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Jogo, brinquedo e brincadeira nas aulas de Educação Física

Juego, juguete y diversión en las clases de Educación Física

 

*Professor adjunto do Colégio de Aplicação da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

e da graduação, especialização e mestrado em Educação Física

da Escola Superior de Educação Física (ESEF)

da Universidade de Pernambuco (UPE)

e da licenciatura da Faculdade Salesiana do Nordeste (FASNE);

Doutor em Educação pela UFPE;

Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos Etnográficos em

Educação Física e Esportes (ETHNÓS)

**Professor adjunto da graduação, especialização e mestrado em

Educação Física da ESEF-UPE e da licenciatura da FASNE;

Doutor em Educação pela UFPE

Pesquisador do Grupo de Pesquisa ETHNÓS

Marcelo Tavares*

mtavares19@hotmail.com

Marcílio Souza Júnior**

m.souzajr@uol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo tem como objetivo contribuir teórico-metodologicamente para as discussões sobre jogo, brinquedo e brincadeira durante o processo de aprendizagem nas aulas de Educação Física na escola. Para tanto, traremos para a discussão as contribuições teórico-metodológicas a respeito desses conhecimentos, como também uma experiência realizada no Colégio de Aplicação da UFPE (Brasil) que nos possibilitou revelar elementos enriquecedores para a prática pedagógica dos professores de Educação Física numa perspectiva lúdica.

          Unitermos: Jogo. Brinquedo. Brincadeira

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

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    Os conceitos a respeito do jogo, do brinquedo e da brincadeira nos ajudarão a compreender os conhecimentos que serão tratados no contexto deste texto:

    Jogo: “Do lat. Gracejo, zombaria, que tardiamente tomou o lugar de ludus. S.m. 1. Atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a perda ou o ganho: jogo de damas, jogo de futebol. 2. Brinquedo, passatempo, divertimento: jogo de armar; jogo de salão...; Brincadeira: S.f. 1. Ato ou efeito de brincar; 2. Divertimento, sobretudo entre crianças; brinquedo, jogo. 3. Passatempo, entretenimento, divertimento: Passaram a noite em alegres brincadeiras...; Brinquedo: S.m. 1. Objeto que serve para as crianças brincarem: brinquedo mecânico; loja de brinquedos...” (AURÉLIO, 2000).

    Kishimoto (2003) entende o brinquedo como o suporte de uma determinada brincadeira. Ele pode ser concreto ou ideológico. Objeto cultural que não pode estar distante da sociedade. Ele deve ter como referência direta a criança e a sua história. Deve também apresentar uma estreita ligação com a história da criança.

    A brincadeira, para Kishimoto (2003), é a descrição de uma conduta estruturada, abrangendo regras e jogo infantil, com o intuito de possibilitar o envolvimento das crianças durante um determinado tempo.

    Para Huizinga (1993), o jogo é uma atividade voluntária, realizada em determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras definidas livremente, mas de caráter obrigatório, acompanhada de um sentimento de tensão, de alegria e de ser diferente da vida cotidiana.

    O jogo, para Bruner (1976), muitas vezes ocorre em situações em que a pressão não existe e deve acontecer em um clima amistoso e sem tensão ou perigo, proporcionando uma aprendizagem rica, com a participação e a alegria das crianças. Em um clima de quero mais. As brincadeiras propiciam uma grande interação entre os participantes e, numa ação comunicativa entre as crianças, nos permitem revelar a importância para o aprender a falar. A descoberta das regras do jogo e a própria situação que elas vivem em jogo, enriquecem a linguagem oral, possibilitando-lhes inclusive, alterar as regras do jogo.

    Se durante a aprendizagem da fala é preciso que as crianças compreendam tanto o significado das palavras como as regras de composição da sentença, o aprender a brincar segue o mesmo princípio. Segundo Kishimoto (2002), em pesquisas realizadas nos anos 70, Miller, Chomsky e Bruner afirmaram que a brincadeira segue os mesmos paradigmas da linguagem. Tomaram por base o desenvolvimento da criança, especificando as formas de compreensão do mundo em que vivem, possibilitando um melhor entendimento da conduta infantil: enativa relaciona-se à motricidade; icônica, às imagens; e simbólica, a símbolo. Acrescenta Bruner (1976, 1978 e 1986) que a brincadeira tem um grande potencial para a descoberta de regras e de novas linguagens. O poder combinatório, desenvolvido pela criança, não é conseqüência da aprendizagem da língua, mas a oportunidade que elas têm de brincar tanto com a linguagem como com o pensamento. As linguagens podem ser cada vez mais enriquecidas durante a realização dos jogos, devido a estes possuírem características pouco opressoras e estimuladoras de criatividade.

    A criança, ao brincar, não se preocupa com os resultados, pois o prazer em jogo possibilita-lhe agir livremente diante das atividades exploradas. Essa cultura lúdica deve ser por demais cultivada durante as aulas, para que possamos oportunizar uma flexibilidade do brincar que muitos autores denominam de momentos de futilidade ou atos sem conseqüência. A criança, ao brincar, tem a possibilidade de ludicamente solucionar os problemas que lhe são apresentados (BRUNER, 1978).

    A ludicidade deve cada vez mais ser enriquecida e estar presente nas aulas de Educação Física nas escolas. Assim sendo, o professor, ao problematizar os jogos tratados em sala de aula, terá a possibilidade de ver os alunos resgatarem outros jogos, frutos de suas realidades, de suas vidas fora da escola. Jogos que, ao estarem presentes nas aulas, contribuem para enriquecer a ludicidade durante as experiências vividas que, em muitos casos, são semelhantes ou iguais àquelas praticadas fora da escola. Momento em que a alegria e o prazer de participar ficam evidentes, até porque os jogos representam uma parte de suas vidas.

    Bruner (1978) considera esta ação lúdica como o primeiro nível de elaboração do conhecimento, ou seja, o nível do pensamento intuitivo que ainda se encontra como nebuloso, mas com uma direção já definida. Para ele, o prazer e a alegria devem fazer parte do processo inicial da construção e da sistematização do conhecimento, com o intuito de poder adquirir conceitos significativos. Esse processo ele chama de pensamento intuitivo e analítico ou, mais recentemente, de raciocínio narrativo e lógico-científico.

    Bruner (1978 e 1986) destaca ainda que é fundamental para os educadores a realização de brincadeiras livres porque liberam as crianças da pressão do cotidiano. Por outro lado, sabemos que é o adulto que dá forma aos conteúdos intuitivos, a partir de sua orientação pedagógica, transformando-se em idéias lógico-científicas presentes nos processos educativos. A presença do adulto, ou seja, do professor, com a sua experiência, favorece a concentração mais prolongada, a elaboração e a sistematização de conhecimentos de maior complexidade. Assim sendo, a escola não deve cultivar apenas a espontaneidade, mas também os trabalhos em grupos mediados pelo diálogo professor-alunos.

    Para Brougère apud Kishimoto (2002), mesmo que o jogo seja compreendido como uma ação de livre expressão da criança, a sua prática cotidiana revela, a partir da cultura de diversos povos praticantes, formas diferenciadas de jogar. Na sociedade de Nova Guiné, os jogos não terminam com um ganhador, porque se prioriza a participação de todos. O culto de igualdade é característico dessa cultura. O jogo se assemelha muito à forma de socialização que prepara as crianças para que no futuro ocupem um lugar na sociedade adulta. Segundo Dietrich (1984), num sistema tradicional de ensino, o jogo é baseado na memorização e na aculturação, sendo enfatizado somente como meio para a iniciação desportiva, ou seja, ênfase na competição. Aí o jogo é institucionalizado, e a comunidade que o pratica, repete, reproduz, fielmente, as regras predeterminadas. Essa cultura da competição, do rendimento, dos melhores e dos mais fortes esquece a livre expressão, a ludicidade, o prazer e a alegria tão necessários à formação de crianças e jovens.

    Combinar momentos de brincadeira livre e atividades orientadas pelo professor é uma estratégia importante recomendada por Bruner apud Kishimoto (2002). Para ele, tanto a cultura como a análise narrativa da realidade das crianças contribui teórico-metodologicamente para a apreensão do saber como fazer. Vygotsky (1988), ao articular cultura« inteligência«educação, afirma que todo ser humano encontra-se inserido no contexto cultural que define as formas para pensar e para agir, possibilitando aos educadores realizar pela narrativa o desenvolvimento da representação peculiar do mundo em que vivem. Com a presença do adulto e de pessoas mais experientes, a criança enriquece o desenvolvimento do pensamento e seu próprio comportamento. A fala é um elemento importante para a interação com adultos e pessoas mais experientes. Com a interiorização progressiva dessas informações e com seu crescimento, a ajuda exterior vai seqüencialmente tornando-se desnecessária. Vygotsky (1988) faz uma análise do brinquedo com o jogo:

    ao correr, uma criança pode estar em alto grau de agitação ou preocupação e restará pouco prazer, uma vez que se ela for ultrapassada, experimentará pouco prazer se achar que correr é doloroso; além disso, se ela for ultrapassada, experimentará pouco prazer funcional. Nos esportes, o propósito do jogo é um dos seus aspectos dominantes, sem o qual não teria sentido; seria como examinar um doce colocá-lo na boca, mastigá-lo e então cuspi-lo. Naquele brinquedo, o objetivo, que é vencer, previamente é reconhecido (p.117-118).

    Essas colocações nos ajudam a questionar ainda mais o ensino do jogo nas escolas, hoje impregnado das teorias reprodutivistas. Com essa reflexão, podemos vislumbrar um ensino do jogo voltado para a vida das crianças. Ao dar ênfase às questões sociais e às interações no meio ambiente em que vivem as crianças, o autor traz contribuições significativas para o ensino do jogo na escola, na medida em que, ao considerarmos o cotidiano dos alunos com a vivência desses jogos, será enfatizada a cultura corporal dos educandos. Assim, durante a realização dos jogos, será propiciado o prazer, e não o sofrimento; a alegria, e não a tristeza.

    Com o passar do tempo, perdemos, muitas vezes, as imagens sociais que ficam guardadas em gavetas que não foram abertas em virtude de outros modos de vida vividos na sociedade contemporânea. As aulas de Educação Física nas escolas podem resgatar, em nível de conteúdo, os jogos populares criados tanto pelos nossos antepassados como recriados hoje pelas crianças e jovens durante as aulas. Segundo Tavares (2004), eles são caracterizados: a) pela flexibilidade das regras (diferenciam-se de bairro para bairro, de cidade para cidade ou de país para país); b) pelo grande número de participantes; c) por não existirem formas predeterminadas para a execução técnica; e d) pelos praticantes, em sua maioria, das camadas populares. A cultura desses jogos encontra-se esquecida por parte dos professores nas escolas, que, muitas vezes, priorizam jogos do interesse mercadológico para a sociedade. Seria importante que a escola possibilitasse o acervo cultural para outros elementos da cultura que não a escolarizada. O ser humano, ao criar e recriar a cultura, estará possibilitando a realização de brincadeiras e ampliando as informações para o nosso acervo cultural.

    O jogo, para Huizinga (1993), é um dos conhecimentos mais antigos de nossa cultura, e foi criado para possibilitar divertimento e prazer aos seres humanos. Para este autor, a não seriedade ao participar de um jogo não implica que nele não haja seriedade, pois a criança, quando brinca, brinca compenetradamente. Segundo Kishimoto (2003), essa pouca seriedade está relacionada ao cômico e ao riso; a criança, ao brincar, se distancia da vida cotidiana, ou seja, encontra-se no mundo imaginário; o jogo só é jogo quando apenas pensam em brincar. Contudo, para a autora, muitas vezes o jogo engajado no processo educativo desvirtua esse critério ao priorizar a aprendizagem de noções e habilidades durante as aulas; além do mais, o professor, ao trabalhar com o jogo de forma coercitiva, impossibilitando a liberdade de expressão das crianças, faz com que predomine um ensino direcionado por ele.

Jogo, brinquedo, brincadeira: uma experiência inovadora

    O Colégio de Aplicação da UFPE (Brasil) vem realizando pesquisas inovadoras envolvendo o jogo, o brinquedo e a brincadeira, inseridos nas aulas de Educação Física das crianças do 6°ano, que buscam na dinâmica curricular uma nova direção nos trabalhos dessa disciplina, de forma que se resgataram tais conhecimentos numa totalidade, na tentativa de articular o processo pedagógico de maneira alegre e prazerosa.

    Ao contemplar o trabalho com os referidos conhecimentos, a disciplina Educação Física apontou contribuições teórico-metodológicas significativas para a prática pedagógica, na medida em que o trabalho possibilitou levar os alunos a explorar, analisar e aprofundar tais conhecimentos utilizando as diversas formas de expressão (linguagem verbal, linguagem escrita, linguagem corporal). As aulas ocorreram durante uma unidade de ensino, em que o trato do jogo, do brinquedo e da brincadeira foi subsidiado metodologicamente por três categorias básicas: planejamento participativo, pesquisa escolar e avaliação sistemática. Elas não estiveram isoladas, havendo entre as mesmas uma interação e uma integração orgânica.

    Com base no planejamento participativo, segundo Tavares (2004), nas aulas que trataram do jogo, do brinquedo e da brincadeira, respeitou-se a realidade das crianças e, conseqüentemente, resgatou-se a vida para dentro da escola, a partir da problematização realizada durante o processo de ensino-aprendizagem, a qual possibilitou novas experiências de jogar com alegria nas aulas de Educação Física.

    A pesquisa escolar, segundo Tavares (2004), possibilitou a consulta aos livros, às revistas, aos trabalhos dos próprios alunos da escola; consulta fora da escola à família e aos amigos; e a produção escrita dos alunos na escola. Tal procedimento, ao ser utilizado, despertou a curiosidade das crianças durante as suas próprias descobertas. A investigação sobre os jogos / as brincadeiras e os brinquedos, através da pesquisa escolar, levou as crianças a rever os jogos / as brincadeiras já apreendidas em sua própria cultura e descobrir outros jogos / outras brincadeiras não apreendidos dessa mesma cultura, como também apreender jogos / brincadeiras de outras culturas.

    Essa investigação possibilitou às crianças buscar contribuições teórico-metodológicas para o professor de Educação Física, com o intuito de o mesmo enriquecer a sistematização dos jogos e das brincadeiras por eles descobertos. Com as avaliações sistemáticas e processuais, durante as aulas, os alunos descobriram que os jogos e as brincadeiras apreendidos nas aulas contribuíram para enriquecer as aprendizagens articuladas à vida, tanto dentro como fora da escola.

    As categorias vivenciadas e sistematizadas ajudaram a enriquecer os jogos / as brincadeiras nas aulas de Educação Física, como também possibilitaram uma formação do aluno como um todo, despertando a criatividade, o senso crítico, o conhecimento das linguagens e suas aplicabilidades.

    Trabalhando nessa perspectiva, os objetivos foram alcançados graças ao envolvimento das categorias que possibilitou um constante inter-relacionamento professor e alunos em busca de novos jogos / novas brincadeiras que atendessem a realidade das crianças. Elas aprenderam vivendo com curiosidade, abertura e vontade de descobrir coisas novas. A experiência acrescentou muito ao ensino da Educação Física na medida em que ampliou as possibilidades de novas experiências, a partir de um trabalho integrado professor-alunos.

    Enfim, nessa experiência, verificamos mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem: as aulas de Educação Física tornaram-se mais participativas, alegres e prazerosas, tanto para os alunos como para o professor; o diálogo professor-alunos ficou mais evidente, tanto na troca como na criação de novas experiências; os alunos enriqueceram a sua linguagem (escrita, verbal e motora); o interesse das crianças durante as aulas foi ampliado; A partir das experiências realizadas, a comunidade passou a acreditar mais num trabalho integrado entre professor-alunos. Contudo, é importante que persigamos experiências como essas na práxis pedagógica, na medida em que alunos e professores tenham condições de realizar reflexões críticas, para que o ensino não seja reprodutivista e, sim, dialogicizado porque apresenta possibilidades de transformar crianças e jovens no mundo, brincando e jogando nas aulas de Educação Física.

Referências

  • BRUNER, J.S & RATNER, N. Games, Social Exchange and the Acquisition of Langage. In: Journal of child Language. V.5, n.° 3, pp. 391-491-401, oct. 1978.

  • BRUNER, Jerome Seymour. Actual Minds: Possible Words. Cambridge: massachusetts: Harvard University Press, 1986.

  • BRUNER, Jerome et al. Play: its Role in Development Evolution. New York: Penguin Books, 1976.

  • DIETRICH, Knut et al. Os grandes jogos: metodologia e prática. Rio de Janeiro: Livro técnico, 1984.

  • HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1988.

  • KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 2002.

  • __________________________. O jogo e a Educação Infantil. São Paulo: Pioneira, 2003.

  • TAVARES, Marcelo. O ensino do jogo na escola: uma abordagem metodológica para a prática pedagógica dos professores de educação física. Recife: Edupe, 2004.

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