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O jogo enquanto conteúdo escolar na abordagem crítico-superadora

El juego como contenido escolar desde el enfoque crítico-superador

The game as scholastic content in the critical-overcoming approach

 

*Licenciada em Educação Física, Centro de Educação Física e Desportos, UFSM

Professora do Município de Caxias do Sur

**Doutor em Educação Motora (UNICAMP)

Professor Associado do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM

(Brasil)

Vanderléia Maschio*

vandeef@hotmail.com.br

João Francisco Magno Ribas**

ribasjfm@hotmail.com.br

 

 

 

 

Resumo

          A preocupação em realizar este estudo visou compreender o jogo enquanto elemento da cultura corporal dentro da abordagem crítico-superadora no que tange o conteúdo jogo desenvolvido na escola básica de forma a contribuir com a prática pedagógica de professores de Educação Física. O trabalho desenvolveu-se nos seguintes momentos: o conceito de jogo; discussão sobre o jogo enquanto conteúdo da Educação Física escolar; e, por fim, uma discussão comentada, com base em um exemplo prático de aula desenvolvido junto turmas de 5ª série segundo as orientações da abordagem crítico-superadora. O jogo deve ser desenvolvido sobre um atento olhar pedagógico em que o lúdico, a cultura venham a convergir com os objetivos.

          Unitermos: Jogo. Ensino. Conteúdo. Educação Física Escolar.

 

Resumen

          Este estudio se preocupado por entender el juego desarrollado en los programas de Educación Física de la escuela primaria como parte de la cultura corporal con base en la orientación teórica del enfoque crítico-superador para contribuir con la práctica pedagógica de los docentes. Trabajamos en los siguientes momentos: el concepto de juego; el debate sobre el juego como contenido de la Educación Física escolar; y, por último, realizamos una debate comentado con base en un ejemplo práctico de clase desarrollado con turmas de 5º grado segundo orientaciones del enfoque crítico-superador. El juego debe ser desarrollado sobre una atenta mirada pedagógica en que el lúdico y la cultura converjan con los objetivos.

          Palabras clave: Juego. Enseñanza. Contenido. Educación Física Escolar.

 

Abstract

          The concern in performing this study aimed to understand the game as part of the corporal culture within the critical-overcoming approach with regard the content of the game developed in elementary school to contribute with the pedagogical practice of teachers of Physical Education. The work was developed in the following moments: the concept of game, discussion about the game as content of the Physical Education School; and finally, a commented thread, based on a practical example of class developed with the classes of 5th grade according guidelines of the critical-overcoming approach. The game must be developed on a careful pedagogical look where the playful, the culture will converge with the goals.

          Keywords: Game. Education. Content. Physical Education School.

 

Trabalho apresentado no Encontro Internacional de Jogos Tradicionais em Aranda de Duero, Burgos, Espanha, no período de 9 a 12 de julho de 2009.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A motivação para realizar este trabalho é proveniente da prática pedagógica, fomentada a partir de discussões com colegas no grupo de estudo e no estágio profissionalizante durante o curso de graduação em Licenciatura em Educação Física. Esses momentos foram fontes de algumas inquietações sobre como tratar os conhecimentos da Cultura Corporal na Educação Física Escolar, sem reduzí-los a uma simples prática pela prática, ou esportivizá-los na lógica do selecionamento e da competição, ou, ainda, justificar sua permanecia nos currículos escolares como promotora de saúde.

    Segundo o entendimento de cultura corporal o movimentar-se é visto “como uma forma de comunicação, que é constituinte e construtora de cultura, mas também, possibilitada por ela” (BRACHT, 1997a). O jogo é uma manifestação cultural sendo preciso, portanto, de um trato pedagógico na escola. Ele não pode ser utilizado, somente, em momentos recreativos destituído de uma abordagem sobre sua origem cultural (jogos tradicionais) e, sim, ser incorporado conjuntamente com o objetivo pedagógico na realização da aula de Educação Física.

    Um dos locais de maior expressão e utilização do jogo na escola tem sido na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo que, nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, os esportes predominam nas aulas de Educação Física. Em alguns casos, o jogo vem sendo utilizado como meio de ensinar o esporte (jogos pré-desportivos), como recreação ou relaxamento e, não como uma manifestação cultural e pedagógica, detentor um saber. Ribas (2002, 2006), procurou estabelecer através da análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - como o conhecimento praxiológico poderia contribuir com o ensino da Educação Física na escola. O autor constatou, entre outros resultados, o descuido ainda existente no trato pedagógico com os jogos tradicionais e a força com que o esporte é enfatizado na proposta dos PCNs, a partir do qual, muitas instituições de ensino se valem para elaborar a proposta de trabalho pedagógico da Educação Física.

    A falta de orientação pedagógica e de base teórica para o ensino dos jogos na cultura escolar tem sido um dos desafios que nos estimulam a investigar esse tema. O jogo, ao ser tematizado na escola, perde seu caráter estritamente lúdico, já que, a ele é incorporado ao objetivo pedagógico da aula de Educação Física. Na busca de aprofundarmos essas reflexões, em nível teórico e de nos aproximarmos da necessidade de um olhar pedagógico, procuramos dentro da abordagem crítico-superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992), enfatizar sua importância na formação dos alunos na produção de valores, sentidos e significados, bem como, a relevância das práticas corporais a partir do jogo. A abordagem crítico-superadora nos fornece subsídio teórico para desenvolvermos nossas práticas, assim como, trás em sua proposta, orientações quanto à distribuição dos conteúdos pelos ciclos de escolarização e quais aspectos pode-se abordar em cada conteúdo.

    É sabido que entre os jogos tradicionais ou jogos que são criados, podem reproduzir os princípios do esporte institucionalizado, que estimulam uma competição exacerbada, que podem vir a discriminar e excluir seus participantes baseados em estereótipos, condição social, gênero e valores não adequados aos princípios humanos e sociais. Provém, a partir disso, a necessidade de tratar o conteúdo jogo com orientações claras para uma prática pedagógica. Assim, como desenvolver o conteúdo do jogo a partir da concepção de ensino da abordagem crítico-superadora? O que deve ser abordado no ensino do jogo? Quais os conhecimentos que permeiam a cultura do jogo?

    A tarefa proposta nasce da necessidade de compreender como deve ser tratado o conteúdo jogo com base na abordagem crítico-superadora sistematizada na obra Metodologia do Ensino de Educação Física (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Para iniciarmos o debate, entendemos que é preciso conhecer e delimitar o que pensam os autores sobre o conceito de jogo. Em seguida, uma discussão sobre o jogo enquanto conteúdo, tratando de abordar o sentido deste tema para a Educação Física Escolar. No terceiro momento, uma breve caracterização de alguns elementos da abordagem crítico-superadora relacionado à temática jogo, para em seguida, apresentamos uma discussão comentada, valendo-se de um plano de aula aplicado com a temática jogo, elaborado a partir dos passos propostos por Saviani (2005).

Discutindo o conceito de jogo

    O jogo, enquanto um dos elementos do conteúdo da Educação Física escolar, juntamente com a ação docente, tem um papel importante no desafio de educar, visto que, como conteúdo, é parte significativa da cultura humana. O jogo permite comportamentos plásticos tanto da criança, do adolescente e do professor sobre sua estrutura e nas inúmeras possibilidades de criar e agir a partir dele, por não ser marcado pela mão da regulação internacional, e, ter suas origens ou práticas, próprias de um grupo social.

    O conceito de jogo, ao longo da história, tem assumido papéis diferenciados para adultos e crianças na constituição da família e da sociedade. As tentativas em se conceituar o termo jogo são passíveis de várias interpretações, devido, ao mesmo ser empregado em vários âmbitos: na lingüística, na economia, na psicologia, etc., todos direcionados de acordo com as suas proposições. Qualquer atividade que não tenha uma utilidade aparente, que não se destine a cumprir uma tarefa, que não tenha um objetivo externo, pode ser considerada como um jogo. Desta forma, buscamos levantar alguns conceitos, que irão nos ajudar a situá-lo como conteúdo escolar de Educação Física, baseado em escritos de autores da área da Educação Física e autores clássicos.

    Elkonin (1998) reforça a dificuldade, que ao logo da história, os pesquisadores e estudiosos vem enfrentando para conceituar o termo jogo. Para os gregos, o termo significa ações próprias das crianças; para os judeus, gracejo e riso; para os romanos, a palavra ludo significava alegria, regozijo, festa. Posteriormente, a palavra jogo passou a significar todas as ações humanas que não requerem trabalho e proporcionam prazer e alegria. Caillois (1990) diz que “uma característica do jogo não é criar nenhuma riqueza, nenhum valor. Por isso se diferencia do trabalho e da arte” (p. 25). De acordo com esse entendimento, o autor, considera o jogo como uma atividade livre, delimitada, incerta, improdutiva, regulamentada e fictícia.

    Para Huizinga (1971) o jogo é um fenômeno cultural, um elemento que antecede a própria cultura (o autor entende cultura no momento que pressupõe uma organização humana na percepção de que a cultura não nasce do jogo, mas no jogo), carregados de valores e significados atribuídos a ele por seus praticantes. O autor conceitua jogo como

    (...) uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana” (p. 13) .

    Caillois (1990) afirma que o jogo é anterior a cultura, portanto, considera ser menos relevante investigar quem precedeu quem, mas entender as relações de interdependência entre o jogo e a cultura. Dessa forma, o autor explica ser possível compreender a sociedade a partir de seus jogos, pois os mesmos advêm das relações anteriormente estabelecidas.

    O jogo enquanto fim exclusivo para a aprendizagem do esporte (jogos pré-desportivos) acaba por incorporar algumas orientações estabelecidas pelo sistema capitalista que seleciona, exclui e marginaliza os que o praticam. Visto da possibilidade de incorporação de valores de exclusão e discriminação do esporte de alto rendimento ao jogo, levanta-se a pergunta: o que diferencia o jogo do esporte? Mesmo sendo um tema para outro artigo, precisamos situar estes dois conceitos no presente debate.

    O esporte acabou por resultar, em sua maioria, da esportivização de práticas corporais e culturais das classes populares, como jogos tradicionais/populares, que foram incorporados pela nobreza inglesa. No decorrer do desenvolvimento do esporte no interior da cultura inglesa, onde se deu início a esportivização, segundo Bracht (1997b), esta prática assumiu as características básicas da sociedade capitalista industrial, como a competição, o rendimento, o recorde, a racionalização e a cientificização do treinamento.

    Com a industrialização e a urbanização modificaram-se as condições de vida da população, sendo assim, os jogos já não eram compatíveis e não possuíam o mesmo espaço na configuração dessa nova realidade. Assim, os jogos tradicionais foram sendo desvinculados de seus significados - festas, colheita, religião,..., de forma que vieram a se tornar esportes, ou, deviam cair no esquecimento, chegando até mesmo a ser proibida a sua prática.

    Concordamos com Freire (2002) no sentido de considerar que o esporte não é uma instância superior ou separada, pois os jogos não devem ser tratados com o objetivo final de desenvolver o esporte e sim, com o propósito de contribuir com a formação dos sujeitos. Parlebas (2001) faz uso da denominação jogo esportivo agregando tanto os jogos esportivos tradicionais e jogos esportivos institucionalizados. Na perspectiva de delimitar as fronteiras entre jogo e esporte, com bases no entendimento de Pierre Parlebas, vamos fazer uso do conceito jogo esportivo tradicional. No entanto, não utilizamos o termo jogo esportivo tradicional porque, no contexto brasileiro, essa terminologia poderá confundir ainda mais a compreensão e remeter a discussões mais complexas como o fenômeno esportivo, o jogo tradicional, o jogo esportivo etc. Assim, optamos por utilizar simplesmente o termo jogo.

    O estudo sustenta-se nos parâmetros estabelecidos por Parlebas (2001), para caracterizar o jogo: 1) está ligado à tradição de uma determinada cultura – são atividades relacionadas ao tempo livre, religião, colheitas, estação do ano, espaços urbanos, elementos típicos de um determinado grupo social; 2) é regido por um corpo de regras flexíveis que admitem muitas variantes, em função dos interesses dos participantes; 3) não depende de instâncias oficiais – as atividades acontecem a partir da organização local ou regional de um grupo social, de acordo com suas necessidades e interesses; 4) está à margem dos processos sócio-econômicos – o jogo, mesmo sofrendo influência desses processos, não depende diretamente deles para acontecer, diferente do que acontece nos esportes, que estão estritamente relacionados aos processos de produção e consumo; e 5) têm o movimento como principal forma de atuação, ou seja, os quais acontecem em tempo real, em que o movimento se constitui na principal forma de participação na atividade.

    O jogo, ao longo da história, se fez presente na forma de vida das pessoas e na sociedade, aonde veio a ocupar espaços e tempos diferenciados, atribuindo-se significados e sentidos diversos em cada cultura. Na contemporaneidade, o jogo se faz presente, no mundo da infância e na memória dos adultos, nos eventos culturais de diversas etnias e, também no espaço formal de ensino - a escola. A seguir faremos um aprofundamento sobre a temática jogo escolar, de forma a abordar seu uso enquanto conteúdo ou como meio; suas possibilidades de ação, seu caráter lúdico e o objetivo pedagógico atribuído pelo professor.

O jogo enquanto conteúdo escolar

    Iniciaremos pensando, qual é o espaço do jogo na escola? Em que momentos ele acontece? Quais são seus objetivos? Apontamos três formas distintas em que o jogo acontece na escola: como meio para ensinar conteúdos; na aula de Educação Física e no recreio. Em cada um desses espaços, dois formais e um informal, observamos que na primeira o jogo possui uma ação secundária para atingir outro objetivo, ou seja, a aprendizagem de conhecimentos pelos alunos; na segunda ele tanto pode ser utilizado pela sua ludicidade enquanto descontração ou no sentido esportivizado (onde pode ocorrer a sobrepujança dos princípios do esporte de rendimento sobre o lúdico, já tratado por SANTIN, 2001), ou ainda, enquanto um saber da cultura corporal e, por fim, no recreio onde o que interessa é o jogar, um jogar livre, subjetivo, prazeroso.

    Mas que perspectivas ou orientações para desenvolver o jogo enquanto conteúdo da Educação Física e, portanto como elemento da cultura corporal? Rangel (2005) coloca três possibilidades de trabalhar o conteúdo jogo nas aulas de Educação Física: reproduzir, transformar e criar. Quando fala-se em reproduzir não é no sentido de que isso seja danoso ao aluno, mas sim, no sentido de resgatar e trabalhar com jogos tradicionais como patrimônio cultural, por exemplo o xadrez, o papagaio, o peão, o pega-pega, entre outros. Contudo, não podemos nos limitar a simplesmente reproduzi-los, devemos conhecer sua história e compreender a sua origem. Os jogos tradicionais, por serem muito antigos, acabaram sendo transmitidos oralmente pelas gerações, ficando assim, difícil identificar os autores e suas nacionalidades, evidenciado por ser manifestação com características de anonimato, de tradicionalidade, de transmissão oral, de conservação, de mudança e universalidade (KISHIMOTO, 1999).

    Freire (1994) observou que o jogo pode ser transformado e os alunos podem desenvolver a criatividade, a cognição e resolver problemas, ou seja, ao se apropriarem desse conteúdo favoreça a possibilidade de agir sobre ele. Muitos jogos podem ter sua lógica transformada, além de situações de adequação de material e espaço físico, para evitar a exclusão, gênero, discriminação entre outras.

    Por fim, o jogo também pode ser criado. Os alunos e o professor vão partir de alguma(s) forma(s) de jogar, já conhecida pelo grupo. A invenção/criação é algo estimulante para crianças e adolescentes, seja ela individual ou coletiva, em que permite que o aluno exteriorize sua capacidade criativa, bem como, a criar um jogo em que suas aspirações enquanto ser humano sejam contempladas, permitindo sempre novas mudanças em suas regras e estrutura.

    A lógica que o jogo assume na prática pedagógica deve ser significativa, não devendo abandonar, totalmente, seu caráter lúdico para cumprir unicamente seu objetivo pedagógico. Campagne citado por Kishimoto (1998) coloca que jogo de função lúdica, pode oferecer diversão, prazer e até mesmo desprazer, mesmo quando, ele é escolhido de forma voluntária. Quando o jogo é utilizado em uma função educativa pode ensinar várias coisas que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e na forma de ver o mundo. Kishimoto (1998) nos alerta para a necessidade, de buscar o equilíbrio entre a função lúdica e a função educativa nas aulas, pois “[...] o desequilíbrio provoca duas situações: não há mais ensino, há apenas jogo, quando a função lúdica predomina ou, o contrário, quando a função educativa elimina todo o hedonismo, resta apenas o ensino” (p. 19).

    O jogo enquanto conteúdo não é melhor, nem superior ao esporte. Ele pode vir a reproduzir as mesmas orientações que o esporte incorporou do sistema capitalista, como é destacado por Bourdieu e Passeron (1975). O jogo pode da mesma maneira, criar ou recriar situações de discriminação, humilhação, comprometer a integridade física, excluir, gerar violência, entre outros. Podemos citar como exemplo as situações de violência antes, durante e após os jogos de futebol - tanto pelos jogadores quanto pelos torcedores; nas aulas, quando os alunos menos habilidosos são logo excluídos ou eliminados das atividades pedagógicas de Educação Física, seja pela estrutura do jogo, ou, pelas regras estabelecidas pelo professor ou pelo grupo; no recreio, as “lutinhas” entre alunos, etc.

    Considerando o exposto acima, é preciso que todos os conteúdos da Educação Física tenham um trato pedagógico para entender e perceber a importância de cada atividade desenvolvida na escola seja ela de cunho tradicional ou não. Assim, se faz necessário uma orientação teórico-metodológica para que possamos, realmente, garantir aprendizagens significativas e articuladas com uma concepção educacional. Nesse direcionamento estaremos, em seguida, apresentando um plano de aula comentado que teve como conteúdo o jogo de “pique-bandeira” na perspectiva da abordagem crítico-superadora.

O jogo na abordagem crítico-superadora: comentando uma prática pedagógica

    O jogo como conteúdo escolar é compreendido na abordagem crítico-superadora como um dos conhecimentos a ser desenvolvido no espaço escolar, juntamente com a dança, esporte, ginástica, lutas e capoeira. Para desenvolver esse conhecimento é importante que seja selecionado de acordo com a memória lúdica da comunidade em que o aluno vive, bem como, da possibilidade pedagógica que ele proporciona conhecendo jogos/expressões culturais das diversas regiões do país. Essa abordagem se propõe em trabalhar a cultura corporal enquanto conhecimento produzido e acumulado pelo ser humano e não somente como reprodutor de práticas de repetição.

    Resgatando o entendimento do Coletivo de Autores (1992, p. 65-66) o jogo “é uma invenção do homem, um ato em que sua intencionalidade e curiosidade resultam num processo criativo para modificar imaginariamente, a realidade e o presente”. Contudo, como desenvolver um trabalho pedagógico em que o processo criativo e a leitura da realidade, através da problematização de jogos, seja significante e prazeroso para os alunos? A ludicidade que o jogar proporciona, não pode vir a ser incorporado com o objetivo pedagógico?

    A abordagem não sobrepõe o valor do jogo educativo sobre o jogo lúdico. Ambos possuem elementos que interrelacionam e, portanto, não há como segmenta-los. Para atingir os objetivos propostos nas aulas, é preciso compreender o que faz a criança, adolescente jogar, brincar, ou seja, pôr-se em movimento.

    Neste momento, iremos apresentar um plano de aula estruturado de acordo com a proposta de Saviani (2005), condizente com a abordagem escolhida para o trato com o conhecimento na escola. O plano de aula, que foi desenvolvido em três aulas de Educação Física na 5ª série de uma escola confessional que atende alunos de uma comunidade carente da cidade de Santa Maria/RS/Brasil, faz parte do diário de aula do segundo semestre de 2007 da professora Vanderléia Maschio, e servirá para ilustrar, debater e exemplificar a orientação pedagógica que pode ser dada ao conteúdo jogo.

    A proposta foi desenvolvida dentro de um projeto que envolvia todos os componentes curriculares, sendo a temática da Educação Física “Conte-me suas brincadeiras”. Para dar início ao projeto os alunos escreveram, individualmente, um texto sobre uma ou mais brincadeiras/jogos que realizavam ou ainda realizam com a família ou com os amigos, no recreio, na rua ou em espaços de lazer. Na aula seguinte, após a leitura de todos os textos, a professora organizou os alunos em grupos, cujo elo para a agregação era a descrição da mesma atividade. O objetivo da formação dos grupos era auxiliar no planejamento e estrutura da “aula” devendo coordenar a vivência, brincadeira ou jogo, com os demais colegas. Citamos aqui alguns jogos desenvolvidos e coordenados pelos alunos com a mediação da professora: taco, futebol de rua, amarelinha, pega-pega, bolita, pular corda, caçador, elefante colorido, entre outros. A professora também escreveu um texto sobre um jogo que os alunos não conheciam - o “pique-bandeira”.

    O plano de aula visou estimular o trabalho coletivo e a criatividade através do jogo de “pique-bandeira”, para iniciar a reflexão sobre a organização do jogo e como a sociedade se estrutura. Cabe relatar, para fins de melhor entendimento, que faremos a discussão a partir da aula de uma das três turmas de 5ª série, aqui denominada Turma A.

    No início da aula, a professora apresentou a proposta de atividade para a turma, fazendo associações com os conhecimentos que os alunos já conheciam, quanto à lógica de como jogar e as denominações que ele recebia em diferentes locais do nosso país.

    A atividade proposta para o jogo de “pique-bandeira”1 consistia que os alunos viessem a se organizar em oito grupos mistos, formados pelos mesmos, com a supervisão da professora, sendo a quadra dividida em quatro espaços marcados com cones. O jogo se desenvolve na sua maneira tradicional, sendo as bandeiras substituídas por coletes. Esse momento é conhecido como prática social, ou seja, o que é comum ao aluno e ao professor. O professor tem um conhecimento diferenciado do aluno, podendo, durante a aula, se posicionar diferentemente em uma determinada situação (SAVIANI, 2005).

    Dá-se início a atividade, sendo que, a estratégia adotada pela professora foi de transitar pelos grupos da Turma A orientando e questionando sobre as situações, problemas e estratégias criadas em cada espaço de jogo. Por ser um jogo com um grande número de regras, havia uma grande dificuldade de entender as regras, o que exigiu a participação da professora nos grupos, orientado e coordenando a atividade. Passado esse momento, os alunos preocuparam-se em como atingir o objetivo do jogo. As primeiras tentativas deram-se a nível individual, os mais rápidos de cada grupo tomavam a iniciativa de buscar a bandeira; contudo, o nível de insucesso foi muito grande, gerando discussões em cada grupo. Nessas situações ocorria a intervenção da professora, realizando a problematização já articulando com a instrumentalização. Apresentamos aqui alguns de questionamentos utilizados no decorrer das três aulas: quais as exigências do jogo? Quais as dificuldades encontradas e de que forma superá-las? As situações que foram apresentadas no jogo satisfizeram? O que poderia mudar? Quem organizou o jogo no grupo? Que relação existe entre a organização do jogo e a organização da sociedade? Qual a importância da organização nas ações do jogo? Que tipo de emoções são despertadas? Quais interações sociais surgiram?

    No momento seguinte, articula-se a instrumentalização, ou seja, a apropriação de instrumentos práticos e teóricos, através da transmissão direta e indireta pelo professor, que serão utilizados de forma a questionar e montar estratégias para a resolução das questões levantadas durante as aulas (SAVIANI, 2005). No pequeno grupo, os alunos expunham e discutiam as estratégias criadas e analisavam também, as estratégias adotadas pelo grupo com quem interagia, na procura de atingir o objetivo do jogo. Nesta aula, a problematização, a instrumentalização e a catarse aconteceu nos grupos de acordo com a necessidade de cada um, pois a cada 10 minutos cada grupo passava a trabalhar com outro grupo, em que, outras situações eram vivenciadas exigindo novas formas de organização e de ação. Quando ocorria a mudança entre os grupos, a primeira tentativa de cada grupo era aplicar a mesma estratégia que estava utilizando no momento anterior, mas na maioria dos casos, sempre tinham que (re)articular a estratégia ou o modo de organização. Ao mesmo tempo, isso os impedia, mas em contrapartida, os desfiava. Era visível, que apesar de estarem em uma situação de competição e de cooperação, o jogo variava muito no sentido da pontuação e da atuação dos jogadores devido à alternância de interações.

    No início da terceira aula, agora no grande grupo, cada grupo pode relatar como foi sua atuação nas duas aulas anteriores destacando dificuldades, as diferentes estratégias utilizadas e situações ou assuntos conflituosos ou de seu interesse do grupo. A maioria dos grupos relatou a dificuldade de entender as regras do jogo, pois não o conheciam e que a alteração de uma das regras, sugerida pela professora, facilitou muito: ao ser “pego” o aluno sentava (nem todos os pares de grupos adotaram essa regra, isso era acordado quando mudavam os pares); entender que para atingir o objetivo era preciso que todos atuassem coletivamente e saber avaliar a situação para preparar a estratégia; a importância de todos os colegas na organização e na execução da estratégia; a importância do diálogo entre os participantes; a participação de todos os alunos na atividade; a importância da organização no jogo e na vida; resolver atritos individuais e coletivos no grupo; respeitar a individualidade dos colegas; e, a disponibilidade da professora para auxiliar os grupos ou alunos que estivessem com alguma dificuldade.

    Após os relatos com algumas discussões, a professora propôs que a turma modificasse o jogo levando em consideração o que eles tinham vivenciado e discutido, chegando então, ao quarto momento: a catarse. A catarse é a síntese do que se pretendeu trabalhar. Nesta aula a compreensão de que a organização, a coletividade, as relações e a criatividade são elementos que transcendem o espaço da aula, da escola e chegando a formas de estruturação da sociedade. A catarse é forma elaborada de pensamento onde os elementos culturais (conteúdos) passam a ser elementos ativos, que possibilitam as transformações sociais (SAVIANI, 2005).

    A Turma A optou por realizar um grande jogo, com dois grupos mistos, utilizando as marcações da quadra de futsal, tirando a goleira do espaço de jogo e substituindo o colete por uma bola de borracha. No começo do jogo utilizaram as mesmas regras, mas em seguida modificaram uma delas: poder passar a bola com as mãos para os colegas depois pegá-la na zona adversária, o que fazia com que os alunos se movimentassem mais, pois tinham que evitar ser “pegos” para receber a bola ou a jogada não era válida. A mudança seguinte e polêmica era passar a bola com os pés: as meninas, em sua maioria, alegaram não gostar de futebol e não ter habilidade; por outro lado, os meninos alegavam que isso não era futebol e que deviam experimentar, o que precisou que a professora mediasse a discussão, polemizada pelo questão de gênero. Ao final, as meninas aceitaram realizar a mudança, contudo o jogo perdeu a dinâmica, retornando em seguida, a forma anterior. No momento final da aula, resolveram juntar as duas propostas - fazer uso tanto dos pés como das mãos para pegar ou passar a bola.

    Nesse último momento, o professor como os alunos chegam à compreensão a um concreto pensado, ou seja, a uma nova ação sobre proposta da aula. A atividade pode sofrer modificações e transformações. As possibilidades de ler, criar e agir sobre o conteúdo do jogo estimula que o aluno se torne sujeito e compreenda as relações existentes.

    Ao final das práticas e avaliação da aula, foi constatado pela turma que, progressivamente, seu desempenho melhorou, tanto na execução do jogo quanto nas relações entre os alunos; consideraram que a organização e o diálogo - “saber falar e saber ouvir” para discutir qual a melhor forma de agir no jogo para atingir o objetivo do grupo; disposição da turma em praticar um jogo que nunca tinha ouvido falar; participação de todos os alunos no início da atividade, apesar de algumas resistências iniciais; observar e avaliar a atuação do outro grupo, buscando melhorar a própria estratégia; o respeito quanto às opiniões dos demais; a possibilidade de todos jogarem juntos ao final e fazer alterações nas regras; e que cada colega teve papel importante no jogo independente de sua habilidade física. Essas questões foram sendo tratadas durante as três aulas com o auxílio da professora e da colaboração da turma, culminando que ao final da terceira aula pontuamos, de forma oral, as aprendizagens que a atividade proporcionou ou retomou.

    Podemos destacar que poucos alunos se preocuparam com a pontuação, resultado do jogo, pois a constante mudança de pares e a necessidade de novas articulações faziam com que se empenhassem em atingir os objetivos do grupo. Os alunos demonstraram prazer e interesse em realizar a atividade e solicitaram que, em uma aula posterior, pudéssemos, novamente, realizar este jogo.

Considerações finais

    A concepção de jogo, que foi se construindo ao longo dos tempos, é decorrente da dita “evolução das sociedades” em que o trabalho produz bens, enquanto o jogo/lazer foi reconhecido como sendo próprio da criança. O jogo pode acontecer em espaços distintos: na escola, na rua, em parques, em festas entre outros. Em cada um desses espaços, tanto de participação de crianças quanto de adultos, ele pode assumir objetivos diferenciados, em que, o processo resulte na forma positiva para uns e negativo para outros, ou, em que o processo seja o mais importante e o resultado em si não interessa ao grupo, (des)construindo a lógica do esporte institucionalizado em que só o resultado interessa.

    O jogo, enquanto conteúdo escolar, oportuniza maior liberdade no agir, pois não há uma referência institucional ou grupo de regras institucionalizada que o modele, o aprisione as ações dos participantes – mesmo tendo características culturais. Diferentemente, nos esportes já existem regras, estruturas institucionalizadas e propagadas pela mídia, gerando maior resistência por parte dos alunos a modificá-los quanto proposta pelo professor ou grupo. Por muitas vezes, os jogos têm sido utilizados como aquecimento, como descontração ou recreação, sendo desenvolvido como conteúdo predominantemente, na educação infantil e nos anos iniciais. O que faz com que ele se torne “ultrapassado” como conteúdo escolar nos anos finais e no ensino médio? Este conteúdo acaba por não ter continuidade, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, pois ao deixar a infância o adolescente deve entrar nos moldes da produtividade do mundo adulto.

    Nesse momento resta a pergunta: por que o adulto deixa de jogar? O adulto acaba por esquecer a desordem, a espontaneidade do jogar, pois está preso as condições de produção material e seu tempo livre é reconhecido como o tempo do dinheiro, do consumo; e, por sua vez, acaba por obrigar a criança a praticar esportes altamente regrados, pouco espontâneos e com pouca possibilidade de ação sobre ele. O adulto não precisa apropriar-se desse conteúdo como uma prática de lazer? Será que não está faltando essa flexibilidade, essa aproximação, adaptação que o jogo proporciona para que as pessoas incluam práticas de atividades físicas sem a necessidade de estar com a roupa ideal, o tênis da marca tal, com o número de participantes ideal, sem ter que consumir espaços e práticas de lazer em seu tempo livre?

    O projeto “Conte-me suas brincadeiras”, não visou enfocar a origem cultural e histórica desses jogos num contexto amplo, mas sim, enfocou a história do jogo na sua relação direta com a memória lúdica da criança e adolescente de sua realidade particular. Acreditamos ter desenvolvido esse projeto de forma a atender as orientações da abordagem, uma vez que existe um grande percurso a ser trilhado até atingir de forma “plena” desses direcionamentos, sendo que o professor não é um simples aplicador de teorias e sim, sujeito de sua prática, de forma que a educação é reconhecida como um processo e não como resultado.

    Durante a prática pedagógica, alguns questionamentos e discussões sobre o jogo e para além dele, surgiram nas aulas de forma mais livre e audaciosa, enquanto que o trabalho com o ensino dos esportes essa autonomia parece diminuir. Em atividades que não tem como fim um resultado de ganho ou de perda, não há problema de haver grupos mistos, aumenta a espontaneidade e, o prazer, parece se tornar coletivo, contagiante, tanto entre as crianças quanto entre os adolescentes. Então o que acontece quando desenvolvemos o conteúdo esporte? Qual a diferença? Como transportar essa liberdade criativa para o ensino dos esportes? O esporte, por ser um fenômeno mundial, tem pressupostos arraigados em uma lógica de rendimento, resultado e produção, onde os fins justificam os meios adotados. Para transformar o esporte, no esporte da escola, prioritariamente, o professor de Educação Física precisa (des)construir em si esses elementos que limitam a prática de um esporte para todos, para então sim, planejar e desenvolver um trabalho pedagógico que abala e questiona essas amarras.

    Ao longo do texto discutimos as possibilidades e as contradições existentes no entendimento e no emprego do jogo como conteúdo escolar. Um dos encaminhamentos para termos práticas diferenciadas e inovadoras vai ao encontro de uma necessidade, que deve ser constante, de formação de professores. Enquanto, professores de Educação Física, acreditamos em uma prática pedagógica capaz de lidar com os avanços, os conflitos e contradições da área e, delas extrair e construir novos olhares e novos saberes sobre os conhecimentos escolares e científicos.

Nota

  1. “PIQUE-BANDEIRA” (tradicional) As crianças são divididas em dois grupos de igual número. Em cada campo, dividido também em dois, são colocadas duas bandeiras (de cada lado), no fundo dos campos/espaços. Cada grupo deve tentar “roubar” a bandeira do lado oposto, sem ser tocado por qualquer jogador daquele lado. Se for tocado, fica preso e como uma estátua, colado no lugar. Os colegas do mesmo grupo podem salvá-lo, bastando ir até o campo/espaço e tocar o companheiro. O lado que tiver, mais alunos imobilizados/colados pode não conseguir realizar seu intento e o outro grupo consegue finalmente “roubar” a bandeira. Vence quem pegar a bandeira primeiro, independente se tiver conseguido colar os adversários.

Referências

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