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A cultura na formação de professores de Educação Física

La cultura en la formación de profesores de Educación Física

 

*Licenciada em Educação Física, UNICEP

Chefe de Divisão de Artes Cênicas, Prefeitura Municipal de São Carlos

**Doutora em Educação, UFSCar

Mestre em Educação, UFSCar

Licenciada em Educação Física, UFSCar

Professora do Centro Universitário Central Paulista – Unicep

Roberta Maria Zambon Maziero*

roberta.maziero@gmail.com

Dijnane Fernanda Vedovatto Iza**

dijnane@ig.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho apóia-se na ciência da Antropologia Cultural e Social para realizar um aprofundamento da importância da cultura com a formação de professores de Educação Física, com o objetivo de aprofundar conhecimentos sobre o homem, ser pensante e produtor de cultura. Para o desenvolvimento do trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica, na qual traçamos brevemente a história da cultura corporal e o aparecimento da Educação Física, relacionando-os com os contextos sócio-culturais, uma vez que compreender as semelhanças e as diferenças físicas, culturais e sociais entre os grupos humanos é evidenciar o homem como ser biológico e ser cultural. Nesta perspectiva a cultura e o comportamento humano estão interligados, as manifestações corporais são geradas na dinâmica sócio-cultural, já que o corpo assimila valores, normas e costumes sociais. Na era contemporânea há uma mudança nas relações e concepções de vida que modificam as relações do homem com suas práticas corporais. Assim cabe a Educação Física participar da formação do homem, orientando-o em relação à cultura e também em função de valores que ultrapassem os interesses individuais. É importante que o professor, em sua formação inicial, esteja em sintonia com sua função social aproximando a formação acadêmica da realidade escolar e da diversidade cultural. Parece-nos fundamental esta reflexão para que venham à tona novos conhecimentos que relacionem a Educação Física com outras áreas e ciências para uma melhor compreensão da vida.

          Unitermos: Cultura. Corpo. Educação Física. Formação profissional.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 150, Noviembre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O presente trabalho surge a partir do interesse em investigar a cultura e suas implicações na formação de professores de Educação Física, com o objetivo de aprofundar conhecimentos sobre o homem como produtor de cultura, bem como suas inter-relações com a Educação Física.

    Para o desenvolvimento do trabalho foi realizado uma revisão bibliográfica, na qual foi traçado relações entre os conceitos de Antropologia, conceitos de cultura e suas implicações no comportamento e desenvolvimento humano; a história da Cultura corporal e o aparecimento da Educação Física, relacionando-os com os contextos sócio-culturais e a formação dos professores de Educação Física.

    Segundo DAOLIO (2001), a cultura é o principal conceito para a Educação Física, já que todas as manifestações corporais humanas, tais como o esporte, dança, ginástica, jogo são geradas numa dada cultura, manifestando-se diversificadamente no contexto de grupos culturais específicos.

    Assim, para chegarmos ao conceito de cultura recorremos à Ciência da Antropologia que sob seu aspecto de ciência humana volta-se para o homem como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia, linguagem, etc. Sendo seu objetivo o estudo da humanidade como um todo, isto é, o homem como expressão global, como produtor de cultura e participante da sociedade.

    DAOLIO (2004) afirma que a Cultura é universal, pois todos a produzem, mas ela é também local, já que ocorre na mediação dos indivíduos entre si, manipulando padrões que faz sentido dentro de um contexto.

    O conceito de cultura também varia no tempo, no espaço e em sua essência, sendo que a função da cultura está relacionada à forma como uma coisa se apresenta ligando-se ao tipo de ação onde um elemento interage com outros contribuindo para os modos de vida.

    Ao analisarmos as produções humanas (cultura) é indispensável relacionarmos o indivíduo, a sociedade e a cultura como aspectos conjuntos do comportamento humano.

Cultura e comportamento humano

    Ao longo da história, o homem varia suas concepções de vida, suas formas de comportar-se, que revelam sua inserção na sociedade. Assim, o processo de civilização mostra-nos um domínio sobre a natureza, transformando-a e modificando-a através da interação com o ambiente, onde surgem novas formas de pensar e de estar no mundo.

    Segundo WHITE (1959), citado por MARCONI et PRESOTTO (2005), podemos pensar que o comportamento humano está dentro de um contexto somático (biológico), ou seja, caracterizado pelo controle consciente que gera ações motoras voluntárias, mas ao mesmo tempo, relaciona-se com a cultura que engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos na sociedade.

    A Cultura e o comportamento humano estão interligados já que o indivíduo não é inteiramente autônomo, pois a maioria de nossas idéias e tendências não é elaborada por nós, mas nos vêm de fora. (RODRIGUES, 1995).

    Nesse sentido “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento.” (GEERTZ, 1989, p. 28).

    Assim, nossas maneiras de agir são influenciadas pela cultura onde encontramo-nos inseridos, ao mesmo tempo suscetíveis de exercer sobre outros indivíduos uma coerção. DAOLIO (2004) aponta que o homem dentro de um contexto social interage com sua realidade ao mesmo tempo sofre influência dela, o que acaba direcionando seu comportamento. Cita também que as manifestações corporais humanas são geradas na dinâmica cultural.

    “As concepções que o homem desenvolve a respeito de sua corporalidade e as formas de comportar-se corporalmente estão ligadas a condicionamentos sociais e culturais. A cultura imprime suas marcas no indivíduo.” (GONÇALVES, 1994, p.14)

    Destacar a concepção de corpo e as práticas culturais relacionadas a ele ao longo da história parece-nos uma maneira de compreender o sentido da experiência corporal e do movimento fundamental para a Educação Física.

Breve histórico sobre a Cultura Corporal

    A Cultura corporal faz parte da cultura da sociedade e é representada por valores materiais e espirituais criados na sociedade. Um apanhado da história da cultura corporal tem o objetivo de proporcionar uma visão geral das variações na concepção e tratamento do corpo pelo homem, bem como suas relações com seu corpo num dado ambiente social. (GONÇALVES, 1994)

    “Quando o caçador paleolítico desenha um bisão nas paredes das cavernas de Lascaux ou de Altamira, a tensão do traço dá ao homem um real poder sobre o animal: a curvatura do dorso, tenso como um arco, mostra a segurança do olho e da mão que desvendam a ameaça da fera prestes a saltar. É o primeiro conhecimento sintético e estético do mundo, conhecimento imediato, anterior ao conceito e à palavra.” (GARAUDY, 1980, p.14)

    Iniciamos então pelo período pré-clássico no qual as ações corporais estavam ligadas as cerimônias mítico-religiosas, onde havia a busca pela aproximação aos deuses e a transmissão de tradições às novas gerações. GONÇALVES JÚNIOR (2003). Já na Idade Média, a religião impõe ao corpo uma imobilidade, relegando-o ao local de pecado.

    No renascimento, com o despertar científico, artístico e cultural, conjuntamente com as mudanças sociais, principalmente com a ascensão da burguesia ao poder, ocorre o aparecimento do termo “Educação Física”, que vem carregado de uma visão dualista, onde o corpo deveria ser entregue aos exercícios que o relaxassem ou que valorizassem sua força e saúde. (GONÇALVES JUNIOR, 2003).

    VIGARELLO (2009) cita os séculos XVI e XVII, como o tempo onde a figura do educador aparece na relação do toque sobre a criança, para que ocorra a correção necessária a sua formação.

    “O corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos que foram dados à sua conduta, ele é o emblema aonde a cultura vem inscrever seus signos como também seus brasões”. (VIGARELLO, 1978, p.399).

    Na era contemporânea, que tem como marco a Revolução Francesa (1789) e vai até a atualidade, ocorre a influência do movimento de liberação do homem e da sociedade, que culmina com o nascimento na cultura dos movimentos ginásticos europeus e o movimento desportivo inglês.

    Toda a agitação política da Europa do século XIX vai ser palco do desenvolvimento também da ciência, das artes, da indústria e da urbanização das cidades, consolidando a formação de um novo homem e de uma nova sociedade regida pelo espírito capitalista, que faz ressurgir os Jogos Olímpicos, com sua cultura de competição.

    “A Educação Física será a expressão da sociedade do capital., pois ela expressará os gestos automatizados, disciplinados, onde o corpo torna-se o remédio para a cura da preguiça, indolência, imoralidade, integrando assim a pedagogia e a família.” (SOARES, 2001)

    Dentro deste contexto surge ainda a ciência da Psicologia que traz uma nova perspectiva para o corpo e tem nos estudos de Piaget a revelação de uma inteligência sensorial e motora como fenômeno da interiorização da motricidade.

    VIGARELLO (2009) aponta a década de 1960 como o marco onde o corpo passa da concepção de simples máquina para o portador de mensagens de informações e de sensações vividas. O corpo como suporte da nossa identidade, mas também como local de ausência de limites. Neste contexto surgem os esportes radicais, as maratonas e as festas rave, como maneira de explorar o corpo além de seus limites.

    A Educação Física neste contexto, segundo SOARES (2004) necessita refletir sobre sua função na sociedade para que não contribua com a adesão cega a modismos do mercado.

O corpo e a Educação Física

    O corpo, expressão e comunicação têm uma linguagem própria que revela exteriormente a nossa interioridade: nossos pensamentos e sentimentos, ligados à situação do momento, trazendo consigo toda nossa história pessoal, revelando a sociedade em que vivemos. (GONÇALVES, 1994)

    “Sei pouco de mim mesmo: muito menos ainda dos outros. Sei, no entanto que sou corpo. Sei de minha materialidade. Constato que nada realizo sem me mover. Percebo que nenhum conhecimento está a meu alcance se não for sentido. Reconheço afinal que para viver preciso ser corpo, pelo menos neste planeta em que vivemos.” (FREIRE, 1995, p. 37)

    Na era do desenvolvimento tecnológico somos bombardeados por padrões estéticos veiculados pela mídia que relacionam um dado padrão de corpo às pessoas flexíveis, inteligentes, bonitas e que usufruem do trabalho corporal para atingir um corpo saudável, erotizado e aparentemente livre.

    Praticar atividade física nos dias de hoje implica quase um dogma religioso, que se relaciona com centímetros de músculos, corpos perseverantes, ingestão de medicamentos, cirurgias plásticas, dentre outros.

    Neste contexto, podemos pensar qual é o sentido do termo Educação Física, termo este, segundo DAOLIO (1995), que embute uma oposição entre natureza e cultura, conhecimento inato e adquirido. Assim, o processo educacional sobre o corpo seria a cultura que se sobrepõe ao físico que é a natureza.

    “Entendemos a Educação Física como um conceito contemporâneo, que surge no século XVIII pela voz de filósofos preocupados com a educação, e que até hoje não desenvolveu todas as suas potencialidades culturais.” (BETTI, 1998, p.16)

    Dentro desta perspectiva, a Educação Física não pode constituir uma mera repetição de exercícios físicos padronizados e que estejam fora do contexto social e cultural de um dado grupo, mas deve buscar a essência do movimento humano.

    Herdeira de tradição científica e política que sempre privilegiou a ordem e a hierarquia a Educação Física segundo SOARES (2004, p. 113) “foi e é compreendida como um importante modelo de educação corporal que integra o discurso do poder”, tendo conquistado o papel de conteúdo escolar, tem o privilegio de ensinar modos de olhar e de diversificar as escolhas.

    Assim, a educação que tem como objetivo formar o sujeito social, inserido dentro de uma determinada cultura, deverá refletir sobre a formação de seus professores.

Formação dos professores de Educação Física

    Na década de 1980 ocorre um intenso debate acadêmico na Educação Física, onde DAOLIO (2004) realça que o predomínio do corpo biológico passa a ser questionado em detrimento da questão sociocultural.

    BETTI (1998) afirma que neste debate a Educação Física é conceituada em formas distintas: uma com enfoque como ciência e outra como área de conhecimento atrelada a prática pedagógica. Como prática pedagógica questiona os fundamentos e seu papel social, resultando na aplicação de teorias críticas.

    Segundo FREIRE (1995) é importante saber “por que” e “para que” se ensina, e no caso da Educação Física, “como” se educa através dos conteúdos da atividade motora. Podemos observar uma variedade de Instituições profissionais que orientam de diferentes maneiras a formação profissional.

    “Nas disciplinas do currículo de formação profissional encontramos três diferentes orientações: as acadêmicas e filosóficas, as de orientação pedagógica e as das orientações de atividades. (FREIRE, 1995, p. 49)

    Há a necessidade de transformações quanto à produção e à transmissão de conhecimentos, para que estes futuros professores possam intervir de forma efetiva na prática social cotidiana. Para tal é necessário que a Educação Física deva “dirigir seus esforços acadêmicos em busca de uma abordagem sociocultural que possa esclarecer os propósitos da profissão”. (BORGES, 1998, p. 40)

    É importante que a formação acadêmica leve em consideração a realidade escolar e da diversidade cultural que abarca nosso país. Na mesma medida em que deve considerar a pessoa professor, pois ser professor implica um projeto próprio, que segundo BORGES (1998, p. 55) “visa à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”, que terá no seu percurso a trajetória percorrida durante sua vida.

A importância da cultura na formação profissional de professores de Educação Física

    A Antropologia social aborda a natureza do homem como eminentemente cultural, não sendo possível pensar numa ação humana que não seja cultural. Assim, a Educação Física lida diretamente com o homem na integração entre os aspectos biológicos e culturais, ou seja, seu corpo. DAOLIO (2001).

    No sentido antropológico do termo cultura, podemos afirmar que todo indivíduo nasce no contexto de uma cultura, e que ela é o conjunto de códigos simbólicos que são reconhecidos pelos indivíduos que fazem parte de um dado grupo. Assim na infância aprendemos valores deste grupo que mais tarde nos levarão às práticas na vida adulta.

    O que observa-se nos alunos que ingressam nos cursos de Educação Física é uma estreita ligação entre a Educação Física e Saúde e Educação Física e esporte, segundo FIGUEIREDO (2004) tem sido uma das únicas referências para os alunos ingressos na graduação.

    Neste sentido podemos questionar como adequar as expectativas trazidas por estes alunos no ingresso de sua graduação? Como avaliar as mudanças ocorridas pela passagem nestes cursos? E por fim, compreender as interlocuções entre a cultura que este aluno traz, e as informações que receberá no curso, para mapear de forma mais efetiva sua atuação como futuro docente.

Considerações finais

    Pesquisar o homem e suas produções é perceber que não há separação entre a obra da natureza (corpo) e as realizações humanas, já que o corpo é biocultural. (SANT’ANNA, 2004)

    Desta maneira este estudo buscou aprofundar as questões da cultura e a formação profissional de professores de Educação Física, para evidenciar a importância dos conhecimentos sobre os homens, suas produções dentro da nossa civilização.

    Parece-nos questão fundamental esta reflexão na medida em que ela traz novos conhecimentos e novas questões a serem pesquisadas e discutidas no âmbito da Educação Física, Antropologia e Sociologia, num pensamento composto entre várias áreas e ciências onde as questões dos sentidos e significados da existência humana possam contribuir para uma melhor compreensão da vida.

Referências bibliográficas

  • BETTI, M. A janela de vidro. Esporte, televisão e Educação Física. Campinas, SP: Papirus, 1998.

  • BORGES, C. M. F. O professor de Educação Física e a construção do saber. Campinas, SP: Papirus, 1998.

  • DAOLIO, J. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

  • DAOLIO, J. A Antropologia social e a Educação Física: Possibilidades de encontro, in: CARVALHO, Y. M. e RUBIO, K. Educação Física e Ciências Humanas. São Paulo: HUCITEC, 2001.

  • FERNANDES, C. Pina Baush e o Wuppertal dança-teatro; repetições e transformações. São Paulo: Hucitec, 2000.

  • FIGUEIREDO, Z. C. C. Formação docente em Educação Física: experiências sociais relações com o saber. Revista Movimento: Porto Alegre, v.10, n.1, p.89-111, janeiro-abril 2004.

  • MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução – 6 edição. São Paulo: Atlas, 2005.

  • MARCO, de Marco (org.). Pensando a Educação Motora, in: FREIRE, J. B. Antes de falar de Educação Motora, in DAOLIO, J. A ruptura da natureza/Cultura na Educação Física. Campinas, SP: Papirus 1995.

  • GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980

  • GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989

  • GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir – corporeidade e educação. 9° Edição. Campinas, SP : Papirus, 1994.

  • GONÇALVES JUNIOR, L. Cultura Corporal: alguns subsídios para sua compreensão na contemporaneidade. São Carlos: Edufscar, 2003

  • RODRIGUES, J. A.; organizador FERNANDES, F.; coordenador DURKHEIM E. Sociologia. São Paulo: Ática, 1995

  • SANT’ANNA, D.B. È possível realizar uma História do corpo? In: SOARES, C. Corpo e História. Campinas, SP: Autores Associados, 2004

  • SOARES, C. Corpo, conhecimento e educação, in: SOARES, C. Corpo e História. Campinas, SP: Autores Associados, 2004

  • SOARES, C. L. Educação Física: raízes européias. 2 Edição. Campinas, SP: Autores Associados, 2001

  • VIGARELLO, G. Paixão pelo corpo. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 maio 2009. Folha Mais, número 892 , p.10.

  • VIGARELLO, G. Lês corps redressé. Paris: Jean Pierre Delarge, 1978.

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