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Representações dos alunos do sexo masculino sobre 

o conteudo dança nas aulas de Educação Física escolar

Representaciones de los alumnos de sexo masculino sobre el contenido danza en las clases de Educación Física escolar

 

*Licenciado em Educação Física

Unisuam, RJ

**Prof. Adjunto. Unisuam, RJ

Prof. Titular PGCAF. Universo, RJ

(Brasil)

José Carlos Oliveira da Fonseca Junior*

jocarlosjr@oi.com.br

Fabiano Pries Devide**

fabianodevide@uol.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O estudo de caso, de caráter exploratório, teve como objetivo investigar as relações entre gênero e dança nas aulas de Educação Física escolar numa escola da rede pública de ensino localizada no Município do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados através de uma entrevista semi-estruturada com quatorze alunos do sexo masculino do último ano do quarto ciclo do ensino fundamental, com a finalidade de verificar se existe preconceito por parte desses sobre o conteúdo dança nas aulas de Educação Física, além de investigar as relações entre o conteúdo dança e o conceito de gênero. A análise de conteúdo do discurso dos informantes permitiu construir duas categorias centrais: o preconceito e a dança como conteúdo generificado. Conclui-se que os alunos participam das aulas pela dança ser mais um conteúdo de Educação Física, mas poucos participam por prazer. O preconceito em relação ao menino que dança ainda existe e os alunos continuam enxergando a dança como um conteúdo feminino e o futebol como um conteúdo de masculino. É necessário que os docentes adotem uma postura Co-educativa para discutir as questões de gênero na sociedade e na Educação Física escolar.

          Unitermos: Dança. Gênero. Educação Física Escolar. Preconceito

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010

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Introdução

    Ao observamos nossa sociedade, percebemos que ainda hoje existem preconceitos relacionados à raça, religião, classe social, gênero1, entre outros aspectos. Os adolescentes, alunos do quarto ciclo do ensino fundamental, vivenciam essas questões diariamente em seus contatos com a família e a escola.

    O espaço escolar, principalmente as aulas de Educação Física (EF), possuem um papel fundamental em relação à discussão dessas questões por ser durante as aulas de EF que os corpos dos discentes se movimentam e entram em contato uns com os outros. Nessa fase, os comportamentos se tornam sexualmente tipificados e adquirem valor e significado diferentes para os meninos e para as meninas (ROMERO, 1990).

    Optamos por uma pesquisa que nos possibilitasse entender o porquê de alguns conteúdos da EF estarem relacionados às questões de discriminação de gênero. Para tal, investigamos o conteúdo “dança” à luz da teoria de gênero, que vem se consolidando a partir da década de 1970, quando surge o termo “gênero” (LOURO, 1997). Na EF brasileira, os estudos de gênero emergem na década de 1980 e se consolidam a partir de 1990, principalmente no que diz respeito à formação profissional e a ação na própria EF escolar (SOUZA, 1994).

    A dança, tema que norteia essa pesquisa, surge no final do século XX nas escolas protestantes do Rio de Janeiro, como um conteúdo para as aulas de EF para mulheres, permitindo que as moças praticassem uma forma de exercício físico sem que este causasse problemas à futura mãe ou transformasse sua aparência corporal, a partir de cuidados de estética e beleza aprendidos na infância e adolescência (GOELLNER, 2003). Este conteúdo tem sido mantido à margem nas aulas de EF escolar, apesar de possuir inúmeras possibilidades de ensino numa perspectiva crítico-social dos conteúdos (GHIRALDELI, 1992).

    Marques (1997) sugere que o ensino da dança seja dividido em aspectos de aprendizado do movimento: consciência corporal e condicionamento físico; outras disciplinas que se relacionam à dança, como história e antropologia; além da vivência da dança em si, através de composição coreográfica, repertório e improvisação.

    A sociedade tende a rotular determinadas áreas como masculinas ou femininas, reprimindo determinadas vivências motoras do nosso corpo, que deve ser veículo de expressão através do movimento, sendo capaz de aventurar-se para vivenciarmos inúmeras possibilidades de vida (TRINDADE, 2002).

    Isto também ocorre na EF Física escolar, que ao longo da história ajudou a feminizar as atividades rítmico-expressivas – entre as quais, a dança; além de masculinizar o esporte, sobretudo as modalidades coletivas (SARAIVA, 2002).

    Neste contexto, o presente estudo tem como problema responder à questão: Quais as representações dos alunos do sexo masculino do quarto ciclo do ensino fundamental sobre o conteúdo dança nas aulas de EF escolar? O objetivo geral é analisar as representações dos alunos do sexo masculino do quarto ciclo do ensino fundamental sobre o conteúdo dança nas aulas de EF escolar. Como objetivos específicos o estudo busca: a) identificar as relações entre dança e gênero por parte dos alunos do sexo masculino do quarto ciclo do ensino fundamental; e b) identificar se há preconceitos dos alunos do sexo masculino com a dança.

    O estudo justifica- se por: i) investigar e expor o que os alunos do quarto ciclo do ensino fundamental pensam sobre a dança como conteúdo de ensino nas aulas de EF escolar; ii) o seu grau de participação; assim como iii) compreender as relações entre dança e gênero no seu discurso.

Metodologia

    O presente estudo de caso se caracteriza como uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório (THOMAS, NELSON, 1999). Como instrumento de coleta de dados, utilizou a entrevista semi- estruturada (MINAYO, 1992). Tal instrumento permitiu analisar as representações dos discentes do sexo masculino do quarto ciclo do ensino fundamental sobre a dança nas aulas de EFescolar e verificar as relações entre gênero e dança, assim como possíveis preconceitos relacionados à dança nestas aulas.

    A pesquisa foi realizada a partir da análise de dados colhidos pela aplicação de uma entrevista semi-estruturada em quatorze alunos, com a finalidade de alunos responderem às questões sobre gênero, dança e EF escolar, com o objetivo de investigar o que os alunos do quarto ciclo do ensino fundamental acham sobre o conteúdo dança nas aulas de EF escolar, como se dá a sua participação nas aulas, além de relatar a existência de possíveis preconceitos relacionados às questões de gênero nas aulas de dança.

    Como referencial teórico de análise, utilizou a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008), com vistas à construção de categorias estabelecidas a partir da transcrição das entrevistas semi-estruturadas.

    O estudo foi realizado numa escola da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, localizada no bairro de Olaria. Nesta rede, as aulas de EF abordam os elementos da Cultura Corporal do Movimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992), dentre os quais a dança faz parte. A escola possui dois docentes de EF e possui instalações específicas para diversas atividades: quadra poliesportiva, biblioteca, sala de áudio e vídeo, laboratório de Artes e Ciências, mesas de “ping-pong”, totó e xadrez.

    As aulas de EF utilizam a dança como conteúdo do primeiro bimestre do ano letivo, sendo ministrada por uma professora, que costuma iniciar o conteúdo com aulas de dança aeróbica, pois segundo ela, isso diminui o preconceito por proporcionar aos discentes a melhora do condicionamento através da música e do ritmo. Posteriormente, a professora escolhe um tema e pede aos discentes que reflitam sobre o mesmo, escolham uma música e elaborem uma coreografia. Durante as aulas de EF do primeiro bimestre, a professora tende a orientar os discentes sobre questões relacionadas à coreografia e aos conflitos de gênero que aparecem no decorrer das aulas.

Revisão de literatura

Questões de gênero na EF escolar

    A expressão gênero surge a partir da década de 1970, proveniente do movimento denominado “segunda onda” do feminismo, quando as teóricas feministas iniciar uma reflexão crítica sobre as questões de gênero no seio do próprio grupo de mulheres, superando o discurso liberal, de busca de igualdade, que caracterizou a “primeira onda” do feminismo.

    Na década de 1990, as questões de gênero emergiram no âmbito da EF escolar, que passou a refletir sobre como as práticas pedagógicas vinham sendo aplicadas, devendo possibilitar aos alunos diferentes contatos com o movimento e fazê-los pensar sobre as questões de gênero e as desigualdades. Tais discussões culminaram com a superação das discussões acerca das aulas separadas por sexo e mistas, trazendo para o rol das metodologias de ensino uma nova organização no que tange à distribuição dos discentes por sexo nas aulas e respectivas atividades (ALTMANN, SOUSA, 1999; SARAIVA, 1999).

    Neste contexto, a proposta co-educativa pressupõe que meninos e meninas atuem no mesmo espaço, juntos, e durante o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos de EF discutam sobre as questões de gênero a partir da mediação do docente. Além de discutir as questões relacionadas à diferença entre os sexos, estas aulas possibilitam aos discentes a vivência de diferentes tipos de experiências motoras e o debate sobre questões de reservas masculinas e femininas que ocorrem nas aulas de EF escolar (ROMERO, 1990).

    Apesar destes avanços, no entanto, Goellner (2005) ainda aponta alguns equívocos ainda existentes nas pesquisas em EF, a saber: identificação de gênero como sinônimo de sexo; confusão conceitual entre identidade de gênero e sexual; o estudo de estereótipos e papéis sexuais como uma possibilidade reduzida de abordar relações de gênero na EF; e a identificação entre estudo sobre mulheres e estudos de gênero.

    No contexto escolar, a não observância de questões relacionadas à identidade de gênero e à identidade sexual também têm levado à construção de preconceitos decorrentes da generificação dos conteúdos como jogos, desportos, atividades rítmico-expressivas e lutas, contribuindo para o que Saraiva (2002) denominou de processo de masculinização e feminização dos conteúdos de ensino da EF, aspecto ainda corrente nos dias atuais (SARAIVA, 2002).

    A EF escolar implica a realização de práticas corporais enquanto processos culturais que podem contribuir com a construção ou desconstrução de estereótipos sobre os corpos. Tais estereótipos se relacionam à identidade de gênero (feminilidade, masculinidade) e à identidade sexual (heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade).

    No decorrer de seu processo de constituição, a EF escolar sofreu influências das instituições médica, militar e esportiva (BRACHT, 1996). Para Gomes, Silva e Queirós, (2004), o currículo de Educação Física passou a favorecer a reprodução e consolidação de estereótipos quando centrou suas aulas em jogos esportivos conotados como masculinos e “renegou” outras possibilidades de práticas corporais, favorecendo somente o sucesso dos alunos.

Metodologias de ensino na EF em relação à distribuição dos alunos/as por sexo

    No decorrer de sua construção enquanto componente escolar, a EF escolar assumiu o uso do formato de aulas separadas por sexo. De acordo com a legislação federal, o decreto n 69.450 de primeiro de dezembro de 1971, normatizava que os discentes deveriam ser divididos em turmas de cinqüenta alunos do mesmo sexo, selecionados pelo nível de aptidão física (BRASIL, 1971). Em 1982, com a Reforma do Ensino Primário, a EF escolar passou a transmitir os seus conteúdos de maneira diferenciada para meninos e meninas (SOARES, 1994), contribuindo para naturalizar as diferenças de gênero a partir de argumentos biológicos. Tais aulas de EF separadas por sexo eram justificadas pelo argumento das diferenças biológicas entre os meninos e meninas (MAYER, 2004).

    Com os avanços das discussões no âmbito da Metodologia do Ensino na EF, as aulas separadas por sexo foram repensadas e substituídas pelas aulas mistas, formato foi destacado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que sugerem que as aulas de EF escolar mistas são importantes para oportunizar que meninos e meninas vivenciem diferentes experiências motoras e através delas aprendam a serem tolerantes e compreenderem as diferenças relacionadas ao sexo, como composição corporal e papéis socialmente esperados.

    Embora as aulas mistas se justifiquem como uma possibilidade para a compreensão e o respeito às diferenças, combatendo a reprodução de estereótipos sexuais, diversos docentes encontram resistência por parte dos alunos para participarem de desse tipo de aula.

    Abreu (1992) identifica que meninos e meninas recebem uma educação distinta desde o âmbito familiar, desenvolvendo atividades diferentes no tempo livre, contribuindo para que os meninos sejam, em sua maioria, educados para a vida social, enquanto as meninas são educadas para vida privada.

    Louzada e Devide (2004) apontam que as meninas ainda justificam essa resistência pela “brutalidade” dos meninos e pela discriminação que sofrem devido às diferenças de habilidade motora para participar das atividades práticas, sobretudo desportivas, já que as experiências motoras das meninas são deficitárias quando comparadas àquelas dos meninos. Por outro lado, os meninos resistem às aulas mistas devido à suposta fragilidade e falta de força das meninas, o que, segundo eles, tornam estas aulas “sem graça”, enquanto julgam que as aulas separadas são mais intensas e mais competitivas.

    Por outro lado, alguns docentes apontam que o trabalho com o conteúdo esporte – sobretudo coletivo - nas aulas mistas, se torna mais difícil devido às aulas necessitarem abordar uma área de reserva masculina2, no sentido de favorecer as experiências de sucesso dos meninos em detrimento das meninas.

    É neste contexto que foram propostas as aulas co- educativas surgiram da necessidade não só de igualar os sexos, as vivências motoras e combater preconceitos, mas da possibilidade de equidade entre os sexos (SARAIVA, 1999; COSTA & SILVA, 2002). Sendo assim, essas aulas seriam similares às aulas mistas, porém tendo como objetivo problematizar as relações de gênero, permitindo ao docente criar situações didáticas reflexivas para que alunos e alunas possam vivenciar experiências motoras e repensarem as estruturas rígidas da nossa sociedade relacionadas aos papéis sexuais e às identidades sexuais e de gênero.

A dança como um conteúdo de reserva feminina nas aulas de EFe

    A dança é considerada uma arte do movimento e da expressão, onde a estética e a musicalidade estão impressas; a arte de viver expressa no gesto, no movimentar (GARAUDY, 1980; ACHCAR, 1998). Segundo BAMBIRRA (1993), a dança surgiu quando os primitivos imitavam movimentos e sons dos animais, descobrindo ritmos. A dança utiliza diferentes linguagens e pode se ramificar por diversas áreas: folclórica, religiosa, moderna, clássica e contemporânea.

    No Brasil, especialmente em algumas escolas protestantes no Rio de Janeiro, no início do século XIX, ao lado da ginástica, a dança surgiu como uma das atividades corporais destinadas e aceitas para a educação das mulheres, pois possibilitava que as meninas praticassem um exercício físico que não comprometesse a futura maternidade, enaltecendo sua graça, beleza e leveza de movimentos (CORREIA, 1998). No final daquele século, a dança associa-se à corrente eugênica, conforme o discurso de intelectuais da época:

    “desejo fazer das minhas alunas as mulheres do futuro, de físico perfeito e sólido caráter, para que assim, de um corpo são e alma sã, surja uma juventude sadia que se tornará grande e respeitada a nossa pátria”. (MICHAELSEN, 1933 apud CORREIA, 1998)

    Desta maneira, a dança é associada historicamente por às mulheres, construindo estereótipos que as afastou de outras atividades consideradas masculinas. Nesse contexto, a Educação Física escolar passa a ter seus conteúdos divididos em dois campos mutuamente exclusivos, que não se complementam: os jogos esportivos, que reforçavam a masculinidade e faziam dos homens indivíduos sadios, fortes e superiores em relação às mulheres; e as atividades rítmicas, que reforçavam a graça e a leveza, características associadas às mulheres e mães.

    Atualmente tal dicotomia de gênero tem se modificado no que tange à inserção das mulheres nos esportes, mas continua tendo um grau de dificuldade elevado quando se trata do caminho contrário: inserir os homens para a dança (SARAIVA, 2002).

Resultados

    A partir da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008) das entrevistas, identificamos que os conteúdos ministrados durante o ano letivo na instituição investigada foram ginástica aeróbica, basquete, dança, vôlei, handebol e futsal. O currículo de Educação Física desta escola apresenta o esporte de alto rendimento como elemento central das aulas de Educação Física, porém trabalha com a Dança, em turmas mistas durante um bimestre.

    Os resultados permitem afirmar que a preferência dos discentes do sexo masculino foi pelos conteúdos basquete e vôlei, seguidos pela dança, a ginástica aeróbica e por último o handebol e o futsal. A análise do conteúdo das entrevistas com os discentes permitiu a construção das seguintes categorias relacionadas ao problema de pesquisa: preconceito e dança como conteúdo generificado

Preconceito

    Para o grupo de informantes, a dança como conteúdo nas aulas de EFe é relevante por permitir estimular e desenvolver o corpo, aprimorando as habilidades para o aprendizado dos esportes, mas principalmente, por combater o preconceito em relação à sua prática pelos homens.

    “Acho normal, desenvolve a movimentação do corpo, dá mais flexibilidade.” (Info 2)

    “Com certeza deve ter dança, talvez isso seja fundamental para o desenvolvimento do nosso corpo.” (Info 5)

    Alguns informantes atribuíram importância à dança por combater o preconceito relacionado aos meninos que participam nessas aulas:

    “Sim, porque ai iria a acabar os preconceitos, porque eles falam que dança é uma coisa só para mulher. Acabaria isso.” (Info 7)

    O informante reconhece o preconceito e o caráter generificado do conteúdo dança para a comunidade escolar e a sociedade de forma ampla, ressaltando a relevância da EFe apresentar este conteúdo, pois contribui para combater o preconceito das pessoas quando associam a dança somente à identidade de gênero feminina (CORREIA, 1998; BRACHT, 1996; ALTMANN e SOUSA, 1999; ROMERO, 1990).

    Apesar de na instituição investigada os discentes do sexo masculino participarem das aulas de EFe quando o conteúdo é a dança, identificamos a palavra preconceito de forma recorrente no discurso do grupo de informantes. Para a maioria, os alunos participam das aulas com algum grau de preconceito.

    “Eles participam com uma pitada de preconceito. Eles têm preconceito ainda!” (Info 7)

    “Nem todos gostam. Os meninos participam menos, porque ainda existe preconceito em relação à dança”. (Info 10)

    “Alguns meninos fazem porque é preciso fazer, mas fazem com muito preconceito.” (info 13)

    Assim, mesmo os alunos que estão de fora, também praticantes do conteúdo em suas aulas, demonstram um preconceito internalizado. Ou seja: quando estão assistindo à aula de outra turma, olham para aqueles que estão participando como se fossem “mulherzinhas”, conforme se refere um informante:

    “Eles não tem preconceito, acham a dança normal, mas quando não estão fazendo as aulas claro que tem ne! Pensam que os outros meninos são mulherzinhas só porque dançam de um jeito.” (Info 7)

    Os alunos podem transpor as fronteiras de gênero, porém sempre haverá alusão ao homem que dança como um homem gay, pela dança ser considerada uma atividade direcionada às mulheres (GOELLNER, 2005; SARAIVA, 2002).

    “Acho uma boa para eles porque eles que estão ganhando com isso e os outros estão perdendo, quem gosta de dançar não tem preconceito e quem não gosta fica com preconceito com eles.” (Info 6)

    Para o informante, os alunos que praticam a dança com prazer e se identificam com o conteúdo não são afetados pelo preconceito dos demais; enquanto aqueles que participam da aula por obrigação sentem desconforto ao quando há alunos externos os observando.

Dança como conteúdo generificado

    Os informantes afirmam que nas aulas de EFe os meninos deveriam ser “obrigados” a dançar, assim como as meninas a jogar futebol. Porém, demonstram e reforçam a idéia de que são atividades, respectivamente, de reserva feminina e masculina, nas quais devem participar apenas para experimentarem mais um conteúdo e adquirem um aprendizado mais amplo.

    “Elas não gostam de fazer os nossos esportes, a gente também não gosta de fazer o delas. Se elas são obrigadas a jogar, nós também deveríamos ser obrigados a dançar.” (Info 2)

    “Acho, em minha opinião deveria sim, aprende mais sobre a cultura, a dança é uma cultura.” (Info 11)

    Outro informante afirma que se meninos e meninas participassem, respectivamente, das aulas cujos conteúdos fossem dança e futebol, isso contribuiria para a diminuição do preconceito relacionado aos meninos com a Dança: “Sim porque ai o preconceito ia diminuir.” (Info 10).

    A Dança é considerada por muitos como uma atividade de reserva feminina por ter sido inserida na Educação Física como um conteúdo para as mulheres (CORREIA, 1998). Atualmente ainda há dificuldades em inserir os alunos nessas aulas (SARAIVA, 2002) e fazer com que eles experimentem tais possibilidades corporais (TRINDADE, 2002).

    Por outro lado, as meninas tendem a oferecer menos resistência para participarem das aulas com conteúdos generificados como “masculinos”, tal como o futebol. Neste contexto, a maior dificuldade do docente tem sido em relação às diferenças de habilidade motora, uma vez que, segundo a literatura, se constrói por questões culturais, como menor vivência em atividades corporais na infância por serem interpretadas como mais sensíveis e psicologicamente afetadas com o estresse da competição, além de sofrerem preconceito em relação à masculinização (ABREU, 1992; DEVIDE, 2005).

Considerações finais

    Este estudo teve como objetivo investigar quais as representações dos alunos do sexo masculino do quarto ciclo do ensino fundamental sobre o conteúdo dança, analisando-as a partir dos Estudos de Gênero. A partir da análise de conteúdo das entrevistas com quatorze alunos de uma unidade da rede pública municipal de ensino do Rio de Janeiro, identificamos que a dança ainda é um conteúdo permeado por preconceitos, por ser generificado como feminino pela sociedade de forma mais ampla e pela comunidade escolar, especificamente.

    A dança, embora aceita pelos informantes da pesquisa, ainda é interpretada como um conteúdo feminino, que poderia feminizar os meninos. Como este conteúdo não é ensinado numa abordagem co- educativa (SARAIVA, 1999), continua agradando menos os meninos, que aceitam participar da atividade, mas não a incorporam em seu cotidiano como algo a ser vivenciado por eles fora do contexto escolar.

    O discurso dos discentes relaciona-se à aceitação da dança como um conteúdo de ensino que pode aprimorar outras habilidades e trazer conhecimentos sobre cultura, porém há consciência sobre a dança ser um conteúdo de reserva feminina, que gera preconceitos.

    Gomes, Silva e Queirós (2004) afirmam que o currículo da Educação Física escolar passou a favorecer a consolidação e a reprodução de estereótipos quando centrou suas aulas em jogos esportivos conotados como masculinos e “renegou” outras possibilidades de práticas corporais. Podemos estabelecer que essa relação ainda exista nas aulas de Educação Física escolar.

    Neste contexto, o ensino da dança contribui para romper com a identidade masculina nos conteúdos da EFe, problematizando relações de gênero nas práticas corporais entre alunos e alunas, em busca de sua legitimidade social enquanto conteúdo de ensino para ambos os sexos.

    Para otimizar o ensino da dança nas aulas de EFe, sugere-se que o docente adote uma abordagem co-educativa de ensino, onde as questões de gênero sejam discutidas com os discentes de ambos os sexos. Tal abordagem permite ampliar as vivências e capacidades motoras dos alunos e alunas para práticas de lazer e contribuem para melhor interação social (DEVIDE; LOUZADA, 2006). Nesse sentido, a co-educação é uma ferramenta para desgenerificar os conteúdos, para que todos participem juntos e de forma equitativa das atividades propostas, construindo uma consciência crítica relacionada a seus papéis sexuais na sociedade, tolerando e respeitando as diferenças de gênero.

Notas

  1. Para fins desta pesquisa, gênero não seria apenas o determinismo biológico, mas a construção social do sexo (GOELLNER, 2005).

  2. A reserva masculina, neste contexto, pode ser de ordem médica, supondo que a mulher é fisiologicamente inferior ao homem e não deve participar de determinadas práticas corporais; psicológica, julgando que as mulheres não suportam o estresse da competição como os homens; e estética, com base na representação de que a atividade física e desportiva poderia masculinizar as mulheres (DEVIDE, 2005).

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