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Transformações nos instrumentos lúdicos: um estudo geracional
no SESC Itajaí, Santa Catarina

Los cambios en los recursos lúdicos: un estudio generacional en el SESC Itajaí, Santa Catarina

 

*Doutorando em Educação (PPGEDU-UFRGS). Professor do curso

de Educação Física da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

**Bacharel em Educação Física (UNIVALI)

(Brasil)

George Saliba Manske*

Luana Aparecida Adão**

Marcelo Lemos**

george_manske@univali.br

 

 

 

 

Resumo

          Acontecimentos diários são significativos para grandes mudanças futuras, as transformações acontecem vagarosamente e refletindo sobre isso pensamos sobre a ludicidade nos dias de hoje. Desta maneira nos questionamos sobre quais as diferenças nos instrumentos lúdicos utilizados na infância pelo público de diferentes gerações freqüentadores do SESC de Itajaí. O objetivo deste estudo foi identificar a transformação dos instrumentos lúdicos através do tempo, investigamos como as diferentes gerações das pessoas que freqüentam o Serviço Social do Comércio (SESC) de Itajaí vivenciaram a ludicidade. Os sujeitos da pesquisa são usuários dos serviços disponíveis pelo SESC de Itajaí, bem como o Projeto Habilidades de Estudo, o Grupo de Convivência, Curso de Idiomas e Academia. Foram realizadas entrevistas e observações com cada um dos grupos investigados. Sendo assim apresentamos, com base referencial, os relatos dos sujeitos investigados e nossas considerações sobre estes instrumentos lúdicos que acabam se adaptando a cada período histórico.

          Unitermos: Lúdico. Brinquedo. Brincadeiras. Gerações.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 173, Octubre de 2012. http://www.efdeportes.com/

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1.     Vamos brincar?

    Através das mudanças ocorridas com o decorrer do tempo, os instrumentos lúdicos utilizados por diferentes gerações trazem diferentes significados em uma constante transformação. A revisão da literatura que trata de ludicidade e o processo histórico recente nos dá um suporte para realizar um comparativo das transformações dos instrumentos lúdicos utilizados por estas diferentes gerações. Assim, esta prerrogativa nos deu base para investigarmos como as diferentes gerações das pessoas que freqüentam o Serviço Social do Comércio (SESC) de Itajaí (Santa Catarina, Brasil) vivenciaram a ludicidade na infância, contornando, assim, nosso problema de pesquisa.

    O que acompanharemos no decorrer deste estudo é que segundo autores consultados o lúdico está presente na vida de todos e a qualquer momento de nossa vida, o que nos faz pensar melhor sobre as atitudes que tomamos referentes ao nosso lazer, pois a ludicidade está inserida de alguma maneira no cotidiano, estando diferenciada apenas pelo instrumento utilizado. O processo lúdico a cada geração também passa por mudanças, já que os mesmos são vivenciados com intensidades diferentes e sofrem influências de diversos fatores como a tecnologia, a mídia, o urbanismo, dentre outros acontecimentos contemporâneos que estão fortemente ligadas a estas diferenças. Se realizarmos uma linha do tempo, podemos hipotetizar que as crianças vão citar o computador como o instrumento lúdico mais utilizado, já os idosos falariam das brincadeiras de roda, pique esconde, entre outras brincadeiras. E é partindo desta curiosidade e interesse em estabelecer este comparativo que fizemos este estudo, focando a ludicidade e as gerações.

    No desenvolvimento destas discussões tivemos como problema de pesquisa a seguinte questão: Quais as diferenças nos instrumentos lúdicos utilizados na infância pelo público de diferentes gerações freqüentadores do SESC de Itajaí?

    Acreditando na proposta e credibilidade dos instrumentos de investigação utilizados nesta pesquisa, e partindo da teoria para a construção e discussão dos resultados, utilizamos para coleta de dados uma entrevista focalizada que, no nosso ponto de vista, permite que o investigado dê maior profundidade as suas respostas. Partindo desta coleta de dados, realizamos a relação desta transformação dos instrumentos lúdicos utilizados em diferentes gerações.

2.     ...1,2,3 e já!

    Atualmente, com o crescente avanço da indústria tecnológica, percebemos as transformações culturais e instrumentais na recreação, cuja origem da palavra remonta justamente as transformações, pois recreare significa criar novamente (FERREIRA, 2006, p. 15).

    Como parte desta área da recreação e lazer, temos a manifestação lúdico, ou o lúdico, termo que tem origem na língua latina como “ludus” e é referente a um amplo terreno de jogos (GOMES, 2004). De uma forma geral, o lúdico está associado à espontaneidade, criatividade, a ressignificação de sentidos e valores, sempre com um forte apego ao prazer e a fruição e pode se manifestar através de diversas ferramentas como jogos, brinquedos, brincadeiras, festas, cantigas, etc. (GONZÁLEZ & FENSTERSEIFER, 2005).

    O lúdico é uma manifestação cultural que permeia várias dimensões da vida humana. Não existe de forma isolada numa ou noutra atividade, podendo se expressar nas mais diferentes situações. O lúdico é, portanto, inerente à cultura e, por suposto, ao homem. (GONZÁLEZ & FENSTERSEIFER, 2005, p.271).

    Para Marcellino, essas considerações sobre a questão do lúdico, reforçam sua posição, de optar pela abordagem do lúdico não “em si mesmo”, ou de forma isolada em essa ou aquela atividade (brinquedo, festa, jogo, brincadeira, etc.), mas como um “componente da cultura (entendida em sentido amplo) historicamente situada”. (MARCELLINO, 2003, p. 13).

    Por outro lado, conforme Debortoli (apud GOMES, 2004), o brincar é um fenômeno cultural, uma condição de expressão exclusivamente humana que engloba aspectos culturais, históricos, éticos, estéticos e políticos, manifestando-se em uma dimensão simbólica, fortemente ligado ao contexto sociocultural em que está enraizado.

    O que podemos constatar é a importância do lúdico integrado na história e não somente visto no brinquedo, no jogo, etc. Corroborando com essa linha de pensamento encontramos a seguinte observação:

    Pessoas semelhantes buscam situações semelhantes de recreação. Pessoas diferentes buscam recreações diferentes. É a isso que se deve a dificuldade de se atrair um grupo muito heterogêneo na sua totalidade para uma mesma atividade lúdica. (CAVALLARI, 2004, p. 17).

    Nestes casos cabe ao profissional de educação física obter conhecimentos o suficiente para trabalhar estas questões. “Para isso, seu curso de graduação deverá compreender um saber profissional sobre sua área de intervenção, que lhe permita tomar as decisões mais adequadas em seu trabalho, capacitando-o para transformar o ambiente” (FREIRE, 2002 p.42). Sendo o brinquedo um acessório para a brincadeira, Silva (apud GOMES, 2004), o tematiza de duas formas. A primeira tem o brinquedo como um objeto que faz parte do brincar da criança, sendo assim qualquer objeto é um brinquedo em potencial, usamos aqui o próprio exemplo de Silva, que nos traz o seguinte relato:

    Em uma instituição infantil, enquanto as crianças pequenas esperam pela hora de servir a merenda, o prato em suas mãos vai mudando seu sentido imediato: de utensílio de cozinha a chapéu, volante de carro, tambor e novamente como lugar de colocar a refeição que ainda não foi servida. (SILVA, apud GOMES, 2004, p. 25).

    A segunda forma de tematizar o brinquedo, o mostra como algo produzido e reconhecido como tal, e que independentemente de estar sendo usado para brincar ou não, será sempre culturalmente visto como um brinquedo. Citamos aqui os “produtos” industrializados ou artesanais como carrinhos, bonecas, etc.

    Dessa maneira podemos perceber que os instrumentos lúdicos são quase ilimitados, temos desde os mais “antigos” - como cantigas e brincadeiras de roda, os jogos de tabuleiro e de mesa e diversas outras práticas corporais como brincadeiras de esconde- esconde, pega-pega, morto-vivo, jogar peão, peteca, amarelinha, etc.- até os mais “modernos” onde temos vídeo games, jogos online, brinquedos eletrônicos, etc.

    Quanto mais regredirmos no tempo, mais poderemos observar que os recursos tecnológicos irão diminuindo, ao passo que a criatividade para outras práticas lúdicas, principalmente as que concernem às práticas corporais irão aumentando, contudo não podemos dizer que a ludicidade está se extinguindo, está apenas se transformando, pois a tecnologia também traz novos brinquedos e novas brincadeiras onde o lúdico está presente, como nos brinquedos da modernidade que citamos acima e a própria TV, que “também pode ser um tempo de brincadeira, mas precisa permanentemente de mediações [...]. O uso da televisão não pode estar relacionado a mero preenchimento do tempo ou substituições das relações e interações humanas.” (DEBORTOLI, apud GOMES, 2004 p.23).

    Como já colocamos anteriormente, o lúdico é uma manifestação cultural que permeia várias dimensões da vida humana, incluindo as transformações tecnológicas, na qual novas possibilidades foram dadas ao brincar, de maneira que as crianças como seres integrantes da sociedade acompanharam esta evolução, sendo beneficiadas em parte por estas novas tecnologias, e vitimadas por outro lado pelo consumismo impulsivo provocado pela indústria cultural.

    Segundo Adorno e Horkheimer (1985), a indústria cultural pode ser definida como um conjunto de bens culturais, disseminados pelos meios de comunicação de massa, impondo formas universalizantes de comportamento e de consumo. Infelizmente, devido a esse capitalismo muitas vezes as idéias simples parecem não ter valor, se confunde o conceito do que é simples com algo sem importância, mas não podemos seguir esta idéia, pois muitas das brincadeiras e jogos que nossos avós utilizavam eram simples, sem muitos recursos materiais ou tecnológicos mais são de muita importância, brincadeiras e cantigas carregadas de musicalidade, expressão corporal, uma grande gama de movimentos e habilidades tão necessárias para o desenvolvimento de uma vida mais saudável.

3.     Construindo a pesquisa

    Realizamos as investigações no SESC de Itajaí (Santa Catarina, Brasil), localizado na Av. Marcos Konder nº 888, em um prédio no centro da cidade. O SESC é um órgão mantido pelo comércio e está voltado a atendê-los através de atividades de lazer, baixo custo em cursos e a realização de diferentes projetos de recreação, saúde e lazer.

    No projeto Habilidade Especiais (H.E.) -que funciona em contraturno escolar- encontramos dois grupos -um grupo na parte matutina e outro na vespertina- de aproximadamente 15 crianças de ambos os sexos com idade entre 6 e 12 anos. Nos demais projetos do SESC, encontramos a população de adultos e idosos necessárias para a nossa investigação, estes participam de atividades como curso de idiomas, que é oferecido para as crianças, jovens, adultos e para a terceira idade. Um curso completo para a formação de novos conhecedores de outras culturas, pois o curso não se baseia apenas na conversação e sim na construção de um conhecimento histórico cultural. Em Itajaí iniciaram turmas apenas de Inglês que acontecem de segunda à sábado em diversos horários, com carga horária de 1 hora/aula diária, com aproximadamente 55 alunos.

    Seguindo um caminho de pesquisa qualitativa, sendo que esta também envolve a imersão do pesquisador no campo de pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2005), e devido a um dos investigadores trabalhar no campo de investigação, mantendo um contato direto com o nosso público investigado, utilizamos como estratégia de investigação uma pesquisa participante, pois esta “caracteriza-se pela interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas” (GIL, 2002, p.55).

    Utilizamos como técnica de coleta de dados uma entrevista focalizada, definida por Gil (1994) como uma entrevista livre, onde o pesquisador permite ao entrevistado falar livremente sobre determinado assunto. Conforme ainda nos orienta Gil (1994), registramos as respostas com precisão, e optamos por anotações por escrito durante a entrevista. Outro recurso utilizado foi o da observação participante, para extrairmos outros elementos que subsidiassem as informações do campo investigado.

4.     Do campo ao play ground

    Para que possamos estabelecer um padrão mais fácil de acompanhamento da urbanização, usaremos a cidade em que realizamos nossa pesquisa como referência. A partir dos processos de urbanização da cidade de Itajaí é que desenvolvemos nossas reflexões a respeito de como estas diferentes gerações deram e dão vazão ao lúdico, relacionando-se com os espaços e com os instrumentos usados no brincar.

    Quando foi proposto aos sujeitos da pesquisa discutir elementos relativos aos brinquedos e brincadeiras de infância, percebemos que no caso dos idosos havia muitos contatos com a natureza, tal como percebemos em alguns relatos. Gostava de deslizar nos morros dos pastos com canoa de coqueiro, pegava olho de boi- um tipo de semente- e brincava de bolinha de gude, buscávamos no mato pernas de pau, e os meninos faziam carrinhos com barro ou pedaços de madeira... (V, 61 anos). Gostava de nadar no rio, caçar com funda, jogar bola e brincar com carrinhos de barro (E, 66 anos).

    Além desses relatos presenciamos vários outros relativos a esse tópico como construção de cabanas, caçar besouros e amarrá-los como se fossem cavalos para puxar pequenos pesos, ou caçar vaga-lumes para colocá-los em vidros de conservas e brincar de lanterna. Enfim, foram inúmeros os relatos onde elementos da natureza estavam muito presentes. Além disso, para os moradores de Itajaí desta época, inclusive para quem morava no centro da cidade, por volta dos anos 40 e 50, não era difícil encontrar espaços amplos e arborizados para se brincar, conforme nos relata C, 64 anos: brincava na praça em frente ao restaurante da tia, na Praça Vidal Ramos, Igreja Imaculada Conceição.

    Entrementes, não é difícil perceber, segundo C. de 64 anos, que existia muito espaço para realizar brincadeiras, ao passo em que ao compararmos com relatos do público adulto, percebemos uma transformação neste contato com as estruturas de lazer, pois os relatos passam a ser mais relativos a espaços urbanos onde o brincar nesses espaços urbanos era algo natural. Sempre que possível brincávamos na rua, em casa mesmo só quando chovia, até em construções brincávamos (M, 31 anos). Este depoimento vem ao encontro com o que nos diz Debortoli (apud GOMES, 2004), para o autor, o brincar é um fenômeno cultural, uma condição de expressão exclusivamente humana que engloba aspectos culturais, históricos, éticos, estéticos e políticos, manifestando-se em uma dimensão simbólica, fortemente ligada ao contexto sociocultural em que está enraizado. Em outras palavras, conforme a cidade foi se transformando, se tornando mais urbana, o brincar não deixou de existir, mas foi se adaptando as condições estruturais e até mesmo sociais de cada época.

    Ora, se o número de árvores foram reduzindo ao tempo em que as edificações foram aumentando, deixou-se de subir em árvores e pedras e passou-se a subir em muros, telhados, pilhas de tijolos, etc. Contudo, como a densidade populacional não era tão grande, as crianças por volta da década de 80 ainda podiam usufruir dessas estruturas como uma área de lazer como nos relata M, de 31 anos: Brincávamos de futebol de rua, andar de bicicleta, jogar peão, pelica e soltar pipa.

    O que percebemos nos relatos dos grupos entrevistados é que os espaços para realizar brincadeiras estão cada vez mais escassos, as ruas tornaram-se muito movimentadas e violentas. Enquanto todos os idosos investigados responderam que tinham um contato direto com a natureza durante suas brincadeiras, no grupo dos adultos apenas a metade relatou que tinha algum contato com a natureza, e no relato das crianças, nenhuma relatou ter este tipo de contato. Aliás, alguns relatos nos mostram que há outros fatores que levam as crianças a terem pouco contato com a natureza, além da crescente urbanização da cidade.

    A falta de tempo dos pais para acompanharem seus filhos a estes locais é relatada como um motivo para a falta de contato com a natureza, tal como percebemos nos depoimentos de F de 9 anos de idade Eu brinco muito pouco, pois não tenho muito tempo. Este é um relato de uma criança que a mãe à deixa às sete horas da manhã no SESC, a criança almoça sozinha na Instituição, o ônibus escolar a pega e leva para a escola, e no fim da tarde o pai pega esta criança e leva para casa, onde fica com a babá até que seus pais encerrem o expediente do trabalho.

    Percebemos nesses relatos que a urbanização das cidades e a escassez de tempo livre por parte dos pais, que acaba por incidir diretamente nas crianças, transformam a maneira pela qual diferentes gerações experimentaram relações lúdicas nos espaços onde moravam, ora brincando mais em relação direta com a natureza, ora brincando mais em espaços institucionais1.

    Outro fato interessante nos relatos dos sujeitos investigados diz respeito à construção de brinquedos. O que podemos perceber é que nas três gerações investigadas ficaram bem distintas as relações de como se vivencia o lúdico. Sendo o brinquedo um acessório para a brincadeira, tal como argumenta Silva (apud GOMES, 2004), este torna-se um objeto que faz parte do brincar da criança. Sendo assim, qualquer objeto é um brinquedo em potencial. Conforme os relatos dos idosos, em suas épocas quase não se ganhava brinquedos, todos construíam seus próprios brinquedos, como nos relata L. de 66 anos: os brinquedos éramos nós que os fabricávamos, com os materiais que possuíamos na ocasião: madeira, latas, panos velhos, sabugos de milho...

    Outros idosos ainda nos contavam sobre a fabricação de fundas, utilizando madeira e câmara de pneu de bicicleta, bonecas de pano, louças e carrinhos de barro, petecas com palha de milho e penas de galinha, roupas para bonecas, pés de lata, feitos com latas e barbantes, etc. A questão da construção de brinquedos também foi relatada em quase todos os adultos: Nós fazíamos aquelas pernas de lata com nylon, fazíamos também carrinhos de lata para puxar. E roupinhas para "Susi" (boneca da época) com papelão. Que saudades deste tempo... (S, 39 anos). Conforme observamos no relato de S, a partir desta época começam a aparecer referências a brinquedos industrializados, tal como a Boneca Susi. Entretanto, ainda se construía mais brinquedos do que se ganhava.

    Já com as crianças o que percebemos é o grande consumo de brinquedos industrializados. A grande maioria das crianças afirmaram não construir seus brinquedos, tal como nos relata N de 9 anos: não construo brinquedos porque já tenho bastante brinquedos normais e meus pais não tem tempo.

    Em contrapartida, enquanto as crianças da atualidade tem inúmeros brinquedos lhes faltam, também, espaços para se brincar. Se nos grupos de idosos e adultos houveram inúmeros relatos sobre os espaços utilizados por eles para brincar, como terrenos baldios, campos, áreas arborizadas, ruas e praças e no quintal de casa, já para as crianças esses espaços são escassos. Percebemos isso a partir dos seguintes relatos: D, 63 anos comenta: Até os 10 anos, brincava em terrenos baldios, e nas ruas, pois não havia movimento de carros. Brincava na rua defronte minha casa ou no quintal de casa.

    Outro fato que chama a atenção se refere ao uso da televisão (TV), pois cada vez mais está aumentando o tempo que as crianças assistem TV, enquanto que durante a infância do grupo de idosos não existia TV, contudo, sobravam espaços para se brincar, O que observamos, é que assistir televisão era algo que não estava tão presente nas horas livres dos adultos em relação a sua infância. Que eu me lembre era bem pouco tempo em frente à TV, mais aos fins de semana. Para o grupo de adultos, quando criança, as horas em frente à televisão eram contabilizadas pelos pais, pois tinham tempo de realizar a tarefa, brincar na rua, hora do banho e entre outras tarefas básicas diárias. Pelo que foi observado, nesta época os pais ainda tinham um tempo maior para se dedicarem aos filhos.

    No caso das crianças estudadas, em relação ao tempo que se passa em frente à TV, percebemos uma grande discrepância em comparação com os outros grupos estudados. Enquanto os idosos não assistiam TV -pois na infância não havia– os adultos assistiam, quando crianças, a no máximo duas horas por dia, sendo que muitos relataram não ser todos os dias que se assistia TV, como observamos no relato de S, 39 anos: que eu me lembre era bem pouco tempo em frete a TV, aos finais de semana. Já no caso do grupo das crianças observou-se um tempo muito maior em frente à TV, boa parte relatou assistir mais de 4 horas de TV todos os dias, Assisto quando chego da escola ás 17h30m até as 1h30 da manhã (T, 8 anos). A criança justifica que faz isso porque espera a mãe que é médica chegar do seu plantão.

    Conforme Debortoli, (apud GOMES, 2004). O que precisamos entender é que a própria TV também pode ser entendida como um tempo de brincadeira, contudo, precisa permanentemente de mediações, não deixando que a TV seja um mero preenchimento do tempo ou substituições das relações e interações desta criança. Infelizmente no caso das crianças da atualidade é o que parece estar acontecendo, devido à falta de tempo dos pais, a falta de segurança pública e estruturas que permitam que a criança vivencie experiências com o “mundo externo”. Desse modo, cada vez mais as crianças são empurradas para a frente da TV, e isso acarreta conseqüências no próprio brincar, pois as propagandas a que as crianças são expostas pretendem homogeneizar os gostos, a fim de vender o seu produto. Tal como refere Cavallari (2004, p. 17): “pessoas semelhantes buscam situações semelhantes de recreação”, e conseqüentemente na visão capitalista irão buscar situações semelhantes de consumo, pois as crianças são induzidas a gostarem do produto apresentado, fazendo a criança consumir mais e criar menos.

    Quanto à questão de com quem se brincava na infância, ouvimos relatos de brincadeiras com vizinhos, parentes e colegas de escola, contudo a grande maioria dos relatos dos idosos e adultos dizia respeito a brincadeiras com parentes – irmãos e primos- e vizinhos. Já no caso das crianças, em sua maioria relataram brincar com seus amigos da escola, poucos brincam com vizinhos, amigos ou familiares. Brinco só com meus amigos do SESC e da escola (E, 9 anos). Isso nos leva a duas observações, a primeira diz respeito à falta de tempo livre que estas crianças tem devido aos pais trabalharem muito e colocarem seus filhos em projetos de contra turno escolar, como no caso das crianças que freqüentam o SESC. A segunda observação nos faz refletir sobre o fato de que as famílias estão diminuindo em número de familiares, tal como as informações colhidas do site G1, “números do IBGE revelam que a família brasileira está menor. Em média, são menos de dois filhos por casal”.

    Houve também relatos de brincadeiras de roda e cantigas, e essas foram muito citadas por todos os públicos entrevistados. Talvez isso aconteça devido ao fato da adaptação dessas brincadeiras a diversos espaços. As cantigas de roda estão ligadas as brincadeiras do folclore dançadas ou cantadas e apresentam melodias e coreografias simples, podendo apresentar variações em sua forma. Sendo assim brincadeiras como esconde-esconde, pega-pega, passa anel, casinha, pular cordas, ovo choco, podem ser realizadas em grandes campos, como nos relataram os idosos, em ruas e calçadas, como observamos nos depoimentos dos adultos e até mesmo em espaços limitados como o que acontece com as crianças que vivenciam todas essas brincadeiras no SESC dentro de uma sala.

    Por fim, compreender toda essa transformação nos instrumentos lúdicos tornou-se uma grande viagem no tempo, indo de brincadeiras em grandes campos, passando por brincadeiras em calçadas e construções e chegando a brincadeiras em espaços reduzidos e várias horas na frente da televisão. E foi através dessa viagem no tempo, que percebemos que de uma maneira ou de outra, os instrumentos lúdicos não se extinguem, por se tratar de um reflexo sociocultural, apenas se adaptam a situação em que estes instrumentos lúdicos estão inseridos.

5.     É hora de ir para casa

    A ludicidade está presente em nossas vidas num período incalculável, podemos perceber que em certas fases ela se faz mais presente e é a razão pela qual vivemos num mundo de imaginação inovando, criando, brincando com o propósito de se divertir e ser feliz. Com este estudo sobre as gerações foi possível visualizar estas importantes fases que foram marcadas na vida de cada indivíduo. Quando buscamos investigar a transformação dos instrumentos lúdicos através do tempo pudemos obter respostas totalmente dissonantes, onde sujeitos de diferentes idades vivem/viveram em épocas distintas que foram marcadas por diferentes períodos históricos. A construção de um comparativo se fez necessário uma vez que trabalhamos com sujeitos de diferentes gerações, e assim pudemos analisar os dados e com estes estabelecer esta transformação dos instrumentos lúdicos.

    A busca por resultados nos levou além das entrevistas, observamos as reações, olhares e o comportamento de cada sujeito perante as recordações de sua infância. Através das entrevistas foi possível ir além das questões propostas, foi possível obter respostas cabíveis a cada recordação de momentos jamais esquecidos, apenas guardados na “caixinha” das lembranças. A cada grupo entrevistado foram reações diferentes. Com as crianças as respostas estavam mais afloradas nas atitudes do que em palavras, já com os adultos mesclaram momentos de recordações e de olhares preocupados para a infância de seus filhos, e com os idosos foram fortes os profundos e emocionantes momentos de pura recordação.

    Na construção de toda a investigação percebemos que a construção de brinquedos foi uma das questões onde podemos refletir profundamente, pois os idosos apresentaram, na maioria dos relatos, uma forte relação com a construção de brinquedos para que pudessem brincar nas ruas junto com os vizinhos e familiares, o que resultou em estranhar e até mesmo desconhecer as horas e horas que as crianças passam em frente à televisão, uma vez que muitos dos idosos nem á tinham. As crianças vivem num mundo tecnológico onde seus companheiros de brincadeiras na escola são os amigos e em casa são os aparelhos e brinquedos industrializados. Já os adultos acabaram transitando em meio aos relatos das duas gerações citadas acima: crianças e idosos.

    Recomendamos a continuação e um maior aprofundamento deste estudo, indo além das entrevistas, pois percebemos o quanto se faz necessário compreendermos sobre os acontecimentos diários, suas transformações e conseqüências.

Nota

  1. Cabe ressaltar que não entendemos a natureza como aquele elemento estático, separado e distante do homem e que por ele é modificado ou destruído. Entendemos que a própria construção humana é também da ordem da natureza. Porém, como nos relatos dos sujeitos entrevistados a noção de natureza é da ordem daquilo que é separado do homem, optamos por manter essa linha de pensamento a fim de nos mantermos fiéis as noções aludidas pelos sujeitos.

Referências

  • ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradutor: Guido Antonio de Almeida, Rio de Janeiro, Zahar Editores,1985.

  • CAVALLARI, Vinícius Ricardo. Trabalhando com a recreação. 7. ed. São Paulo: Ícone, 2004.

  • FERREIRA, Vanja. Educação física, recreação, jogos e desportos. Rio de Janeiro: 2. ed.: Sprint, 2006.

  • FREIRE, Elizabete dos Santos; REIS, Marise Cisneiros da Costa; VERENGUER, Rita de Cássia. Educação Física: pensando a profissão e a preparação profissional. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte. Barueri, SP, ano I, n.1, p. 39 - 46, 2002.

  • GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: 4. ed. Atlas, 2002.

  • GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: 4. ed. Atlas, 1994.

  • GOMES, Christiane Luce (Org.). Dicionário crítico do lazer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

  • GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. (Org.). Dicionário crítico de Educação Física. Ijuí: Ijuí, 2005.

  • GONZÁLEZ REY, Fernando. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. Tradutor: Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Perspectivas para o lazer: mercadoria ou sinal de utopia? In: MOREIRA, Wagner Wey (org.). Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1993. p. 181-196. 

  • MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lúdico, educação e educação física. Ijuí: 2. ed. Unijuí, 2003.

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