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Considerações sobre a profissionalização 

da arbitragem no futebol brasileiro

Consideraciones sobre la profesionalización del arbitraje en el fútbol brasileño

Considerations on the professional of arbitration in Brazilian football

 

*Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

Especialização em Pesquisa em Educação Física também pela UFPel

Atua como professor da rede municipal de ensino da cidade de Canguçu/RS

**Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (1987)

Mestrado em Ciência do Movimento Humano pela mesma Universidade (1993)

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2001)

Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Pelotas

vinculado a Graduação, Especialização e Mestrado. Tutor do Grupo PET/ESEF

***Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

Especialização em Educação Física Escolar pela Fundação Universidade do Rio Grande (FURG)

Mestrado em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

na linha de Memória, Corpo e Esporte tendo sido bolsista CAPES

Atualmente é doutorando em Educação em Ciências (FURG)

Enio Pereira Andrade*

Luiz Carlos Rigo**

Gustavo da Silva Freitas***

lcrigo@terra.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          A arbitragem constitui-se em um dos campos mais importantes e também mais polêmicos do futebol moderno profissional. O objetivo principal desse estudo foi analisar algumas situações atuais da arbitragem no futebol brasileiro, especialmente as questões que dizem respeito à profissionalização dos árbitros. Tendo como referências os pressupostos oriundos das metodologias qualitativas aliadas a fontes bibliográficas de naturezas distintas (artigos acadêmicos, jornalísticos e livros), utilizamos como suporte empírico duas entrevistas semi-estruturadas coletadas com dois árbitros profissionais em atividade. O estudo mostrou que a profissionalização da arbitragem continua sendo um tema polêmico porque interfere em aspectos políticos, econômicos e administrativos do futebol brasileiro.

          Unitermos: Futebol. Arbitragem. Profissionalização.

 

Abstract

          The arbitration is in one of the most important and also most controversial of modern professional football. This study aimed to examine some current issues of arbitration in Brazilian football, especially the issues concerning the professionalization of the arbitrators. The study was performed with the references from the assumptions of qualitative methodologies. Thus, together with bibliographical source in different kinds (academic articles, newspaper articles and books), we used two empirical support semi-structured interviews collected with two professional referees in activity. The study showed that the professionalization of arbitration remains a controversial topic, mainly because it interferes in political, economic and administrative aspects of Brazilian soccer.

          Keywords: Football. Arbitration. Professional.

 

Resumen

          El arbitraje es uno de los campos más importantes y también más controvertidos del fútbol profesional moderno. A partir de esta premisa, este estudio tuvo como objetivo examinar algunas cuestiones actuales del arbitraje en el fútbol brasileño, sobre todo las cuestiones relativas a la profesionalización de los árbitros. El estudio se realizó con las referencias de las hipótesis de las metodologías cualitativas. Así, junto con la fuente bibliográfica de diferentes tipos (artículos académicos, artículos de periódicos y libros), se utilizan dos bases empíricas: entrevista semi-estructurada recogida con dos árbitros profesionales en la actividad. El estudio mostró que la profesionalización del arbitraje sigue siendo un tema controvertido, sobre todo porque interfiere en aspectos políticos, económicos y administrativos del fútbol brasileño.

          Palabras clave: Fútbol. Arbitraje. Profesional.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 146 - Julio de 2010

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1.     Introdução. Caminhos metodológicos

    O futebol moderno é uma das mais significativas expressões culturais da modernidade. Seu encanto, magnetismo e popularização colocam-no entre as práticas culturais de maior legitimação dos séculos XX e XXI. Um sinal da relevância social alcançada pelo futebol em países como o Brasil pode ser percebido no aumento do número de estudos acadêmicos que tratam desse esporte, principalmente nas últimas décadas1.

    Inserido nesse movimento de proliferação das investigações acadêmicas que tratam de temas futebolísticos, este estudo tem como objetivo principal contribuir para uma ampliação dos estudos referentes a arbitragem do futebol brasileiro profissional, mais especificamente sobre as condições de trabalho e as possibilidades de profissionalização dos árbitros brasileiros.

    Para a realização desta pesquisa serviram-nos de guia perguntas como: Quais os diferentes atores que fazem parte do universo da arbitragem do futebol profissional? Quais as posições que eles assumem perante a possibilidade da legalização da profissão dos árbitros de futebol? Como as mídias têm tratado estes temas?

    Com o propósito de alcançar os objetivos estipulados para o estudo, além da consulta a fontes bibliográficas realizamos duas entrevistas semi-estruturadas com dois árbitros que estavam em atividade no ano de 2009. Para selecionar os dois árbitros para as entrevistas foram levados em consideração critérios como: ambos deveriam ter uma experiência superior a 10 anos de arbitragem junto às federações; deveriam possuir uma trajetória diferente um do outro dentro da arbitragem quanto à idade, à formação, ao período que ingressou na arbitragem e ao quadro a que pertenciam. As entrevistas foram realizadas após a assinatura do termo de consentimentos dos dois voluntários e seguiram os preceitos que Triviños (1987) estabelece para as entrevistas semi-estruturadas, onde se estrutura um roteiro com eixos norteadores que servem de orientação para o pesquisador e também para o entrevistado.

    Os dois árbitros que entrevistamos possuem trajetórias distintas. Embora ambos ainda estejam em atividade, ingressaram na arbitragem em momentos diferentes, enquanto um iniciou sua carreira nos anos 80, o outro o fez na década seguinte.

    O primeiro árbitro que entrevistamos se chama J. L. S.2 e tem 58 anos. Apesar de ter pertencido ao quadro da Federação Gaúcha de Futebol, ele não chegou a fazer parte do quadro nacional de árbitros. J. L. S. sempre atuou na arbitragem sem abrir mão da profissão de agente penitenciário, o que, segundo ele, dificultou a sua ascensão na arbitragem.

    O segundo árbitro que entrevistamos se chama L. G., tem 38 anos e possui curso superior. Além da Federação Gaúcha de Futebol, L. G. pertence também ao quadro da Confederação Brasileira de Futebol e já pertenceu ao quadro de arbitragem da Federação Internacional de Futebol – FIFA (classificação máxima que pode alcançar um árbitro de futebol). Apesar de possuir outra profissão, L. G. dedica-se quase que exclusivamente à arbitragem e com frequência está envolvido em cursos de atualização e aperfeiçoamento.

2.     Emergência, formação e responsabilidades do árbitro

    Silva et al. (2002) comenta que antes do surgimento da figura do árbitro o futebol era regido por acordos entre os jogadores, sempre que um alegasse uma infração o jogo parava. Mais tarde (segunda metade do século XIX) com o aumento da intensidade das disputas, os acordos não foram mais capazes de resolver os lances duvidosos dos jogos e o árbitro passou a ser cada vez mais necessário. Simon (2004) comenta que inicialmente cada equipe designava um mediador para atuar como árbitro da partida. De acordo com Franco Júnior apud Silva (2008) é por volta de 1880, que irá surgir o árbitro similar ao que conhecemos hoje. Com a profissionalização do futebol e o acirramento nas disputas futebolísticas passa a se fazer necessária uma equipe de arbitragem (árbitro principal, árbitro auxiliar, terceiro árbitro).

    A aparição da figura do árbitro no futebol moderno associada a um ethos de sujeito da autoridade contribuiu para que vários policiais se tornassem árbitros na recente história da arbitragem brasileira. Um dos mais conhecidos talvez tenha sido Mário Viana que também foi narrador esportivo, boxeador e chegou a fazer parte do quadro da FIFA. Dulcidio Vanderlei Boschilia e Euclydes Zamperetti Fiori, autor do livro A República do Apito (2006), são outros exemplos de árbitros que também eram policiais.

    Hoje em dia a proveniência dos árbitros está bem mais diversificada e muitas vezes, como ocorre também com outras profissões, para alguns ela inicia a partir de certas vivências que não possuíam intenções profissionalizantes:

    Eu apitava jogos do amador no meu bairro, gostava de apitar os veteranos e o meu sogro era fiscal da federação e ele achou que eu tinha condições. Aí me apresentei e fiz o curso do D.A.C. na época em 1978, fiz o curso e passei. Fiquei dois anos no D.A.C. Aí em 1980 eu comecei na FGF no departamento profissional. (Entrevista concedida pelo árbitro J.L.S. para o autor em 19/01/2009).

    Já o ex-árbitro da FIFA L. G. contou que ao entrar para a faculdade foi convidado a ingressar em uma equipe de arbitragem do handebol, mas logo percebeu que no futebol a remuneração era melhor.

    Eu tinha uns dezoito anos. É, dezoito aproximadamente. Com o handebol eu comecei com dezesseis, dezesseis anos e aí o futebol eu entrei com dezoito anos a trabalhar nesses campeonatos mais fortes, campeonatos mais... oficiais, digamos assim, futebol colonial lá em Pelotas (RS) e dois anos depois a federação. (Entrevista concedida pelo árbitro L.G. para o autor em 19/01/2009).

    Apesar de terem iniciado na arbitragem de forma diferente para se tornarem árbitros de federação ambos os árbitros, anteriormente citados, passaram por um curso de formação específica. Sobre esse fato, vale salientar que a Federação Gaúcha de Futebol é conhecida por ser uma das mais exigentes. L. G. destacou que:

    [...] então lá o moleque quando vai entrar no curso, ele é investigado, toda a vida, a conduta, a postura e aquilo é passado assim como se fosse uma lavagem cerebral para o cara saber como ele tem que agir, como ele tem que se comportar. São colocados exemplos para que ele siga [...] (Entrevista concedida pelo árbitro L.G. para o autor em 19/01/2009).

    Além de passar por um curso de formação antes de ingressarem em competições oficiais, cada vez mais atributos têm sido exigidos dos árbitros por parte das federações. Um desses atributos é a maior escolaridade. Atualmente, a maioria dos árbitros em destaque possui curso superior. Fora de campo as responsabilidades dos árbitros também aumentaram, visto o preenchimento de súmulas e de relatórios técnicos dos jogos a cada dia mais complexo, detalhando os acontecimentos que ocorrem antes, durante e após as partidas.

    Se por um lado as exigências das federações aumentaram, por outro elas contribuíram para fazer da arbitragem uma atividade melhor remunerada e com melhores condições de trabalho que há algumas décadas atrás. Além de cursos específicos mais longos3 e da exigência de uma maior escolarização, há uma cobrança cada vez maior dos árbitros quanto às suas condições físicas, psicológicas e técnicas. Para regulamentar essa atuação junto aos árbitros, todo ano as principais federações fazem uma pré-temporada onde são combinadas suas formas de intervenção no ano que está iniciando4.

    A palavra arbitrar significa decidir uma questão entre dois litigantes que recorrem a um terceiro para resolver um conflito. No futebol, as questões a serem resolvidas afetam jogadores, técnicos, torcida, imprensa, dirigentes, entre outros. Todos de alguma forma estão sujeitos às decisões da arbitragem. Assim quando um árbitro está apitando uma partida ele deve:

    [...] em um mesmo instante observar, constatar, interpretar, julgar e punir ou absolver um atleta, o que não é fácil e não é qualquer pessoa que consegue. A função do árbitro de julgar se torna mais difícil pelo fato deste não estar julgando um fato isolado, mas uma “chuva” intermitente deles em um espaço de tempo pequeno sem replay [...] (Manzolello, 1997 apud Silva et al., 2002, p. 41-43).

    A responsabilidade e as cobranças diárias aliadas a uma falta de profissionalização da categoria têm contribuindo para um número significativo de árbitros abandonarem a arbitragem. Pereira et al. (2006) assinalou que entre as principais causas para o abandono da carreira de árbitro aparecem: a falta de pagamento, a ausência de critérios claros para a escalação em partidas, a falta de apoio por parte das entidades representantes da classe dos árbitros e a falta de critérios para a ascensão dos árbitros ao quadro nacional.

    A grande maioria dos problemas e das dificuldades que persistem na arbitragem extrapola as competências e responsabilidades individuais dos árbitros e, por isso, requerem um comprometimento maior da categoria e de setores relacionados às federações de futebol e à própria imprensa esportiva.

Figura 01. Teste físico dos árbitros da Federação Gaúcha de Futebol,

realizado no dia 14/01/2009 (ESEF/UFRGS, Porto Alegre).

 

Figura 02. Intervalo do teste físico (14/01/2009, ESEF/UFRGS, Porto Alegre).

3.     As mídias e o árbitro

    Hoje em dia restam poucas dúvidas sobre a dimensão global do futebol moderno5. O alcance dessa modalidade esportiva atualmente vai além dos processos migratórios de jogadores e outros profissionais do campo futebolístico, tornando-se um acontecimento midiático. Nesse universo, destacam-se as transmissões dos jogos, os debates, os comentários e as notícias que circulam nas mídias eletrônicas e impressas. Além dessa imensidão de informação sobre o futebol disponível ao torcedor, fortalece sua divulgação a grande oferta de jogos nacionais e internacionais transmitidos ao vivo quase que diariamente, enquanto há algumas décadas eram oferecidos um ou dois jogos semanais.

    Todo esse processo de globalização e produção midiática aproximou os jogadores e outros atores do universo futebolístico do grande público que acompanha o futebol. Nesse contexto, os árbitros que apitam jogos estaduais, nacionais e internacionais, de forma semelhante a que acontece com os jogadores, estão se tornando sujeitos midiáticos, que são conhecidos e reconhecidos pelo público que acompanha o futebol. Desse modo, guardadas as devidas proporções, assim como os jogadores, alguns árbitros estão se tornando astros do universo futebolístico.

    Não sei se o termo é celebridade, mas hoje em dia o árbitro é um cara conhecido, é um cara conhecido e reconhecido em todos os lugares que vai, aqui em Porto Alegre ou fora de Porto Alegre em todo o lugar que eu vou... Eu nunca imaginei que um árbitro de futebol pudesse ter, crianças, adolescentes dizendo “eu quero ser o que tu é” na vida. Isso não tem preço, tu receber um tipo de comentário desses na rua. Quer dizer, árbitro de futebol com torcida, que é isso? A que ponto nós chegamos, que bom que a gente conseguiu fazer isso, isso é muito bacana. (Entrevista concedida pelo árbitro J.L.S. para o autor em 19/01/2009)

    Sem dúvida, esse é um fenômeno recente. Árbitros mais antigos jamais imaginariam que um dia alguns deles alcançariam tamanho reconhecimento, visibilidade e publicidade. Mas a relação estabelecida entre a arbitragem e as mídias possui também um outro lado. No que diz respeito às atuações profissionais dos árbitros, uma grande parte da imprensa esportiva tem assumido práticas e discursos que colocam esses profissionais em uma posição bastante desconfortável, como é o caso, por exemplo, da contratação de ex-árbitros para, ao vivo, comentar e julgar a atuação das equipes de arbitragem. Além disso, conforme alertaram Nunes e Shigunov (2002, p. 72), "[...] na maioria das vezes o "olhar eletrônico" e suas interpretações pelos agentes da televisão são usadas para questionar o árbitro quanto a sua lealdade [...]". Isso expõe os profissionais que estão na arbitragem, já que mesmo com todos os recursos tecnológicos disponíveis, na maior parte dos casos, os comentaristas (especialistas da arbitragem) não chegam a um veredicto final sobre os lances mais polêmicos (SILVA & FRAUSINO, 2005).

    Talvez seja o caso de pensarmos que também pode não interessar aos narradores, cronistas, especialistas e até torcedores o uso desses recursos como critério de verdade porque esse mesmo grupo alimenta o que Eco (1984) denomina de falação esportiva. No universo futebolístico espera-se que durante o jogo e nos dias que se sucedem, se fale mais, que se discutam os lances polêmicos, que a falação tome corpo numa apropriação e difusão de inúmeros pontos de vista sobre um mesmo lance. Por isso, a verdade sobre o acerto ou o erro de determinada ação do árbitro não é essencial aos interessados por futebol.

    No sentido de mostrar a complexidade que envolve esta junção da arbitragem com as mídias, Silva e Frausino (2005) chamam a atenção para o fato de que toda vez que assistimos a jogos de futebol pela televisão, além de prestar atenção aos lances e às imagens, devemos também estar atentos aos comentários feitos pelos especialistas, pois esses comentários também são opiniões, discursos de sujeitos que estão imbricados em uma série de contingências e subjetividades e que, portanto, são tão passiveis de erros e equívocos quanto às atitudes dos próprios árbitros analisados.

4.     Profissionalização da arbitragem: possibilidades ou utopia?

    O tema da profissionalização da arbitragem do futebol brasileiro remete diretamente a polêmica exigência em vigor que obriga o árbitro a ter outra profissão para que não dependa exclusivamente da arbitragem.

    Quando perguntamos ao árbitro L. G. qual era a sua opinião sobre essa exigência ele nos respondeu:

    Como é que tu vai cobrar alta performance de um cara que às oito horas da manhã chega no serviço de terno e gravata, trabalha até o meio dia, almoça, volta à uma, sai às cinco, aí às cinco da tarde ele tem que ir pra casa atender a mulher, filho, fazer o pagamento das suas contas, pra depois, oito, nove horas da noite, botar um fardamento e sair para correr uma horinha, pra no outro dia ta trabalhando novamente. E onde é que ficou o estudo técnico, pra ver a fita do jogo, pra analisar colegas trabalhando na televisão, o estudo da regra do jogo? (Entrevista concedida pelo árbitro L.G. para o autor em 19/01/2009).

    Apesar de essa exigência legal persistir, na prática os árbitros mais bem sucedidos vivem praticamente apenas da arbitragem. Uma dedicação maior ou exclusiva à arbitragem possibilita ao árbitro se atualizar e buscar uma complementação na formação profissional, algo fundamental, principalmente se atentarmos para o fato de que a arbitragem é um campo que demanda conhecimentos relacionados a diversas áreas. A declaração de L. G. a seguir elucida um pouco sobre a complexidade e as exigências presentes na atuação de um árbitro nacional ou internacional:

    Eu tenho formação acadêmica na parte de Educação Física, mas ao mesmo tempo durante minha carreira eu procurei entender o meio aonde eu vivo, eu já fiz cursos a respeito de programação neurolingüística, algumas coisas na parte da psicologia aplicada ao esporte, onde eu posso usar com os atletas dentro do campo de jogo. Eu fiz curso de treinador de futebol, porque eu tenho que entender como é que os treinadores enxergam o futebol, eu fiz curso de radialista, tenho curso dentro da área de mídia pra saber, entender como é que a mídia me enxerga. Acho que é importantíssimo a gente ter um pouco de informação de cada lado. (Entrevista concedida pelo árbitro L.G. para o autor em 19/01/2009).

    Outra questão controversa relacionada com a arbitragem e profissionalização é a remuneração dos árbitros. Em um segmento como o futebol profissional, que movimenta milhões, a primeira impressão que poderíamos ter é que todos os árbitros seriam muito bem remunerados. Mas, independente do valor que às vezes é noticiado pela imprensa que um ou outro árbitro recebeu para apitar determinada partida, tem-se que levar em conta que no Brasil o árbitro ainda atua como um prestador autônomo de serviço e "a categoria dos árbitros não possui nenhuma regulamentação profissional, não dispondo dos direitos trabalhistas previstos", (BOSCHILIA et al., 2008, p. 65).

    Sobre essa situação, o ex-árbitro J. L. S. argumentou que "[...] o próprio ministro do esporte teria que bater no peito e dizer nós vamos profissionalizar e pronto. Ele é o ministro do esporte ele tem condições de abraçar essa bronca" (Entrevista concedida pelo arbitro J.L.S. para o autor em 19/01/2009).

    Provavelmente seja mesmo da alçada do Ministério ou da Legislação Federal regulamentar a causa. Porém, apesar de explicitamente não se ter registro de pronunciamentos contrário a profissionalização, o projeto de lei que trata desse tema tramita no congresso desde 2002 (6.405 de 2002 e 6.212 de 2005)6 sem prazo para ser votado e nem indícios de que será aprovado.

    Uma ainda frágil organização da categoria dos árbitros, em âmbito nacional, pode ser um dos motivos que contribua para que esta situação persista.

    [...] a nível nacional nós temos um problema muito sério, estamos tentando reorganizar a categoria, o problema é que o Brasil são vários países dentro de um só. Enquanto existem sindicatos que tão batalhando pra receber o preço da taxa durante o campeonato, os outros já têm tudo em dia, já tão lutando pela profissionalização, aumento da taxa! Tem cara que apita campeonato estadual por oitenta reais, campeonato estadual! Então o que tu vê é uma discrepância muito grande, pra tu falares de unidade nacional. (Entrevista concedida pelo árbitro L.G. para o autor em 19/01/2009).

    A entrevista concedida pelo árbitro L. G. fez referência também a outros temas atuais da arbitragem do futebol brasileiro, como, por exemplo, a situação da arbitragem no Estatuto de Defesa do Torcedor.7

    Em síntese, as dificuldades enfrentadas pelos árbitros brasileiros de futebol começam pela falta de um tempo maior para uma melhor qualificação e permanente atualização (formação), pela ausência de uma série de direitos trabalhistas já conquistados pela maioria das outras profissões e por uma ainda frágil organização da categoria. Lamentavelmente, essa situação poucas vezes é explicitada pelos veículos de comunicação que costumam se ocupar do universo futebolístico.

5.     Considerações finais

    Quando iniciamos este estudo pretendíamos abordar prioritariamente as questões relacionadas a polêmica condição de todo o árbitro brasileiro ter que comprovar outra profissão para poder permanecer na arbitragem, mas a partir dos dados oriundos do campo empírico (as entrevistas), avaliamos que seria academicamente imprudente e equivocado deixar de tratar, mesmo que brevemente, da relação entre esse tema e as mídias, por exemplo. Assim, o estudo passou por uma certa (re)configuração visando melhor responder as questões que objetivaram a sua realização, que tratam da polêmica situação da profissionalização da arbitragem do futebol brasileiro. Situação que, como o estudo mostrou, depende de decisões e deliberações políticas que extrapolam a categoria dos árbitros. Assim, apesar de estar tramitando no congresso nacional um projeto de lei que trata da regulamentação da profissão, desde 2002, atualmente não há sinais de que em curto prazo ele será votado. Apesar disso, vemos aumentar cada vez mais as exigências sobre os árbitros de futebol profissional, o que faz com que na prática muitos deles dediquem-se quase que exclusivamente a arbitragem, atendendo às exigências de uma formação cada vez mais complexa e diversificada.

    Por fim, cabe destacar que a arbitragem ainda é um campo que carece de um número maior de estudos acadêmicos provenientes de diferentes áreas. Afinal, o árbitro é uma figura bastante singular, como ilustram muito bem as escritas literárias de futebol quando se referem a ele, como faz Galeano (2004) quando diz que ele representa o "álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças, as torcidas teriam que inventá-lo se ele não existisse. Quanto mais o odeiam, mais precisam dele. Durante mais de um século, o árbitro vestiu-se de luto. Por quem? Por ele. Agora, disfarça com cores." (p.18).

Notas

  1. Para se ter uma melhor noção sobre o número e também sobre a natureza dos trabalhos acadêmicos realizados no Brasil nas últimas décadas no campo das ciências humanas que abordam o futebol, consultar o levantamento coordenado por Silva, S. R. Levantamento sobre a produção acadêmica sobre o futebol nas ciências humanas e sociais. CD-Rom,. Belo Horizonte: GEFUT. UFMG; ME, 2009.

  2. Para preservar o anonimato dos nossos entrevistados, durante todo o trabalho iremos utilizar somente as iniciais de seus nomes.

  3. Atualmente um curso da Federação Gaúcha de Futebol é constituído de aproximadamente 240 horas. É feita uma pré-seleção através de teste físico. Os aprovados, de acordo com as vagas, ingressam no curso e no final são submetidos novamente a um teste físico e a uma prova teórica.

  4. Em entrevista ao programa Arena Sportv em janeiro de 2009, o chefe da comissão de arbitragem da federação paulista de futebol, Coronel Marinho, informou ao jornalista Cléber Machado que naquele ano a federação paulista estava investindo cerca de 500 mil reais na preparação de seus árbitros para as competições no estado de São Paulo.

  5. Maiores considerações sobre o processo de globalização do futebol moderno, consultar: RIBEIRO, L. C. (Org.). Futebol e Globalização. Jundiaí: Fontoura, 2007.

  6. Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) - Apresentação do Voto em Separado, VTS 1 CCJC, pelo Dep. Silvinho Peccioli. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/543316.pdf, Acesso em: 11 mar. 2008.

  7. Para uma análise mais específica sobre as modificações que o Estatuto de Defesa do Torcedor trouxe para a arbitragem brasileira, consultar o artigo: "Árbitro de futebol e legislação esportiva aplicável", de Alberto Inácio da Silva, EFDeportes.com, Revista Digital, Buenos Aires, 2008. http://www.efdeportes.com/efd121/arbitro-de-futebol-e-legislacao-esportiva-aplicavel.htm

Referências bibliográficas

  • BOSCHILIA, B. et al. Implicações da espetacularização do esporte na atuação dos árbitros de futebol. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v.30 n. 1, p. 57-73, set. 2008.

  • ECO, U. A Falação Esportiva. In: _____. Viagem na Irrealidade Cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

  • FIORI, E. Z. A República do Apito. São Paulo: Caminho das Ideias, 2006.

  • GALEANO, E. Futebol ao sol e a sombra. 3. Ed. Porto alegre: L&PM, 2004.

  • NUNES, R.; SHIGUNOV, V. Auto-estima do árbitro de futebol do estado de Santa Catarina. Revista de Educação Física da UEM. Maringá, v. 13, n. 2, p. 71-79, 2. sem. 2002.

  • PEREIRA, J. A. et al. Causas que levam alguns árbitros a desistirem da carreira de árbitro profissional. Revista da Educação Física da UEM. Maringá, v. 17, n. 2, p. 185-192, 2. Sem. 2006.

  • RIBEIRO, L. C. (Org.). Futebol e Globalização. Jundiaí, SP: Fontoura, 2007.

  • SILVA, A. I. Árbitro de futebol e legislação esportiva aplicável. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, año 13, n. 121, Jun. 2008. http://www.efdeportes.com/efd121/arbitro-de-futebol-e-legislação-esportiva-aplicavel.htm

  • SILVA, A. I. et al. O árbitro de futebol: uma abordagem histórico crítica. Revista da Educação Física da UEM. Maringá, vol. 13, n. 1, p. 39-45. 2002.

  • SILVA, A. I.; FRAUSINO, N. M. S. Análise dos comentários da imprensa em relação ao árbitro de futebol. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, año 10, n. 84, Mai. 2005. http://www.efdeportes.com/efd84/arbitro.htm

  • SILVA, S. R. (Coord.) Levantamento sobre a produção acadêmica sobre o futebol nas ciências humanas e sociais. CD-Rom, Belo Horizonte: GEFUT; UFMG; ME, 2009.

  • SIMON, C. E. Na Diagonal do Campo. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.

  • TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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