-objeto, corpo-mercadoria e corpo-consumidor.

3.     Algumas considerações

    A partir dos aspectos que apresentamos nessa breve viagem, pudemos perceber ao longo da história, o corpo foi alvo de atenção, todavia ao ser percebido numa visão dualista e de forma hierarquizada, adquiriu status inferior em relação a mente.

    À mente as glórias e ao corpo os aspectos utilitários, constituindo como o elemento a ser controlado, a fim de atingir os interesses que lhe era destinados.

    Assim, o corpo, ora precisava ser tratado para que pudesse abrigar a alma, pois bem cuidado, a alma estaria bem. Ora precisava ser cuidado, domesticado, reprimido, a fim de evitar os excessos e não se tornasse fatalmente pecador.

    O corpo precisou também ser produtivo, mas ao mesmo tempo manso e alienado, se adequando as necessidades do modo de produção capitalista. O que se percebe é que ao longo da história se construiu um pensar o corpo e esse pensar se cristalizou no imaginário dos homens.

    Nosso corpo continua partimentalizado e carregamos ainda a herança dualista, instrumental e dócil de corpo. De forma geral, as demais questões relativas ao corpo, principalmente as relacionadas ao sensível, foram descuradas. O primado do corpo forte, sem consciência, belo, pecador, cheio de proibições e pudores, instrumento, produtivo e, porque não dizer, mercadoria, nos parece ser o que temos hoje. O que somos não é fruto do acaso, mas do que nos tornamos ao longo de nosso existir.

    Não devemos, no nosso ponto de vista, esquecer, muito menos concordar, que na sociedade atual só se tem valor o que é produtivo, que gera lucro. Não devemos nos furtar a perceber que, em grande medida, agimos em função do TER e em detrimento do SER, dentro dos padrões sociais. Parece haver pouco espaço para a vivência do prazer pelo prazer, para desfrutar de qualquer coisa pela simples busca da alegria, para amar os outros, para expressar o “eu”. (VENÂNCIO e CHRISTOFELLI, 1997).

    Parece que estamos a serviço do poder, enquanto máquinas produtivas e lucrativas, muito mais do que aos nossos próprios interesses. Vivemos em função da produtividade, como autômatos e como tais, perdemos nossas possibilidades eminentemente humanas, de pensar, criar, sentir, ou seja, de sermos humanos.

    Vivemos numa sociedade desumanizada, na qual o dinheiro, o rendimento, o lucro são postos à frente de todas as outras coisas, como a família ou saúde e, pelo que nos parece, estamos já desumanizados. Cabe-nos questionarmos se haveria outra forma de viver? De sermos e não termos um corpo? A resposta positiva nos parece evidente, contudo isso será assunto para uma outra história.

Notas

  1. Disponível em: http://www.jornaldosespiritos.com/2008/alem%282%29.htm

  2. Disponível em: http://www.coladaweb.com/historia/revolucao-inglesa-do-seculo-xvii

  3. É por isso que disciplinas como Sociologia e Filosofia estiverem ausentes da Educação Básica e, mesmo hoje, só são abordados no ensino médio.

Referências bibliográficas

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  • FREIRE. João Batista. Métodos de confinamento e engorda (como fazer render mais porcos, galinhas, crianças...). In: MOREIRA, W. W. (Org.). Educação física & esportes: Perspectivas para o século XXI. 9ª edição. Campinas: Papirus, 1999, p. 109-122.

  • GONÇALVES, José Pedro Rodrigues. o corpo e a sua complexidade. In: Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 31, n. 75/76/77. jan./dez. 2007. p. 185-193.

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  • MEDINA, João Paulo Subirá. A educação física cuida do corpo e... “mente”. 21ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2006.

  • ENDE, M. A história sem fim. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • MONTEIRO, Alessandra Andrea. Corporeidade e educação física: histórias que não se contam na escola. São Paulo, 2009. Dissertação de mestrado – Universidade São Judas Tadeu. (CONFERIR COMO POR ESSA CITAÇÃO SEGUNDO ABNT)

  • MORAIS. J. F. Regis de. Consciência corporal e dimensionamento do futuro. In: MOREIRA, Wagner Wey. (Org.). Educação física & esportes: Perspectivas para o século XXI. 9ª edição. Campinas: Papirus, 1999, p. 71-88.

  • SANTOS, Maria Cleonice. Mastectomia e feminilidade: uma questão perante o Câncer. 2007. 95 p. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Saúde Coletiva, Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Área de concentração: Saúde e Sociedade, Cuiabá, MT, 2007.

  • SOARES, Carmen . Corpo, conhecimento e educação. In: SOARES, Carmen (org.). Corpo de história. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2006.

  • SOUZA, J. e OELZE, B. Simmel e a modernidade. Brasília: Ed. UnB, 1998.

  • STECHER, H. George Simmel: dinheiro, a solidez do efêmero. Cad. CRH., Salvador, n.22, p. 185-191, jan/jun. 1995

  • SUGIMOTO, Luiz. A história do corpo humano. Jornal a UNICAMP. Universidade Estadual de Campinas. P. 9. 11 a 24 de julho de 2005.

  • NOBREGA, Terezinha Petrúcio da. Corporeidade e Educação Física: do corpo sujeito ao corpo objeto. 3. ed. Natal: EDUFRN, 2009.

  • VENÂNCIO, Silvana; CHRISTOFELLI, João Fernando. A aventura da corporeidade: uma breve e recente história. Coletânea do V Encontro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Maceió, 1997.

  • VIOLA, Paulo Roberto. “Todo pedido de perdão é um grande começo”. Disponível em: http://www.jornaldosespiritos.com/2008/alem%282%29.htm. Acesso em 02/11/2009.

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