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Karatê shotokan: biomecânica dos golpes do kumitê de competição

Karate shotokan: biomecánica de los golpes de kumité de competición

Shotokan karate: biomechanics of the techniques of the kumite of competition

 

Mestre em Ciência da Motricidade Humana

pela Universidade Castelo Branco do Rio de Janeiro

Faixa Roxa de Karatê-Dô Tradicional de Estilo Shotokan

Nelson Kautzner Marques Junior

nk-junior@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A luta de competição do karatê shotokan tem duração de 3 minutos, mas os combates são decididos em segundos. Na luta de competição predomina ações ofensivas. O objetivo da revisão foi explicar a biomecânica dos golpes da luta de competição. O método selecionou no Google Acadêmico as pesquisas que determinaram os golpes mais utilizados na luta de competição através das palavras-chaves karatê shotokan, shotokan karate, karate, mae geri, mawashi geri e gyaku zuki. Foram incluídas duas revistas de artes marciais para determinar os golpes mais utilizados na luta de competição. Através dessas referências foi possível determinar os golpes mais utilizados na luta de competição do karatê shotokan. Os golpes são os seguintes: gyaku zuki, kizami zuki, oi zuki, mae geri, mae geri seguido de kizami zuki, kizami mae geri, mawashi geri, mawashi geri seguido de kizami zuki, kizami mawashi geri e kizami ashi barai seguido de gyaku zuki. Os resultados através da análise biomecânica dos golpes mostraram que nos socos acontece a 3ª Lei de Newton, todo o corpo atua no golpe e é fundamental a base baixa na execução do zuki. Os golpes com o membro inferior, em especial os chutes, foi evidenciado que todo o corpo participa do geri, o movimento preparatório e final do chute acontece com o joelho flexionado para gerar maior velocidade angular. Em conclusão, o conhecimento da biomecânica do golpe permite ao professor do karatê orientar seus atletas no “como fazer” e no “porque fazer” aquele movimento.

          Unitermos: Karatê. Golpe. Esporte. Kumitê.

 

Abstract

          The fight of competition of the shotokan karate has 3 minutes, but the fights finished in seconds. In fight of competition the attack technique is frequent. The objective of the review was to explicate the biomechanics of the attack techniques during the fight of competition. The method selected in Academic Google the researches that determined the attack technique frequent in fight competition by keywords karatê shotokan, shotokan karate, karate, mae geri, mawashi geri e gyaku zuki. The study used two magazines about martial arts for determine attack techniques in fight competition. The researches and magazines determined the attack techniques frequent in fight of competition of the shotokan karate. The attack techniques are: gyaku zuki, kizami zuki, oi zuki, mae geri, mae geri and after with kizami zuki, kizami mae geri, mawashi geri, mawashi geri and after with kizami zuki, kizami mawashi geri and kizami ashi barai and after with gyaku zuki. The results of the biomechanics analysis of the attack techniques determined that the punches occurred with Newton`s Third Law, all the body practice the punch and is important low base during the zuki. The attack techniques with the leg, in special the kicks, was to determined that all the body practice the kick, the preparatory and finish of the kick occur with the flexion of the knee for the action has high angular velocity. In conclusion, the knowledge of the biomechanics of the attack techniques is important for the karate teacher orient the athletes in “how to do” and in “because to do” the movement.

          Keywords: Karate. Techniques. Sport. Kumite.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 158 - Julio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O karatê-dô (Dô: caminho a ser seguido, ou seja, o aperfeiçoamento constante da arte marcial) foi criado pelos japoneses da ilha de Okinawa (SPIEZIA; MAFFULLI, 2010), tendo Funakoshi como pai do karatê-dô de estilo shotokan porque ele elaborou e estruturou como ensinar essa luta (MARTINS; KANASHIRO, 2010). Essa arte marcial é composta de socos, chutes, joelhadas e cotoveladas (KATIC et al., 2005; NUNAN, 2006). Podendo ser utilizada atualmente como defesa pessoal ou para fins esportivos.

    O shiai kumitê, que significa luta de competição, é um combate com duração de 3 minutos (ROSCHEL et al., 2009) numa área de 8x8 metros, os golpes só podem atingir o oponente no tronco (abdômen e peitoral) e a luta é interrompida, podendo ser reiniciada quando não acontece ponto ou ocorre waza-ari (golpe eficiente), também o árbitro pode acabar com a disputa, se acontecer um ippon (golpe perfeito) ou o segundo waza-ari (SASAKI, 1976). Apesar do shiai kumitê possuir um tempo de 3 minutos, as lutas costumam ser decididas numa média de 15 segundos, por causa da breve duração dos golpes (BESSA, 2009). O mesmo autor (2009) afirmou que 80% dos golpes são desferidos num período de menos a 50 centésimos, e 20% das ações de ataque são efetuadas entre 51 centésimos a 1 segundo e 30 centésimos. Portanto, o atleta do karatê shotokan para executar o golpe depende do sistema ATP-CP, da força rápida (BENEKE et al., 2004; VOLTARELLI et al., 2009) e do tempo de luta, ou seja, o momento exato para praticar a técnica de ataque sem que o oponente consiga defender e contra-atacar ou antecipar sua ação com um movimento ofensivo.

    Como os golpes de ataque dos karatecas são muito velozes, é muito difícil durante o shiai kumitê do atleta conseguir defender uma tarefa ofensiva, sendo utilizado como defesa a antecipação do golpe do oponente com soco e/ou chute (BLAZEVIC; KATIC; POPOVIC, 2006; MORI; OHTANI; IMANAKA, 2002; RAVIER; GRAPPE; ROUILLON, 2004), ou seja, no karatê shotokan a melhor defesa é o ataque de alta velocidade. Diacu (2003), Villani et al. (2009) atestaram essas afirmações nos seus estudos, mostrando que os socos são muito rápidos nessa arte marcial, o kizami zuki acontece num período de 56 centésimos e o gyaku zuki em 60 centésimos. O mesmo ocorre com os chutes, o mae geri kekomi é desferido em 58 centésimos, o kizami mawashi geri kekomi é efetuado em 61 centésimos e o mawashi geri kekomi é aplicado em 64 centésimos.

    Sabendo que no shiai kumitê predomina ações ofensivas (BOZANIC; BESLIJA, 2010; MILANEZ et al., 2009; ROBAZZA; BORTOLI; HANIN, 2004), torna-se interessante o estudo biomecânico dos golpes mais utilizados na disputa para o treinador do karatê orientar seus atletas com embasamento nesse conteúdo da Educação Física. Qual o motivo do karateca fazer o gyaku zuki e o braço que não faz o soco realizar rápida extensão do ombro? Porque na fase inicial do mae geri o joelho precisa estar muito flexiona? Consultando a escassa literatura do karatê shotokan (HALABBCHI; ZIAEE; LOTFIAN, 2007; IMAMURA et al., 2003; GIANINO, 2010; YOSHIMURA; IMAMURA, 2010), não foi encontrada nenhuma resposta para essas questões. Então, o objetivo da revisão foi explicar a biomecânica dos golpes do kumitê de competição.

Método

    Nesta revisão de literatura foram selecionadas pesquisas sobre os golpes utilizados no shiai kumitê (luta de competição) (ARBELLA et al., 2011; KOROPANOVSKI; JOVANOVIC, 2007 KOROPANOVSKI; DOPSAJ; JOVANOVIC, 2008; MARQUES JUNIOR, 2011; VILLANI; DISTASO, 2004). A coleta dos estudos aconteceu no buscador Google Acadêmico, sendo utilizadas as palavras-chaves karatê shotokan, shotokan karate, karate, mae geri, mawashi geri e gyaku zuki. Também foram incluídas duas revistas (D`ELIA, 1984; PAULA, 1990) específicas sobre artes marciais. Através dessas referências foi possível determinar os golpes mais utilizados na luta esportiva do karatê shotokan, que são: gyaku zuki tchudan (Tchudan: nível médio, ou seja, golpe localizado no tronco), kizami zuki tchudan, oi zuki tchudan, mae geri kekomi, mae geri kekomi seguido de kizami zuki tchudan, kizami mae geri kekomi (Kizami: curto, Kekomi: penetração, ou seja, golpe no tronco), mawashi geri kekomi, mawashi geri kekomi seguido de kizami zuki tchudan, kizami mawashi geri kekomi e kizami ashi barai seguido de gyaku zuki. A análise biomecânica dos golpes aconteceu através de livros e artigos de biomecânica básica e de livros online do karatê shotokan. Porém, como existem pouquíssimos estudos sobre biomecânica dos golpes do karatê shotokan, foram utilizados na discussão investigações do kung fu, do taekwon-dô, do boxe tailandês e do boxe para confrontar com os resultados dessa pesquisa.

Resultados e discussão

Soco

    O gyaku zuki é um dos golpes mais praticados pelos karatecas no ataque e no contra-ataque por causa da sua alta velocidade (SUWARGANDA et al., 2009), permitindo que o lutador consiga fazer ponto no shiai kumitê (EMMERMACHER; WITTE; HOFMANN, 2005). Também, esse soco é muito efetuado na antecipação ofensiva do oponente, costuma gerar para quem desferi o golpe waza-ari ou ippon (MARQUES JUNIOR, 2011). A figura 1 mostra o karateca na base livre e as setas correspondem às futuras movimentações dos braços, do quadril e dos membros inferiores.

Figura 1. Karateca preparado para executar o gyaku zuki

    O gyaku zuki consiste na rotação da pelve e posteriormente no arremesso do mesmo para frente (conhecido por báscula anterior da pelve ou inclinação anterior da pelve) quando é feito o soco com o braço de trás da guarda (NAKAYAMA, 2011). Essa movimentação da pelve ocasiona mais potência ao golpe porque a força do soco é realizada através da ação do membro superior (ombro e cotovelo), da pelve e da coluna vertebral (acontece rotação seguida da extensão quando o golpe é feito) (WANG; LIU, 2002). Simultâneo a essa movimentação da pelve, o braço da frente da guarda realiza em alta velocidade uma extensão do ombro, flexão do cotovelo e supinação rádioulnar (SOUZA, 2002). Esse movimento do braço que não faz o soco também gera mais potência ao golpe, segundo Hay e Reid (1981), quanto mais veloz o karateca fizer extensão do membro superior que não realiza o soco ele acarreta um torque igual e oposto ao braço que efetua o soco, ocasionando rotação da pelve. Portanto, aumenta a velocidade da ação do membro superior que vai fazer o gyaku zuki e a pelve também tende girar em alta velocidade. Essas duas forças iguais e opostas dos braços que causam rotação da pelve são denominadas de binário.

    A 3ª Lei de Newton Angular se manifesta na execução do gyaku zuki (HALL, 1993). Quando o atleta realiza torque para produzir a rotação da pelve posteriormente inclinação anterior do mesmo, necessita que a base esteja baixa e os pés fiquem bem fixados no solo para o lutador não perder o equilíbrio. Então, o torque gerado pela pelve (a ação) é transferido dos membros inferiores para o solo (a reação), ocasionando um torque de magnitude igual e em direção oposta. Essa reação do solo acarreta num aumento da velocidade da rotação da pelve e da báscula anterior do mesmo.

    No momento que o lutador efetua o binário pelos membros superiores ele precisa estar com a base baixa para manter o equilíbrio do atleta, ou seja, quanto mais baixo for o seu centro de gravidade, maior é a estabilidade (OKUNO; FRATIN, 2003). Equilíbrio é definido como a capacidade do karateca controlar a estabilidade, enquanto que estabilidade é a resistência do atleta do karatê shotokan para romper o equilíbrio. O centro de gravidade da base merece ser o mais próximo possível do chão porque esse posicionamento do joelho e do quadril proporciona menor força do karateca para sair dessa posição e ocasionar numa ação ofensiva mais rápida (NAKAYAMA, 2009). Porém, o tamanho da base de sustentação (Obs.: A distância que se encontram os pés) deve ser com apoio nem muito amplo e nem muito pequeno para permitir uma boa estabilidade e ao mesmo tempo os golpes, principalmente os chutes, podem ser efetuados com velocidade por causa da facilidade de romper a estabilidade. Essa base baixa com mediano apoio dos pés solo merece ser utilizada em todos os golpes do kumitê de competição.

    Outra iniciativa que os membros inferiores do esportista do karatê pratica quando está na base livre, fazendo o binário pelos braços e movimentando a pelve é realizar a 3ª Lei de Newton, ação e reação para executar o gyaku zuki com maior potência (NORIEGA, 2004). O pé de trás faz força contra o solo (a ação) e o mesmo executa um impulso contra o lutador que é projetado para frente (a reação), realizando na perna de trás da base rotação interna do quadril (Obs.: Essa rotação interna do quadril ocorre na ponta do pé ou em toda sola do pé) seguido de extensão do mesmo e do joelho, enquanto que a perna da frente acentua a flexão do quadril e do joelho, ocasionando um pequeno deslizamento do lutador no piso. A figura 2 apresenta o binário dos membros superiores, a ação da pelve e a movimentação dos membros inferiores do karateca na base.

Figura 2. Os braços do karateca efetuam o binário, a pelve pratica rotação (seta A) e posteriormente 

báscula anterior (seta B) e as pernas as respectivas ações para ocasionar um golpe com mais potência

    Quando o karateca faz o soco com o braço contrário da perna da frente da base zenkutsu dachi, o membro inferior frontal da base se posiciona com o quadril em flexão e o joelho também, e o tornozelo continua posicionado em dorsiflexão, enquanto que o quadril e o joelho do membro inferior de trás acentuam a extensão e o tornozelo permanece em dorsiflexão, mas os dedos do pé efetuam extensão (Obs.: O atleta fica na ponta do pé) ou permanece com toda a planta do pé no solo direcionado para frente com o intuito de uma dessas ações facilitarem a movimentação da pelve, da coluna vertebral e a ação dos braços durante o soco. O membro superior que não fez o golpe finaliza sua participação com a mão em forma de soco (Denominado de mão cerrada) na cintura, próximo da faixa. A figura 3 ilustra essas explicações.

Figura 3. Karateca finalizando o gyaku zuki na base zenkutsu dachi

    O atleta de karatê precisa estar atento na área de contato no oponente da mão que faz o gyaku zuki ou em qualquer soco, ela deve ocorrer no 2º e 3º metacarpo, para isso acontecer o punho precisa estar em adução. No final do soco, o lutador merece praticar uma força isométrica (o kime) para gerar mais potência do golpe (Obs.: O kime deve ocorrer em outros tipos de soco). A respiração durante o gyaku zuki ou em qualquer técnica ofensiva do karatê shotokan é diferente do habitual, o esportista deve armazenar ar no abdômen no percurso do golpe, somente quando o ataque toca no oponente que ele deve efetuar expiração do ar para liberar o máximo de energia interna durante o soco e/ou chute, gerando em mais força (SASAKI, 1978). Essa respiração precisa ser acompanhada do kiai (grito realizado para o golpe possuir mais força física e mental), onde o golpe é praticado com uma potência ainda maior (MASIC, 1987). Segundo Bastos (2011), Dintiman, Ward e Tellez (1999), quando o lutador fizer o golpe ele deve realizar simultaneamente o kiai e a expiração, nesse momento o karateca merece contrair todo o corpo, principalmente o abdômen, isso gera mais força no soco e/ou no chute e ao mesmo tempo protege os órgãos internos do atleta caso ocorra um contra-ataque no tronco.

    O kizami zuki é um soco efetuado com o braço da frente da guarda que possui alta velocidade e um forte impacto quando aplicado com a adequada ação da pelve, dos braços, da coluna vertebral e com a movimentação dos membros inferiores (LIU; WANG, 2002). A figura 4 mostra a execução do kizami zuki.

Figura 4. (A) Atleta na base livre preparado para realizar o kizami zuki e (B) em seguida fez o golpe

    O kizami zuki é feito com veloz participação da pelve porque é um golpe de curta duração (NAKAYAMA, 2011b). O atleta faz rotação da pelve para posicionar o tronco de frente e depois pratica inclinação anterior do mesmo quando executa o soco. Simultaneamente a essa ação, acontece rotação da coluna vertebral (o tronco é posicionado de frente) e depois extensão no momento do golpe. Caso o atleta faça kizami zuki e depois gyaku zuki, o lutador durante o kizami zuki pratica somente rotação da pelve e da coluna vertebral, onde o tronco fica de lado. Somada as forças geradas pela pelve e pela coluna vertebral, acontece a movimentação dos membros superiores, onde ocorre o binário, ou seja, aumenta a velocidade do braço da frente da guarda e da pelve para efetuar o soco (Faz flexão do ombro, extensão do cotovelo e pronação rádioulnar). O braço que não faz o golpe pratica extensão do ombro, supinação rádioulnar e flexão do cotovelo e direciona o punho cerrado na cintura próximo da faixa. Essa participação em conjunto da pelve, da coluna vertebral e dos braços gera maior potência ao kizami zuki (CHIU; SHIANG, 1999).

    Durante a execução do kizami zuki acontece a 3ª Lei de Newton Angular, quando o lutador realiza torque para produzir a rotação da pelve e/ou não báscula anterior do mesmo, a base costuma estar baixa e os pés ficam bem fixados no solo. Então, a força proporcionada pela pelve (a ação) é transferida dos membros inferiores para o solo (a reação), ocasionando um torque de magnitude igual e em direção oposta. Essa reação do solo acarreta num aumento da velocidade da rotação da pelve e/ou não da inclinação anterior do mesmo. A 3ª Lei de Newton (ação e reação) também atua no kizami zuki para gerar maior potência ao golpe (HAY, 1981). O pé de trás faz força contra o solo (a ação) e o chão executa um impulso contra o lutador que é projetado para frente (a reação), realizando na perna de trás da base rotação interna do quadril seguido de extensão do mesmo e do joelho, enquanto que a perna da frente acentua a flexão do quadril e do joelho, ocasionando um pequeno deslizamento do lutador no piso. O karateca finaliza a execução do kizami zuki no momento que o braço da frente da guarda faz o golpe, sendo o mesmo lado da perna da frente da base zenkutsu dachi.

    O oi zuki é um golpe muito potente por causa do veloz deslocamento para frente do karateca (OMURA, 2010). Somado a esse deslocamento, o lutador inicialmente realiza o golpe com rotação da pelve (MENZEL, 2001) para posicionar o tronco de frente e depois faz báscula anterior do mesmo quando realiza o soco. Nesse mesmo momento a coluna vertebral faz rotação (o tronco é posicionado de frente) e após efetua extensão na prática do golpe. Para gerar maior velocidade da pelve, da coluna vertebral, do soco e do deslocamento para frente, o atleta do karatê shotokan realiza o binário pelos braços. Todas essas ações aumentam a potência do golpe (LOCZI, 1985). Durante essa movimentação dos braços, da pelve e da coluna vertebral acontece o deslocamento do oi zuki, os membros inferiores fazem força contra o solo (a ação) e o chão executa um impulso contra o lutador que é direcionado para frente (a reação), ou seja, essa iniciativa aumenta a força do golpe, segundo Durward, Baer e Rowe (2001) acontece a 3ª Lei de Newton (ação e reação). Quando o karateca desliza para frente na base zenkutsu dachi ocorre o atrito cinético dos pés do lutador com o solo (OKUNO; FRATIN, 2003). Atrito é definido como uma força contrária à direção do movimento, acontecendo através do contato entre duas superfícies. Portanto, o atrito é comum no oi zuki ou em qualquer golpe do karatê shotokan, várias tarefas o atleta desliza o pé no solo. O karateca finaliza o oi zuki no momento que o braço de trás da guarda faz o golpe, sendo o mesmo lado da perna da frente da base zenkutsu dachi. A figura 5 ilustra todas as explicações anteriores.

Figura 5. (A) Atleta preparado para realizar o oi zuki, (B) atleta fazendo o golpe e (C) termina o soco

    A biomecânica dos três socos ocorre com a participação de todo o corpo do karateca para proporcionar máxima potência ao golpe (PINTO NETO, 2007). Portanto, o gyaku zuki, o kizami zuki e o oi zuki utilizam na sua execução a movimentação da pelve, o binário pelos membros superiores e a 3ª Lei de Newton (ação e reação) pelas pernas, com o intuito do soco ser efetuado com o máximo de força (GULLEDGE, 2007; SANTIAGO; MARTINS, 2009). Então, pode-se constatar similaridade entre esses três tipos de soco por causa da técnica esportiva eficaz para desferir o golpe. Também foi evidenciado que outras artes marciais como o kung fu da China (BOLANDER; PINTO NETO; BIR, 2009) e o taekwon-dô da Coréia do Sul (LEE; LEE, 2010) utilizam biomecânica muito parecida com o soco do karatê shotokan por causa da qualidade que essa técnica ocasiona à tarefa ofensiva.

    Entretanto, consultando referência do boxe (MARIANTE NETO, 2010) e do boxe tailandês (FALKENBACH, 2005) a biomecânica do soco do karatê shotokan não oferece proteção ao rosto quando o atleta faz o golpe. Isso ocorre por causa do binário realizado pelos braços, para fins esportivos no karatê, não proteger o rosto não tem problema, a atividade de ataque só vale na parte da frente do tronco, mas numa disputa de MMA ou num ato de defesa pessoal, o atleta precisa estar atento nessa deficiência que o soco gera ao sistema defensivo. Tarefa que é sempre praticada pelo lutador de boxe e dos seus similares, quando o esportista soca uma das mãos fica próxima ao rosto para acarretar menos chance de nocaute (KWON et al., 2008). Em conclusão, a prática do binário pelos membros superiores aumenta a potência do soco, em contrapartida, não ocasiona proteção ao rosto do atleta de karatê, estando mais sujeito a um nocaute.

Chute ou golpe com o membro inferior seguido de soco

    O mae geri é um dos chutes mais utilizados no karatê shotokan de competição porque é o golpe mais rápido com o membro inferior (DODER; DODER, 2006; RODRIGUES; RODRIGUES, 1984) e possui muita potência quando acertado no oponente (DWORAK; DZIEWIECKI; MACZYNSKI, 2005), gerando muitos pontos durante a disputa (MARQUES JUNIOR, 2011). Vários karatecas costumam aplicar o mae geri por causa da facilidade de executar esse ataque (ROBERTSON et al., 2002). Apesar do mae geri ser um golpe simples, quando é feita a análise biomecânica dessa técnica é evidenciado que estão envolvidas muitas articulações quando o chute é desferido (WITTE; EMMERMACHER; LANGENBECK, 2010). As articulações atuantes no mae geri são compostas pelo tornozelo, joelho, quadril, pelve e coluna vertebral (AGUDELO et al., 2010). Os braços atuam indiretamente nesse golpe na atividade de equilíbrio do lutador.

    O mae geri é iniciado com o karateca na base livre preparado para efetuar esse golpe. Como o lutador se encontra de lado, ele faz rotação da pelve e da coluna vertebral para posicionar o tronco de frente, imediatamente inicia báscula anterior da pelve para facilitar na flexão do quadril, também faz extensão da coluna vertebral e simultaneamente realiza máxima flexão do joelho, proporcionando que o calcanhar fique próximo da coxa (CARVALHO; PESSOA; SOUZA, 2005). Existem duas explicações para essa acentuada flexão do joelho: a primeira, a perna bem flexionada evita que o oponente segure o membro inferior do karateca que vai desferir o golpe (D`ELIA, 1987) e também, quanto mais perto às partes do corpo estiverem do centro de rotação, maior a velocidade angular do quadril durante a preparação para o golpe (BARBANTI, 2010). Outro conteúdo biomecânico que fundamenta a elevação da perna com joelho bastante flexionado é explicado por Costa (1996), conhecer as alavancas permite ao professor elaborar uma atividade com maior ou menor braço de resistência (BR), ou seja, fazer flexão do quadril e báscula anterior da pelve com o joelho muito flexionado ocasiona menor esforço na fase inicial do golpe, consequentemente menor BR. A perna de apoio, que se encontra no solo, faz rotação externa do quadril, o joelho continua em flexão e o tornozelo permanece em dorsiflexão. Durante a preparação do chute o braço da frente da guarda se posiciona protegendo o rosto e o tronco do karateca, enquanto o outro defende o abdômen e com o cotovelo semiflexionado. Ambos os braços fornecem equilíbrio ao esportista. A figura 6 ilustra esses ensinamentos.

Figura 6. (A) Atleta na base livre e (B) preparando para praticar o chute com a perna de trás

    A perna que estava preparada para chutar, o lutador acentua a báscula anterior da pelve com máxima velocidade, ao mesmo tempo faz extensão do joelho e da coluna vertebral, a ação dessas três articulações aumenta a potência do chute (WITTE; JACKSTIEN, 2008). Quando é desferido o golpe os dedos dos pés praticam extensão e o tornozelo efetua flexão plantar. A perna de apoio e os braços permanecem posicionados similares a fase anterior. A figura 7 mostra esses ensinamentos.

Figura 7. (A) Karateca fazendo extensão do joelho e báscula anterior da pelve (ver a seta), (B) em seguida realiza o chute

    O mae geri ou qualquer chute realizado com a perna de trás da base possui mais força no golpe do que com o membro inferior da frente por causa da maior aceleração angular (LEE; CHIN; LIU, 2005). O alvo do chute possui diferença quando o atleta efetua o mae geri ou outro tipo de chute, no tronco ocasiona maior velocidade e consequentemente maior força de impacto quando comparado com o golpe desferido no rosto (KIM, 1990). Outro quesito importante é o lado que é executado o mae geri ou outro chute, como no karatê shotokan trabalha muito a lateralidade, não existe diferença significativa (p>0,05) no golpe com a perna esquerda e direita (OLIVEIRA et al., 2008). Portanto, essas informações são relevantes quando o karateca for aplicar o ataque com o membro inferior.

    Depois que o karateca faz o mae geri, ele faz rápida flexão do joelho para gerar veloz movimento angular de extensão do quadril (RASCH, 1991) e não permitir que o oponente pegue na sua perna. No momento que o lutador está recolhendo o membro inferior ele também efetua báscula posterior da pelve e flexão da coluna vertebral. Durante essa ação, os membros superiores fornecem equilíbrio ao atleta e ao mesmo tempo protegem o tronco e o rosto. Quando o pé começa a pousar no solo, ele deve aterrissar sem uma queda brusca para ocasionar menos impacto as articulações (HALL, 1993) e de preferência, o toque no solo merece ser com mínimo de barulho que permite determinar uma boa queda do membro inferior. A figura 8 completa essas explicações.

Figura 8. (A) Atleta recolhendo a perna e báscula posterior da pelve (ver a seta), (B) finaliza o chute com a aterrissagem do pé no solo

    O mae geri seguido de kizami zuki é uma norma do karatê shotokan, sempre que chutar o atleta merece cair no solo socando (PAULA, 1990), isso acontece até no 2º kata (heian nidan) (NAKAYAMA, 2011c). Essa iniciativa é muito eficaz no esporte, caso não consiga fazer ponto com chute terá oportunidade de realizar waza-ari ou ippon com soco. Também extremamente útil na defesa pessoal, após um chute o karateca fará imediatamente um soco não dando chance ao agressor (D`ELIA, 1988).

    O mae geri seguido de kizami zuki possui a mesma biomecânica do mae geri, exceto uma movimentação difere do primeiro. Quando o atleta está fazendo flexão do quadril acompanhado da báscula anterior da pelve e da extensão da coluna vertebral, o joelho pratica flexão para gerar maior velocidade angular do movimento preparatório para o chute. Nesse momento, a mão que estava atrás da guarda fixa na cintura, próxima da faixa, com o intuito de se posicionar para o futuro soco (Essa é a ação diferente). O outro membro superior atua protegendo o rosto e o tronco. A figura 9 mostra o ocorrido.

Figura 9. (A) Atleta na base livre, (B) preparando para praticar o chute com a perna de trás e com a mão na cintura para realizar futuramente o soco

    Durante toda ação inicial e final do chute o karateca pratica os mesmos movimentos descritos no mae geri, mas permanece com o punho cerrado na cintura, pronto para o futuro kizami zuki. A figura 10 apresenta os detalhes dessa ação.

Figura 10. (A) Karateca fazendo extensão do joelho e báscula anterior da pelve (ver a seta), (B) em 

seguida realiza o chute. No momento dessas ações a mão permanece na cintura, preparada para o soco

    Depois que o karateca faz o mae geri, ele faz rápida flexão do joelho para gerar veloz movimento angular de extensão do quadril (Mesma ação do mae geri), nesse momento o lutador efetua o binário, ou seja, o braço que protegia o tronco e o rosto faz extensão do ombro enquanto que a mão que estava na cintura realiza flexão do ombro para iniciar o soco. Quando o pé aterrissa no solo o esportista realiza o kizami zuki na base zenkutsu dachi. A figura 11 facilita o entendimento das explicações.

Figura 11. (A) Atleta recolhendo a perna, fazendo báscula posterior da pelve (ver a seta) e 

efetuando o binário pelos braços. (B) O lutador finaliza o chute com a aterrissagem do pé no solo

    O kizami mae geri acontece quando o karateca faz o chute com a perna da frente da base livre (D`ELIA, 1984). A técnica de executar esse golpe é a mesma do mae geri, somente a ação de flexão do quadril realizada com o membro inferior de trás da base para facilitar o movimento preparatório do chute que difere. A figura 12 apresenta essa ação.

Figura 12. (A) Atleta na base livre, (B) realiza flexão do quadril com o joelho semiflexionado para facilitar a execução do golpe

    O mawashi geri é um chute semicircular muito eficaz no karatê shotokan porque consegue penetrar no oponente mesmo quando ele está de lado na base livre. Esse chute lateral possui muita velocidade e alto impacto, costumando proporcionar ponto ao karateca (EMMERMACHER et al., 2007). Por causa da eficiência do mawashi geri, ele é muito utilizado na luta de competição, 6,63% são pontos oriundos desse golpe (DODER et al., 2009). Também, o mawashi geri quando combinado com soco durante o ataque proporciona alta probabilidade de waza-ari ou ippon (KATIC et al., 2009).

    O karateca posiciona na base livre inicia o mawashi geri através da rotação da pelve e da coluna vertebral, o membro inferior de golpe faz rotação interna do quadril com o joelho em flexão, proporcionando que o calcanhar fique próximo da coxa (ANDRIES et al., 1994). Essa flexão do joelho permite uma maior velocidade angular do quadril durante a preparação para o chute (WIRHED, 1986). A perna de apoio, que se encontra no solo, faz rotação externa do quadril, o joelho continua em flexão e o tornozelo permanece em dorsiflexão. Durante a preparação do chute o braço da frente da guarda se posiciona protegendo o rosto e o tronco do karateca, enquanto o outro atua na defesa do abdômen e com o cotovelo semiflexionado. Ambos os braços também fornecem equilíbrio ao esportista. A figura 13 mostra a fase inicial do golpe.

Figura 13. (A) O atleta na vista lateral se encontra na base livre. (B) O karateca na vista frontal preparando para praticar o chute com a perna de trás

    A perna que estava preparada para realizar o mawashi geri, o lutador continua a rotação da pelve e da coluna vertebral com máxima velocidade, também continua a rotação interna do quadril e ao mesmo tempo efetua extensão do joelho, a ação dessas articulações aumenta a potência do chute. Quando é desferido o golpe o karateca pode tocar no oponente com o dorso do pé (faz flexão plantar) ou com a ponta dos pés (os dedos praticam extensão). A perna de apoio e os braços permanecem posicionados similares a fase anterior. A figura 14 mostra o chute.

Figura 14. Karateca na vista posterior fazendo o mawashi geri

    Depois que o lutador faz o mawashi geri, ele flexiona rápido o joelho para gerar veloz movimento angular de adução do quadril e posteriormente extensão do mesmo (WITTE et al., 2007) e não permitir que o oponente pegue na sua perna. Quando o atleta está recolhendo o membro inferior ele também efetua rotação da pelve e da coluna vertebral. Durante essa ação, o quadril da perna de apoio realiza rotação interna e o joelho permanece em flexão. Os membros superiores fornecem equilíbrio ao atleta e ao mesmo tempo protegem o tronco e o rosto. Quando o pé começa a pousar no solo, ele deve aterrissar sem uma queda brusca para ocasionar menos impacto as articulações. A figura 15 expõe essas ações.

Figura 15. (A) Atleta recolhendo a perna e rotação da pelve (ver a seta), (B) finaliza o chute com a aterrissagem do pé no solo.

    O mawashi geri seguido de kizami zuki possui a mesma biomecânica do mawashi geri, e também acontece igual movimentação dos braços do mae geri seguido de kizami zuki, o karateca faz o chute com a mão cerrada na cintura e depois efetua o binário para iniciar o soco e termina o kizami zuki na base zenkutsu dachi quando o pé aterrissa no solo. Portanto, esse foi o motivo do autor não escrever a execução do golpe e de não utilizar figuras para maior compreensão do chute. O mesmo aconteceu com o kizami mawashi geri, é o chute praticado com o membro inferior da perna da frente. A técnica de executar esse golpe é a quase mesma do mawashi geri, a ação de flexão do quadril realizada com o membro inferior de trás da base para facilitar o movimento preparatório do chute que difere (Ensinada no kizami mae geri). Também, durante a fase preparatória do chute o atleta faz uma breve abdução do quadril e logo depois rotação interna do mesmo, sendo movimentos diferentes do mawashi geri. As demais ações são iguais ao mawashi geri.

    O kizami ashi barai seguido de gyaku zuki é um golpe que geralmente ocasiona ippon porque o oponente não tem como se defender (MARQUES JUNIOR, 2011). Para surtir efeito essa técnica ofensiva ou qualquer ataque do karateca é necessária velocidade durante a execução da tarefa (STERKOWICZ; FRANCHINI, 2009). O kizami ashi barai é uma rasteira praticada com a perna da frente da base no qual o lutador faz adução do quadril e mínima flexão do joelho com o intuito de derrubar o oponente no solo. Quando o adversário cai no chão, o atleta de karatê efetua o gyaku zuki (O gyaku zuki tem a mesma biomecânica explicada anteriormente) sem contato no oponente porque a regra determina que preserve a integridade física do competidor no solo. A figura 16 e 17 ilustra a execução desses golpes.

Figura 16. (A) Atleta na base livre e (B) depois praticando o ashi barai

Figura 17. (A) Quando o oponente está caindo o karateca faz o binário e a movimentação da pelve para iniciar o gyaku zuki. (B) O lutador completa o golpe realizando o gyaku zuki

    O mae geri (chute frontal) e o mawashi geri (chute semicircular) são os chutes mais utilizados no karatê shotokan porque são golpes muito rápidos quando bem executados, não permitindo defesa do oponente. Esses dois chutes são efetuados em outras artes marciais, mas com outro nome, o caso do taekwon-dô (VIRDI et al., 2009; WASIK, 2007). Um dos motivos do uso dessas técnicas é que na fase preparatória do golpe o lutador flexiona o joelho para gerar máxima velocidade angular do quadril, isso torna o ataque mais veloz, dificultando um contra-ataque ou antecipação de golpe do oponente quando o chute é desferido (HWANG, 1986). Também, torna-se atraente fazer o mae geri e o mawashi geri porque a trajetória desses ataques é breve e o lutador está de frente para seu adversário, não acontecendo com outros chutes do karatê.

    Entretanto, apesar desses chutes serem muito aplicados no karatê shotokan, eles expõem o lutador a um contra-ataque ou antecipação de golpe do adversário, por esse motivo o soco costuma ser mais usado (ROSCHEL et al., 2009). Existem alguns fatores que podem contribuir com a maior prática do chute, elas são: a distância que o atleta se encontra do adversário (ESTEVAN et al., 2010), a estatura do lutador - karatecas mais altos merecem utilizar mais as pernas para colocar os atletas mais baixos em longa distância (KATIC et al., 2005), as características do adversário e a oportunidade que o atleta possui na luta de utilizar um chute.

    O ashi barai não pode ser confrontado com a literatura porque não foi achada nenhuma evidência científica.

Conclusão

    A biomecânica dos golpes do kumitê de competição é importante do professor conhecer o motivo que uma técnica de ataque é utilizada com uma ação e não com outra. Então, o conhecimento da biomecânica do golpe permite ao professor de karatê orientar seus atletas no “como fazer” e no “porque fazer” aquele movimento.

REFERÊNCIAS

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 158 | Buenos Aires, Julio de 2011  
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